Introdução
A detecção precoce dos casos de tuberculose (TB) representa uma atividade essencial para o controle da doença. Ela possibilita a rapidez na introdução da terapia medicamentosa, que, por sua vez, contribui para a ruptura da cadeia de transmissão do bacilo e, consequentemente, para a diminuição da morbimortalidade. No Brasil, a taxa de detecção foi estimada em 86% em 2009,1 superior à meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (70%). Porém, essa realidade é heterogênea no país, conforme apontou estudo multicêntrico que avaliou o acesso ao diagnóstico da TB em diferentes regiões e evidenciou características sociopolíticas, econômicas, culturais, epidemiológicas e organizacionais como determinantes para a detecção da doença. De acordo com o estudo referido, os municípios de Ribeirão Preto (São Paulo) e Itaboraí (Rio de Janeiro), na região Sudeste, apresentaram desempenho superior no acesso ao diagnóstico da doença, na comparação com Feira de Santana (Bahia) e Campina Grande (Paraíba), na região Nordeste.2
Apesar da simplicidade dos métodos laboratoriais disponíveis para detecção da doença, ainda há dificuldades em agilizar o diagnóstico da TB. A busca passiva dos casos e a suspeição/confirmação são influenciadas por aspectos relacionados aos doentes e ao serviço de saúde, que podem resultar em um atraso no tempo desse diagnóstico.3
A literatura aponta que a busca e utilização dos serviços são influenciadas pelos significados do processo de adoecer e pelo entendimento dos indivíduos sobre a TB, a gravidade dos sintomas e a acessibilidade aos serviços de saúde, além da percepção sobre a qualidade, nível de complexidade e facilidade de atendimento.4,5 Mesmo depois de ingressar nos serviços de saúde, o usuário poderá enfrentar dificuldades para o diagnóstico, sendo necessárias repetidas visitas a esses serviços até a resolução de um caso.6 O funcionamento das unidades de saúde, a demora no agendamento de consultas, o déficit na quantidade e qualidade de recursos humanos, a carência de conhecimentos técnicos dos profissionais em relação à doença e os procedimentos para detecção de sintomáticos respiratórios configuram-se como importantes barreiras organizacionais para o diagnóstico da doença.7,8
Apesar da problemática da detecção dos casos de TB, no Brasil, ainda são escassos os estudos acerca dos aspectos comportamentais do doente capazes de influir na busca por atendimento, e do papel dos aspectos organizacionais dos serviços na detecção do agravo. Utilizando-se os descritores tuberculosis, delay e diagnosis, identificaram-se, nas bases de dados LILACS, MEDLINE e SciELO, apenas seis estudos realizados no país, publicados no período de 2002 a 2012.9-14 Desses seis estudos, quatro9-12 enfocaram os aspectos relacionados ao doente e ao serviço de saúde que interferem no tempo de diagnóstico da TB. Seus resultados evidenciaram que mulheres, indivíduos com maior vulnerabilidade socioeconômica e aqueles com dificuldade em reconhecer a tosse crônica como um dos sintomas da doença tiveram maior frequência de atraso no diagnóstico.
Assim, o presente estudo objetivou analisar características dos doentes e dos serviços de saúde associadas ao atraso do diagnóstico da tuberculose no município paulista de São José do Rio Preto.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, realizado em São José do Rio Preto e considerado prioritário para o controle da tuberculose - TB - no país.
Localizado na região noroeste do estado de São Paulo, em 2009 o município contava com uma população eminentemente urbana, estimada em 419.633 habitantes (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]: http://www.ibge.gov.br/censos, acessado em 24/11/2009), apresentando densidade demográfica de 907,98 habitantes/km2. Caracterizado por bons indicadores sociais, São José do Rio Preto apresentou taxa de analfabetismo em torno de 3,2%, índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,834 e índice de Gini de 0,47.
Considerou-se como população do estudo o total de doentes de TB em tratamento no município no período de novembro determinado e/ou interrompido o tratamento há mais de um mês do período da coleta de dados, que não souberam informar o primeiro serviço de saúde procurado após o início dos sintomas da doença, e aqueles que estavam em internação hospitalar.
Os dados foram coletados no período de junho a novembro de 2009, por meio de entrevistas utilizando instrumento estruturado, elaborado com base no Primary Care Assessment Tool (PCAT), validado para análise dos serviços de Atenção Básica no Brasil15 e adaptado para avaliar a assistência aos doentes de TB.16 O referido instrumento foi dividido em seções e dimensões que buscaram caracterizar o perfil socioeconômico e clínico do doente, e avaliar seu trajeto desde o início dos sinais e sintomas da TB até a procura pelos serviços de saúde e diagnóstico. Para a coleta dos dados clínicos (tipo de caso, forma clínica da TB, co-infecção TB/HIV (tuberculose/vírus da imunodeficiência humana), utilizou-se informações de fontes secundárias (prontuários e sistemas de informação TBWEB). Anteriormente às entrevistas, foi realizada validação de conteúdo por sete especialistas da área e realizado estudo-piloto com cinco doentes de TB que satisfaziam aos critérios de inclusão e foram incluídos na amostra final do estudo.
Por não existir na literatura um consenso quanto à definição do atraso no diagnóstico da TB, definiu-se um ponto de corte (mediana) para as variáveis dependentes 'tempo relacionado ao doente' (período entre o início dos sintomas e a primeira procura por um serviço de saúde) e 'tempo relacionado ao serviço de saúde' (período entre o primeiro atendimento em um serviço e a realização do diagnóstico) (Figura 1).17 Optou-se pela utilização da mediana pelo fato de a distribuição da variável 'tempo' apresentar valores assimétricos, também identificados em outros estudos.9-10,12,18 A partir da mediana, identificaram-se dois grupos: doentes que não tiveram atraso (tempo<mediana) e doentes que tiveram atraso (tempo≥mediana) em seu diagnóstico.
Destaca-se que a informação do tempo relacionado ao doente refere-se à necessidade - percebida pelo doente - de buscar por atendimento a partir da autoavaliação de seu estado de saúde. Isto não significa que os sintomas tenham-se manifestado exatamente quando o doente teve a iniciativa de procurar por um serviço de saúde.
As variáveis independentes utilizadas para analisar o atraso do doente envolveram os seguintes aspectos:
a) Sociodemográficos
- sexo (masculino; feminino);
- faixa etária (em anos: 18-29; 30-39; 40-49; 50-59; 60 ou mais);
- estado civil (casado; solteiro; divorciado; viúvo);
- escolaridade (sem escolaridade ou com Ensino Fundamental incompleto; Ensino Fundamental completo ou mais);
- renda familiar total (em salários mínimos: 0 a 2; entre 2 e 5; 5 ou mais);
b) Clínicos
- tipo de caso (novo; recidiva/retratamento);
- forma clínica da TB (pulmonar; extrapulmonar);
- co-infecção TB/HIV (sim; não); e
c) Comportamentais:
- consumo atual de tabaco (sim; não);
- consumo atual de bebidas alcoólicas (sim; não);
- realização de controle preventivo de saúde antes da TB (sim; não).
Dados sobre os padrões de utilização dos serviços de saúde pelos doentes foram obtidos da dimensão 'porta de entrada', incluindo as seguintes variáveis:
- tipo de serviço que costumava procurar quando se sentia doente, antes da TB (serviços de saúde; locais religiosos; farmácia; nenhum);
- procura pelo serviço de saúde mais próximo do domicílio (sim; não);
- conhecimento sobre a TB antes do diagnóstico (satisfatório; precário); e
- percepção sobre a intensidade dos sintomas da TB (forte; fraco).
Dados sobre a dimensão 'acesso ao diagnóstico' foram selecionados para analisar o atraso do serviço de saúde, por meio das seguintes variáveis:
- tipo de serviço de saúde procurado ao início dos sintomas (Atenção Básica; Pronto Atendimento; Serviços Especializados);
- obtenção de consulta em 24 horas (sim; não);
- suspeita de TB (sim; não; não informado);
- solicitação de baciloscopia (sim; não);
- solicitação de raio-X (sim, não);
- encaminhamento para consulta com outro profissional (sim; não);
- encaminhamento para a realização dos exames em outro serviço (sim; não);
- número de vezes que procurou os serviços de saúde até o diagnóstico da TB (até 3; 4 ou mais); e
- diagnóstico no primeiro serviço de saúde procurado (sim; não).
As análises dos dados incluíram o cálculo de medianas e intervalos interquartílicos, e razões de prevalência (RP) para avaliar a associação entre os desfechos (atrasos) e as variáveis independentes. Foram construídos intervalos de confiança (IC95%) adotando-se nível de significância estatística de 5%. As análises foram realizadas pelo programa Statistica versão 9.0, da Statsoft.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Protocolo nº 7061/2008), atendendo as recomendações contidas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 196, de 10 de outubro de 1996.
Resultados
No período de novembro de 2008 a novembro de 2009, encontrou-se que 137 doentes realizaram tratamento para TB no município, de acordo com levantamento realizado nas bases de dados do sistema de informação estadual em TB (TBWEB). Desses 110 atendiam aos critérios de inclusão e 99 constituíram a população final do estudo, uma vez que houve nove recusas e duas exclusões (um entrevistado não soube informar o primeiro serviço de saúde procurado e o outro estava internado no hospital). Ressalta-se que para a análise do atraso relacionado ao doente, foram considerados 97 participantes, dado que dois entrevistados não souberam informar o tempo gasto desde o início dos sintomas até a procura pelo serviço de saúde.
A maioria dos doentes entrevistados era do sexo masculino (62,9%), da faixa etária dos 30 a 49 anos (51,6%), casado (43,3%) e com baixa escolaridade, sendo que a maioria possuía apenas o Ensino Fundamental incompleto (71,1%). O rendimento familiar total da maior parte dos doentes correspondia à faixa salarial até dois salários mínimos (51,6%) (Tabela 1).
a) RP: razão de prevalência
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) TB: tuberculose
d) HIV: vírus da imunodeficiência humana (VIH)
A forma clínica pulmonar (81,4%) e o tipo de caso novo (92,8%) foram predominantes, sendo que 17,5% apresentavam co-infecção pelo HIV (Tabela 1).
Em relação aos hábitos de vida, 67,0% afirmaram fazer uso de bebidas alcoólicas atualmente, 60,8% autorreferiram-se tabagistas e 51,6% informaram realizar controle preventivo da saúde antes da TB (Tabela 1).
Entre os entrevistados, 73,2% relataram ter apresentado sintomas fortes da TB e 69,0% referiram conhecimento precário sobre a doença. A maior parte dos entrevistados (86,6%) relataram que buscam por um serviço de saúde diante de um problema de saúde; 72,2% procuraram pelo serviço mais próximo do domicílio, no inicio dos sintomas da TB (Tabela 1).
O principal serviço de saúde procurado pelo doente ao início dos sinais e sintomas foi o Pronto Atendimento (48,5%), seguido pelas unidades de Atenção Básica (30,3%); somente 39,4% obtiveram o diagnóstico da TB no primeiro serviço de saúde procurado (Tabela 2).
a) RP: razão de prevalência
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) TB: tuberculose
d) Considerou-se apenas os doentes que tiveram a baciloscopia e o raio-X solicitados, respectivamente.
Ainda em relação ao primeiro serviço de saúde procurado diante dos sinais e sintomas da TB, apenas 66,7% dos doentes conseguiram consulta no período de 24 horas, e 68,7% dos doentes não tiveram suspeita diagnóstica da doença ou não foram informados dessa suspeita. A minoria dos doentes (39,4%) teve baciloscopia solicitada; destes, 7,7% foram encaminhados para o exame em outro serviço de saúde. Com relação ao raio-X, 44,4% dos doentes tiveram o exame solicitado e 72,7% realizaram-no em outro serviço (Tabela 2).
O encaminhamento dos doentes para consulta com outro profissional de saúde aconteceu em 42,4% dos casos. Quase metade dos doentes (49,5%) relataram a necessidade de procurar 4 vezes ou mais os serviços de saúde até obterem o diagnóstico da TB (Tabela 2).
A mediana do tempo para a procura por serviço de saúde foi de 15 dias (intervalo interquartil: 5 a 45 dias), assim como a mediana de tempo entre a primeira consulta e o diagnóstico (intervalo interquartil: 6 a 30 dias).
Observou-se que 44,3% dos doentes demoraram mais de 15 dias para procurar os serviços de saúde, a contar do início dos sintomas. Após adentrarem os serviços, 47,4% dos doentes demoraram mais de 15 dias para obterem o diagnóstico.
Encontrou-se associação estatisticamente significativa entre o tempo de diagnóstico e os hábitos de vida. Houve menor atraso entre os doentes que fumavam (RP=0,71; IC95% 0,54;0,94) e que consumiam bebidas alcoólicas (RP=0,75; IC95% 0,57;0,99), comparados aos doentes que não possuíam esses hábitos. Embora não se tenha observado diferença estatisticamente significativa, houve maior ocorrência de atraso no diagnóstico de TB entre doentes do sexo masculino (66%), com idade acima de 50 anos (73%), casados (69%), com baixa escolaridade (70%), com renda de 3 a 5 salários mínimos (74%), casos novos de TB (66%), na forma clínica de TB extrapulmonar (72%), não coinfectados pelo HIV (66%), que não realizavam consulta médica preventiva habitualmente (70%), que buscavam por locais religiosos diante de problema de saúde (100%), que não procuraram o serviço de saúde mais próximo do domicílio (antes de ficar doente pela TB) (78%), que apresentaram conhecimento precário da doença (65%), e aqueles cujos sintomas da TB foram percebidos como sendo fracos (73%) (Tabela 1).
Maior ocorrência de atraso foi verificada entre os doentes que não obtiveram consulta no mesmo dia (RP=1,63; IC95% 1,22;2,18), que tiveram baixa suspeição da doença (RP=2,07; IC95% 1,18;3,62) ou não foram informados sobre a suspeita (RP=2,13; IC95% 1,22;3,74), e entre os que necessitaram procurar os serviços de saúde por 4 vezes ou mais para obter o diagnóstico (RP=2,34; IC95% 1,55; 3,53). Encontrou-se maior atraso, sem diferença estatisticamente significativa, entre os doentes que procuraram pelos serviços da Atenção Básica para o primeiro atendimento (63%), que não tiveram solicitação de baciloscopia (65%) e/ou raio-X (62%), encaminhados para consulta, realização de baciloscopia e raio-X em outro serviço de saúde (67%, 67% e 63%, respectivamente), e que não obtiveram diagnóstico no primeiro serviço de saúde procurado (62%) (Tabela 2).
Discussão
Encontrou-se neste estudo que o atraso relacionado ao doente ocorreu com maior frequência entre homens, adultos-idosos, casados, de baixa escolaridade e renda, casos novos de TB, na forma clínica extrapulmonar, não coinfectados TB/HIV, com precário conhecimento sobre a doença, apresentação branda dos sinais e sintomas e com o hábito cultural de busca pelos serviços de saúde. Em relação aos serviços de saúde, a maior ocorrência de atraso foi verificada nas categorias desfavoráveis das variáveis relacionadas ao acesso ao diagnóstico da TB e na falta de suspeição da doença por parte dos profissionais de saúde.
O reconhecimento das características dos doentes e dos serviços de saúde que contribuem para o atraso no diagnóstico da TB permite a discussão acerca da complexidade que envolve a viabilização do diagnóstico da doença, cuja detecção não envolve apenas uma ação técnica e sim, deve ser vista e entendida com tanta importância quanto o tratamento, enquanto ponto de partida para a condução e o manejo clínico dos casos.
Cabe ressaltar que no município de estudo, historicamente, as ações de controle da TB eram centralizadas no Programa de Controle da Tuberculose (PCT). A partir de 2007, iniciou-se um processo gradual de descentralização dessas ações para as unidades de Atenção Básica. Atualmente, o diagnóstico e o tratamento da TB em São José do Rio Preto são de responsabilidade das equipes generalistas que atuam nesse nível de atenção e contam com a retaguarda da equipe especializada do ambulatório de referência para o tratamento da doença. Entretanto, a porta de entrada dos suspeitos de TB para o diagnóstico da doença pode ocorrer em qualquer ponto da atenção à saúde e, uma vez diagnosticado, o doente é encaminhado ao serviço de Atenção Básica, para seu manejo clínico e de seus comunicantes.
Os resultados do estudo apontaram que quase 50% dos doentes precisaram procurar serviços de saúde quatro vezes ou mais para receber o diagnóstico adequado, e que a maioria foi diagnosticada em hospitais. O hábito cultural da população pela procura por serviços de emergência para o primeiro atendimento médico, independentemente da gravidade do caso, associado ao predomínio do modelo de atenção hegemônico, curativista e hospitalocêntrico, que, com frequência, endossa a procura espontânea pelo serviço de referência quaternária (hospital universitário), proporcionam diagnósticos tardios em pacientes com condições clínicas precárias e possibilidade de evoluir a óbito.18
Reconhece-se que para a avaliação das ações de controle da TB, seria necessária a percepção de todos os atores envolvidos no processo: doentes, profissionais de saúde e gestores. Entretanto, o presente estudo teve como enfoque apenas os doentes, uma vez que esses constituem o foco e a razão de existência dos serviços de saúde. Identifica-se, ainda, que o viés de recordatório e de informação são possíveis limitações à pesquisa em tela: os resultados foram obtidos retrospectivamente, a partir das respostas dos doentes entrevistados.
Os tempos medianos - 15 dias - relacionados ao doente e ao serviço de saúde para o diagnóstico da TB encontrados são relativamente menores que os achados nacionais9-10,12 e internacionais,17-20 segundo os quais o tempo de diagnóstico foi de 30 dias ou mais.
Desde que não existe um consenso na literatura sobre a definição do tempo ideal para se realizar o diagnóstico da TB, estima-se que o tempo relacionado ao doente não deva ser superior a duas ou três semanas após o início dos sintomas.3 Já o período entre a primeira consulta e a efetivação do diagnóstico deve ser de apenas alguns dias, recomendando-se a solicitação e realização da baciloscopia de escarro imediatamente após a suspeição de TB pulmonar.3
Alguns estudos apontam que o tempo para a efetivação do diagnóstico da TB após a obtenção da primeira consulta poderia estar relacionado ao tipo de serviço de saúde procurado pelo usuário como porta de entrada (primeiro serviço procurado),7,21 facilidade de acesso, qualidade e resolutividade da atenção prestada.22 Corroborando esse pressuposto, a suposição de incapacidade e inexistência de vagas para atendimento nos serviços de Atenção Básica e o acesso facilitado às unidades de Pronto Atendimento (UPA) podem ter levado os doentes de TB a optarem pela busca destes serviços, de acordo com o observado: menor atraso na obtenção do diagnóstico por doentes que buscaram inicialmente as UPA.
Tal constatação revela a dificuldade da incorporação das responsabilidades do controle da TB pela Atenção Básica, decorrente da descentralização do atendimento sem o adequado planejamento, não se refletindo na melhoria do acesso ao diagnóstico e desfavorecendo a organização da demanda e do atendimento das condições crônicas, como a TB.2,12,23-24
Tão importante quanto obter consulta e adentrar o sistema de saúde é a oportunidade do reconhecimento/suspeição da doença pelos profissionais de saúde. Em São José do Rio Preto, as dificuldades encontradas na suspeição do agravo podem refletir deficiências na qualificação dos recursos humanos8 e fragilidades relacionadas à maneira como têm sido realizadas as capacitações sobre TB,25 não permitindo o aprimoramento das habilidades adquiridas.8 Frente à restrição e insuficiência de recursos humanos nos serviços de saúde, a participação dos profissionais a essas capacitações torna-se limitada, gerando centralização de informações em apenas alguns indivíduos que, como um hábito mais ou menos frequente, não as repassam aos demais membros da equipe.
Aspectos relacionados aos próprios doentes de TB mostraram interferir na busca inicial por atendimento. Embora sem diferença estatisticamente significativa, indivíduos com idade superior a 50 anos demoraram mais para buscar atendimento, fato possivelmente relacionado ao mascaramento do quadro de adoecimento por uma condição de coexistência de outras doenças crônicas, tornando a percepção dos sintomas da doença mais complexa e, como consequência, o atraso do diagnóstico.12
Doentes com maior poder aquisitivo referiram maior atraso, diferentemente de achados na literatura internacional7 em que a questão econômica configura-se como uma barreira para a realização do diagnóstico da TB. A realidade internacional difere da do Brasil, onde o acesso aos serviços de saúde é universal e gratuito.
Também contrapondo outros estudos,20 doentes que possuíam o hábito de fumar e consumir bebidas alcoolicas tiveram menor atraso para buscar pelo primeiro atendimento nos serviços de saúde. O agravamento do quadro clínico da TB em fumantes e etilistas pode ter contribuído para a procura mais rápida por esses serviços, principalmente os atendimentos de urgência. Há evidências de que o tabagismo atua como um fator de risco para TB latente e TB ativa, assim como para o aumento da mortalidade pela doença.26
Segundo o estudo, mais da metade dos doentes não tiveram a baciloscopia de escarro solicitada, justamente os que mais demoraram para obter o diagnóstico de TB. Estudos nacionais têm demonstrado que a falta de priorização da baciloscopia de escarro como método diagnóstico, falhas na coleta, deficiência de insumos para a conservação do material coletado, precária logística de fluxo desse material ao laboratório e insuficiência da rede de apoio diagnóstico aos serviços de saúde apresentam-se, todavia, como barreiras para diagnóstico oportuno da TB.8,27-28
Os aspectos decorrentes da baixa suspeição da doença e priorização da solicitação de baciloscopia de escarro podem acarretar um círculo vicioso de sucessivas consultas e visitas aos serviços de saúde, prejudicando um diagnóstico oportuno.28
Embora não se aplique à realidade do município estudado à época em que os dados foram coletados, é importante esclarecer que data de 2014 o início da implantação, em nível nacional, do teste rápido molecular para TB, no intuito de realizar o diagnóstico bacteriológico da tuberculose de forma oportuna e qualificada; o que, mais uma vez, esbarra na necessidade de os profissionais suspeitarem da doença. Há de se ressaltar que recomendações do próprio Programa Nacional de Controle da Tuberculose enfatizam a necessidade - concomitante à implantação dessa tecnologia - de se realizar atividades de capacitação e sensibilização dos profissionais para a suspeição e solicitação do exame e coleta adequada do escarro, além do estabelecimento de fluxos eficientes para, de fato, oferecer ao indivíduo adoecido a possibilidade imediata da terapêutica.29
Os resultados apresentados incitam uma reflexão a respeito da qualificação dos profissionais de saúde na suspeição e diagnóstico da doença, da acessibilidade do sistema de serviços de saúde, ademais da coordenação do cuidado a partir da porta de entrada. Deficiências nesses aspectos podem influenciar o atraso diagnóstico, mesmo quando - caso de São José do Rio Preto - há infraestrutura, insumos e retaguarda laboratorial para a realização de exames como a baciloscopia de escarro.
Espera-se que este estudo inspire reflexões acerca de estratégias que privilegiem a adequada capacitação dos recursos humanos em saúde para a suspeição e diagnóstico da TB, com enfoque no perfil dos doentes que tiveram atraso na busca do primeiro atendimento; principalmente, daqueles que atuam nas portas de entrada do sistema de saúde, como forma de fortalecer o acolhimento e a redefinição dos fluxos de atendimento entre os serviços.