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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.26 n.1 Brasília jan./mar. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000100003 

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da investigação de óbitos por causas mal definidas no Brasil em 2010

Evaluación de la investigación de muertes por causas mal definidas en Brasil en 2010

Carolina Cândida da Cunha1  , Renato Teixeira1  , Elisabeth França2 

1Universidade Federal de Minas Gerais, Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde-GPEAS, Belo Horizonte-MG, Brasil

2Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Belo Horizonte-MG, Brasil

Resumo

Objetivo:

avaliar os resultados da investigação de óbitos por causas mal definidas (CMD) para a melhoria dos dados sobre mortalidade por causas no Brasil.

Métodos:

estudo descritivo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), sendo selecionados todos os óbitos por CMD ocorridos em 2010; os óbitos foram estudados segundo grandes regiões nacionais, estados, capitais e características das investigações realizadas.

Resultados:

o percentual de óbitos por CMD no país em 2010 reduziu-se de 8,6% para 7,0% após investigação, e de 4,7% para 3,4% nas capitais após investigação; aproximadamente 65% dos óbitos por CMD tiveram a causa básica reclassificada para uma causa definida, tanto nos estados como nas capitais.

Conclusão:

houve melhoria nos dados sobre causas de morte, resultante das investigações que levaram a decréscimo importante no percentual de CMD nos estados e capitais do país, embora permaneçam diferenças regionais.

Palavras-chave: Causas de Morte; Registros de Mortalidade; Sistemas de Informação; Avaliação em Saúde; Estatísticas Vitais

Resumen

Objetivo:

evaluar los resultados de la investigación de las muertes por causas mal definidas (CMD) para mejorar la información sobre mortalidad por causas en Brasil.

Métodos:

estudio descriptivo con datos del Sistema de Informaciones sobre Mortalidad (SIM); fueron seleccionadas todas las muertes por CMD ocurridas en 2010 y estudiados según estados, capitales y características de las investigaciones realizadas.

Resultados:

la proporción de CMD en el país se redujo de 8,6% para 7,0% después de la investigación y de 4,7 para 3,4% en las capitales después de la investigación; aproximadamente 65% de las muertes tuvieron la causa reclasificada para una causa definida, tanto en los estados como en las capitales.

Conclusión:

hubo mejora en los datos sobre causas de muerte resultante de las investigaciones que llevaron a la disminución en la proporción de CMD en los estados y capitales del país.

Palabras-clave: Causas de Muerte; Registros de Mortalidad; Sistemas de Información. Evaluación en Salud; Estatísticas Vitales

Introdução

Os indicadores de mortalidade são fundamentais para se conhecer o perfil epidemiológico e avaliar a situação de saúde das populações, e para o planejamento, monitoramento e avaliação dos serviços de saúde. Nesse sentido, os dados sobre causas de mortes são os mais utilizados.1 Entretanto, a análise da mortalidade pode ser comprometida caso haja uma elevada proporção de óbitos por causas mal definidas (CMD), especialmente nos estudos de séries temporais e nas distribuições das causas por sexo e idade.2

Segundo a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), causa básica do óbito é

“(a) a doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte ou (b) as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal”.

Óbitos por CMD são aqueles cuja causa básica está classificada no Capítulo XVIII da CID-10 e contêm apenas a descrição de sintomas e sinais de doenças. A ocorrência desses óbitos indica problemas de acesso aos serviços de saúde e reflete a qualidade da assistência médica prestada à população.1-3

No Brasil, apesar da melhoria e consolidação do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) a partir da década de 2000, as altas proporções de óbitos por CMD ainda são preocupantes.4 Em 2003, esses óbitos correspondiam a 13,3% do total de óbitos no país, apresentando grande variabilidade entre municípios, estados e grandes regiões nacionais, com proporções a variar de 25,9% na região Nordeste a 6,7% na região Sul.3,4 No ano 2000, países desenvolvidos como Hungria, Nova Zelândia, Finlândia, Cuba e Romênia já apresentavam proporção de CMD menor que 1%,5 evidenciando-se, portanto, a elevada proporção de CMD existente no Brasil.

As regiões Norte e Nordeste, responsáveis pela ocorrência da maioria dos óbitos por CMD, apresentaram declínio acentuado nessa proporção, resultado, em boa parte, de investimento específico realizado pelo Ministério da Saúde para a melhoria das informações vitais,6-7 principalmente na regulamentação da coleta de dados, fluxo e periodicidade de envio das informações sobre óbitos,8 suspensão da transferência de recursos fundo a fundo, no caso de problemas no envio dessas informações,9 além de divulgação dos dados e de publicações técnicas e de capacitação de recursos humanos, especialmente de codificadores da causa básica.10 Destaca-se, também, a ampla divulgação e distribuição de um novo manual de instruções para o preenchimento da Declaração de Óbito (DO) a partir de 2011, objetivando maior sensibilização do profissional médico em relação à importância desse documento.4,11

Quanto à melhoria da qualidade das estatísticas sobre causas de morte, o Ministério instituiu proposta de investigação de óbitos por CMD, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país.6-7 Em 2006, foi criada a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito (SVO) e Esclarecimento da Causa Mortis, dada a necessidade da implantação do SVO em todas as capitais de estados e no Distrito Federal, que deverá totalizar 74 serviços distribuídos pelas 27 unidades da federação (UF).12 Em 2008, foi iniciado projeto-piloto de introdução da autópsia verbal (AV) como método para investigação domiciliar de óbitos por CMD, utilizando-se os formulários padronizados para AV da Organização Mundial da Saúde (OMS) adaptados para as causas mais prevalentes no Brasil. Supõe-se que a análise da AV permita ao médico identificar a sequência de eventos que levou ao óbito.2,13,14 Bons resultados foram descritos em relação à redução das CMD nas regiões Norte e Nordeste com a implementação do programa de ‘Redução do Percentual de Óbitos por Causas Mal Definidas’.4,15

Considerando a importância dos óbitos por CMD e sua investigação, aliada à disponibilidade dos dados de mortalidade provenientes dos sistemas nacionais de informações em saúde, esse estudo teve como objetivo descrever os resultados da investigação de óbitos por causas mal definidas - CMD - para a melhoria dos dados sobre mortalidade por causas, no Brasil.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo sobre óbitos por CMD e sua investigação nos estados, capitais e macrorregiões do Brasil.

Em 2010, o país contava uma população total aproximada de 200 milhões de pessoas, nos 26 estados e no Distrito Federal (DF), habitando 5.540 municípios distribuídos entre as cinco grandes regiões nacionais: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Na economia, assim como nas características populacionais, apresentam-se significativas diferenças entre regiões e estados.16

Foram utilizados dados do SIM, disponíveis na internet, no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus): www.datasus.gov.br

Foram selecionados todos os óbitos ocorridos em 2010 e cuja causa básica de morte original estava contemplada no capítulo XVIII da CID-10 (categorias: R00 a R99). Considerou-se o local de residência para estratificação dos óbitos segundo grandes regiões, UF e capitais.

No banco de dados do SIM, os óbitos por CMD investigados são informados em campo de variável denominado ‘TTPOS’, e as causas básicas dos óbitos são apresentadas de duas maneiras: a original (campo de variável ‘CAUSABAS_O’), referente à causa básica registrada no momento do óbito, no campo 40/Bloco V da DO original; e a causa básica final (campo de variável ‘CAUSABAS’), referente à causa determinada após a investigação do óbito. No caso de não ocorrer investigação ou desta não possibilitar o esclarecimento da causa básica, a causa básica original será a mesma final. No caso de substituição da CMD por causa básica não pertencente ao capítulo XVIII da CID-10, essa será a causa básica final, e será considerado que esses óbitos foram reclassificados.4

Em relação às variáveis do banco de dados ‘Local de ocorrência do óbito’ (campo de variável “LOCOCOR”) e ‘Óbito atestado por médico’ (campo de variável “ATESTANTE”), esses dados são provenientes do preenchimento do campo 20/Bloco III e campo 43/Bloco VI da DO, respectivamente. A primeira variável refere-se à área física onde ocorreu o óbito, e a segunda, à condição do médico atestante - responsável por certificar o óbito e preencher a DO.11

Foram analisadas as seguintes variáveis: CMD original (todos os óbitos cuja causa básica original pertencia ao capítulo XVIII da CID-10); óbitos investigados de CMD (todos os óbitos com CMD original e declarados como investigados no SIM da seguinte forma: sim, não ou em branco); CMD reclassificada (óbitos com CMD original que tiveram a causa básica reclassificada); óbitos investigados com reclassificação (óbitos com CMD original investigados e que tiveram a causa básica reclassificada); CMD final (óbitos investigados ou não, que mantiveram CMD, ou seja, que possuíam causa básica final incluída no capítulo XVIII da CID-10, apresentada no formato de código da causa óbito com uma letra e até três dígitos); local de ocorrência dos óbitos investigados (hospital e outros estabelecimentos de saúde, domicílio, via pública/outros locais ou ignorado); responsável por atestar (atestante) a causa básica dos óbitos investigados (médico assistente, médico substituto, médico do SVO, médico do Instituto Médico Legal [IML], outro ou ignorado).

Segundo normas padronizadas pelo Ministério da Saúde,13 as investigações dos óbitos por CMD, ou seja, a busca de informações sobre a doença terminal para esclarecimento da causa básica do óbito pode ser realizada tanto nas unidades básicas de saúde (UBS), clínicas e hospitais, como junto aos comitês de prevenção do óbito infantil ou materno, ou ainda, via relacionamento com outros bancos de dados. Pode haver também coleta de informações sobre a causa básica nos SVO, responsáveis pelo esclarecimento da causa mortis dos óbitos por causa natural sem diagnóstico, e nos IML, legalmente responsáveis pelo esclarecimento dos óbitos decorrentes de causas externas. Nos óbitos em que as informações obtidas nas fontes de investigação supracitadas não permitem o esclarecimento da causa da morte, a investigação deve-se realizar mediante entrevista domiciliar, utilizando-se o formulário AV.

Foram calculados os seguintes indicadores: (i) percentual de óbitos por CMD, em relação ao total de óbitos; (ii) percentual de óbitos por CMD investigados, em relação ao total de óbitos por essas causas; (iii) percentual de óbitos por CMD que foram reclassificados para causa definida após investigação, em relação ao total de óbitos por causa mal definida; (iv) percentual de óbitos por CMD que foram reclassificados para causa definida após investigação, em relação ao total de óbitos investigados; (v) percentual de óbitos que permaneceram por CMD após investigação (CMD remanescentes), em relação ao total de óbitos; e (vi) variação dos óbitos por CMD em relação ao total de óbitos, calculado como a diferença entre o número de óbitos observados por CMD original e o número de óbitos por CMD remanescente, dividida pelo número total de óbitos. A variação dos óbitos por CMD será negativa quando, após a investigação dos óbitos com causas definidas houve a reclassificação desses óbitos para o capítulo XVIII, ou seja, significa que houve um aumento no percentual de causas mal definidas. Quando a variação dos óbitos por CMD for positiva significa que houve um decréscimo no percentual de causas mal definidas.

Os dados foram processados com auxílio dos programas Tabwin versão 3.2 e Microsoft Office Excel 2013 (Microsoft Corporation, Estados Unidos da América) para confecção das tabelas.

O projeto do estudo foi desenvolvido em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012. O estudo foi dispensado de apreciação por comitê de ética em pesquisa, por se basear exclusivamente em dados secundários do SIM, de domínio público, sem identificação nominal.

Resultados

Em 2010, foram notificados ao SIM 1.136.947 óbitos no país, 8,6% deles atribuídos originalmente a uma CMD. Esse percentual variou de 5,7% na região Sul a 13,5% na região Norte. Entre as UF, o percentual de CMD variou de 1,5% no DF a 19,9% no estado do Acre. Na região Sul, todos os estados apresentaram percentual semelhante, de aproximadamente 5,7%. Já na região Norte, a maior parte dos estados apresentou percentual de CMD maior que 10%, exceto Tocantins e Roraima. Destaca-se o achado de baixos percentuais de CMD nos estados de Roraima (4,0%), Rio Grande do Norte (3,3%), Espírito Santo (2,8%) e Mato Grosso do Sul (2,1%), e no DF (1,5%) (Tabela 1).

Tabela 1 - Total de óbitos e óbitos por causas mal definidas originais, investigados e reclassificados, segundo grandes regiões e Unidades da Federação (UF), Brasil, 2010 

a) Inclui causas mal definidas

b) Alguns óbitos foram classificados como causa mal definida após investigação de causas definidas

Entre os óbitos por CMD, 30,3% foram informados no SIM como investigados, variando de 22,4% na região Norte a 43,0% na região Centro-Oeste. Os estados que investigaram maior percentual de óbitos por CMD foram Tocantins (83,2%), Sergipe (78,3%) e Espírito Santo (62,7%), enquanto Amapá (0,3%), Amazonas (5,3%) e Roraima (6,2%) apresentaram os menores percentuais de investigação (Tabela 1).

Após a realização das investigações, 19,8% dos óbitos por CMD tiveram a causa básica de óbito reclassificada. Em 14 UF, o percentual de óbitos investigados com reclassificação da causa mal definida foi de pelo menos 60% dos óbitos, chegando a 85,6% no Tocantins e 82,8% no Espírito Santo. Entretanto, nos estados do Amazonas, Amapá, e Maranhão, além do baixo percentual de investigações, o percentual de reclassificação dentre os óbitos investigados foi menor que 20%. Por sua vez, observou-se decréscimo relevante no percentual de CMD originais em relação ao total de óbitos no Acre (6,3%), Tocantins (5,9%), Sergipe (10,1%) e Bahia (5,8%).

Nas capitais, foram notificados ao SIM 278.952 óbitos, dos quais 4,7% por CMD, variando de 2,1% nas capitais da região Sul a 9,4% nas da região Norte. O menor percentual foi verificado em Teresina-PI (0,6%) e o maior em Rio Branco-AC (17,9%), sendo que apenas três capitais da região Norte apresentaram percentual de CMD acima de 10% (Tabela 2).

Tabela 2 - Total de óbitos e óbitos por causas mal definidas originais, investigados e reclassificados, segundo capitais das Unidades da Federação (UF), Brasil, 2010 

a) Inclui causas mal definidas

b) Alguns óbitos foram classificados como causa mal definida após investigação de causas definidas

De maneira geral, o percentual de óbitos investigados foi maior nas capitais do que nos estados. Para o total das capitais, o percentual de investigação foi de quase 50%, variando entre 81,3% na região Sul e 14,2% na região Norte. Em Palmas-TO, mais de 90% dos óbitos por CMD foram investigados. O percentual de reclassificação foi de 32,0% no total das capitais. Palmas-TO, Rio Branco-AC, Goiânia-GO e Salvador-BA foram as capitais que apresentaram maiores percentuais de reclassificação e de decréscimo de CMD em relação ao total de óbitos. Por sua vez, algumas capitais das regiões Norte e Nordeste tiveram os menores percentuais de reclassificação (Tabela 2).

A Figura 1 apresenta indicadores relacionados aos óbitos por CMD nas UF e capitais, agrupadas conforme grandes regiões, e no conjunto do país. Houve menor percentual de óbitos por CMD originais nas capitais em relação às UF, principalmente nos estados das regiões Sul e Nordeste (Figura 1A). Por sua vez, observou-se maior percentual de investigações nas capitais das regiões Sul e Centro-Oeste (Figura 1B). Chamou a atenção a região Norte, com maior percentual de CMD e menor percentual de investigações. Em relação às CMD reclassificadas, a região Centro-Oeste teve maior percentual de reclassificação, seguida da região Nordeste (Figura 1C). Esse percentual apresentou diferenças importantes entre estados e capitais apenas na região Sul (Figura 1D). Observou-se que o percentual de CMD remanescentes após as investigações foi menor que 10% em quase todas as regiões, exceto na região Norte. (Figura 1E). Os maiores decréscimos percentuais de CMD em relação ao total de óbitos foram observados na região Centro-Oeste, UF e capital, e nas UF das regiões Norte e Nordeste (Figura 1F).

Figura 1 - Indicadores relacionados aos óbitos por causas mal definidas originais, investigados e reclassificados, nas Unidades da Federação e capitais, agrupadas conforme grandes regiões, e no Brasil, 2010 

Observou-se que, do total de óbitos investigados, mais de 50% ocorreram no domicílio, sendo esse percentual maior nas regiões Nordeste (74,5%) e Norte (67,4%). Por sua vez, a maioria dos óbitos por CMD investigados eram hospitalares nos estados do Rio de Janeiro (82,7%) e Goiás (67,9%), e no Distrito Federal (77,6%). O percentual de óbitos investigados ocorridos em via pública/outros locais foi de 8% no país, sendo igual ou inferior a 10% nas diferentes regiões (Tabela 3). É importante destacar que nas regiões Norte e Nordeste, aproximadamente 70% dos óbitos por CMD ocorreram no domicílio, enquanto nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, esse percentual foi de 45%, e na região Sul, de aproximadamente 60% (dados não apresentados).

Tabela 3 - Local de ocorrência dos óbitos por causas mal definidas investigados, segundo grandes regiões e Unidades da Federação (UF), Brasil, 2010 

a) Refere-se à soma das categorias ‘hospital’ e ‘estabelecimentos de saúde’

Nota: Os óbitos cujo local de ocorrência foi registrado na Declaração de Óbito como ignorado não foram significativos. No Brasil, eles totalizaram 0,7% do total, variando de 0,3 a 0,8% entre as grandes regiões.

Os médicos de hospitais e outros estabelecimentos de saúde foram responsáveis por atestar 25,1% dos óbitos por CMD investigados; no Distrito Federal, especificamente, esse percentual foi de 42,9%. No país, médicos de IML foram atestantes de 19,7% dos óbitos por CMD investigados, sendo que na região Sudeste esse percentual foi de 26,5%, chegando a 49,7% no Espírito Santo. Os serviços de verificação de óbito - SVO - foram responsáveis por atestar 7,4% dos óbitos por CMD investigados no país, com maior percentual na região Centro-Oeste (51,3%), principalmente no estado de Goiás (86,3%). Entretanto, aproximadamente um terço dos óbitos investigados (30,7%) não teve o atestante do óbito informado, com destaque para a região Nordeste, onde mais da metade dos óbitos (56,0%) não referia essa informação (Tabela 4).

Tabela 4 - Tipo de atestante dos óbitos por causas mal definidas investigados, segundo grandes regiões e Unidades da Federação (UF), Brasil, 2010 

a) Médico assistente ou médico substituto

Discussão

Neste estudo, verificou-se melhoria na qualidade dos dados sobre causas de morte registrados no SIM devido às atividades de investigação, com decréscimo no percentual de CMD nos estados e capitais do país. Após a investigação, o percentual de reclassificação foi de aproximadamente 65% para estados e capitais, o que resultou em decréscimo de 20% dos óbitos por CMD nas estatísticas oficiais. Contudo, persistiram diferenças regionais: as regiões Norte e Nordeste ainda apresentavam percentual de óbitos por CMD acima da meta estabelecida pelo Ministério da Saúde - que deve ser inferior a 10% do total de óbitos notificados.13,17

Estudo de análise do padrão espacial dos óbitos por CMD no Brasil e sua relação com o registro de óbitos, ao comparar os períodos de 1980-1991 e 2000-2010, concluiu que houve melhora nos dados de mortalidade do Brasil, com redução de 53% dos óbitos por CMD no total do país; nas regiões Norte e Nordeste, a proporção de causas mal definidas declinou de 72% no ano de 1991 para aproximadamente 25% em 2010.18 Essa redução foi fruto de diversas iniciativas do Ministério, cujos esforços concentraram-se nas UF dessas regiões.18,19 Porém, mais investimentos são necessários em estados como Amazonas e Acre, na região Norte, e Bahia, na região Nordeste, pois ainda apresentaram, em 2010, percentuais de óbitos por CMD acima de 15% antes das investigações e acima de 10% após a realização das mesmas, dados sugestivos de problemas no acesso aos serviços de saúde. O estudo acima referido também revelou que um aumento de 1% na cobertura de óbitos corresponde à redução de 0,24% dos óbitos por CMD, indicando a necessidade de melhoria no registro para que haja maior confiabilidade nos dados sobre proporções de óbitos por CMD nesses estados.18 Por exemplo, o baixo percentual de óbitos por CMD originais em estados como Tocantins, Roraima, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, observado no presente trabalho, aponta para possíveis problemas de sub-registro de óbitos, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a cobertura de óbitos nos estados é de 85,4% e 88,9% respectivamente.20

Neste estudo, esperava-se encontrar menor percentual de óbitos por CMD nas capitais. Não obstante, verificou-se percentual de CMD original maior que 10% em três capitais da região Norte, enquanto no Rio de Janeiro-RJ e em Goiânia-GO, esses valores ficaram próximos de 10%. Este achado preocupa pois se espera nas capitais melhor qualidade da assistência e da informação sobre causas de óbito, e consequente redução das CMD.21 No Rio de Janeiro-RJ, estudo sobre a evolução dos registros sobre mortes por violências, com base no período de 2000 a 2009, mostrou que o aumento das mortes por causas indeterminadas correspondeu, em grande parte, a homicídios não reconhecidos, apontando para problemas na qualidade dos dados.22

Ademais, no presente estudo observou-se que, nas capitais, o percentual de investigações realizadas foi maior que nos estados de maneira geral. Contudo, foi justamente fora das capitais onde se verificou maior percentual de óbitos por CMD e, portanto, maior necessidade de investigações.

O resultado das investigações pode ser verificado ao se analisar o percentual de óbitos investigados que tiveram reclassificação da causa básica: superior a 80% dos óbitos em cinco estados e maior que 50% em quinze estados. Estudos evidenciaram que o uso do formulário de autópsia verbal para a investigação de óbitos por CMD possibilitou esclarecer a causa básica em aproximadamente 80% dos óbitos investigados.2,23 A investigação de óbitos por CMD com posterior reclassificação da causa básica em estados das regiões Norte e Nordeste, com decréscimo importante no percentual de CMD, reafirma a importância dessas investigações.13 Contudo, em alguns estados do Norte, como Roraima e Amapá, houve inesperado aumento nesse percentual, sugerindo problemas na qualidade dos dados registrados no SIM.

Em relação ao local de ocorrência do óbito, houve maior percentual de óbitos por CMD investigados ocorridos no domicílio (54%); nas regiões Norte e Nordeste, esse dado foi compatível com a maior ocorrência de óbitos domiciliares por CMD nessas regiões. Por outro lado, é preocupante o fato de mais de 50% dos óbitos por CMD investigados nas regiões Sudeste e Centro-Oeste terem ocorrido em hospitais ou estabelecimentos de saúde. Nesses locais se espera que os pacientes tenham acesso à devida atenção médica e, portanto, menor percentual de CMD nos atestados de óbito. Esses dados podem indicar problemas na declaração das causas da morte nessas instituições.

Estudos conduzidos em municípios do Brasil revelaram que a declaração de CMD poderia ser evitada para muitos óbitos, caso os médicos buscassem informações complementares nos prontuários, indicando que não foram utilizadas todas as informações disponíveis para esclarecer as causas de morte.3,24 Torna-se então de extrema importância a conscientização do profissional médico sobre a relevância da DO, por meio de ações contínuas de capacitação que permitam o completo e correto preenchimento do documento, de forma que esses profissionais saibam especificar na DO as condições e causas que levaram à morte, colocando a causa básica e sua complicação nas posições corretas.3,11

Uma possível explicação para o elevado percentual de óbitos por CMD atestados nos IML e SVO pode ser encontrada nos fluxos e procedimentos da emissão da DO e notificação da CB nesses serviços. Em alguns locais, é provável que ocorra emissão da DO antes que a CB tenha sido determinada por meio de exames realizados na necropsia. Assim, a CB do óbito na DO constará como CMD. Posteriormente, quando a CB é esclarecida após resultados dos exames, essa nova CB deveria ser lançada no SIM como proveniente de investigação, e assim alterada a CB no sistema, o que pode muitas vezes não ocorrer. Dessa forma, é fundamental que as secretarias de saúde busquem nesses serviços o resultado das necropsias para melhoria dos dados sobre as causas de morte. Esses achados reforçam a importância do estabelecimento de fluxos e procedimentos relativos à informação sobre os óbitos declarados por esses serviços.

O fato de aproximadamente um terço dos óbitos investigados não ter o dado referente ao campo atestante preenchido na DO e consequentemente, não informado no SIM, evidencia mais uma potencial contribuição das investigações dos óbitos por CMD. Se houve investigação do óbito e posterior reclassificação da causa básica por um médico, é importante que o novo atestante seja registrado no sistema, como já é feito para a causa básica de óbito.

Possíveis limitações deste estudo referem-se ao fato de o mesmo estar fundamentado nos dados do SIM e, portanto, depender da qualidade do preenchimento da DO e da cobertura dos óbitos, questões que apresentam diferenças regionais importantes. Não foi avaliada a qualidade das investigações e a validade das causas reclassificadas, além de também ser possível que investigações de fato realizadas não tenham sido reportadas ao SIM. Pode ter ocorrido, ainda, que o critério de se considerar um caso como investigado não esteja padronizado entre os vários estados brasileiros.

De forma geral, os achados deste estudo indicam que as investigações dos óbitos por causas mal definidas contribuíram para a melhoria dos dados sobre causas de morte nos estados e capitais do Brasil em 2010. Investigações desses óbitos devem ser realizadas e estimuladas pelos gestores, até que o Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - atinja níveis satisfatórios de qualidade dos dados sobre causas de morte, resultantes de um correto e completo preenchimento da Declaração de Óbito, possibilitando que as ações dos serviços de saúde estejam em consonância com as necessidades das populações, em todos os níveis. Espera-se uma diminuição gradativa da necessidade de realização de investigações à medida que a população tenha mais acesso a uma assistência médica adequada e de qualidade.

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Recebido: 13 de Julho de 2015; Aceito: 10 de Julho de 2016

Correspondência: Elisabeth França - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina, Av. Alfredo Balena, nº 190 sala 731, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 30130-100. E-mail: efranca@medicina.ufmg.br

Cunha CC e França E contribuíram na concepção e delineamento do estudo, organização da base de dados, análise dos resultados e sua interpretação, além da redação do manuscrito. Teixeira R contribuiu na concepção do estudo, organização da base de dados, análise e interpretação dos resultados. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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