Introdução
O câncer de colo de útero é a terceira neoplasia mais incidente na população feminina brasileira, sendo estimados, para o ano de 2016, 16.340 novos casos e uma taxa de incidência de 15,85/100 mil mulheres.1
O câncer do colo uterino é prevenível, e curável quando diagnosticado precocemente.2 Essa neoplasia tem início na forma de uma lesão precursora, que pode ou não evoluir para um processo invasivo no decorrer de um período de 10 a 20 anos.2 Esse intervalo de tempo, relativamente longo, permite que ações preventivas sejam realizadas com o objetivo de romper a cadeia epidemiológica da doença.3 A redução substancial na incidência e mortalidade por câncer do colo do útero em alguns países tem sido associada à implementação de programas de rastreio de base populacional.4
O método convencional para rastreamento da neoplasia é o exame citopatológico do colo do útero, ou teste de Papanicolau, considerado de baixo custo, simples e de fácil execução.5
Apesar dos esforços atuais no sentido de ampliar o acesso ao exame para detecção precoce do câncer do colo do útero, observou-se, entre 2012 e 2013, redução na produção do exame citopatológico na maior parte dos estados do país.5 O Piauí tem-se destacado por apresentar, no período 2002-2012, um dos maiores incrementos nas taxas de morbimortalidade por câncer do colo do útero na comparação com os demais estados brasileiros, e por seguir com a mesma tendência estimada para o biênio 2016-2017.1
Este trabalho teve como objetivo avaliar o rastreamento do câncer do colo do útero em Teresina, Piauí, Brasil.
Métodos
Trata-se de estudo avaliativo do rastreamento do câncer do colo do útero no município de Teresina.
Foi utilizada a base de dados do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo), que apresenta o registro de todos os exames citopatológicos do colo do útero realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A análise focalizou o período de 2006 a 2013. O Siscolo é um sistema de informações de livre acesso; sua versão 4.0, utilizada desde sua implantação em 2006, incorpora a nova Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais6 e tem como referência o Sistema Bethesda.
Foram considerados no estudo todos os exames citopatológicos do colo do útero de mulheres residentes em Teresina, registrados no Siscolo no período de 2006 a 2013.
Foram selecionados alguns atributos e indicadores do Siscolo para avaliar o rastreamento do câncer de colo uterino: proporção dos exames realizados, por ano e faixa etária; razão exame realizado/população-alvo; proporção de positividade; proporção de alterações pré-malignas ou malignas nos exames, por ano e faixa etária; completitude das variáveis; citologia anterior; tempo do último exame preventivo; percentual de amostras insatisfatórias; e representatividade da zona de transformação.
Foi calculada a frequência anual absoluta e relativa (%) dos exames, segundo faixas etárias (em anos: <25; 25 a 64; e >64).
A variação percentual do número de exames realizados no período entre 2006 e 2013 foi calculada utilizando-se a Fórmula A, qual seja:
[(no de exames realizados em 2013 na faixa etária - no de exames realizados em 2006 na faixa etária) / no de exames realizados em 2006 na faixa etária] x 100
Para o cálculo da variação percentual da proporção de exames realizados em determinada faixa etária, em relação ao total de exames, foi empregada a Fórmula B:
percentual de exames realizados em 2013 na faixa etária - percentual de exames realizados em 2006 na faixa etária
A razão entre exames citopatológicos e população-alvo foi apresentada em duas faixas etárias, visto que em 2011, com o advento das novas Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero,7 a faixa etária para rastreamento da neoplasia foi estendida, passando de 25-59 para 25-64 anos. A população-alvo foi obtida do Censo Demográfico 2010 e das estimativas populacionais realizadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicadas em sua página eletrônica (http://www.ibge.gov.br). Esse indicador avalia se a oferta de exames à população-alvo foi suficiente para atingir a meta de cobertura do Programa de Controle do Câncer de Colo Uterino.
As alterações nos exames citopatológicos foram apresentadas segundo faixa etária e ano de realização, a partir da distribuição percentual das alterações e da construção da proporção de positividade. A proporção de positividade expressa a prevalência de alterações celulares nos exames e a sensibilidade do processo de rastreamento em detectar lesões na população examinada. Essa proporção foi calculada pela soma de todos os exames citopatológicos com resultados alterados, dividida pelo total de exames avaliados (exames satisfatórios) e multiplicada por 100. Considera-se para a positividade a seguinte classificação:8 muito baixa (menor que 2% dos exames realizados), baixa (entre 2 e 2,9%), esperada (entre 3 e 10%) e acima do esperado (maior que 10%).
Foram analisadas as alterações citológicas cervicais pré-malignas ou malignas (atipias, lesões intraepiteliais e câncer). As lesões intraepiteliais podem ser classificadas da seguinte forma: lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL); lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL); e lesão intraepitelial de alto grau não podendo excluir microinvasão (LIE_Micro).
A completitude das variáveis foi mensurada pela proporção de registros preenchidos, ou seja, sem dado ‘ignorado’/‘em branco’. Este indicador foi interpretado com base nos critérios utilizados por Romero & Cunha: excelente, quando o percentual de completitude foi >95%; bom, entre 90,1 e 95%; regular, entre 80,1 e 90%; ruim, entre 50,1 e 80%; e péssimo, quando ≤50%.9
Foram também analisadas as variáveis ‘citologia anterior’ (se a mulher havia realizado o exame anteriormente) e ‘tempo do último exame preventivo’ (há quanto tempo [em anos] o exame foi realizado: mesmo ano, 1, 2, 3, 4 ou mais anos) para a faixa etária de 25 a 64 anos.
A qualidade do exame foi avaliada por meio da variável ‘adequabilidade da amostra’ (percentual de amostras insatisfatórias). Uma amostra é considerada insatisfatória quando não apresenta condições mínimas de leitura da lâmina para o diagnóstico, necessitando a repetição do exame.8 O indicador percentual de amostras insatisfatórias representa o número de amostras insatisfatórias em relação ao número total de exames realizados, multiplicado por 100.
A qualidade do exame, na etapa referente à coleta, foi avaliada pela variável ‘representatividade da zona de transformação (ZT)’ para cada uma das três faixas etárias. Durante o exame, podem ser coletados os epitélios escamoso, glandular e metaplásico. A amostra tem representatividade da ZT quando permite verificar o epitélio metaplásico e/ou glandular no material examinado.10 É principalmente na zona de transformação onde surgem as lesões precursoras do câncer do colo uterino e concentram-se as alterações citológicas,10 daí a importância das amostras apresentarem representatividade da ZT. Este indicador foi calculado pelo quociente entre o número de amostras com representatividade da ZT e o número total de amostras satisfatórias, multiplicado por 100.
Foi realizada análise estatística descritiva mediante distribuições de frequência, com a utilização do software Excel 2010.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz: Parecer no 03/2014, emitido em 19 de setembro de 2014.
Resultados
No período de 2006 a 2013, foram registradas no Siscolo 604.331 citologias de mulheres residentes em Teresina. Desse total de exames, 69,4% foram realizados para mulheres na faixa etária de 25 a 64 anos. Ocorreu redução no número de exames realizados, em todas as faixas etárias - inclusive no grupo prioritário do programa, que teve redução de 43,9% (Tabela 1).
Também foi possível observar que a razão entre exames citopatológicos e população-alvo diminuiu 44,8% nas mulheres de 25 a 59 anos, e 51,5% naquelas de 25 a 64 anos, ao longo do período estudado. No ano de 2006, em Teresina, considerando-se as mulheres de 25 a 64 anos, essa razão correspondeu a 0,33 exames/mulher/ano, enquanto em 2012, esse valor foi de 0,16 (Tabela 2).
Do total de citologias realizadas, observou-se 1,8% de exames alterados (10.698 citologias). As atipias foram os principais tipos de alteração encontrados, com maior prevalência nas mulheres >64 anos. Entre 2006 e 2013, a proporção de citologias com resultado positivo aumentou 0,3%, 0,6% e 2,0%, respectivamente para as faixas etárias <25, de 25-64 e >64 anos (Tabela 3).
a) LSIL: lesão intraepitelial escamosa de baixo grau
b) HSIL: lesão intraepitelial escamosa de alto grau
c) LIE_Micro: lesão intraepitelial de alto grau não podendo excluir microinvasão
No período estudado, as LSIL corresponderam a mais da metade dos resultados alterados na faixa etária <25 anos (54,7%), enquanto entre as mulheres de 25-64 anos, corresponderam a 30,0% dos resultados alterados, e entre aquelas >64 anos, 11,5%, com prevalências, respectivamente, de 0,8%, 0,6% e 0,3% para as três faixas etárias (Tabela 3).
Observou-se maior percentual de HSIL entre as mulheres >64 anos (14,6% dos resultados alterados), na comparação com as de 25-64 anos (9,9% dos resultados alterados) e as <25 anos (3,4% dos resultados alterados), respectivamente com prevalências de 0,3%, 0,2% e 0,1% no período de estudo (Tabela 3).
O diagnóstico de câncer foi mais frequente na faixa etária >64 anos (6,3% dos resultados alterados), enquanto na faixa etária de 25-64 anos, correspondeu a 1,2% dos resultados alterados, e na faixa <25 anos, a 0,2% (Tabela 3).
A proporção de positividade dos exames foi maior para as mulheres >64 anos (2,23%), e menor naquelas <25 anos (1,47%). As LSIL foram predominantes nas mulheres mais jovens, <25 anos (Tabela 3).
Destacaram-se algumas variáveis do Siscolo por sua péssima completitude (classificadas como dado ‘ignorado’/‘em branco’), segundo os critérios utilizados por Romero & Cunha.9 Os menores percentuais de completitude foram observados nas variáveis ‘escolaridade’ e ‘raça/cor’, para as quais os valores oscilaram durante o período analisado: de 42,0% (2008) a 5,6% (2013).
Na população feminina de 25 a 64 anos, verificou-se que o percentual de exames registrados pela primeira vez teve aumento de 11,2% entre 2006 e 2009, e redução de 15,9% entre 2010 e 2013 (Tabela 4).
Em Teresina, o percentual de amostras insatisfatórias aumentou em todas as idades, principalmente no período de 2010 a 2013. O maior percentual de amostras insatisfatórias foi observado na faixa etária >64 anos, no ano de 2013 (1,4%).
No período de 2006 a 2013, 601.979 exames (99,6%) foram classificados como satisfatórios; 59,6% apresentavam epitélio representativo da ZT. Observou-se redução constante nesse percentual: de 71,5% (2007) para 47,8% (2013) (Tabela 5).
Discussão
No presente estudo, foi observada acentuada redução no número de exames, no período de 2006 a 2013, inclusive para a população-alvo do programa de controle do câncer de colo uterino. Observou-se, também, elevado percentual de repetição anual do exame, baixa captação de mulheres que nunca realizaram o exame, baixa proporção de positividade dos exames, baixa representatividade da zona de transformação, tendência constante de incremento do percentual de amostras insatisfatórias e baixa completitude das informações socioeconômicas sobre as mulheres cadastradas no programa.
Este estudo contribui para o diagnóstico situacional do rastreamento do câncer do colo uterino em Teresina, desde a avaliação da frequência de realização de exames, prevalência de alterações citológicas, cobertura da população-alvo, qualidade de coleta do exame e leitura das lâminas, até a completitude das informações do Siscolo. Uma possível limitação em relação aos achados estaria relacionada ao monitoramento inadequado dos dados do Siscolo pelos gestores.11,12 O sistema foi criado com o objetivo de nele registrar todos os exames citopatológicos do colo do útero realizados pelo SUS.7 Todavia, não se pode descartar possíveis falhas nesse registro, e consequentemente, diferenças entre as ações de controle do câncer de colo de útero efetivamente desenvolvidas pelas unidades de saúde de Teresina e as informações registradas no Siscolo.
É consenso na literatura que um programa de rastreamento bem organizado pode reduzir a incidência e a mortalidade do câncer do colo uterino em até 90,0%,13 cujas evidências vêm, principalmente, da experiência de países desenvolvidos, onde foram obtidas reduções significativas após a introdução de programas de rastreio de base populacional.4 O rastreamento do câncer do colo uterino abrange algumas etapas: realização do exame de rastreio, identificação dos casos positivos, confirmação diagnóstica e tratamento.4,13,14 O parâmetro que distingue o rastreio oportunista dos programas de rastreio de base populacional consiste de um processo de monitoramento e avaliação rotineira.14 No rastreamento de base populacional, é possível identifcar o histórico individual das mulheres em relação à periodicidade dos exames, data de realização do último exame e resultados, entre outras variáveis, permitindo a identificação das mulheres que repetiram ou fizeram os exames pela primeira vez.14 No Brasil, o que existe é um rastreio oportunístico, no qual a maioria das mulheres realiza exames ao procurar os serviços de saúde por alguma outra razão. Dessa forma, uma parte das mulheres realiza o exame com frequência maior do que o necessário, enquanto outras não têm acesso a ele.14,15
A partir de dados do Siscolo, selecionando-se a variável ‘prestador de serviço’, observou-se que no município de Teresina, entre 2006 e 2009, havia dois laboratórios com escala de produção superior a 15 mil exames citopatológicos do colo do útero/ano. Esses dois prestadores respondiam por cerca de 70,0% da produção de exames do município. A partir de 2010, um deles apresentou queda brusca na produção de exames, chegando a tão somente 746 exames processados em 2013. Portanto, desde 2010, Teresina conta com um único laboratório, cuja escala de produção encontra-se acima de 15 mil exames/ano, responsável por 57,0%, 82,0%, 90,0% e 89,0% dos exames realizados, respectivamente nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013. Evidências científicas mostram que a escala de produção é relevante para a qualidade da leitura das lâminas do exame citopatológico. Isso ocorre porque as lesões suspeitas são relativamente raras (de 3 a 10% das amostras), sendo necessário um maior volume de exames para que o profissional encarregado possa se familiarizar com elas e adquirir experiência. Recomenda-se que os laboratórios tenham produção mínima de 15 mil exames/ano, para adquirir um nível satisfatório de competência - à exceção de unidades de assistência de alta complexidade em oncologia, hospitais universitários e laboratórios de monitoramento.8
Em relação ao câncer do colo do útero, o principal indicador pactuado entre o Ministério da Saúde, estados e municípios brasileiros é a razão entre exames realizados e população-alvo.17 Este indicador deve ser ponderado pela participação da Saúde Suplementar no município, uma vez que os exames realizados pelas beneficiárias de planos privados não são registrados no Siscolo. Considerando-se que a cobertura da Saúde Suplementar na população feminina do município de Teresina, em 2006, foi de 15,0%, e em 2012, de 22,4%, ainda assim, o presente estudo encontrou uma razão muito aquém do esperado para o indicador.18
Os dados de oferta de exames permitem verificar se ela é suficiente em quantidade e se está direcionada conforme a periodicidade preconizada (a cada três anos, após dois exames normais consecutivos no intervalo de um ano).5 Tendo por base a recomendação de repetição do exame a cada três anos, espera-se que a razão exames/população-alvo seja de 0,3 anualmente, a fim de rastrear 100% das mulheres na faixa etária-alvo do programa ao final desse período. A repetição do exame citopatológico no período até um ano é indicada somente para mulheres que realizaram o exame pela primeira vez, ou que tiveram exames com amostra insatisfatória, ou que apresentaram alterações com necessidade de controle em intervalo menor.6 Entretanto, constatou-se elevado percentual de repetição do exame dentro do período de um ano. Resultados similares foram também observados em outro estudo realizado na mesma Teresina, com 464 jovens que finalizaram uma gravidez no primeiro quadrimestre de 2006 em maternidades da capital,19 em que o principal objetivo era analisar a frequência da citologia oncótica em jovens com pelo menos uma gravidez completa. A constatação de alto percentual de repetição da citologia, associada à redução no percentual de exames registrados pela primeira vez, sugere oferta inadequada de exames e baixa capacidade do programa em captar mulheres que ainda não realizaram a citologia.
Países onde foram implantados programas de rastreamento bem organizados, que reduziram as taxas de incidência e mortalidade por câncer do colo uterino, como os Estados Unidos da América, a Noruega e o Reino Unido, apresentaram proporção de positividade de 6,8%,20 4,9%21 e 6,4%22 respectivamente. Em Teresina, observou-se baixa proporção de positividade (1,8%), possivelmente um indicativo de que alterações suspeitas não estejam sendo identificadas nos laboratórios, acarretando exames falso-negativos. Em estudo realizado sobre o rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil, com dados do Siscolo relativos ao período de 2002 a 2006,11 observou-se aumento na positividade dos exames citopatológicos no país da ordem de 22,9%, com positividade de 2,3% em 2002 e 2,9% em 2006, porém com expressiva variação entre faixas etárias e regiões: aumento na positividade dos exames nas regiões Sudeste (53,1%), Sul (6,3%) e Centro-Oeste (26,9%); e redução nas regiões Norte (12,4%) e Nordeste (2%).11 Em 2006, o Nordeste apresentou positividade de 2,2% nos exames, o Norte 3,3%, o Centro-Oeste 3,7%, o Sul 2,2% e o Sudeste 3,4%.11 Comparando-se esses dados do país com os achados do presente estudo para Teresina, no ano de 2006, verifica-se menor positividade dos exames nesta capital em relação ao conjunto do Brasil.
A elevada proporção de atipias de significado indeterminado (55,4% dos exames alterados) observada neste estudo aponta a necessidade de capacitação técnica para leitura das lâminas. Essa proporção serve como um indicador de qualidade dos laboratórios. A literatura indica que 20 a 40% das pacientes com atipias apresentarão lesões de baixo grau e 5 a 15% lesões de alto grau.23 Com o aumento da idade, a prevalência das LSIL diminuiu, enquanto a prevalência das HSIL aumentou, principalmente a partir dos 64 anos de idade. São achados similares ao encontrados em estudos realizados na Inglaterra,24 em São Paulo25 e no município do Rio de Janeiro,26 entre outros. As LSIL são consideradas lesões não precursoras e regridem, em sua maioria, espontaneamente. Em anos mais recentes, sugeriu-se que o tratamento de lesões precursoras em adolescentes e mulheres jovens pudesse estar associado ao aumento da morbidade obstétrica e neonatal.27 Para as mulheres acima dos 64 anos, os percentuais significativos de lesões precursoras e de câncer, provavelmente, expressam a não realização de citologia e/ou baixa qualidade do rastreio, em períodos anteriores de suas vidas.
Pesquisa com dados do Siscolo para todo o Brasil observou aumento gradativo no percentual de amostras insatisfatórias de exames citopatológicos nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, no período de 2002 a 2006.11 O padrão mínimo de qualidade estabelecido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para esse indicador corresponde ao limite de 5%; entretanto, a meta é que ele tenda a zero, de forma a garantir a efetividade do rastreamento.28 Para Teresina, o indicador encontra-se dentro desse limite, embora tenha apresentado tendência crescente e constante no período analisado, o que poderia indicar a necessidade de avaliação, com vistas ao aprimoramento do programa de rastreamento.
A baixa representatividade da zona de transformação - ZT - neste estudo aponta para a necessidade de capacitação técnica dirigida à etapa de coleta do exame. Em estudo sobre o rastreamento do câncer do colo do útero no estado do Maranhão, no ano de 2012,12 os autores assinalaram que 64,2% dos exames citopatológicos tiveram representatividade da ZT. Comparativamente, em Teresina, a representatividade da ZT, no mesmo ano, foi 6,8% menor que a do Maranhão. O profissional de saúde, ao apresentar o resultado do exame à mulher, deve analisar se a amostra teve representatividade da ZT, visto que a maioria das lesões precursoras do câncer de colo uterino surgem nessa região.10
Em estudo avaliativo sobre a qualidade de dados do Siscolo em Vitória, capital do estado do Espírito Santo,29 os autores apontaram como péssima a completitude das variáveis ‘escolaridade’ e ‘raça/cor’. Outros autores assinalam como ruim a completitude de variáveis socioeconômicas em outros sistemas de informações, atribuindo a falta de preenchimento destes campos à pouca importância dada pelos profissionais de saúde para esses atributos,30 embora sejam variáveis importantes para a identificação do nível socioeconômico das mulheres rastreadas e, por conseguinte, para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e controle do câncer de colo uterino.
Embora as análises deste trabalho sejam restritas ao programa de rastreamento do câncer de colo do útero em Teresina, acredita-se que várias das limitações apontadas sejam comuns aos programas de rastreamento de outros municípios brasileiros, podendo o estudo servir de base para o desenvolvimento de estratégias de qualificação das ações de controle dessa neoplasia.
Pode-se concluir que o programa de rastreamento de colo uterino de Teresina apresenta limitações que precisam ser superadas, destacando-se a oferta inadequada de exames, a baixa proporção de positividade e o aumento do número de amostras insatisfatórias. Evidencia-se a necessidade de maior qualificação dos profissionais da atenção primária à saúde, responsáveis pelo rastreamento da neoplasia - incluindo a coleta do exame -, bem como dos profissionais dos laboratórios, encarregados da leitura das lâminas. Por outro lado, embora o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero - Siscolo - apresente elevado potencial enquanto ferramenta gerencial do programa de controle do câncer do colo do útero, sugere-se que ele seja estruturado como um sistema de informações longitudinal, possibilitando que se conheçam os cuidados ofertados às mulheres no transcurso do tempo. A qualidade das informações registradas no Siscolo e o estabelecimento de rotinas para a avaliação periódica e contínua dos dados devem ser priorizados pelos gestores, com o objetivo de qualificar as ações de rastreamento.