Introdução
A proporção de partos cesáreos no Brasil é uma das maiores do mundo, muito superior ao limite de 15% recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para garantir bons resultados materno-fetais.1,2 O percentual de partos cesáreos teve crescimento relativo em todas as regiões do país, de 15% em 1970 para 48,8% em 2008,3 e em 2009 superou, pela primeira vez, o de partos vaginais.4 Em 2010, enquanto as grandes regiões nacionais Nordeste e Norte apresentaram proporções de partos cesáreos de 41% e 44%, respectivamente, o Sul e o Sudeste tiveram proporções mais elevadas, de 58,1% e 58,2%, respectivamente.4
Na presença de indicação clínica adequada, a cesárea é uma intervenção efetiva para diminuir a morbimortalidade materna e neonatal. No entanto, vários fatores não clínicos têm relação com o número alto de cesáreas, a exemplo da associação entre o poder aquisitivo e o acesso aos serviços de saúde para o procedimento cirúrgico.5 Essa hipótese é reforçada quando se verifica que os fatores mais importantes para sua ocorrência são características socioeconômicas, maior número de consultas pré-natal e parto ocorrido no setor privado.5-8 Estes fatores têm relação direta com a organização da atenção obstétrica, pautada muitas vezes pela conveniência de uma intervenção programada, e com a preferência dos médicos e das mulheres pelo parto cirúrgico.9-11
Várias pesquisas no Brasil mostram que, na opinião dos médicos, a maior parte das mulheres prefere a cesárea. Segundo eles, as razões dessa preferência estariam relacionadas ao medo da dor no parto vaginal, ao receio de lesões no assoalho pélvico, à crença de que o parto vaginal é mais arriscado do que a cesárea e, ainda, à possibilidade de fazer ligadura tubária no mesmo ato cirúrgico.12,13 Porém, nos estudos de opinião das mulheres sobre a preferência pelo tipo de parto, esse argumento não se confirma.12,14 Um estudo de base hospitalar nacional que entrevistou 23.940 puérperas entre 2011 e 2012 mostrou que a proporção de cesáreas foi três vezes mais alta do que a preferência inicial referida pelas mulheres, principalmente no setor privado. O medo da dor no parto vaginal foi o fator mais citado para preferir o parto cesáreo; porém, não houve referência da escolha da cesárea como forma de prevenção de lesões perineais.11
No Brasil, é o setor privado que mais tem colaborado com a alta proporção de cesáreas. Em 2006, o percentual de partos cesáreos no sistema público e nos serviços privados foi de 33,2% e 77,2%, respectivamente.15 Inquéritos nacionais evidenciam que, no setor privado, embora a maior parte das mulheres deseje o parto vaginal no início da gestação, elas são submetidas à cesárea antes do início do trabalho de parto, 90% das vezes sem justificativa médica adequada.10,11,14,15 Além disso, a prevalência de prematuridade é maior nos serviços privados, que atendem mulheres com maior nível socioeconômico e escolaridade quando comparadas àquelas dos serviços públicos.1,16 A alta frequência de cesáreas eletivas e sem indicação clínica adequada seria o principal fator para o percentual mais alto de recém-nascidos com baixo peso na população de melhor nível socioeconômico.17
Embora exista discordância sobre a proporção adequada de partos cesáreos para cada país, tanto valores muito elevados como muito baixos são considerados insatisfatórios. O baixo percentual de cesáreas expressa a dificuldade de acesso das mulheres a serviços de saúde com tecnologia apropriada. Por sua vez, o excesso de cesáreas pode determinar consequências negativas, como o aumento da morbimortalidade materna e neonatal.18,19 Dados de países asiáticos e africanos evidenciam que a frequência de cesárea é mais alta entre mulheres urbanas ricas e mais baixa entre mulheres pobres e da zona rural.20 Esse padrão de desigualdade se expressa na pequena utilização da cesárea em países de baixa renda, onde as mulheres mais necessitariam dela, e no excesso de partos cesáreos em países de média e alta renda, onde o risco obstétrico é menor.6,7
Pouco se conhece sobre a forma de nascimento no estado do Piauí. Uma pesquisa que avaliou a tendência temporal das cesáreas no Brasil entre 1994 e 2009 observou que o Piauí, assim como a maioria dos demais estados, apresentou tendência de aumento nesse período, com variação percentual média de 2% ao ano.21 Contudo, não foram investigadas características das mães e dos municípios que possam estar associadas ao parto cesáreo. Este estudo teve como objetivo analisar a tendência da proporção de partos cesáreos e fatores associados no estado do Piauí, Brasil, no período de 2000 a 2011.
Métodos
Realizou-se estudo de série temporal e estudo transversal, com dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, de 2000 a 2011.
O estado do Piauí está localizado na região meio-norte do Nordeste brasileiro e conta com 224 municípios, distribuídos sobre uma área de 251.611km2. Em 2015, a população estimada para o Piauí foi de 3.204.028 habitantes, 65,9% deles residentes em zona urbana. Apesar dos avanços dos indicadores nos últimos anos, o estado ainda apresenta distribuição de renda e níveis de escolaridade entre os mais baixos do país.22
Foram incluídos todos os partos hospitalares de mulheres residentes no Piauí, primíparas, com gestação única e idade gestacional maior ou igual a 22 semanas, e cujos recém-nascidos pesaram 500g ou mais. A proporção de partos cesáreos foi calculada dividindo-se o número de nascidos vivos por partos cesáreos pelo número total de nascidos vivos, multiplicado por 100. Esta proporção foi calculada para o total do período (2000-2011) e para seus quadriênios: 2000-2003, 2004-2007 e 2008-2011.
As variáveis independentes, oriundas do Sinasc, foram: idade materna (em anos: menor que 20; 20-29; 30-39; ≥40), escolaridade (em anos completos de estudo: nenhum; 1-3; 4-7; 8-11; ≥12), cor da pele/raça (branca; preta; amarela; parda; indígena), número de consultas de pré-natal (0; 1-6; ≥7) e duração da gestação (em semanas: 22-36; 37-41; ≥42). O porte do município (em número de habitantes: até 20.000; de 20.001 a 50.000; de 50.001 a 100.000; de 100.001 a 300.000; e mais de 300.000) e o índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) (classificado em quartis: de 0,485 a 0,546; de 0,547 a 0,565; de 0,566 a 0,591; e de 0,592 a 0,751) foram obtidos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As tendências da proporção de partos cesáreos e vaginais foram avaliadas utilizando-se a regressão linear segmentada, por ponto de inflexão - ou joinpoint -, considerando-se cada ano do período de 2000 a 2011. Calculou-se a variação percentual anual (VPA) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Considerou-se que ocorreu aumento nas proporções quando a tendência foi crescente e o valor mínimo do IC95% maior que 0. Por sua vez, considerou-se que ocorreu redução quando houve declínio na tendência e o valor máximo do IC95% foi menor que 0. A estabilidade foi definida quando, independentemente da tendência, o IC95% incluiu o valor 0.
A análise dos fatores associados ao parto cesáreo foi realizada pelo cálculo das razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos IC95%, por meio de regressão de Poisson com ajuste robusto da variância.23 A variável dependente foi o tipo de parto (cesáreo ou vaginal). A análise ajustada foi realizada com modelo hierárquico em dois níveis: o primeiro nível incluiu a idade, escolaridade, cor da pele/raça e duração da gestação; e o segundo nível, o número de consultas de pré-natal, o porte do município e o IDH-M. As categorias escolhidas como referência foram aquelas consideradas de menor risco para a ocorrência de partos cesáreos.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí (CAAE no 15524213.2.0000.5209) em 16/07/2013.
Resultados
Nos 12 anos estudados, foram registrados 651.587 nascidos vivos no Piauí. Destes, 215.594 (33,1%) corresponderam a partos hospitalares, de primíparas e com gestação única. A proporção de cesáreas nesse subgrupo foi de 43,9%. A Figura 1 evidencia que, desde 2009, a proporção de partos cesáreos é superior àquela de partos vaginais. Houve tendência de elevação significativa da proporção de cesáreas no período estudado (VPA +4,4; IC95% 3,6;5,1) (Tabela 1).
a) VPA: variação percentual anual, calculada ano a ano por regressão linear segmentada, por ponto de inflexão ou joinpoint.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) Faltaram dados em 1.513 (1,6%) casos
d) Faltaram dados em 7.757 (8,2%) casos
e) Faltaram dados em 851 (0,9%) casos
f) Faltaram dados em 757 (0,8%) casos
A proporção de partos cesáreos aumentou em todos os grupos de idade materna, escolaridade, cor da pele/raça, número de consultas de pré-natal, idade gestacional, porte do município e IDH-M, do quadriênio de 2000-2003 ao de 2008-2011. A maior elevação ocorreu entre mulheres com menos de 20 anos de idade (+44%; VPA +5,3; IC95% 4,1;6,8), com escolaridade maior ou igual a 12 anos de estudo (+48,5%; VPA +5,1; IC95% 4,3;7,1), brancas (+67,7%; VPA +5,8; IC95% 4,7;7,2), com mais de sete consultas de pré-natal (+50,4%; VPA +3,9; IC95% 2,2;5,1), idade gestacional de 37 a 41 semanas (+79,3%; VPA +2,8: IC95% 2,0;4,2), residentes em municípios com mais de 300 mil habitantes (+49%; VPA +4,2; IC95% 2,8;5,9) e com IDH-M mais elevado (+51%; VPA +3,4; 2,6;4,3) (Tabela 1).
Mulheres na idade de 40 anos ou mais apresentaram maior proporção de cesáreas (RPaj=2,17; IC95% 2,09;2,28) do que aquelas com menos de 20 anos, em todos os quadriênios. A proporção de cesáreas foi mais elevada entre mulheres com mais de 12 anos de escolaridade (RPaj=1,86; IC95% 1,77;1,96) do que entre mulheres analfabetas. As mulheres de cor da pele/raça branca (RPaj=1,72; IC95% 1,63;1,86) e as que realizaram sete ou mais consultas de pré-natal (RPaj=2,08; IC95% 1,97;2,18) também tiveram maiores proporções de partos cesáreos. Os municípios com mais de 300 mil habitantes (RPaj=1,68; IC95% 1,62;1,80) e aqueles com IDH-M mais elevado (RPaj=1,61; IC95% 1,51;1,73) referiram mais cesáreas, em todos os quadriênios. Exceto para idade materna e porte do município, todas as demais variáveis apresentaram razões de prevalência maiores no quadriênio 2008-2011 (Tabela 2).
a) RPb: razão de prevalência bruta
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) RPaj: razão de prevalência ajustada, calculada pela regressão de Poisson com ajuste robusto da variância - as variáveis de ajuste consideradas foram idade, escolaridade, cor da pele/raça e duração da gestação (1º nível); e número de consultas de pré-natal, porte do município de ocorrência e IDH-M (2º nível).
Discussão
A proporção de partos cesáreos entre primíparas com gestação única apresentou tendência de aumento no Piauí. O crescimento ocorreu em todos os grupos mas foi predominante entre mulheres brancas, com alta escolaridade, que realizaram múltiplas consultas de pré-natal, residentes em cidades com mais de 300 mil habitantes e com IDH-M mais elevado. Esses dados sugerem desigualdades no perfil de mulheres com acesso ao parto cesáreo no estado e a decisão pelo parto cirúrgico, provavelmente, não se baseou somente em critérios técnicos, achado semelhante ao encontrado em outros trabalhos.5,6,8,10,14
A proporção de cesáreas no Piauí é cerca de três vezes superior ao índice recomendado pela OMS.2,18 Esse padrão é similar ao encontrado no Brasil como um todo e em suas grandes regiões geográficas, apesar da existência de diferenças:15,24 Em 2012, por exemplo, proporções entre 30,0 e 45,0% foram encontradas nas regiões Norte e Nordeste, enquanto as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste tiveram proporções variando entre 55,0 e 65,0%, demonstrando frequência mais elevada de cesáreas nos estados mais ricos, com maior número de habitantes e de partos.3,15,24 Diversos fatores foram apontados como determinantes dessa elevação na proporção de partos cesáreos no Brasil; vários estudos citam a importância de variáveis não clínicas, como a idade e a escolaridade da mulher, sua origem étnica, a região de residência e os cuidados do pré-natal, além da influência do profissional que a assiste no pré-natal e no parto.7,8,11,12,14,15,20
Neste estudo, a idade materna maior ou igual a 40 anos esteve associada com maior prevalência de cesárea, como foi observado em outras pesquisas.8,14 A idade materna avançada é classicamente considerada um dos fatores importantes para a elevação da proporção de cesáreas.25 A maior ocorrência de doenças crônicas nesse grupo etário (como hipertensão e diabetes) e a função miometrial (pela menor quantidade de receptores de ocitocina), que se reduz com o avançar dos anos, levariam a maior chance de complicações durante a gestação e o trabalho de parto, sendo a intervenção cirúrgica empregada para minimizar esse risco.25 Apesar de essa associação não poder ser avaliada neste estudo, alguns autores demonstraram que as complicações obstétricas por si só não explicam a elevação da ocorrência de cesáreas em mulheres com maior idade. Ademais, a ansiedade de mulheres e médicos em considerar a gestação como de “alto risco” poderia suplantar a real existência de morbidade materna na indicação do parto cirúrgico.26
No que diz respeito ao impacto da idade gestacional no risco de cesáreas, menores proporções foram verificadas entre a 37ª e a 41ª semana de gestação, com associação pequena entre idade gestacional pós-termo e cesáreas. Entre nulíparas, as proporções de cesáreas geralmente são menores quando a idade gestacional se encontra entre 37 e 40 semanas e o trabalho de parto tem início espontâneo.27
Outros estudos realizados no Brasil também verificaram associação positiva entre frequência de cesáreas e nível de escolaridade das mães.8,10,14,15 Proporções de partos cesáreos crescentes também foram observadas em todos os grupos de escolaridade materna, sugerindo maior acesso aos serviços de saúde para o parto. Em outros países, mulheres mais escolarizadas apresentam de três a quatro vezes mais probabilidade de parto operatório quando comparadas com mulheres analfabetas.6,16,27 Em 2009, segundo estudo etnográfico realizado com 80 puérperas de Pelotas, Rio Grande do Sul, as mulheres acreditavam que a melhor qualidade de assistência ao parto estava relacionada com a tecnologia utilizada na cesárea.10 Dessa forma, mulheres mais escolarizadas teriam maior poder para solicitar o parto operatório por acreditarem que ele seria mais seguro que o parto vaginal, além de menos doloroso e mais conveniente.11,14-16,24
As disparidades de raça/cor da pele na proporção de cesáreas podem decorrer tanto de características socioculturais como de deficiências na assistência médica.27 Com resultado parecido ao apresentado no presente trabalho, outra pesquisa com primíparas brasileiras, realizada em 2003 e 2004, revelou que mulheres brancas tiveram proporções de partos cesáreos mais elevadas do que outros grupos de raça/cor.8 Esse padrão não é encontrado em todos os países; nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, por exemplo, as mais altas proporções de cesáreas são encontradas entre mulheres negras e de origem asiática.28,29 Além da inexata definição de cor da pele, a discrepância nesses dados pode ter origem em fatores biológicos, na preferência das mulheres, na renda familiar e, ademais, na escolaridade materna, o que influenciaria o acesso e a qualidade da assistência obstétrica em diferentes localidades.5,20,29
A partir da década de 1980, houve aumento da frequência de gestantes brasileiras com início precoce do pré-natal, que realizaram mais de seis consultas e foram submetidas a mais exames subsidiários.3 Com isso, seria esperado que, nos serviços de pré-natal de qualidade, os profissionais de saúde incentivassem o parto vaginal sempre que não houvesse contraindicação. Entretanto, de forma coerente com a literatura nacional,8,14-16 no Piauí, as proporções de cesáreas foram mais elevadas entre as mulheres que realizaram mais consultas de pré-natal. Existem pelo menos duas explicações para esse resultado. Primeiramente, o maior número de consultas poderia se justificar pela existência de doenças, como hipertensão e diabetes - que, em decorrência do maior risco obstétrico, levariam a maior frequência de cesáreas.6,29 Em segundo lugar, é possível que as informações prestadas pelo médico durante o pré-natal, ao recomendarem a cesárea como uma opção mais segura, influenciassem a decisão da gestante pelo tipo de parto.10,11
Verificou-se que as cidades com mais de 300 mil habitantes e com maior IDH apresentaram proporção mais elevada de cesáreas. Por um lado, esses dados espelham o fato de os hospitais situados em áreas urbanas mais desenvolvidas serem, quase sempre, mais bem equipados e contarem com equipes de saúde mais qualificadas, características de impacto na realização de procedimentos cirúrgicos. Por outro lado, a menor frequência de cesáreas em regiões menos populosas e menos desenvolvidas, geralmente mais pobres, leva à suposição de que mulheres de alto risco obstétrico tenham menor acesso ao parto cirúrgico quando necessário. Dados nacionais e de outros países reforçam a ideia de que as características socioeconômicas da região de residência da mulher são mais determinantes nas proporções de partos cesáreos que os fatores socioeconômicos individuais e familiares das gestantes.8,20
Este estudo possui limitações a serem consideradas, principalmente relacionadas à utilização de dados secundários do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos -Sinasc -, dadas suas restrições de cobertura e qualidade.30 Cabe destacar que a investigação limitou-se aos partos hospitalares de primíparas. Por não ser possível avaliar a influência de cesáreas anteriores na escolha do tipo de parto subsequente, optou-se por incluir somente primíparas. Além disso, as variáveis disponíveis na base de dados não permitiram discriminar todas as situações que poderiam determinar as cesáreas, inviabilizando a separação de cesáreas por indicação clínica daquelas realizadas por conveniência.
Mesmo com essas limitações, este é o primeiro estudo avaliativo do panorama dos partos no Piauí, consolidando um período de 12 anos. Os fatores relacionados com os partos em primíparas devem ser encarados como prioritários no enfoque e implementação de ações para diminuir a frequência de cesáreas de repetição.
Apesar de se desconhecer a proporção ideal de cesáreas para cada população, a quantidade de partos cirúrgicos tem sido considerada excessiva em todo o mundo. Os dados do Piauí corroboram observações de outros estudos nacionais, segundo os quais, além da tendência de crescimento, as proporções de cesáreas são marcadas por desigualdades sociais. Na prática, é possível que falte a tecnologia de parto apropriada para as mulheres que mais necessitam das cesáreas e, em contrapartida, sua frequência seja abusiva naquelas com menor risco na gravidez. Esse cenário da assistência ao parto pode repercutir na manutenção de morbimortalidade materna e fetal, tanto pela falta como pelo excesso de cesáreas.
Existe uma dualidade no atual modelo de assistência ao parto no Brasil. O setor público, de um lado, é marcado pela maior frequência de partos vaginais, geralmente com pequeno controle da dor e mais intervenções desnecessárias. De outro lado, o setor privado exibe as cesáreas como o tipo de parto quase universal, com procedimentos convenientemente agendados, mais rápidos, defendidos como mais seguros que os partos vaginais. Se considerarmos que a cesárea é um procedimento essencial na assistência obstétrica, capaz de salvar a vida das gestantes e dos fetos quando indicada adequadamente, o debate sobre a igualdade de acesso à assistência ao parto deve ser centrado na oferta da cesárea para as mulheres que dela necessitarem. A crescente proporção de partos cesáreos e sua maior ocorrência entre mulheres com baixo risco obstétrico no Piauí apontam a necessidade de intervenção com foco nos profissionais de saúde, nas mulheres e na organização e estrutura dos serviços de saúde. Medidas como educação médica continuada, consultas de pré-natal de qualidade e acesso a boas práticas durante a assistência ao parto podem contribuir para a redução da proporção de cesáreas desnecessárias.