Introdução
A prematuridade é um assunto de extrema importância em todo o mundo, uma prioridade de Saúde Pública,1 por se tratar da causa mais importante de morte neonatal e a segunda causa principal de mortalidade em crianças menores de 5 anos.2 É considerada prematura, ou pré-termo, a criança nascida com menos de 37 semanas de gestação.3 Os nascidos pré-termo têm risco aumentado de adoecer e morrer em consequência do incompleto desenvolvimento fetal e de sua maior suscetibilidade às infecções, estas agravadas pela manipulação e prolongado período de permanência nas unidades neonatais. Muitos nascidos pré-termo evoluem com sequelas neurológicas, oftalmológicas ou pulmonares. Esse evento deve ser investigado e aprofundado considerando-se seus fatores determinantes, com o intuito de intervir na redução da morbimortalidade infantil.4,5
Estudo6 de análise da prevalência de prematuridade em 184 países no ano de 2010 estimou o nascimento de aproximadamente 14,9 milhões de bebês prematuros, o que representa 11,1% dos nascidos vivos em todo o mundo, variando de cerca de 5% em vários países europeus a 18% em alguns países africanos. Do total de nascimentos prematuros, mais da metade (60,0%) ocorreu no sul da Ásia e na África Subsaariana.6
No Brasil, a partir da década de 1990, foram verificados avanços na atenção à saúde materno-infantil, embora ainda se observe aumento de nascimentos pré-termo.7 A Pesquisa Nascer no Brasil8 identificou, em 2011, uma prevalência de prematuridade de 11,3% no país. Já estudo de correção da prevalência de nascimentos pré-termo no Brasil encontrou estimativas de 11,7 a 11,8% no triênio 2009-2011.9 Em Minas Gerais (MG), essa prevalência passou de 5,2% no ano de 1999 para 7,4% em 2008.10
Diversos fatores estão associados à prematuridade, destacando-se: idade materna menor que 20 anos ou maior que 40 anos; baixo nível socioeconômico; antecedente de parto pré-termo; estatura materna inferior a 1,52 metros; gestação gemelar; sangramento vaginal no 2º trimestre de gestação; amadurecimento cervical; aumento da atividade uterina antes da 29ª semana de gestação; hábito de fumar; ser mãe solteira; ocupação materna em atividade profissional remunerada; estado nutricional; alteração de peso inadequado da mãe; raça/cor; infecções do trato urinário; exposição a substâncias tóxicas; ausência de pré-natal ou número reduzido de consultas; e tipo de parto.11,16
Algumas dessas variáveis constam da Declaração de Nascidos Vivos (DNV), documento que alimenta a base de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Portanto, o Sinasc é um sistema com informações importantes para o monitoramento e avaliação em saúde materno-infantil nos serviços locais.17,18 Utilizar as informações disponibilizadas pelo Sinasc favorece o aprimoramento da qualidade da informação sobre as condições de nascimento e sua aplicabilidade no monitoramento e no planejamento das ações e serviços de saúde locais.19 O conhecimento das características de um grupo populacional alicerça, direciona e subsidia as ações propostas pelos serviços de assistência à saúde, bem como sua forma de execução.7 A avaliação das condições de nascimentos prematuros pode fornecer aos serviços de saúde um conhecimento útil para a organização do cuidado materno-infantil.
Este estudo teve como objetivo estimar a prevalência e os fatores associados à prematuridade no município de Divinópolis, estado de Minas Gerais (MG), Brasil, no período de 2008 a 2011.
Métodos
Estudo transversal de análise dos nascimentos hospitalares ocorridos no município de Divinópolis-MG, no período de 2008 a 2011. A fonte de dados para o estudo foi a base do Sinasc, da Superintendência Regional de Saúde da Região Ampliada Oeste de Minas Gerais. O Sinasc foi implantado no Brasil em 1990, com o propósito de implementar um sistema de informações sobre as condições de nascimento, gestação, parto e características da mãe.18
Divinópolis, maior cidade da Região Ampliada Oeste de MG, contava, em 2010, com uma população estimada em 228.643 habitantes e índice de desenvolvimento humano (IDHM) de 0,764.20 Seu sistema de saúde é composto por 32 unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), 10 unidades de saúde tradicional (UST), uma unidade de pronto atendimento municipal e 4 hospitais, dos quais um filantrópico e 3 privados.
A população alvo do estudo consistiu de 10.266 nascidos vivos residentes em Divinópolis. Destes, foram excluídos os partos gemelares, caso em que é comum o nascimento de crianças prematuras independentemente da influência dos demais fatores de risco,11 e partos de gestações com menos de 22 semanas, que incluem os abortos, totalizando 279 (2,7%). Assim, foram incluídos no estudo 9.987 registros de nascidos vivos hospitalares e únicos, residentes em Divinópolis-MG.
O desfecho em estudo foi a duração da gestação, categorizada em pré-termo (22 a 36 semanas e 6 dias) e termo (37 a 41 semanas e 6 dias). As variáveis independentes consideradas foram: sexo do recém-nascido (feminino; masculino); idade da mãe (em anos: 15 ou menos; 16 a 19; 20 a 34; 35 ou mais); escolaridade da mãe (em anos de estudo: 8 ou menos; 9 a 11; 12 ou mais); tipo de parto (vaginal; cesáreo); número de consultas de pré-natal (6 ou menos; 7 ou mais); número de filhos vivos em gestações anteriores (menos de 4; 4 ou mais). O peso ao nascer (baixo peso, inferior a 2.500 gramas; peso adequado, maior ou igual a 2.500 gramas) e o número de filhos nascidos mortos (menos de 2; 2 ou mais) foram utilizados apenas para descrição da população analisada. As demais variáveis que constam na DNV - estado civil da mãe; raça/cor da mãe; ocupação materna habitual; detecção de alguma má-formação congênita e/ou anomalia cromossômica - não foram avaliadas devido a incompletudes maiores que 20%, consideradas de classificação ruim no campo da DNV.21
A estatística descritiva compreendeu o cálculo da prevalência da prematuridade para o total da amostra segundo categorias das variáveis selecionadas, e as estimativas dos respectivos intervalos de confiança de 95%. O teste do qui-quadrado de Pearson foi realizado para avaliar possíveis associações entre as covariáveis e a prematuridade, com nível de significância de 5%. A força de associação foi estimada calculando-se a razão de chances (odds ratio) e seus intervalos de confiança de 95%. Para o controle de possíveis fatores de confusão, usou-se análise de regressão logística multivariável. Foi aplicado o teste de Wald para verificar a significância das variáveis. Introduziram-se no modelo multivariável todas as variáveis que apresentaram valor de p<0,20 na análise bruta - exceto peso ao nascer, variável utilizada apenas para descrição da população estudada. A seleção das variáveis foi feita pelo método stepwise, incluindo-se, inicialmente, a variável de maior associação com o desfecho, e assim por diante, avaliando-se as possíveis interações entre elas e mantendo-se no modelo final as variáveis com valor de p<0,05. Empregou-se o teste de Hosmer-Lemeshow com o propósito de avaliar se o modelo proposto poderia explicar bem o que se observou. Para a análise dos dados, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) 17.0.
Este estudo obedeceu aos princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Campus Centro-Oeste Dona Lindu, da Universidade Federal de São João Del Rei: Registro no 392702.
Resultados
Na amostra estudada, 73,6% das mães tinham idade entre 20 e 34 anos; 61,0% apresentaram entre 9 a 11 anos de escolaridade; 75,0% fizeram 7 ou mais consultas de pré-natal e 62,0% fizeram o parto cesáreo. A maioria delas teve menos de 4 filhos vivos (96,8%) e menos que dois filhos mortos (98,8%). Quanto aos recém-nascidos, 91,0% tiveram peso igual ou maior que 2.500 gramas e pouco mais da metade era do sexo masculino (51,3%) (Tabela 1).
Entre os 9.987 registros de nascimentos analisados, 797 (8,0%) foram de crianças prematuras. Percebeu-se aumento na prematuridade no período, variando de 7,7% em 2008 a 9,6% em 2011 (Figura 1).
Maior prevalência de prematuridade foi evidenciada entre as mães com 15 anos ou menos (14,4%) e com 35 anos ou mais de idade (9,3%), quando comparadas às mulheres de 20 a 34 anos (7,6%). Entre as mães que realizaram seis consultas de pré-natal ou menos, a prematuridade foi três vezes superior (16,0%) em relação às que fizeram sete ou mais consultas (5,3%). Em relação ao tipo de parto, verificou-se maior frequência de prematuros nos partos cesáreos (8,9%) do que nos partos vaginais (6,5%). Houve, também, maior frequência de prematuridade entre as mães que tiveram quatro ou mais filhos vivos (11,7%) (Tabela 2). Na análise bruta de associação entre prematuridade e as covariáveis em estudo, verificou-se que as variáveis ‘Sexo’ do recém-nascido (p=0,237) e ‘Escolaridade’ da mãe (p=0,632) não apresentaram significância estatística, sendo excluídas do modelo ajustado por apresentarem valor p>0,20.
a) p-valor: probabilidade de significância - teste do qui-quadrado de Pearson
b) OR (odds ratio: razão de chances) e IC95% (intervalo de confiança de 95%) - análise bruta
c) OR (odds ratio: razão de chances) e IC95% (intervalo de confiança de 95%) - análise ajustada
d) p-valor: probabilidade de significância - teste de Wald
Após ajuste, a variável ‘número de filhos nascidos vivos em gestações anteriores’ perdeu significância estatística. A chance de prematuridade foi maior entre nascidos de mães com 6 ou menos consultas de pré-natal (OR=3,76; IC95% 3,24;4,38), submetidas a parto cesáreo (OR=1,73; IC95% 1,48;2,04) e menores de 15 anos de idade (OR=1,22; IC95% 1,01;1,49). O modelo apresentou-se bem ajustado, conforme o teste de Hosmer-Lemeshow (p=0,669) (Tabela 2).
Discussão
No presente estudo, observou-se que mães com 6 ou menos consultas de pré-natal, que tiveram partos cesáreos e aquelas com menor idade tiveram maiores chances de ter nascimentos prematuros. A maioria dos recém-nascidos pré-termo analisados tiveram entre 32 e 36 semanas de gestação e mais da metade nasceu de parto cesáreo. Ainda é elevada a prevalência de mães com número insuficiente de consultas de pré-natal (25,0%), contrariando o preconizado pela Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal.3
A prevalência da prematuridade identificada no município de Divinópolis-MG, nos três primeiros anos analisados, mostrou-se semelhante àquela do estado de Minas Gerais (7,4%) e sua Região Ampliada Oeste (7,4%), no mesmo período,10 porém menor se comparada com a prevalência no Brasil (11,3%) em 2011.8 Naquele ano, foi verificado aumento de 28,0% nos partos prematuros em Divinópolis-MG, quando comparado ao ano de 2010. Este fato é preocupante e pode estar relacionado com a assistência à saúde, particularmente a assistência pré-natal e o tipo de parto realizado, entre outros fatores relacionados às condições socioeconômicas desfavoráveis dessas populações que influenciam diretamente nessas prevalências.7,8,22
A consulta de pré-natal e o tipo de parto estiveram associados à prematuridade. Gestantes que realizam um número de consultas de pré-natal suficiente têm menos chances de terem partos prematuros.23,25 Em 2010, estudo14 realizado em maternidade pública de médio porte do estado do Maranhão identificou que praticamente 60% das puérperas de prematuros realizaram menos de 5 consultas de pré-natal e apresentaram cinco vezes mais chances de prematuridade, em relação às mães de crianças nascidas a termo. O Ministério da Saúde estabelece, preferencialmente, uma consulta de pré-natal no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro e último trimestre de gestação.3 Mais do que o número de consultas de pré-natal, é preciso avaliar a qualidade dessa assistência: as gestantes podem até receber o número de consultas preconizadas, entretanto com uma qualidade insuficiente.26,27 Mulheres que tiveram parto cesáreo apresentaram maior chance de dar à luz prematuros, achado coincidente com os de estudos realizados nos estados de Minas Gerais28 e Santa Catarina.13 Em 2010, a proporção de partos operatórios no local do estudo, de acordo com o Sinasc, chegou a ser superior à do Brasil (52,3%) e de algumas cidades brasileiras, como São Paulo-SP (53,9%), Pelotas-RS (58,0%) e Belo Horizonte-MG (49,7%).10 O aumento dos partos cesáreos deve-se tanto a fatores ligados à decisão materna quanto à dos profissionais de saúde.6 Pesquisa brasileira identificou que municípios pertencentes às regiões mais ricas apresentam maiores prevalências de prematuridade, o que pode estar relacionado a um maior número de intervenções médicas necessárias e possíveis, dada a melhor estrutura e possibilidades de sobrevivência de um recém-nascido pré-termo nessas regiões, em contraste com as regiões Norte e Nordeste do país.9 Salienta-se que a contribuição das intervenções médicas, como as cesarianas, para o aumento dos nascimentos pré-termo vem sendo discutida no Brasil.7,13,27
A idade menor de 15 anos apresentou associação com a prematuridade, após ajuste. Outros estudos apontaram que os extremos de idade das mães influenciam os nascimentos de crianças prematuras.11,12,14,28 A frequência de recém-nascidos prematuros, pós-termo, de baixo peso, macrossômicos, além de óbitos fetais, é maior em mulheres com idade superior a 35 anos.28 Já na adolescência, as condições socioeconômicas e geográficas e dificuldades de acesso aos serviços de saúde podem potencializar as intercorrências relativas à gravidez, como a prematuridade.12
Não foi observada associação da prematuridade com a escolaridade da mãe, corroborando resultados de estudos brasileiros como o do estado de Santa Catarina13 e outros, realizados nos municípios de Guarapuava-PR12 e Imperatriz-MA.14 Em Bruxelas,23 uma análise da relação entre os cuidados pré-natais e o risco de parto prematuro também identificou que a escolaridade materna não interferiu na prematuridade. Não obstante, é preciso considerar que a baixa escolaridade da mãe predispõe situações de risco materno e infantil, como a dificuldade de acesso às informações e a medidas de prevenção e promoção da saúde, restrições intelectuais ao exercício da cidadania e da capacidade de autocuidado e busca de assistência.12
Sobre a qualidade da informação disponível no Sinasc, a análise da completude da DNV apontou para 100% de registro das variáveis ‘Peso ao nascer’, ‘Idade’, ‘Tipo de parto’, ‘Tipo de gravidez’ e ‘Sexo’. A incompletude das variáveis ‘Escolaridade’, ‘Número de semanas de gestação’, ‘Número de consultas de pré-natal’, ‘Número de nascidos vivos’ e ‘Número de perdas fetais/abortos’ variou de 0,2 a 1,8%, classificação considerada excelente (menor de 5%).21 Atualmente, tem-se observado melhora na cobertura do Sinasc,21 na confiabilidade de seus dados29 e na completude do preenchimento dos campos-dados da DNV.21 Em relação ao campo ‘No de semanas de gestação’, por exemplo, verificou-se uma redução dos registros sem informação dessa variável.30
Algumas limitações referentes à qualidade da informação devem ser consideradas neste estudo. Campos de preenchimento de dados da DNV, como ‘Situação conjugal’, ‘Raça/Cor da Mãe’, ‘Ocupação habitual’, ‘Detectada alguma anomalia ou defeito congênito’, importantes para esta análise, não foram avaliadas devido a incompletudes maiores que 20% na DNV. Talvez essas informações tenham sido negligenciadas, seja por desconhecimento da relevância das variáveis na análise da situação de saúde materno-infantil, seja por não discernimento entre campo em branco e campo ignorado no momento do preenchimento da declaração.2 Outra limitação deste trabalho refere-se ao viés de seleção - sobrevivência - presente em estudos transversais. Possivelmente, a não inclusão dos natimortos na casuística de casos subestimou as associações encontradas. Ressalta-se, ainda, a possibilidade de causalidade reversa na associação entre número de consultas de pré-natal e nascimentos pré-termo. Este viés pode decorrer do fato de algumas mulheres com filhos prematuros terem realizado menos consultas de pré-natal, desde que sua gestação foi interrompida precocemente.
O Sinasc constitui uma das iniciativas mais exitosas entre as bases de dados nacionais e uma importante fonte de informações sobre as condições de nascimentos em uma localidade. Contudo, deve-se considerar a permanência de incompletude para alguns campos da Declaração de Nascido Vivo, a subutilização dos dados e a precária divulgação das informações.19 O uso de informações em saúde na pesquisa e no monitoramento e avaliação de serviços, programas e políticas favorece a qualidade dessas mesmas informações e a produção de novos conhecimentos, cuja aplicabilidade se reflete em mudanças na prática dos serviços e nas políticas públicas instituídas.
Como principais conclusões do presente estudo, a prematuridade esteve associada ao parto cesáreo, à realização de menos de seis consultas de pré-natal e à idade materna menor de 15 anos. Recomenda-se aos gestores e profissionais de saúde rever a organização dos serviços de atenção ao pré-natal e ao parto, em seus aspectos estruturais e de processo, valorizando o cuidado no acompanhamento pré-natal e desestimulando a cesariana eletiva. Pressupõe-se que essas ações contribuirão para a redução da prematuridade.