Introdução
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde do Brasil é responsável pela normatização da estrutura física mínima das salas de vacina, do calendário básico de vacinação, das técnicas adequadas de aplicação, conservação e manuseio dos imunobiológicos, das condutas frente aos eventos adversos e das situações especiais de vacinação.1
O programa também enfatiza a necessidade de as salas de vacina contarem com pessoal habilitado e capacitado para as peculiaridades das atividades a serem realizadas. A cada sala de vacina deve corresponder uma equipe composta, preferencialmente, por um ou dois técnicos de enfermagem, com a participação de um enfermeiro.1-2
É fundamental que o profissional de enfermagem tenha conhecimentos, atitudes e práticas adequadas relacionadas às ações da vacinação, haja vista o crescente número de notificações resultantes de procedimentos equivocados realizados em sala de vacina. Em 2014, foram registrados, em média, nove procedimentos inadequados a cada mil doses de vacinas aplicadas no município de Ribeirão Preto-SP.3 Em São José do Rio Preto-SP identificou-se que, de todos os usuários que receberam procedimentos inadequados no ano de 2012, 46,9% tinham de um a dez anos de idade.4
Para a supervisão dos procedimentos de vacinação é exigida do enfermeiro a Responsabilidade Técnica pelo serviço, estabelecida pela Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 302, de 16 de março de 2005.5 O enfermeiro deve orientar e prestar assistência aos usuários dos serviços de saúde em condições seguras, fazendo o acompanhamento das doses administradas e averiguando os efeitos adversos ocorridos, além de capacitar sua equipe, avaliar e buscar a atualização do conhecimento técnico-científico.6
Para que os usuários sejam adequadamente vacinados, esses profissionais devem ter a exata compreensão do processo de trabalho a ser executado, sob risco de causar danos à saúde da população, principalmente à infantil. Nessa perspectiva, considera-se relevante o conhecimento da realidade envolvendo essa temática para direcionar o planejamento e implementação de ações adequadas. Não obstante, estudos relacionados são escassos, tanto em nível local quanto nacional.
O presente estudo teve como objetivo descrever o conhecimento, atitude e prática de vacinadores sobre a vacinação infantil.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo censitário, do tipo de inquérito Conhecimento, Atitude e Prática (CAP), realizado em salas de vacinas de unidades básicas de saúde (UBS) e em hospitais da zona urbana do município de Teresina-PI, no período de janeiro a março de 2015. A região delimitada possuía 78 salas de vacina e destas, oito encontravam-se em reforma, configurando-se, portanto, como salas inativas.
Para participar da pesquisa, definiu-se como critério de inclusão ser profissional responsável pela administração quotidiana de vacina. Foram excluídos profissionais que substituíam temporariamente o vacinador em período de férias, e aqueles que estavam lotados como colaboradores, atuando para atender um aumento de demanda do serviço. Assim, a população em estudo foi constituída por 89 vacinadores.
A coleta de dados foi realizada na própria sala de vacina, aplicando-se um questionário elaborado especialmente para o estudo e previamente revisado por professores universitários especialistas da área, que avaliaram a coerência das perguntas com o objeto da investigação. O instrumento foi composto de cinco partes: (i) a primeira parte abordou questões sobre a caracterização do perfil dos profissionais, como idade, sexo, categoria profissional, formação no Ensino Superior, tempo de atuação na área, tempo de trabalho na sala de vacina, e realização e data da última capacitação realizada; (ii) a segunda parte investigou aspectos do funcionamento da sala de vacina, como a quantidade de vacinadores existentes e a periodicidade da supervisão pelo responsável técnico; (iii) a terceira parte contemplou questões sobre o conhecimento dos profissionais em relação à vacinação, com as opções de resposta ‘verdadeiro’, ‘falso’ e ‘não sei’; (iv) a quarta parte averiguou as atitudes desses vacinadores, com as possíveis respostas ‘discordo plenamente’, ‘discordo’, ‘nem concordo e nem discordo’, ‘concordo’ e ‘concordo plenamente’; (v) e a quinta parte do questionário englobou aspectos relacionados à prática do vacinador, com opção de resposta ‘sim’ ou ‘não’. As questões relacionadas ao conhecimento, atitude e prática referiram-se à administração, uso e acondicionamento dos imunobiológicos, além de eventos adversos e do uso de compressas e medicação após a vacinação. A versão completa do questionário está disponível como material suplementar, na versão online deste artigo.
A tríade conhecimento, atitude e prática, em combinação, comanda todos os aspectos da vida nas sociedades humanas: constitui os três pilares do sistema dinâmico da própria vida. O inquérito CAP revela o que as pessoas sabem sobre certos temas, o que sentem e como se comportam diante de determinadas circunstâncias, e estuda os assuntos possíveis de serem afetados por fatores sociais, culturais e econômicos, além de conseguirem influenciar no alcance de objetivos da Saúde Pública.7
Para o presente estudo, foram adotadas as seguintes definições: conhecimento consiste em recordar fatos específicos (dentro do sistema educacional do qual o indivíduo faz parte) ou na habilidade para aplicar fatos específicos para a resolução de problemas; atitude significa ter opiniões, sentimentos, predisposições e crenças relativamente constantes, dirigidos a um objetivo, pessoa ou situação; e prática, aqui considerada a prática autorreferida, é a tomada de decisão para executar a ação.8
Na análise dos dados, considerou-se como conhecimento: questão adequada quando a resposta estivesse correta; questão não adequada quando a resposta estivesse errada, ou quando o entrevistado respondesse ‘não sei’. Em relação à atitude, considerou-se: questão adequada quando a resposta fosse ‘discordo’ ou ‘discordo plenamente’; questão não adequada quando a resposta fosse ‘concordo’, ‘concordo plenamente’ ou ‘nem concordo e nem discordo’. E quanto à prática autorreferida: questão adequada quando a resposta fosse ‘sim’ e questão inadequada quando a resposta fosse ‘não’. As respostas foram consideradas adequadas ou não de acordo com os manuais e normas técnicas sobre vacinação publicados pelo Ministério da Saúde.1,9-10 Para o conhecimento, a atitude e a prática autorreferida serem consideradas adequadas, considerou-se proporção de acerto igual ou superior a 90%.
A análise dos dados incluiu, inicialmente, a descrição das características sociodemográficas e funcionais dos vacinadores e da adequação das respostas referentes às categorias conhecimento, atitude e prática. Posteriormente, analisou-se a associação entre características dos sujeitos do estudo e adequação das respostas, e entre a variável conhecimento e as variáveis atitude e prática dos vacinadores, utilizando-se o teste exato de Fisher. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0, considerando-se valores de p<0,05 como estatisticamente significativos.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí - CAAE no 34059713.6.0000.5214 - em 20 de outubro de 2014. Foi garantida aos vacinadores liberdade para escolher participar ou não do estudo, e, em caso de concordância, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Do total de 89 vacinadores, 10 se recusaram a participar do estudo e 9 se enquadraram nos critérios de exclusão, totalizando uma amostra de 70 vacinadores participantes, predominantemente do sexo feminino (n=67) e técnicos de enfermagem (n=62). Cerca de dois terços dos profissionais (n=47) encontravam-se na faixa etária de 30 a 50 anos. Aproximadamente metade (n=34) possuía curso superior e exercia a profissão há cinco anos ou mais (n=46). Mais da metade dos sujeitos trabalhava em sala de vacina há um tempo inferior a quatro anos (n=41) e quase a totalidade afirmou ter passado por capacitação em vacinação (n=69). Para 59 deles, a capacitação ocorreu há menos de um ano. Em relação à supervisão pelo enfermeiro das atividades executadas na sala de vacina, somente nove entrevistados relataram que ocorria mais de uma vez ao dia (Tabela 1).
A maioria das respostas relacionadas ao conhecimento e à atitude foram consideradas inadequadas (n=58 e n=39, respectivamente), ao contrário da prática autorreferida, para a qual 43 vacinadores apresentaram respostas adequadas (Tabela 2).
A relação entre as características dos participantes e o conhecimento, a atitude e a prática mostrou, em sua maioria, ausência de associação estatisticamente significante (p valor >0,05), excetuando-se a relação entre (i) curso superior e atitude (p valor = 0,004) e (ii) tempo de sala de vacina e prática (p valor = 0,049). Contudo, os vacinadores que não possuíam curso superior apresentaram mais respostas adequadas sobre atitude do que aqueles que o possuíam, e quem trabalhava há menos de quatro anos em sala de vacina apresentou mais respostas adequadas à prática do que quem trabalhava há mais de quatro anos nesse serviço (Tabela 3).
A Tabela 4 mostra que as respostas adequadas à variável conhecimento não mostraram associação (p>0,05) com as variáveis atitude e prática.
Discussão
Este estudo evidenciou respostas inadequadas para a maioria das questões relacionadas ao conhecimento e à atitude dos vacinadores. Em relação a prática, houve predomínio de respostas adequadas. Não se observou associação entre a variável conhecimento e as variáveis atitude e prática.
Em relação às características dos participantes, a maioria encontrava-se na faixa etária de 30 a 50 anos, à semelhança de outros estudos; quanto ao sexo, manteve-se a predominância da força de trabalho feminina.11-12 O técnico de enfermagem foi a categoria profissional mais presente nas salas de vacinas, o que atende às recomendações da Resolução COFEN nº 314/2007.13
Em relação ao tempo de profissão, os resultados desta investigação mostraram que a maioria de vacinadores somava mais de quatro anos trabalhando como profissionais da enfermagem, e menos de quatro anos de serviço em sala de vacina, situação similar à encontrada em outros lugares.14 Espera-se que os profissionais mais experientes desenvolvam suas atividades profissionais, de forma a minimizar erros e proporcionar maior segurança aos pacientes.
A promoção de capacitação do trabalhador da sala de vacina vem-se realizando sob a direção dos gestores dos serviços de atenção básica do município, realidade constatada em outras localidades.12 No que tange à supervisão feita pelo enfermeiro responsável pela sala de vacinação, a maior parcela dos vacinadores referiu pouca frequência dessa supervisão, reforçando a hipótese, levantada em estudos, de que esses profissionais não estão disponíveis exclusivamente para a função.6,15-16 Este aspecto pode dificultar o bom funcionamento do serviço de vacinação.
Os resultados encontrados não foram satisfatórios em relação ao conhecimento e à atitude dos profissionais. Os participantes, em sua maioria, apresentaram respostas inadequadas para essas duas variáveis. Em relação à variável da prática, observou-se adequação das respostas dos sujeitos, embora nenhuma relação com a adequação do conhecimento. Constatação divergente foi a de uma pesquisa junto a vacinadores de 14 municípios do mesmo estado do Piauí, realizada em 2014, sobre a conservação de vacinas: a maior parcela dos entrevistados apresentou conhecimento classificado como regular (69%) e prática inadequada (65%).17
Não foi observada associação entre as características dos vacinadores e de funcionamento da sala de vacina e a inadequação das respostas referentes ao conhecimento e à atitude. Não se identificou nenhum aspecto que justificasse esse resultado, ou seja: ainda que os sujeitos apresentassem bom nível de escolaridade, experiência profissional e treinamento específico, não demonstraram maior conhecimento ou melhor atitude quanto às atividades de vacinação.
Esperava-se que um conhecimento adequado sobre uma temática apresentasse, como consequência, atitudes e práticas igualmente adequadas. Verificou-se que a associação entre essas variáveis não foi significativa.
Estudos brasileiros têm evidenciado a deficiência de conhecimentos dos vacinadores em relação a suas atividades na sala de vacina como um grande problema, uma vez que a prática de vacinação objetiva não somente o alcance das metas de cobertura vacinal e sim, principalmente, a proteção do indivíduo contra doenças mediante soroconversão. Entretanto, necessita-se dos vacinadores conhecimentos, atitudes e práticas adequadas, pois o não cumprimento das recomendações do PNI pode causar danos aos usuários e comprometer a qualidade e credibilidade dos imunobiológicos.18-20
Entre as limitações do presente estudo ressalta-se: apesar das questões do instrumento terem sido avaliadas previamente, por professores universitários especialistas na temática, seu formato possibilitou aos vacinadores afirmarem a realização de determinadas atitudes e práticas - embora pudessem não as executar em sua rotina profissional. Para contornar esse problema, optou-se pela utilização de um formulário autopreenchido anonimamente. Outra limitação a ser considerada é o fato de a análise da atitude e da prática terem-se baseado nas respostas dos participantes do estudo, e não na observação direta dos pesquisadores.
Os resultados apresentados evidenciam a necessidade de atividades educativas dirigidas aos vacinadores, e fornecem subsídios para a proposição de ajustes no processo de capacitação e com isso, o favorecimento de mudanças que permitam o bom desenvolvimento das atividades em sala de vacina.