Introdução
Com o objetivo de extinguir o modelo asilar e consolidar a reforma psiquiátrica no Brasil, a publicação de diversas legislações a partir de 2001 foi decisiva para organizar uma nova estrutura de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) constituem serviços estratégicos com o objetivo de dar acesso e proporcionar integralidade ao tratamento da saúde mental de forma regionalizada.1 A avaliação das instalações e condições para o funcionamento dos CAPS pode estabelecer uma relação entre a consolidação das mudanças motivadas pelas legislações, sua efetiva implementação e evolução na última década.
Os transtornos mentais representam um sério problema de Saúde Pública, são agravantes na qualidade de vida, podem causar incapacidades, morbidade e morte prematura.2 Um estudo multicêntrico apontou alta prevalência de transtornos mentais detectados na Atenção Primária à Saúde de diferentes capitais do Brasil, associados a algumas condições socioeconômicas, achados que reforçam a necessidade de implantação dos CAPS em todo o território brasileiro e, principalmente, sua integração com os serviços de atenção primária.3
Em 2011 foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), estabelecendo diretrizes e objetivos para cada ponto da rede, definições estas que colocam em evidência a capacidade resolutiva e operativa esperada para cada instituição que compõem a RAPS. O funcionamento adequado da RAPS é uma proposta complexa que visa a integralidade da atenção à saúde mental e desafia o trabalho conjunto entre os CAPS, a Atenção Primária à Saúde, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), as unidades de urgência e emergência e serviços de hospitalização especializada.4
Apresentando uma normatização básica e generalista, haja vista a complexidade de ações a serem desenvolvidas, observa-se que a gestão dos CAPS, assim como de outros programas de saúde, depende de aspectos políticos, técnicos e institucionais de cada município a influenciar seu funcionamento.5 Não obstante as diversidades decorrentes da regionalização do serviço, espera-se o reconhecimento de estruturas mínimas capazes de conferir aos CAPS a oferta e o cumprimento de atividades para as quais se propõem.
A avaliação de uma nova estratégia de serviço de saúde é necessária, tanto para aferir a qualidade da atenção à saúde ofertada quanto para visualizar as potencialidades e fragilidades no atendimento de suas demandas.6,7 Passados 13 anos desde a publicação das diretrizes para o funcionamento dos CAPS, encontram-se implantados mais de 2.200 estabelecimentos e constata-se a drástica redução dos leitos hospitalares.8
A avaliação nos serviços de saúde mental não é tradição nos CAPS9 e há poucos estudos de avaliação de estruturas, processos e resultados, conforme apontam revisões integrativas sobre o assunto.10,11 Entre os estudos nacionais publicados, a maioria descreve aspectos da implantação dos CAPS ou trata de estudos qualitativos desenvolvidos em um único serviço.7,9,12,13
A análise de estruturas pode proporcionar uma contextualização inicial dos requisitos básicos, ou mesmo fundamentais, para o funcionamento de um serviço, constituindo uma das iniciativas necessárias a um processo contínuo e permanente de avaliação dos serviços de saúde. O objetivo deste artigo foi avaliar as instalações físicas, recursos humanos e atividades desenvolvidas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da Região do Médio Paraopeba, estado de Minas Gerais, Brasil, em 2014.
Métodos
Foi realizado um estudo de avaliação sobre aspectos de estrutura e processo nos CAPS da região geográfica denominada Médio Paraopeba, em Minas Gerais. A dimensão de estrutura do serviço de saúde é definida pelos recursos estáveis da instituição, ou seja, infraestrutura, área física, recursos humanos e financeiros necessários para proporcionar a atenção à saúde do usuário. A dimensão do processo refere-se às atividades do serviço relacionadas à atenção e tratamento dos usuários,14 neste estudo interpretadas como o atendimento prestado e atividades psicoterapêuticas inclusas no plano terapêutico dos usuários dos serviços de saúde mental.
A região do Médio Paraopeba segue a conformação de organização de territórios estabelecida pelo governo do estado de Minas Gerais e corresponde a duas microrregiões de saúde, totalizando 16 municípios. Nessa região são ofertados serviços de todos os níveis de atenção à saúde, inclusive de nível terciário nas cidades com maior população ou na sede da macrorregião, Belo Horizonte, onde também estão concentrados os serviços hospitalares especializados destinados ao atendimento de pacientes graves vindos de todo o estado. Com uma população total estimada em 1.526.538 habitantes no ano de 2014,15 as cidades da região organizavam o atendimento em saúde mental atrelado à Atenção Primária à Saúde de cada município.
Os dados foram coletados em entrevistas com os gestores dos CAPS e durante visitas às instalações dos serviços, realizadas no período de 28 de abril a 11 de junho de 2014. Foi utilizado um questionário semiestruturado, cuja formulação baseou-se na avaliação das dimensões de estrutura e processo.14 Considerando-se a necessidade de atualizar essa ferramenta e adaptá-la às novas necessidades vivenciadas pelo sistema de saúde brasileiro, as recomendações do Ministério da Saúde e legislações vigentes1,16 foram incluídas no questionário.
A seleção das instituições partiu de consulta aos dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) referentes aos municípios que compõem a região do Médio Paraopeba. Todos os 15 CAPS identificados no CNES foram convidados, sendo incluídas todas as instituições cujos gestores aceitassem participar do estudo desde que manifestassem sua anuência à pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).
O questionário incluiu perguntas relacionadas às instalações e à presença de adaptações físicas dos CAPS, visando a acessibilidade dos usuários, além do horário de funcionamento, composição da equipe conforme recomendação da Portaria GM/MS nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, comunicação e interação com outros pontos de atenção da RAPS, para identificar fluxos de referência e contrarrefência entre os serviços de saúde mental da região. As variáveis contempladas neste estudo, um recorte de um projeto de pesquisa maior, encontram-se listadas na Figura 1.

Figura 1 - Critérios utilizados na avaliação de estrutura e processo dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da região do Médio Paraopeba, Minas Gerais, 2014
A realização de atividades/oficinas nos CAPS foi investigada por meio de entrevista com os gestores, a confirmação das informações com o terapeuta ocupacional ou funcionário envolvido, e visitação dos espaços pelo pesquisador, com a identificação de materiais, objetos, fotos e cronogramas que indicassem a realização da atividade nos últimos três meses. A cobertura de CAPS/100 mil habitantes foi calculada para a região analisada e, individualmente, para cada município que apresentou CAPS. O cálculo desse indicador considera a cobertura ponderada por porte do CAPS, a saber: o CAPS I abrange território com cobertura de 50 mil habitantes; o CAPS-III, de 150 mil habitantes; e os demais CAPS - CAPS II, CAPS álcool e drogas (CAPSad) e CAPS Infantil (CAPSi) -, cobertura de 100 mil habitantes. Para o cálculo desse indicador, considerou-se a população de cada município, a população total da região analisada e o número total de CAPS mediante consulta ao CNES, independentemente da participação do estabelecimento na pesquisa. O parâmetro de cobertura muito boa é atribuído para valores acima de 0,70; cobertura boa, entre 0,50 e 0,69; cobertura regular/baixa, entre 0,35 e 0,40; cobertura baixa, de 0,20 a 0,34; e cobertura insuficiente/critica, para valores abaixo de 0,20.16
O instrumento de pesquisa foi previamente testado em um estudo-piloto, ao qual foram realizadas adequações necessárias para responder ao objetivo do presente estudo. Este teve sua aplicação conduzida por um pesquisador graduado, previamente treinado. Para o controle de qualidade da coleta de dados, ao término das entrevistas, informações referentes ao espaço físico e atividades declaradas foram validadas pelo mesmo pesquisador, em visita às instalações dos CAPS para revisão do questionário preenchido. Em situações de divergência de informações, reaplicou-se parte do questionário junto ao gestor com o propósito de obter maiores e mais claras informações sobre o critério avaliado. A confirmação de dados referentes à equipe multidisciplinar e ao número de atendimentos deu-se no contato direto com os gestores, em momento posterior à coleta de dados. Dados obtidos sobre profissionais alocados nos CAPS, tempo de implantação dos serviços e demanda por atendimento também foram confrontados com as informações disponibilizadas no CNES e no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS).
O estudo utilizou variáveis categóricas para descrever critérios de adequação dos serviços, como a existência de instalações físicas necessárias a seu funcionamento - sala de atendimento individual, sala para atividades coletivas, sala de enfermagem/procedimento, leito, banheiros (feminino e masculino), cozinha/copa, refeitório, local para a guarda de prontuários e espaço de convivência - e instalações adaptadas para acessibilidade. Foram utilizadas variáveis contínuas, para avaliar o número de profissionais alocados nos serviços - por categoria profissional - e o horário de funcionamento dos CAPS, conforme estipulado pela Portaria GM/MS nº 336/2002 para cada modalidade de CAPS. A variável ‘qualificação profissional’, declarada pelos gestores dos serviços, considerou o curso de graduação e categorias para o nível de instrução: graduação na área da Saúde, pós-graduação, pós-graduação na área, mestrado e doutorado.
O número de atividades grupais ou oficinas terapêuticas realizadas em cada CAPS foi quantificado e agrupado em grandes categorias: cultura e arte, cotidiano, terapia, social e outros. Para a descrição de outros aspectos característicos do serviço, utilizou-se as variáveis contínuas ‘tempo de funcionamento’ em horas e ‘número de atendimentos’ em cada instituição no último bimestre, ambas informações confrontadas com dados disponíveis nas plataformas CNES e SIA/SUS.
A análise de dados foi realizada por estatística descritiva. Descreveu-se a frequência das variáveis; e utilizaram-se medidas de tendência central (média) e medidas de variação (desvio-padrão), para análise das variáveis quantitativas. As análises foram realizadas pelos softwares Microsoft Excel 2010 e o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 19.0. Houve dupla digitação dos dados dos questionários, por digitadores diferentes; logo, foram comparados os dados das duas digitações aplicando-se o índice de concordância de Kappa, com a devida correção dos erros de digitação. A concordância mostrou-se excelente: índice Kappa igual a 0,97.
O projeto do estudo seguiu as recomendações éticas constantes na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais em 19/02/14: Parecer no 534.576 e CAAE no 26041113.6.0000.5149. O termo de anuência para participação na pesquisa foi firmado com os municípios de Betim, Brumadinho, Contagem, Esmeraldas, Ibirité, Igarapé e São Joaquim de Bicas.
Resultados
Foram incluídos no estudo 14 dos 15 CAPS da região do Médio Paraopeba. Houve apenas uma recusa. Entre os CAPS estudados, quatro pertenciam à modalidade CAPS I, dois à modalidade CAPS II, quatro à modalidade CAPS III, três à modalidade CAPSad e um à modalidade CAPSi. O tempo médio de implantação dos CAPS na região foi de 6,23 anos (desvio-padrão: 4,37) e cinco instituições apresentavam mais de nove anos de implantação (Figura 2). Os serviços na modalidade CAPS I, CAPS II e CAPSi apresentaram tempo médio de implantação superior (8,71 anos; DP=3,49 anos) ao observado para os serviços na modalidade CAPS III e CAPSad, os quais apresentaram média de 3,75 anos (desvio-padrão: 3,86). Todos os serviços funcionavam no mínimo nove horas diárias, de segunda a sexta feira.

Figura 2 - Número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) segundo tempo de implantação, região do Médio Paraopeba, Minas Gerais, 2014 (n=14)
A cobertura calculada para a região (1,01CAPS/100 mil hab.) foi classificada como muito boa. A cobertura nos municípios também foi muito boa, com valores entre 0,75 e 1,74 CAPS/100 mil hab. (desvio-padrão: 0,35). Com relação às estruturas básicas em comum ao funcionamento das diferentes modalidades dos CAPS, todos os Centros apresentaram sala de atendimento individual, leito para acolhimento de pacientes em crise, sala de enfermagem, cozinha/copa e local para a guarda de prontuários. Todos os CAPS apresentaram um espaço de convivência, fosse ele uma sala de estar ou área aberta, onde poder-se-ia realizar a interação dos pacientes ou a prática de alguma atividade coletiva. Banheiros individualizados por sexo e refeitório não estavam presentes em duas instituições avaliadas (Tabela 1).
Tabela 1 - Estrutura presente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da região do Médio Paraopeba, Minas Gerais, 2014 (n=14)

Quanto à oferta de instalações adequadas à acessibilidade dos pacientes idosos e portadores de necessidades especiais, seis CAPS dispunham de rampas e banheiros adaptados para seus usuários. Seis CAPS estavam instalados em construções residenciais, adaptadas para alocar o serviço.
A presença de uma farmácia ou dispensário de medicamentos nas dependências dos CAPS foi verificada em dez serviços, prestando atendimento à demanda interna dos usuários da unidade e, em alguns casos, acumulando a função de atendimento ao público externo. Apenas um CAPS utilizava o prontuário eletrônico, compartilhando informações do paciente com toda a rede de serviços de saúde do município.
Todos os gestores dos CAPS apresentavam formação superior na área da Saúde. Observou-se que 12 deles possuíam formação em psicologia e seis declararam ter especialização em saúde mental ou álcool e drogas, ou ainda, título de mestre. A carga horária semanal dos gestores apresentou média de 39,14 horas semanais (desvio-padrão: 8,15) e o tempo médio nessa função foi de 30,60 meses (desvio-padrão: 33,50), ou seja, cerca de dois anos e seis meses exercendo a coordenação do serviço.
A composição da equipe de profissionais dos CAPS apontou que todos os serviços alocavam psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos ou auxiliares de enfermagem (Figura 3). Médico psiquiatra estava em falta em um CAPS I; ao todo, 56 médicos atuavam nos serviços, sendo 52 psiquiatras. O farmacêutico fazia-se presente em nove serviços avaliados e o psicólogo era o profissional de nível superior em maior número nos CAPS. Verificou-se divergência e desatualização com as informações consultadas na base de dados do CNES.

Figura 3 - Número médio de profissionais alocados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), região do Médio Paraopeba, Minas Gerais, 2014 (n=14)
Os CAPS da região ofereciam diversas oficinas terapêuticas e atividades grupais, realizadas com os pacientes dentro dos serviços. Foi citada pelos gestores e confirmada pelo pesquisador a realização de atividades ligadas à arte e cultura: oficinas de artesanato, tapeçaria, bijuteria, pintura, música, cinema e artes visuais. Dentre as oficinas com atividades ligadas ao cotidiano, estavam as de culinária, cultivo de horta e jardinagem, atividades de socialização por meio de jogos e esportes, atividades psicoterapêuticas em grupos de reflexão e discussão sobre diversas temáticas (tabagismo, autocuidado, roda de conversa, assembléia dos usuários do serviço), além do acompanhamento médico e psicológico de grupos temáticos. Foram relacionadas, ademais, atividades externas ao serviço e práticas corporais (Figura 4).

Figura 4 - Principais atividades realizadas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), região do Médio Paraopeba, Minas Gerais, 2014 (n=14)
O número médio de atendimentos dos CAPS da região variou consideravelmente, entre os Centros. Conforme dados repassados pelos gestores, o número médio de atendimentos mensais foi de 486,8 (desvio-padrão: 786,90) - em um quadro geral de amplitude entre 20 e 3.000 atendimentos mensais pelos Centros observados -, incluindo consultas programadas e de urgência atendidas pela equipe multiprofissional.
Em média, 30 pacientes (desvio-padrão: 17,30) eram assistidos em atenção-dia, também denominada permanência-dia pelos serviços avaliados. Oito gestores afirmaram que também atendiam pacientes de outros municípios próximos, pertencentes à mesma região e que não apresentavam CAPS: Bonfim, Crucilândia, Juatuba, Mario Campos, Mateus Leme, Rio Manso, Piedade dos Gerais e Sarzedo.
Com o objetivo de verificar a utilização de serviços do território, foram relacionadas instituições de apoio para onde os pacientes em crise eram encaminhados. Os gestores referiram, com frequência, o encaminhamento para hospitais municipais, policlínicas e unidades de pronto atendimento (UPA) da região. A referência para hospitais psiquiátricos situados em Belo Horizonte e de CAPS da modalidade III existentes na região correspondem a 2/3 das alternativas relatadas. Dois CAPS III da região destacaram-se como os mais citados para a procura de leitos de permanência no período da noite. Todos os municípios realizavam contato com os demais pontos da Rede de Atenção Psicossocial - RAPS -, sendo a Atenção Primária à Saúde a principal responsável por encaminhar e compartilhar com os CAPS informações clínicas e assistenciais sobre os pacientes.
Discussão
Após 12 anos de implantação dos primeiros CAPS na região do Médio Paraopeba, observa-se o crescimento do número de serviços, ressaltando como implantação mais recente os CAPS 24h, serviços que ampliaram o período de funcionamento, e aqueles destinados ao atendimento de usuários de álcool e outras drogas representados, respectivamente, pelas modalidades CAPS III e CAPSad.16 Os serviços desta região necessitam de uma estrutura adequada para atender a população, exposta a diversos problemas socioeconômicos e, em alguns casos, vulnerabilidade social. Em geral, verifica-se que os CAPS necessitam de uma estrutura capaz de atender às demandas da rede psicossocial, como também prestar outros atendimentos, para os quais o CAPS é reconhecido como competente dada sua qualificação de porta de entrada do sistema de saúde: atendimentos encaminhados pela Segurança Pública e pelo sistema carcerário, acompanhamentos solicitados pelo sistema judiciário, atendimentos da população de rua e de outros diversos casos, que mesclam o sofrimento mental com conflitos sociais da população. Tais situações reforçam a necessidade de uma estrutura que permita a adequada interlocução com as demais instituições da região.
A cobertura dos CAPS apresentou boa classificação para a região e, individualmente, para cada município coberto pelo serviço: os valores encontrados são superiores à média nacional, que apresentou valor de 0,74 em 2012 e de 0,86 em 2015.8,17 Nos anos iniciais de implantação dos CAPS, a cobertura mantinha alta relação com a adesão ao redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. Na atual conformação de rede proposta pela RAPS, indicadores de cobertura adequados representam um requisito básico para possibilitar o trabalho em rede, assim como a cobertura por outros programas de saúde que agregam recursos à execução dos serviços propostos, dentro da lógica do território.
Em geral, verificou-se adequação da estrutura em grande parte dos CAPS da região do Médio Paraopeba, contemplando, em alguns casos, áreas superiores à estrutura física mínima requerida. Porém, a existência de serviços que não apresentam algumas das estruturas mínimas recomendadas, aliada a outros problemas relatados no estudo, como quase metade dos serviços funcionando em construções residenciais e sem adaptações de acessibilidade, retratam um problema maior, também observado em CAPS de outras regiões do Brasil.18,19
Em 2013, a publicação de um manual do Ministério da Saúde, que estabelece requisitos para a construção dos CAPS em suas diferentes modalidades e condiciona o envio dos recursos para construção de novas instalações à adequação desses parâmetros, demonstra uma tentativa, em escala nacional, de padronizar e estabelecer serviços com estrutura adequada.20 Não obstante, recomendações e até mesmo exigências devem ser estabelecidas com o intuito de adequar os CAPS já habilitados e em plena atividade. Importante salientar que as adaptações devem ser propostas não apenas sob o ponto de vista sanitário, como mais um estabelecimento de saúde, e sim - sobretudo - incluir recomendações que prezem pela ambiência dos serviços. Os CAPS devem proporcionar um ambiente acolhedor ao processo de produção de saúde, capaz de oferecer conforto físico e subjetivo, promover e intensificar relações interpessoais nos pacientes.9,21
A atuação dos profissionais é um fator determinante para a estruturação e resolubilidade dos CAPS como um serviço estratégico da Saúde Mental.22 O estudo revelou que o número médio de profissionais que compõem as equipes dos CAPS da região do Médio Paraopeba apresentou valor superior ao mínimo recomendado pela Portaria GM/MS nº 336/2002. Porém, a análise de dados em cada estabelecimento revelou a falta ou a manutenção da quantidade mínima de profissionais em alguns CAPS I. Nesses serviços de menor porte, cabe uma reflexão ainda mais relevante, visto que os CAPS I, diferentemente das outras modalidades, são destinados ao tratamento geral de todas as condições de saúde mental, em adultos, jovens e usuários de drogas que procuram atendimento no serviço. O estabelecimento de uma equipe coesa e resolutiva para conduzir o plano terapêutico dentro dessas localidades é importante, tanto para a adesão e vínculo dos pacientes quanto para a oferta de tratamento adequado, evitando o encaminhamento desses pacientes a serviços maiores e mais complexos, distantes de sua residência, simplesmente por inoperância da rede local.
A legislação que implantou os CAPS e estabeleceu a equipe mínima de profissionais permanece válida e sem alterações. Entretanto, é notável que a equipe mínima estabelecida baseava-se em um contexto da década passada. Na atualidade, o crescimento dos estabelecimentos e a complexidade das atribuições exigidas implicam a readequação do número de profissionais alocados nos CAPS. Considerando-se que a implementação de legislações foi fundamental para a consolidação da reforma psiquiátrica,23 é necessário que se acompanhe a evolução dos serviços e se estabeleçam novos marcos legais, não só para implantar como também aprimorar a qualidade dos serviços ofertados na Saúde Mental.
Os psicólogos são os profissionais de nível superior com maior representatividade nos CAPS, nessa e em outras regiões,18,19 os principais responsáveis por conduzir a gestão do serviço. Os psicólogos participam ativamente das ações de matriciamento, estabelecendo contato direto com a atenção primária, NASF e outros pontos da RAPS, situação em que presenciam a fragilidade da integração da rede entre os serviços locais.24 O farmacêutico foi o profissional de nível superior com menor representatividade, embora em número superior na comparação com outras regiões.18,19,25 Apesar de o farmacêutico não ser citado diretamente, na relação mínima de profissionais do CAPS, sua atuação é indispensável na gestão dos medicamentos e, principalmente, na composição da equipe disciplinar, realizando intervenções e participando do projeto terapêutico dos pacientes.26 A falta, ainda que temporária, do médico psiquiatra em um CAPS I pode imobilizar o serviço, inviabilizando a evolução da prática clínica, realização de atendimentos de urgência e acolhimento de novos pacientes. O Ministério da Saúde tenta fixar o profissional ao priorizar a aprovação de vagas de residência em serviços da RAPS;8 contudo, reconhece-se a necessidade de implantar estratégias para a permanência desse profissional nos CAPS após o período de residência.
A comunicação e o fluxo de encaminhamento estabelecidos entre os CAPS da região indicam o seguimento da proposta de regionalização e o estabelecimento de serviços de referência e contrarreferência entre as microrregiões, propostos pelo Governo Estadual. Os CAPS com maior recurso e estrutura recebem encaminhamentos de serviços menores, e cidades descobertas estabelecem convênios com os CAPS da região para garantir atendimento aos pacientes nelas residentes.
Assim como no fluxo regional, a comunicação nas RAPS apresenta diversas fragilidades. O trabalho em conjunto, que prevê uma organização horizontal, na prática, encontra diversos obstáculos em meio à dualidade de funções atribuídas aos serviços, despreparo e falta de motivação dos profissionais dos serviços de saúde mental.21,27
Na proposta das RAPS, mecanismos adequados para estabelecer a comunicação entre os diversos pontos de atenção são fundamentais para a rede. A divergência e desatualização de informações lançadas nas bases de dados do CNES e do SIA/SUS e, principalmente, a baixa utilização do prontuário eletrônico dificultam ainda mais o acompanhamento e continuidade do projeto terapêutico do paciente dentro dos serviços de saúde mental da região.
Foram relatadas poucas oficinas externas a utilizar espaços comunitários ou promover a articulação com o território, podendo-se recomendar que essa prática seja mais explorada pelos CAPS, como uma das atividades a serem mais desenvolvidas pelos gestores. A desinstitucionalização da Saúde Mental fundamenta-se na superação dos espaços de tratamento, sejam eles hospitais ou Centros de Atenção Psicossocial, onde os pacientes têm a oportunidade de viver em comunidade, local privilegiado de interação e vinculação dos sujeitos.28 As diretrizes da RAPS reforçam a necessidade da autonomia dos pacientes para o exercício da cidadania, e o ambiente onde eles podem exercer essa função é justamente a comunidade, em contato com instituições, grupos organizados e pessoas com as quais convivem. A inserção de equipamentos comunitários na prática diária dos CAPS demonstra a capacidade dos serviços para propor o tratamento dos pacientes no contexto local, assimilando a proposta de um dispositivo de apoio e atenção aos pacientes no espaço da comunidade onde estão inseridos.
A avaliação dos CAPS envolve serviços com uma proposta inovadora, de interface com a Saúde Pública, a Saúde Mental e a Clínica, tornando a avaliação um processo complexo, sujeito a diferentes propostas metodológicas utilizadas em conjunto, para melhor compreensão e efetivação dessa nova forma de assistência. O presente estudo teve como fonte de dados primária a informação obtida das entrevistas com os gestores do serviço, feito que supõe o risco de limitações relacionadas à veracidade de algumas informações por eles declaradas e que não puderam ser confirmadas em bases de dados. A análise de recursos humanos não considerou o tempo efetivo de assistência de cada profissional no serviço, tampouco realizou julgamento da qualidade ou efetividade das ações prestadas.
O estudo, inédito na região, indicou o atendimento de muitos critérios instituídos na implantação dos serviços de saúde mental, além de problemas comuns a vários CAPS. Seus resultados apontam a necessidade de adequação desses serviços e o estabelecimento de novos parâmetros necessários a seu funcionamento, dentro da lógica de organização das RAPS.4 A avaliação dos CAPS revela-se primordial para a identificação dos objetivos pretendidos - e até então alcançados - pela atual política de saúde mental. Espera-se que este estudo, somado aos demais publicados, contribua para o reconhecimento da importância dos processos avaliativos dos Centros de Atenção Psicossocial.