Introdução
O vírus do papiloma humano (HPV) é um importante agente etiológico de neoplasias do colo uterino.1 Existem aproximadamente 100 subtipos causadores de lesões benignas ou malignas no trato ano-genital humano.2
Estudo randomizado de alta qualidade e amostra satisfatória comprova a alta disseminação dos HPV potencialmente malignos, como também a alta eficácia da vacinação para proteção do colo uterino.3,4 Ressalta-se que tal eficácia é profilática, sendo ideal a vacinação antes do contato sexual. Nesse sentido, programas de imunização costumam envolver meninas de 9 a 12 anos.5
Em 2014, o governo brasileiro iniciou campanhas de vacinação contra o HPV.5 Dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) apontam que, em 2014, 5.354.224 meninas entre 11-13 anos receberam a primeira dose da vacina: uma cobertura estimada em 108,0%. Porém, apenas 60,1% retornaram ao posto de vacinação após 6 meses, para a segunda dose.6 O incentivo à vacinação deu início a uma discussão ética e social sobre uma vacina contra um agente sexualmente transmissível ser realizada em meninas iniciando a fase de adolescência. A falta de conhecimento da população sobre o assunto pode ser responsável pela baixa adesão à vacinação.
Políticas de atenção primária do Brasil preveem estratégias de prevenção e promoção da saúde.7 Entre os profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), encontram-se os agentes comunitários de saúde (ACS). Eles representam o elo entre a Estratégia Saúde da Família (ESF) e a comunidade à qual a ESF serve.8 No contexto das estratégias de vacinação definidas pelo Ministério da Saúde, esses profissionais são responsáveis pela busca ativa de indivíduos a serem vacinados.8
Baseado no exposto, o conhecimento dos ACS pode conferir papel determinante no sucesso das campanhas de vacinação, sobretudo contra o HPV - epicentro da polêmica nacional relacionada à “sexualização” precoce de meninas e jovens mulheres. Acredita-se que esse conhecimento seja determinante para futuras estratégias de campanhas de vacinação, voltadas às adolescentes e suas famílias.
O presente estudo teve como objetivo avaliar o conhecimento de agentes comunitários de saúde - ACS - acerca do vírus do papiloma humano - HPV - e sua vacinação.
Métodos
Realizou-se um inquérito junto a ACS atuantes no município de Tubarão, estado de Santa Catarina (SC), Brasil, no ano de 2014. De acordo com estimativas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), naquele ano, Tubarão-SC contava com 102.087 habitantes9 e 29 equipes de Saúde da Família; na coleta de dados, a Prefeitura Municipal contava com 180 ACS em atividade.
Foram convidados a participar do estudo todos os ACS presentes em reuniões de capacitação ofertadas pelo município durante novembro de 2014.
O conhecimento sobre o HPV foi avaliado mediante questionário autoaplicado, desenvolvido e validado para o idioma inglês em 2012, e adaptado para o português pelos autores.10 O questionário é dividido em três blocos, somando três grandes perguntas e 29 perguntas secundárias às perguntas principais, classificadas em sete áreas temáticas:
consequências do HPV para a saúde;
HPV e rastreamento de carcinoma de colo uterino;
sintomas;
causas, fatores de risco e transmissão;
prevenção e tratamento;
prevalência; e
vacinação
Foram analisadas as seguintes variáveis:
- idade (em anos completos);
- sexo (masculino; feminino);
- filhas em idade vacinal contra o HPV (sim; não);
- presença de capacitações prévias a respeito do HPV (sim; não);
- possuir religião (sim; não) e qual religião (católico; evangélico; espírita; não segue nenhuma religião); e
- satisfação com a atividade profissional (sim; não) e se ‘estou satisfeito com minha atuação profissional’ (discordo fortemente; discordo; discordo fracamente; não concordo, nem discordo; concordo fracamente; concordo; concordo fortemente).
O conhecimento foi avaliado conforme os acertos dos participantes, tendo os autores definido previamente, mediante convenção, o percentual de 70% como um bom nível de conhecimento sobre o HPV.
A análise estatística foi realizada com o auxílio dos programas EpiData 3.1 (EpiData Association, Odense, Denmark) e IBM Statistical Product for Service Solutions (IBM SPSS for Windows v 20, Chicago, IL, USA). Inicialmente, as variáveis qualitativas foram expressas em proporções, e as quantitativas, em medidas de tendência central e dispersão. Com o propósito de verificar a existência de associação entre as variáveis de interesse, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson para as variáveis categóricas e o teste t de Student para a comparação de médias. O nível de significância estabelecido foi de 5%.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina - CAAE no 34735514.3.0000.5369 - em 28 de agosto de 2014. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Participaram deste estudo 124 agentes comunitárias de saúde de Tubarão-SC, 68,9% do total dos profissionais atuantes: todas do sexo feminino, com média de idade de 44,5 anos (desvio-padrão [DP] ±9,4). A maioria (63,7%) declarou-se católica. Quanto à participação em iniciativas de capacitação relacionadas ao HPV, 75,0% disseram que foram capacitadas. Todas afirmaram já ter ouvido sobre HPV e sua vacinação, embora somente 25,8% sobre o teste diagnóstico do HPV (Tabela 1).
Tabela 1 - Frequência de respostas corretas (n=124) para cada um dos itens do questionário de conhecimento acerca do vírus do papiloma humano (HPV) e sua vacinação aplicado aos agentes comunitários de saúde do município de Tubarão-SC, 2014
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Nota: V= verdadeiro; F= falso.
Observou-se que 72,6% acertaram menos de 70,0% das perguntas. A média de acertos foi de 16,9 questões (DP±4,0), de um total de 29 (Tabela 2). Maior média de idade associou-se com menor conhecimento sobre HPV: ACS com média de idade de 45,9 anos (DP±9,42) acertaram menos de 70% das perguntas, enquanto aquelas com media de idade de 41 anos (DP±8,3) acertaram mais de 70% das perguntas (p=0,010). Quanto à satisfação com a profissão, 11% (14) escolheram a opção ‘concordo fracamente’, 47% (59) a opção ‘concordo’ e 24% (30) a opção ‘concordo fortemente’ (Figura 1).
Tabela 2 - Fatores relacionados ao conhecimento acerca do vírus do papiloma humano (HPV) entre agentes comunitários de saúde (ACS) (n=124) do município de Tubarão-SC, 2014
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a) Teste de qui-quadrado de Pearson
Discussão
Constatou-se que o conhecimento das ACS da cidade de Tubarão-SC sobre o HPV e sua vacina está aquém do esperado: mais de 70% das entrevistadas acertaram menos de 70% das questões propostas. Percebeu-se, também, que maior idade mostrou ser o único fator associado ao pior conhecimento sobre HPV.
O agente comunitário de saúde, no contexto da Estratégia Saúde da Família, aproxima a comunidade dos profissionais de saúde, influenciando as decisões da população sobre questões pertinentes ao serviço, ademais de imprimir maior eficácia no emprego de estratégias terapêuticas, preventivas e de promoção da Saúde Pública. Deste panorama, emergem questionamentos relativos ao preparo desses profissionais e ao amparo técnico de formação continuada a eles oferecida.11
Um estudo de avaliação da qualidade dos programas de formação de ACS concluiu que essas iniciativas seriam capazes de fornecer substrato teórico à prática profissional.12 No entanto, 76,9% das ACS entrevistadas durante este estudo afirmaram não ter recebido capacitação sobre HPV.13
A qualidade técnica de profissionais dedicados a grupos populacionais é normalmente avaliada em estudos que se utilizam de instrumentos de medida desenvolvidos pelos próprios autores, portanto sem medidas psicométricas já validadas.14,15 Faz-se necessário criar instrumentos padronizados - e validados - que possibilitem a comparação desses dados de forma mais eficaz.
Em relação ao uso de preservativos sexuais para proteção contra o HPV, verificou-se que grande parte das ACS aqui analisadas sabem que o uso de preservativo diminui o risco de contrair o HPV. Contudo, uma minoria da população brasileira declara usá-los rotineiramente.16
Estudo de Panobianco et al., realizado em Ribeirão Preto-SP no ano de 2013, avaliou o conhecimento de jovens estudantes de enfermagem acerca do HPV. Dos entrevistados, 60,3% sabiam o significado de HPV e 45,7% conheciam as consequências da infecção pelo vírus do papiloma humano,17 revelando que uma graduação na área da Saúde não é garantia de maior conhecimento sobre o tema.
No presente estudo, a maioria dos indivíduos afirmam ter ouvido falar do HPV e sua relação com o câncer. De maneira distinta, estudo realizado em Goiânia-GO, no ano de 2010, em uma população leiga, mostrou que 64,5% dos indivíduos inquiridos não apresentaram conhecimento sobre o HPV e sua relação com câncer.15
Outro estudo, este realizado em Bauru-SP e publicado em 2010, envolvendo estudantes de enfermagem, demonstrou que 3,0% deles nunca tinham ouvido falar do HPV, 11,0% já tinham ouvido falar mas não sabiam o que era, e 86,0% sabiam o que era. Esse estudo ainda demonstrou que apenas 36,0% dos futuros enfermeiros tinham informações sobre a vacinação contra o HPV;14 entretanto, é possível que essa proporção tenha-se modificado nos últimos dois anos, influenciada pelo momento atual, quando as questões ligadas ao HPV têm sido mais discutidas.
Estudo realizado no Quênia, em 2015, com professores de escolas primárias, mostrou que a média de conhecimento sobre o HPV foi de 48,0%, e que a recomendação de vacinação era mais presente entre os que detinham mais conhecimento acerca do vírus (p=0,016).18
No presente estudo, embora todas as 124 agentes comunitárias de saúde conhecessem o HPV e sua vacina, apenas uma parcela delas apresentou conhecimento sobre o teste diagnóstico do HPV. Das entrevistadas, a maioria não participou de capacitações e acertou menos perguntas do que os autores consideram refletir um bom nível de conhecimento sobre a infecção pelo HPV, decorrências, e sua prevenção.
O conhecimento insuficiente sobre o assunto preocupa, pela gravidade do desfecho que envolve o HPV. Estudo publicado em 2016, ao avaliar a tendência de mortalidade por câncer de colo de útero no estado do Rio Grande do Norte, com projeções para até 2030, previu um aumento de 22,0% no número absoluto de óbitos a causa da infecção,19 corroborando a necessidade de melhor capacitação dos ACS.
Concluiu-se que entre os agentes comunitários de saúde, existe pouco conhecimento com relação ao HPV, não obstante a importância do papel desempenhado por esses atores no SUS na promoção da saúde da população. Recomenda-se a capacitação desses profissionais, para que se melhore o conhecimento da população sobre o HPV e por conseguinte, sejam alcançadas as metas previstas de cobertura de vacinação entre a população-alvo.