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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.26 n.2 Brasília abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000200018 

Relato de experiência

Epidemia de nefrite por Streptococcus equi subsp. zooepidemicus: estudo de caso-controle no município de Monte Santo de Minas, Minas Gerais, 2013

Outbreak of nephritis by Streptococcus equi subspecies zooepidemicus: case-control study in the municipality of Monte Santo de Minas, Minas Gerais, Brazil, 2013

Epidemia de nefritis por Streptococcus equi subsp. zooepidemicus: estudio de casos y controles en Monte Santo de Minas, Minas Gerais, Brasil, 2013

Patricia de Almeida Soares1  , Heloísa Helena Pelluci Duarte1  , Junara Viana de Oliveira2  , Leandro Leão Faúla2  , Rosângela Stadnick Lauth de Almeida Torres3  , Margareth Leonor Penkal3  , Mark Drew Crosland Guimarães4 

1Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Superintendência de Vigilância Epidemiológica, Ambiental e Saúde do Trabalhador, Belo Horizonte-MG, Brasil

2Fundação Ezequiel Dias, Serviço de Microbiologia de Produtos, Belo Horizonte-MG, Brasil

3Laboratório Central do Estado do Paraná, Laboratório de Pesquisa e Identificação de Estreptococos, Curitiba-PR, Brasil

4Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Belo Horizonte-MG, Brasil

Resumo

OBJETIVO:

investigar a epidemia de nefrite por Streptococcus zooepidemicus em Monte Santo de Minas, Minas Gerais, Brasil.

MÉTODOS:

realizou-se estudo de caso-controle e tentativa de isolamento do agente, no período de janeiro a abril de 2013, utilizando-se dados clínicos, laboratoriais, de entrevistas e de inspeções.

RESULTADOS:

houve 417 casos notificados e 175 (42,0%) confirmados, dos quais 90,9% residiam no município e 67,4% eram do sexo feminino, com idade mediana de 36 anos; 24% dos casos foram hospitalizados; três sorveterias do município utilizavam leite do laticínio A; houve associação significativa entre adoecimento e consumo do leite A (odds ratio [OR]=4,16/IC95%: 1,55;11,18), um dos sorvetes feito com esse leite (OR=3,09/IC95%: 1,39;6,86) e milk shake de leite não industrializado (OR=3,25/IC95%: 1,13;9,36); não se detectou a bactéria em propriedades rurais.

CONCLUSÃO:

a epidemia de nefrite por Streptococcus zooepidemicus foi associada ao consumo de leite e derivados.

Palavras-chave: Glomerulonefrite; Streptococcus equi; Estudos de Casos e Controles; Leite; Vigilância Epidemiológica

Abstract

OBJECTIVE:

to investigate an outbreak of nephritis by Streptococcus zooepidemicus in Monte Santo de Minas, Minas Gerais State, Brazil.

METHODS:

a case-control study and attempt to isolate the bacterial agent were carried out from January to April 2013, using clinical and laboratory data, interviews and inspections.

RESULTS:

417 suspected cases were reported, of which 175 (42.0%) were confirmed; 90.9% lived in that municipality, of which 67.4% were female, with median age of 36 years; 24% of cases were hospitalized; three ice cream shops in the municipality used type A milk; there was significant association between the illness and the consumption of type A milk (odds ratio [OR]=4.16/95%CI: 1.55;11.18), one of the ice cream made with this milk (OR=3.09/95%CI: 1.39;6.86) and milk shake of non-processed milk (OR=3.25/95%CI: 1.13;9.36); the bacterium was not detected in rural properties.

CONCLUSION:

the outbreak of nephritis by Streptococcus zooepidemicus was associated with the consumption of milk and dairy products.

Keywords: Glomerulonephritis; Streptococcus equi; Case-Control Studies; Milk; Epidemiological Surveillance

Resumen

OBJETIVO:

investigar la epidemia de nefritis por Streptococcus zooepidemicus en Monte Santo de Minas, Minas Gerais, Brasil.

MÉTODOS:

fue realizado un estudio de casos y controles e intento de aislamiento del agente, entre enero y abril de 2013, con datos clínicos y de laboratorio, entrevistas e inspecciones.

RESULTADOS:

fueron notificados 417 casos sospechoso, de los cuales, 175 confirmados; 90,9% eran residentes del municipio, 67,4% de sexo femenino, con mediana de edad de 36 años; 24% casos fueron hospitalizados; tres heladerías del municipio utilizaban leche del lacticinio A; encontramos asociación significativa entre la enfermedad y el consumo de leche A (odds ratio [OR]=4,16/IC95%: 1,55;11,18), en helados hechos con leche (OR=3,09/IC95%: 1,39;6,86) y milk shake de leche no industrializada (OR=3,25/IC95%: 1,13;9,36); la bactéria no fue aislada en zonas rurales.

CONCLUSIÓN:

la epidemia de nefritis por Streptococcus zooepidemicus se asoció con el consumo de leche y derivados.

Palabras-clave: Glomerulonefritis; Streptococcus equi; Estudios de Casos y Controles; Leche; Vigilancia Epidemiológica

Introdução

Streptococcus equi subsp. zooepidemicus é uma bactéria da microbiota comensal de equinos.1 Pode causar doenças no homem e em outros animais,2 a exemplo da mastite bovina, com eliminação da bactéria no leite.3 No homem, essa bactéria pode causar variadas afecções,4 como a glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE), de natureza autoimune.5

Há relatos de casos e de surtos por Streptococcus zooepidemicus6-18 associados ao consumo de leite e derivados6-13 e ao contato com cães e equinos doentes.17,18 No estado brasileiro de Minas Gerais, foram descritas duas epidemias de GNPE por essa bactéria, ocorridas nos municípios de Nova Serrana13 e Guaranésia.19

A partir de 23 de dezembro de 2012, a Secretaria Municipal de Saúde de Monte Santo de Minas, cidade do sul de Minas Gerais dotada de 21.234 habitantes,20 começou a receber notificações de casos de faringite aguda associada a nefrite, em adolescentes e adultos, de etiologia indeterminada.

O presente estudo objetivou investigar a ocorrência de nefrite por Streptococcus zooepidemicus em Monte Santo de Minas, Minas Gerais, Brasil.

Métodos

Foi realizado estudo de caso-controle no âmbito das ações da Vigilância Epidemiológica e da Vigilância Sanitária. Em seguida, foi realizada pesquisa de campo visando o isolamento do agente etiológico em propriedades rurais de Monte Santo de Minas e região.

Entre 22 de janeiro e 1º de fevereiro de 2013, a Vigilância Epidemiológica iniciou busca ativa em prontuários médicos de casos de faringite e nefrite agudas atendidos nas unidades de saúde de Monte Santo de Minas em dezembro de 2012.

Após revisão desses prontuários, definiu-se como caso suspeito o indivíduo residente no município e que, a partir de dezembro de 2012, apresentou (i) faringite aguda com linfadenomegalia cervical e hematúria, acompanhadas ou não de febre, mialgia e cefaleia, ou (ii) nefrite aguda caracterizada por presença de hematúria, edema, oligúria, e hipertensão arterial. Considerou-se hipertensão arterial o caso de valores de pressão acima de 130x80mmHg. Para indivíduos menores de 16 anos de idade, foram utilizados valores de pressão arterial para cada faixa etária, de acordo com recomendação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América.21 Considerou-se hematúria o caso de valor igual ou maior que oito mil hemácias/mL de urina após centrifugação, ponto de corte adotado pelo laboratório municipal. Dada a inexistência de definição de caso suspeito pelo Ministério da Saúde, uma definição própria foi elaborada pela equipe de investigação após a verificação dos sinais e sintomas mais frequentes nos prontuários.

Foram coletadas amostras, por meio de swabs, de orofaringe de casos suspeitos, sem uso de antimicrobianos, para pesquisa do gênero Streptococcus, amostras de sangue destinadas a sorologia - para citomegalovírus, Epstein-Barr vírus, Toxoplasma gondii - e amostras adicionais de orofaringe para pesquisa de vírus respiratórios - influenza A e B, adenovírus, vírus sincicial respiratório, parainfluenza 1, 2 e 3 -, tanto de indivíduos hospitalizados como daqueles sob acompanhamento ambulatorial.

Definiu-se como caso confirmado de nefrite o (i) caso suspeito com cultura positiva para Streptococcus equi subsp. zooepidemicus em amostras de orofaringe (critério laboratorial) ou o (ii) caso suspeito sem confirmação laboratorial mas com vínculo geográfico, ocupacional, ou que tenha tido contato íntimo com outros casos suspeitos e/ou confirmados (critério clínico-epidemiológico). Foram descartados casos suspeitos com outros diagnósticos comprovados. A taxa de incidência foi calculada pela razão entre o número de casos confirmados e a população residente em Monte Santo de Minas (segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]),20 multiplicada por 1000.

Para confirmar a existência de epidemia, os dados foram comparados com internações por nefrite na Santa Casa de Misericórdia de Monte Santo de Minas, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2012, por meio das Autorizações de Internação Hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (AIH-SUS). Foram consideradas para esse histórico nefrites não especificadas, excluindo-se outras causas com etiologia claramente definida, como infecção urinária, nefropatia diabética, nefrolitíase, entre outras.

Os agentes da Vigilância Sanitária realizaram inspeções nos estabelecimentos comerciais do município que vendiam leite e derivados ou que os utilizavam na fabricação de produtos. Coletou-se material de orofaringe dos manipuladores de alimentos, para isolamento da bactéria.

Realizou-se um estudo de caso-controle: foram considerados casos os indivíduos residentes em Monte Santo de Minas com faringite confirmada por Streptococcus zooepidemicus na orofaringe (critério laboratorial) ou faringite que evoluiu para nefrite aguda, entre 7 e 10 dias, em pessoa previamente saudável (critério clínico-epidemiológico); e como controles, foram incluídos os indivíduos com idade igual ou superior a seis anos, vizinhos de um caso confirmado, sem sinal ou sintoma de qualquer doença no período de dezembro de 2012 até a data da entrevista (1º a 7 de fevereiro de 2013).

Foram selecionados quatro controles por caso. Definiu-se que o primeiro controle seria selecionado na terceira casa à direita da residência do caso. O segundo controle seria selecionado na segunda casa subsequente, seguindo-se dessa maneira até serem entrevistados quatro controles. Se o quarteirão findasse, percorria-se o quarteirão em frente à residência do caso. Na residência selecionada para o controle, os moradores eram listados em ordem decrescente de idade, sorteando-se um deles com tabela de números aleatórios. Se o sorteado não satisfizesse a definição de controle, outro morador da mesma casa seria sorteado. Foi entrevistado um controle por residência.

Para as entrevistas, utilizou-se questionário padronizado que contemplava aspectos sociodemográficos (sexo, idade, estado civil, residência, escolaridade, profissão, renda), hábitos alimentares, contato com animais, problemas de saúde, participação em festas/aglomerações, entre outros fatores. O entrevistado era orientado a responder as questões tendo como referência o período de dezembro de 2012 até a data da entrevista.

Foram estimadas odds ratio (OR) brutas e ajustadas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Inicialmente, foram incluídas no modelo multivariável as variáveis com p-valor<0,20 na análise bruta. Permaneceram no modelo final aquelas com p-valor<0,05. Aplicou-se o teste de Hosmer-Lemeshow para verificar a adequação do ajuste. Foram utilizados os programas Epi Info™ 7.1.0.6 e Microsoft® Excel Starter® 2010.

Foram selecionadas propriedades rurais para tentativa de isolamento de Streptococcus zooepidemicus, utilizando-se os seguintes critérios: (i) propriedades que forneciam leite para o laticínio A; (ii) propriedades que forneceram leite e derivados para casos confirmados que relataram não ingestão dos alimentos associados à possível epidemia, indicados pelo estudo de caso-controle; e (iii) propriedades que forneceram leite diretamente aos fabricantes de sorvetes.

Nas propriedades selecionadas, foram coletadas amostras individuais de leite de todas as vacas em lactação e sem uso de antimicrobianos, no período de 20 de março a 23 de abril de 2013. Também foram realizadas coletas com swabs para pesquisa do agente etiológico em equipamentos de ordenha e tanques de armazenamento, instalados naquelas propriedades com condições higiênico-sanitárias precárias, segundo a avaliação dos técnicos responsáveis pela coleta. As coletas foram realizadas com apoio do Instituto Mineiro de Agropecuária, instituição pública com poder de polícia sobre as propriedades rurais, autorizado a tomar as ações necessárias em situações de surtos prescindindo do consentimento dos proprietários.

A presente investigação foi realizada no âmbito das ações de vigilância em situação de epidemia, de modo que houve dispensa de apreciação do projeto do estudo por Comitê de Ética em Pesquisa. Não obstante, foi obtido consentimento dos participantes, garantindo-se sua liberdade de participação, privacidade, confidencialidade e sigilo das informações. No caso dos menores de 18 anos, entrevistava-se o responsável legal ou o menor, mediante autorização e na presença do responsável.

Resultados

Entre janeiro de 2008 e dezembro de 2012, foram registradas 13 hospitalizações (média de 2,6/ano) por nefrite não especificada na Santa Casa de Misericórdia de Monte Santo. No ano de 2013, entre janeiro e fevereiro, foram hospitalizados 39 indivíduos com quadro de nefrite, caracterizando-se uma situação de epidemia.

Entre 25 de dezembro de 2012 e 18 de fevereiro de 2013, foram notificados 417 casos suspeitos, a maioria na segunda quinzena de janeiro. Desses, 175 (42,0%) foram confirmados, sendo 16 (9,1%) por critério laboratorial e 159 (90,9%) por critério clínico-epidemiológico; 242 (58,0%) casos foram descartados por não preencherem completamente a definição de caso confirmado. Não ocorreram óbitos.

Foram coletadas 36 amostras de orofaringe, com isolamento de Streptococcus zooepidemicus em 16 delas. Das dez amostras para pesquisa de vírus respiratórios, somente uma resultou positiva para Parainfluenza 3, referente a um indivíduo com síndrome gripal. As sorologias para citomegalovírus, Epstein-Barr e Toxoplasma gondii apresentaram resultados negativos.

Entre os casos confirmados de nefrite, predominaram mulheres (67,4%) e indivíduos na idade entre 19 e 59 anos (66,9%), com mediana de 36 anos (5-89 anos); 159 casos residiam em Monte Santo de Minas, 86,2% em área urbana, e 16 em outros municípios dos estados de Minas Gerais (Arceburgo, Itamogi, São Sebastião do Paraíso), Acre (Rio Branco) e de São Paulo (Batatais, Milagre, Mococa, São Bernardo do Campo, São Paulo, Santo André, Ribeirão Preto, Santo Antônio da Alegria) (Tabela 1). A taxa de incidência de nefrite em residentes de Monte Santo de Minas foi de 7,5 casos/mil habitantes.

Tabela 1 - Dados demográficos e clínicos dos casos confirmados de nefrite por Streptococcus equi subsp. zooepidemicus (n=175) no município de Monte Santo de Minas, Minas Gerais, 2013 

Entre os sinais e sintomas, o mais frequente foi hematúria (90,9%), seguida por linfadenopatia cervical (73,1%) e edema (52,0%). Quarenta e dois casos (24,0%) foram hospitalizados (Tabela 1).

Dos 24 indivíduos acima dos 60 anos de idade, 12 foram hospitalizados. Quatro casos evoluíram para insuficiência renal aguda, necessitando de hemodiálise, com recuperação posterior. O tempo médio entre início dos sintomas e atendimento médico foi de 7,6 dias, com mediana de quatro dias. No grupo de casos hospitalizados, esse tempo médio foi de 11,7 dias, com mediana de dez dias.

A Vigilância Sanitária inspecionou as seis sorveterias do município, todas com fabricação própria. Verificou-se que as sorveterias I, II e III utilizavam leite em saquinho plástico do laticínio A. As sorveterias IV e V (produtora de milk shake) utilizavam leite não industrializado, fornecido diretamente de propriedades rurais. A sorveteria VI utilizava leite em pó, devidamente registrado.

O laticínio A localizava-se em Monte Santo de Minas e não tinha registro nos órgãos competentes, sendo interditado pelo Instituto Mineiro de Agropecuária. Trinta e cinco propriedades forneciam o leite que era beneficiado no laticínio. A Vigilância Sanitária realizou descarte de lotes de sorvete produzidos com leite do laticínio A nas sorveterias I, II e III, além de produtos produzidos com leite não industrializado nas sorveterias IV e V, por se tratar de matéria-prima inadequada.

Foi coletado material de orofaringe de 11 manipuladores de alimentos nas sorveterias I a V, em uma padaria e em uma queijaria. Três manipuladores, que trabalhavam nas sorveterias I, II e III, tiveram cultura positiva para Streptococcus zooepidemicus e receberam antibioticoterapia com amoxicilina e clavulanato de potássio 500mg a cada oito horas, durante dez dias. A coleta de material realizada uma e três semanas após o término dos tratamentos apresentou resultados negativos.

No estudo de caso-controle, foram incluídos 32 casos e 128 controles, sendo 14 casos confirmados pelo critério laboratorial e 18 pelo critério clínico-epidemiológico. Não houve diferenças significativas entre casos e controles relacionadas a idade, sexo, renda e escolaridade. Os casos iniciaram sintomas no período de 27 de dezembro de 2012 a 28 de janeiro de 2013. Entre os participantes, verificou-se alto consumo de leite e derivados, inclusive de leite não industrializado e leite oriundo do laticínio A (Tabela 2).

Tabela 2 - Análise bruta dos fatores associados a nefrite no município de Monte Santo de Minas, Minas Gerais, 2013 

Nota: Valores em negrito: p<0,05

Na análise ajustada, os casos tiveram maior chance de terem consumido sorvetes (OR=9,67/IC95%: 2,08;44,89) e leite em saquinho plástico (OR=4,04/IC95%: 1,43;11,47) quando comparados aos controles (Tabela 3).

Tabela 3 - Análise ajustada dos fatores associados aos casos confirmados de nefrite (n=175) no município de Monte Santo de Minas, Minas Gerais, 2013 

Nota: Hosmer-Lemeshow=2,25; p=0,32.

Foram coletadas 104 amostras de leite, uma amostra de teteira (peça de coleta de leite) de ordenhadeira mecânica e duas amostras de tanques de armazenamento instalados em dez propriedades, além de uma amostra em tanque de armazenamento coletivo. Não houve isolamento de Streptococcus zooepidemicus. Em dez amostras, observou-se crescimento de Streptococcus agalactiae, causador de mastite bovina.

Discussão

No município de Monte Santo de Minas, entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013, ocorreu uma epidemia de nefrite, causada pela bactéria Streptococcus equi subsp. zooepidemicus. O adoecimento foi associado ao consumo de leite de um laticínio do município (laticínio A), de um sorvete fabricado com esse leite e de um milk shake fabricado com leite não industrializado.

A taxa de incidência de nefrite em Monte Santo de Minas pôde ser calculada, diferentemente da taxa de incidência da infecção por Streptococcus zooepidemicus, pois indivíduos assintomáticos ou com sintomas sem gravidade não procuraram assistência médica. Segundo Marques, o quadro clínico da GNPE é variável, podendo ser assintomática.22 Em estudos sobre outras epidemias de nefrite, como os desenvolvidos em Nova Serrana, na Romênia e na Finlândia, também pontuou-se sobre o real número de infectados ter sido, possivelmente, maior que o registrado.6,10,13

A epidemia iniciou-se no período de dezembro de 2012, no contexto das festividades do fim do ano, o que pode ter contribuído para a ocorrência de casos em não residentes no município. A época do ano também pode ter contribuído para um maior número de casos devido às temperaturas altas e férias escolares, com possível aumento no consumo de sorvetes. Adicionalmente, por se tratar de uma estação quente e chuvosa, há maior probabilidade de ocorrência de mastite bovina.23

Em alguns surtos por Streptococcus zooepidemicus, as manifestações clínicas iniciais foram, principalmente, linfadenopatia cervical e/ou faringite, com posterior GNPE, como foi observado em Monte Santo de Minas.10,12,13,18 Entretanto, na maioria dos surtos, ocorreram manifestações de doença invasiva, como pneumonia, pericardite, endocardite, meningite, septicemia, artrite e tromboflebite.6-9,11,14-17 Em Monte Santo de Minas, mulheres adultas foram mais acometidas. Outros surtos também afetaram basicamente adultos,10,12,13 sendo desconhecida a razão do achado.24

Apesar da ocorrência de casos graves, não houve óbitos na epidemia de Monte Santo de Minas, assim como na Romênia10 e em um dos surtos analisados na Inglaterra.12 Ocorreram três óbitos pela epidemia de Nova Serrana.13 São esperadas baixas taxas de letalidade nos surtos de glomerulonefrite pós-estreptocócica - GNPE -, pois 95% dos pacientes têm bom prognóstico, mesmo sem tratamento de suporte.25

O leite do laticínio A, possivelmente, sofreu falha na pasteurização, afetando alguns lotes do produto, visto que a pasteurização é eficiente para eliminar células bacterianas vegetativas.3 Esses lotes foram ingeridos ou utilizados na fabricação de sorvetes. Após interdição do laticínio A e de lotes de sorvete fabricados com esse leite e com leite não industrializado, a epidemia teve fim. Os surtos por Streptococcus zooepidemicus descritos na literatura foram associados ao consumo de leite não pasteurizado7,9,12 ou com falha temporária na pasteurização;10 ou associados a queijos produzidos com leite cru,8,11,13 inclusive queijo de cabra.6 O surto de Hong Kong representou uma exceção, sendo associado ao consumo de carne de porco mal passada e seus miúdos, com similaridade genética entre cepas isoladas de casos e de suínos.16

Ressalta-se que, se fossem aplicadas boas práticas de fabricação/industrialização, não teria ocorrido uma epidemia de tal dimensão. Poderiam ser registrados casos isolados ou aglomerações familiares (clusters). Mesmo na ocorrência de mastite por Streptococcus zooepidemicus, o leite submetido a pasteurização ou ultra-alta temperatura não representaria risco. Já os produtos elaborados com leite cru ou submetidos a temperaturas insuficientes representam risco de infecção por esse e outros patógenos.3,26,27

Alguns dados corroboram a ideia de que a mastite por Streptococcus zooepidemicus na região, à época da epidemia, foi de grande magnitude. Um dos alimentos associados ao adoecimento foi o milk shake, produzido com leite não industrializado, de propriedade rural que não fornecia leite para o laticínio A. Além disso, alguns casos confirmados, investigados individualmente, não consumiram alimentos associados ao adoecimento, apontados pelo estudo de caso-controle. Alguns casos confirmados relataram consumo de leite cru na própria casa/fazenda, ou de queijos fabricados na região e servidos em lanchonetes, entre outras origens. Ou seja, o leite era disponibilizado em cadeias de fornecimento distintas, indicando não se tratar de uma única propriedade com presença da bactéria, como apontaram outros surtos analisados.7-9,12,13

Desde que o consumo de leite cru e queijos fabricados com esse leite é costume na região, podem ocorrer novos surtos, principalmente clusters, conforme outros estudos demonstraram.7,12 As autoridades sanitárias locais devem manter vigilância sobre a ocorrência de nefrites e fiscalizar estabelecimentos comerciais que utilizem leite. O presente trabalho também contribui como alerta para autoridades sanitárias nacionais e internacionais, e para a comunidade acadêmica, frente aos raros registros de surtos dessa bactéria na literatura.

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Recebido: 09 de Setembro de 2016; Aceito: 15 de Dezembro de 2016

Correspondência: Patricia de Almeida Soares - Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Superintendência de Vigilância Epidemiológica, Ambiental e Saúde do Trabalhador, Rodovia Américo René Giannetti, s/n, Prédio Minas, 13º andar, Bairro Serra Verde, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 31630-900 E-mail: patricia.asoares@gmail.com

Todos os autores participaram da concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito, aprovaram a versão final e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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