Introdução
Depois do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama foi o mais incidente em mulheres de quase todas as grandes regiões do Brasil, em 2014 - exceto na região Norte, onde o câncer do colo do útero ocupava a primeira posição no ranking daquele ano.1 A taxa de mortalidade por câncer de mama, ajustada pela população mundial, é crescente e representa a primeira causa de morte por câncer na população feminina brasileira: 12,66 óbitos/100 mil mulheres em 2015.2
A mamografia é considerada um método efetivo de detecção precoce do câncer de mama, sendo amplamente utilizada em programas de rastreamento.3 Esse exame visa a identificação de tumores não detectáveis no exame clínico das mamas, permitindo o início precoce do tratamento e, consequentemente, melhora do prognóstico.4 Estima-se que o rastreamento mamográfico realizado mediante programas organizados reduza a mortalidade por câncer de mama em torno de 20% após 13 anos de acompanhamento.5 No Brasil, a partir da década de 1990, o câncer de mama mostrou tendência de declínio na mortalidade nas capitais das regiões Sul e Sudeste, fato possivelmente relacionado ao maior acesso à mamografia e a serviços especializados de tratamento.6
Em relação à faixa etária e periodicidade do rastreamento, verificam-se divergências nas recomendações entre as principais instituições do mundo. A American Cancer Society recomenda o rastreamento mamográfico anual em mulheres na faixa etária de 45 a 54 anos, sendo que mulheres de 40 a 44 anos devem ter a oportunidade de iniciar o rastreamento anual, e a partir de 55 anos, a periodicidade recomendada pela instituição passa a ser bianual.7 O rastreamento deve continuar até o momento no qual as mulheres se encontrarem em bom estado de saúde e com uma expectativa de vida de dez anos ou mais.7 No Reino Unido, a faixa etária preconizada é mais extensa, dos 50 aos 70 anos, porém com periodicidade trienal.5 A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a realização do rastreamento por programas organizados para mulheres de 50 a 69 anos, com periodicidade bianual.3
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a realização de mamografia em mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos, com periodicidade bianual.1 O rastreamento é realizado de forma oportunística no país, ou seja, a solicitação do exame depende da procura espontânea pelo serviço de saúde, ao passo que em países desenvolvidos, há recrutamento ativo da população-alvo.8 O rastreamento oportunístico, além de ser menos efetivo no impacto sobre a mortalidade atribuída à condição rastreada, é mais oneroso para o sistema de saúde.9
Para viabilizar o gerenciamento das ações de detecção precoce do câncer de mama, em 2009, o Ministério da Saúde implantou o Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA), um subsistema do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS).10
Tendo em vista a grande extensão do estado de Minas Gerais e sua diversidade regional, torna-se relevante a avaliação do resultado das ações de rastreamento com foco estadual que permita monitorar indicadores pactuados, identificar diferenças regionais relevantes e contribuir para o planejamento em saúde no estado.
O objetivo deste artigo foi avaliar o resultado de indicadores relacionados à oferta de mamografia e ao grau de adequação da confirmação diagnóstica para mamografias com resultados suspeitos de malignidade no estado de Minas Gerais e suas macrorregiões de saúde.
Métodos
Trata-se de um estudo de avaliação, com base em dados secundários, referente a Minas Gerais e suas macrorregiões de saúde no período de 2010 e 2011. O estado possui 853 municípios, 77 microrregiões e 13 macrorregiões caracterizadas por grande disparidade socioeconômica. Em 2010, a população em Minas Gerais era de 19.597.330 habitantes, 50,8% do sexo feminino, sendo 1.730.927 (17,4%) dessas mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos.
Foram utilizados dados secundários do SISMAMA e do SIA/SUS, extraídos do sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus: www.datasus.gov.br). Entre outras funções, o SISMAMA permite o monitoramento das ações de rastreamento, padroniza e aprimora a qualidade dos laudos mamográficos e permite o seguimento das mulheres com exames alterados.11 Como o SISMAMA apresenta dados a partir de julho de 2009, optou-se por analisar os dados referentes a 2010 e 2011, consultados nos meses de maio e junho de 2016. Os dados referentes à população feminina utilizados no denominador foram obtidos do censo demográfico de 2010 e de estimativas populacionais para 2011 realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A descrição dos indicadores calculados e respectivas fontes dos dados encontram-se na Figura 1.
A oferta de mamografia foi analisada pelo indicador razão de mamografias em mulheres de 50 a 69 anos, utilizado no Pacto pela Saúde,12 considerado um proxy da cobertura, que inclui o número total de mamografias, sem distinção da indicação clínica.13 A meta desse indicador foi obtida do Sistema de Informação do Pacto pela Saúde (SISPACTO) e para seu cálculo, foram utilizados os dados do SIA/SUS, uma vez que este apresentava maior número de exames registrados em relação ao SISMAMA. Quando identificado registro de mamografia unilateral no SIA/SUS, utilizou-se metade dos procedimentos, de forma a equivaler ao número de mulheres examinadas.14 Em relação aos indicadores relativos à caracterização da oferta de mamografia (proporção de mamografia por faixa etária, periodicidade, indicação clínica, categorização do laudo mamográfico) e indicadores referentes ao tempo do exame, os dados foram obtidos do SISMAMA, pois nas bases do SIA/SUS não há disponibilidade dessas informações.
O laudo mamográfico gerado no SISMAMA baseia-se na categorização do Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS), que padroniza os laudos e orienta a conduta a ser tomada. As categorias BI-RADS 4 e 5 são classificadas como ‘achados suspeitos de malignidade’ e ‘achados altamente sugestivos de malignidade’, respectivamente, e a conduta preconizada para esses achados é a realização de biópsia.10 Assim, utilizou-se o indicador da razão entre biópsias e número de mamografias com resultados BI-RADS 4 e 5 para avaliar o grau de adequação da confirmação diagnóstica para mamografias suspeitas de malignidade.14
Os dados brutos foram analisados de forma descritiva pelos programas TabWin (versão 3.2) e Microsoft Excel 2007, mediante o cálculo dos indicadores expressos em razões e proporções; estas últimas, comparadas com o teste do qui-quadrado (c2).
Este estudo é parte de um projeto de pesquisa mais amplo, que objetivou analisar os resultados das ações previstas na Rede Viva Vida referentes ao rastreamento do câncer do colo do útero e de mama no período de 2006 a 2011, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora sob o Parecer nº 1.376.660, em 18 de dezembro de 2015.
Resultados
Em Minas Gerais, a razão de mamografias em mulheres de 50 a 69 anos de idade foi de 0,14 e superou a meta pactuada em 2010 (0,12); em 2011, porém, ela foi de 0,15, aquém da meta de 0,16 (Tabela 1).
a) Razão de mamografias: razão entre o número de mamografias em mulheres de 50 a 69 anos e o total de mulheres nessa faixa etária
Quase metade das mamografias de rastreamento em Minas Gerais foi realizada em mulheres com menos de 50 anos. No estado e na maioria das macrorregiões, nos dois anos analisados, o percentual de exames na faixa etária de 40 a 49 anos ultrapassa o percentual da faixa de 50 a 59 anos e de 60 a 69 anos. Jequitinhonha se destaca nesse período, com o maior percentual de mamografias de rastreamento na faixa etária abaixo de 50 anos (Tabela 1).
Em relação à proporção de mamografias de rastreamento realizadas em mulheres de 50 a 69 anos com exame anterior (dados não apresentados), verifica-se que a maioria das mulheres mineiras de 50 a 54 anos relatou já ter sido submetida a mamografia anteriormente: 76,1% em 2010 e 78,4% em 2011. Na faixa etária de 65-69 anos, ao contrário do esperado, o conjunto do estado de Minas Gerais e a maioria de suas macrorregiões apresentaram menor percentual de mamografia anterior, na comparação com a faixa etária de 50 a 54 anos. Sobre esse indicador, Jequitinhonha chama a atenção em 2010: apenas 27,3, 23,4 e 21,4% das mulheres submetidas à mamografia de rastreamento nas faixas etárias de 55-59, 60-64 e 65-69 anos, respectivamente, relataram exame anterior.
A análise da distribuição proporcional do tempo de realização de mamografia anterior em mulheres de 50 a 69 anos submetidas à mamografia de rastreamento (Tabela 2) revelou que, para todas as faixas etárias, a maioria das mamografias anteriores foi realizada no período de até um ano.
Nota: A idade acima de 70 anos foi excluída desta análise por estar fora da faixa etária-alvo do programa de rastreamento.
A maioria dos exames de mamografia realizados em Minas Gerais teve a indicação clínica de rastreamento: 96,7% em 2010 e 96,8% em 2011 (dados não apresentados). Em todas as faixas etárias analisadas, o percentual de mamografias de rastreamento foi superior ao de diagnóstico, inclusive nas idades em que a mamografia não é preconizada. Nas faixas etárias de 40 a 49 anos e de 70 anos e mais, a maioria das macrorregiões apresentou percentual acima de 98% para mamografias de rastreamento.
De acordo com a distribuição proporcional de categoria BI-RADS, segundo indicação clínica das mamografias em Minas Gerais (Tabela 3), observa-se maior concentração de exames nas categorias BI-RADS 1 e 2 para mamografias de rastreamento, em todas as faixas etárias. Para as mamografias diagnósticas, em 2010, houve maior concentração de exames BI-RADS 2 e 3 nas faixas etárias de 50 a 59 anos, 60 a 69 e 70 e mais, e em 2011, para todas as faixas etárias, exceto dos 40 aos 49 anos. Conforme esperado, o percentual de BI-RADS 4 e 5 é maior para as mamografias diagnósticas em todas as faixas etárias.
Em Minas Gerais, mais de 58% das mamografias foram realizadas em até 30 dias (dados não apresentados). Em 2010, o percentual de mamografias diagnósticas com realização em até 30 dias foi superior ao de rastreamento (68,9% e 65,7%, respectivamente), e em 2011, inferior (59,0% e 62,9%, respectivamente), ambos estatisticamente significativos (p<0,01). Em 2011, Jequitinhonha apresentou apenas 38,7% das mamografias diagnósticas realizadas em até 30 dias. Em relação à liberação do resultado, a maioria das mamografias apresentou resultados liberados em até 30 dias (acima de 89%). Para Minas Gerais, em 2010, o percentual de mamografias diagnósticas com resultado em até 30 dias foi inferior ao de mamografias de rastreamento (89,5% e 92,3%, respectivamente), enquanto no ano seguinte, 2011, esses mesmos percentuais ficaram muito próximos (92,2% e 92,4%, respectivamente). Em 2011, a macrorregião Jequitinhonha apresentou o pior percentual, 40,7%, e a Sudeste o melhor, com 100% de suas mamografias diagnósticas com resultado liberado em até 30 dias.
Em relação à razão entre biópsias efetuadas e mamografias classificadas como BI-RADS 4 ou 5 (Tabela 4), verifica-se grande diferença entre as macrorregiões mineiras, sendo que a macrorregião Oeste apresentou a pior razão para todas as faixas etárias, exceto para as mulheres de 50 a 59 anos e com 70 ou mais anos em 2011, quando a macrorregião Centro-Sul apresentou a pior razão. Em 2011, a macrorregião Sudeste apresentou a melhor razão - exceto para a faixa etária de 40 a 49 anos -, com destaque para a faixa etária de 70 anos e mais, na qual a razão foi de 0,99. Em Minas Gerais, no ano de 2011, houve uma melhora nessa razão, para todas as faixas etárias.
Discussão
O estado de Minas Gerais não atingiu a meta do indicador razão de mamografias em mulheres de 50 a 69 anos, em 2011. Grande parte dos exames foi realizada em mulheres que não pertencem à faixa etária-alvo recomendada pelo Ministério da Saúde e a maioria das mamografias teve periodicidade anual. Além disso, verificou-se baixa razão de confirmação diagnóstica para achados mamográficos suspeitos de malignidade.
Minas Gerais se caracteriza pela grande disparidade socioeconômica entre suas macrorregiões de saúde, destacando-se dois blocos quanto ao valor do produto interno bruto (PIB) per capita referente a 2011: de um lado as macrorregiões Nordeste, Jequitinhonha, Norte e Leste do Sul com os menores valores e, por outro lado, Triângulo do Norte, Centro, Triângulo do Sul e Sul com os maiores valores. Assim, o estado é considerado uma representação da estrutura regional brasileira, com uma região mais pobre e menos desenvolvida ao norte/nordeste e uma região mais rica e desenvolvida ao sul.15
A análise do indicador razão de mamografias em mulheres de 50 a 69 anos em Minas Gerais indica baixo acesso da população-alvo ao programa de rastreamento em 2011, não atingindo a meta estadual pactuada naquele ano (0,16). Norte e Nordeste, macrorregiões mais pobres do estado, apresentaram as menores razões, enquanto Sul, Oeste e Triângulo, mais ricas em relação às primeiras, apresentaram maiores valores. Centro e Sudeste, também de melhor nível socioeconômico, apresentaram valores intermediários. O presente estudo baseia-se apenas em dados do SUS. Cabe destacar que macrorregiões com alta cobertura de saúde suplementar podem apresentar razão mais baixa em relação a outras com maior utilização da rede SUS, uma vez que seu denominador considera a população feminina total e não apenas as mulheres SUS-dependentes. Além disso, não retrata a real cobertura da população-alvo do rastreamento, uma vez que é avaliada a oferta de mamografia com base no número de exames e não de mulheres examinadas.12
Estudo ecológico realizado em Minas Gerais também encontrou menores razões de mamografia em mulheres de 50 a 69 anos nas macrorregiões mais pobres do estado (Noroeste, Norte e Nordeste), no período de 2008 a 2012. Tal estudo verificou alta vulnerabilidade de saúde nas macrorregiões Norte, Noroeste, Nordeste, Jequitinhonha e Leste, e menor vulnerabilidade em microrregiões do Triângulo, Centro e Sul. Quanto à disponibilidade de equipamentos nas 77 microrregiões de saúde do estado, apenas seis, localizadas nas macrorregiões Norte e Nordeste, apresentaram número de mamógrafos por 100 mil habitantes abaixo do preconizado pelo Ministério da Saúde (inferior a 0,42), no período analisado.16 Desta forma, verifica-se que em Minas Gerais, a quantidade de mamógrafos disponibilizados pelo SUS é satisfatória, exceto nas macrorregiões Norte e Nordeste, estas mais pobres, o que pode estar relacionado às menores razões de mamografia verificadas nessas macrorregiões pelo presente estudo.
A maioria das mamografias de rastreamento em Minas Gerais foi realizada com periodicidade anual e alto percentual de exames em faixas etárias não preconizadas, especialmente em mulheres de 40 a 49 anos. Em relação à faixa etária,17 foram encontrados resultados semelhantes no município de Goiânia-GO em 2010: 44% das mamografias de rastreamento foram realizadas na faixa etária de 40 a 49 anos, 31,7%, na faixa de 50 a 59 anos, e 13,2% entre mulheres de 60 a 69 anos. Outro estudo realizado com dados do SISMAMA para o Brasil, referentes ao período de setembro de 2009 a julho de 2010, também verificou que 44% das mamografias de rastreamento foram realizadas em mulheres com menos de 50 anos de idade.18
De acordo com o INCA,19 deve-se esperar um pequeno percentual de mamografias em mulheres fora da faixa etária-alvo do programa de rastreamento, pois o Ministério da Saúde recomenda o início do rastreamento antes dos 50 anos naquelas mulheres com risco elevado para câncer de mama. Como apenas 1% da população feminina apresenta tal risco,19 mostra-se excessivamente alto o percentual de exames abaixo dos 50 anos,18 indicando que muitas mulheres iniciam o rastreamento antes do período preconizado.
Como a recomendação médica é um forte preditor para a realização da mamografia,20 tais achados podem estar relacionados às recomendações de outras sociedades científicas,14 como a Sociedade Brasileira de Mastologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, que preconizam o rastreamento mamográfico na faixa etária entre 40 e 69 anos, com periodicidade anual.21 Corroborando isso, estudo realizado em um centro de referência do SUS no estado de Pernambuco verificou que a maioria das mamografias de rastreamento realizadas em mulheres de 40 a 49 anos foi solicitada por ginecologistas e mastologistas: 84% e 16%, respectivamente.22
Quanto ao rastreamento mamográfico em mulheres de risco habitual com menos de 50 anos de idade, cabe ressaltar que, devido à maior densidade mamária nessa faixa etária, há uma menor sensibilidade à mamografia23 e, consequentemente, maior número de resultados falsos-positivos, levando à realização de outras intervenções e, por conseguinte, aumento dos custos sem comprovação de eficácia na redução da mortalidade.22,23
Estudo realizado com dados nacionais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 200320 também verificou realização menos frequente da mamografia na faixa etária de 60-69 anos, em comparação à de 50-59 anos. Uma possível explicação para esse achado, segundo os autores, seria o efeito de coorte na disseminação da realização do exame, que estaria aumentando nas coortes mais jovens.20 Outro estudo observou redução da taxa de adesão ao rastreamento mamográfico com a extensão do tempo de acompanhamento, representando falta de vigilância sobre as etapas seguintes e ausência de convocação das mulheres, características próprias do rastreamento oportunístico.24
De acordo com a Portaria do SISMAMA (SAS/MS no 779, de 31 de dezembro de 2008), a produção dos procedimentos referentes à mamografia bilateral e biópsia deve ser notificada por esse sistema. Entretanto, a comparação de seus dados com os da produção de exames registrada no SIA/SUS indica subnotificação no SISMAMA. Outrossim, uma avaliação do sistema logo após sua implantação observou que ele era subutilizado por técnicos, médicos e demais profissionais envolvidos: nem todos conheciam seu funcionamento e concediam a devida importância a seu preenchimento com a maior exatidão possível de dados, o que parece não ter se modificado ao longo dos últimos anos.25 Como o SISMAMA tem como principal objetivo gerenciar as ações de controle do câncer de mama, a alimentação incorreta e o não registro de dados representam um obstáculo a ser superado pelos gestores públicos, como estratégia de planejamento em saúde.17 O treinamento dos profissionais envolvidos é, portanto, fundamental para que os dados repassados ao Ministério da Saúde retratem de fato a realidade, reduzindo-se as subnotificações, notificações erradas e consequente alocação inadequada de recursos financeiros.25
A categoria BI-RADS para mamografias diagnósticas apresentou distribuição proporcional distinta em Minas Gerais, com percentual de BI-RADS 3 superior em relação a outros estudos.14,23 Segundo Vieira e Toigo,26 a variabilidade no interpretador dependente e a diversidade e dificuldade na caracterização de lesões incipientes levam à variabilidade na categorização BI-RADS entre serviços, sobretudo na classe 3. Nessa perspectiva, um estudo que avaliou o desempenho dos centros de diagnóstico na classificação dos laudos mamográficos de exames realizados pelo SUS no município de Goiânia-GO verificou desigualdade no desempenho de centros diagnósticos quanto à classificação dos laudos reportados ao SISMAMA, reforçando a necessidade de treinamento dos profissionais responsáveis pelos laudos dos exames.17
Espera-se que o tempo para realização e liberação do laudo das mamografias diagnósticas seja inferior àquele de rastreamento.23 Nesse sentido, 90% das mamografias diagnósticas devem ter o resultado liberado em até 30 dias.18 Este estudo revelou que a maioria das mamografias em Minas Gerais, independentemente da indicação clínica, foi realizada e seus resultados disponibilizados em até 30 dias, embora não houvesse uma priorização de mulheres sintomáticas.
Em Minas Gerais, a razão entre biópsias e mamografias classificadas como BI-RADS 4 ou 5 foi de apenas 0,31 em 2010; em 2011, apesar do aumento observado (0,42), o indicador ainda se mostrou desfavorável - diante de uma razão esperada próxima a 1,0 -, sugerindo baixo grau de adequação da confirmação diagnóstica para achados suspeitos de malignidade. Esses resultados estão em consonância com a baixa razão (0,36) observada no Brasil em 2010.14 Ressalta-se a grande diferença para esse indicador entre as macrorregiões de Minas Gerais, também presente entre as grandes regiões do Brasil.14,23 Este achado alerta para a necessidade de avaliação de perda e/ou envio da informação, e da qualidade do dado.23 Além dessa possibilidade, outra interpretação para a baixa razão observada seria o encaminhamento para cirurgia - sem biópsia pelo SUS -, realizada por pagamento direto ou por planos privados de saúde que cobrem esse tipo de procedimento. Tais resultados sugerem que o sistema de saúde ainda não está preparado para atender à demanda de confirmação diagnóstica.14 Cabe ressaltar que um programa de rastreamento não deve oferecer apenas exames de qualidade à população mas, também, acesso aos procedimentos diagnósticos de lesões suspeitas e encaminhamento precoce a tratamento de qualidade para os casos confirmados.4
Em relação ao rastreamento mamográfico, estudos recentes indicam que o benefício proporcionado pela redução da mortalidade é acompanhado por significativos danos nas mulheres rastreadas, sendo o sobrediagnóstico o principal.27,28 De acordo com estudo de metanálise publicado em 2013,27 considerando-se uma redução de 15% na mortalidade, o rastreamento está associado a uma taxa de sobrediagnóstico e de tratamento excessivo em torno de 30%. Ou seja: para cada 2.000 mulheres participantes de um programa de rastreamento ao longo de dez anos, uma morte por câncer de mama é evitada, enquanto dez mulheres saudáveis são sobrediagnosticadas e tratadas desnecessariamente.
As limitações do presente estudo estão relacionadas, principalmente, à qualidade dos dados dos sistemas de informações utilizados, sobretudo à subnotificação e falhas todavia presentes no SISMAMA. Não obstante, os dados desse sistema permitiram a construção de indicadores fundamentais para avaliar as ações do rastreamento do câncer de mama em Minas Gerais, podendo subsidiar o planejamento das ações de controle. Com a implantação do SISCAN (Sistema de Informação do Câncer), que substitui e integra o SISMAMA e o SISCOLO (Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero), algumas limitações desses sistemas serão superadas e permitirão o acompanhamento longitudinal das usuárias, pois o registro terá como unidade de observação a mulher e não o exame.29
Os resultados apresentados aqui evidenciam a necessidade de aprimoramento do programa de rastreamento do câncer de mama entre a população-alvo, garantindo acesso aos procedimentos diagnósticos das lesões suspeitas e tratamento precoce dos casos confirmados.