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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.26 n.3 Brasília jul./sep. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000300008 

ARTIGO ORIGINAL

Subnotificação de sífilis em gestantes, congênita e adquirida entre povos indígenas em Mato Grosso do Sul, 2011-2014*

Sub-notificación de sífilis gestacional, congénita y adquirida entre pueblos indígenas en Mato Grosso do Sul, Brasil, 2011-2014

Zuleica da Silva Tiago1  , Renata Palópoli Picoli2  , Samara Vilas-Boas Graeff3  , Rivaldo Venâncio da Cunha2  , Rui Arantes2 

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Mestrado Profissional em Saúde da Família, Campo Grande-MS, Brasil

2Fundação Oswaldo Cruz/Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil

3Secretaria Especial de Saúde Indígena, Distrito Sanitário Especial Indígena, Campo Grande-MS, Brasil

Resumo

OBJETIVO:

descrever a distribuição, incidência e subnotificação de sífilis entre povos indígenas de Mato Grosso do Sul, Brasil.

MÉTODOS:

estudo descritivo, com dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS) referentes ao período 2011-2014; os dados das duas fontes foram relacionados manualmente, para identificar subnotificações.

RESULTADOS:

as maiores taxas de incidência de sífilis em gestante foram observadas em 2014 (41,1/1000 nascidos vivos) e de sífilis congênita em 2013 (10,7/1000 nascidos vivos); observou-se importante subnotificação, de 45/79 casos de sífilis em gestante no Sinan em 2014, 8/17 casos de sífilis congênita no DSEI-MS em 2014, e 5/9 e 10/18 casos de sífilis adquirida no Sinan em 2011 e 2013, respectivamente.

CONCLUSÃO:

a sífilis apresenta elevada incidência; a subnotificação de casos nos sistemas de informações oculta a magnitude da doença entre indígenas de Mato Grosso do Sul.

Palavras-chave: Sífilis; Sífilis Congênita; Sistemas de Informação; População Indígena; Epidemiologia Descritiva

Resumen

OBJETIVO:

estimar la distribución, incidencia y subregistro de sífilis entre pueblos indígenas de Mato Grosso do Sul, Brasil.

MÉTODOS:

estudio descriptivo con datos secundarios del Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria (Sinan) y del Distrito Sanitario Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), en el período 2011-2014; se compararon los datos de las dos fuentes para identificar el subregistro.

RESULTADOS:

las tasas más altas de incidencia de sífilis en embarazadas se observaron en 2014 (41,1/1.000 nacidos vivos) y de sífilis congénita en 2013 (10,7/1.000 nacidos vivos); los mayores números de subestimaciones fueron de casos de sífilis en mujeres embarazadas en el Sinan (45/79) y de sífilis congénita en DSEI-MS (8/17), en 2014, y de sífilis adquirida en el Sinan en 2011 y 2013 (5/9 y 10/18, respectivamente).

CONCLUSIÓN:

es alta la incidencia de sífilis, cuya magnitud se encuentra oculta debido a las subnotificaciones de los casos en esta población.

Palabras-clave: Sífilis; Sífilis Congénita; Sistemas de Información; Población Indígena; Epidemiología Descriptiva

Introdução

A sífilis continua sendo um grave problema de Saúde Pública, atingindo cerca de 12 milhões de pessoas no mundo, anualmente.1 No Brasil, tem-se observado um aumento na taxa de detecção de sífilis em gestantes a partir de 2006, com o registro de 7,4 casos/1000 nascidos vivos em 2013. Na região Centro-Oeste do país, a taxa de detecção de sífilis para o mesmo ano foi de 8,7 casos/1000 nascidos vivos, sendo Mato Grosso do Sul , estado dessa região, o que apresentou a maior taxa entre todas as Unidades da Federação: 16,7 casos/1000 nascidos vivos.2

A localização geográfica de Mato Grosso do Sul é um fator importante na transmissão da sífilis no estado. Os municípios da faixa de fronteira com Paraguai e Bolívia apresentam as maiores taxas de incidência de sífilis em gestantes. As características socioeconômicas e o elevado trânsito de pessoas nessa região favorecem a disseminação da doença.3

O aumento da prevalência de sífilis em gestantes eleva o risco de ocorrência de sífilis congênita, fato observado a partir do acompanhamento das taxas de incidência por sífilis congênita no Brasil. Em 2004, foram registrados 1,7 casos/1000 nascidos vivos; já em 2013, essa taxa elevou-se para 4,7 casos/1000 nascidos vivos.2

São escassos os estudos científicos sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST) em populações indígenas no Brasil, dificultando o conhecimento da magnitude do problema nessa população e ampliando a situação de invisibilidade - e de vulnerabilidade - dessas populações frente a essas infecções.4,5 Somam-se a isso as desigualdades na cobertura da assistência ao pré-natal entre as mulheres indígenas e a baixa escolaridade, possivelmente decorrentes de barreiras geográficas, culturais e sociais, a dificultar o acesso aos serviços de saúde e portanto, com poder de repercutir em uma maior prevalência de IST, especialmente da sífilis na gestação.6

Em relação à sífilis entre indígenas, os poucos estudos desenvolvidos em Mato Grosso do Sul indicaram que as taxas de detecção da doença aumentaram no período de 2000 a 2010, principalmente na região Sul do estado.6-8 O aumento do número de casos pode ser atribuído à estruturação da Área Técnica de Saúde Sexual e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), que ampliou sua cobertura e capacidade de diagnóstico ao longo da década. Os dados do DSEI-MS e do Sinan e estudos desenvolvidos indicam que as IST, particularmente a sífilis, constituem um grave problema de Saúde Pública entre indígenas do estado sul-mato-grossense.6-8

Apesar da compreensão de que os sistemas de informações em saúde sejam instrumentos importantes para o aprimoramento das políticas públicas, todavia permanecem barreiras a impedir seu adequado funcionamento.9 No caso de populações indígenas, os dados obtidos na Atenção Básica em Saúde devem percorrer um longo caminho até chegar aos sistemas nacionais de informações como o Sinan, uma vez que as unidades de atendimento e os DSEI não são unidades notificadoras.

O estudo teve como objetivo descrever a distribuição, incidência e subnotificação de sífilis entre os povos indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil.

Métodos

Foi conduzido um estudo descritivo da ocorrência de sífilis na população indígena de Mato Grosso do Sul, no período de 2011 a 2014.

O estado de Mato Grosso do Sul é o segundo mais populoso do Brasil em número de indígenas, com 77.025 pessoas autodeclaradas da raça, 61.158 delas estabelecidas em aldeias e acampamentos (79,4%). Das oito etnias que vivem no estado, Guarani Ñhandeva, Guarani Kaiowá e Terena são as mais numerosas: juntas, compreendem 96% da população indígena de Mato Grosso do Sul.10 O DSEI-MS, por sua vez, é o maior do Brasil, considerando-se o contingente populacional sob sua responsabilidade para realização da Atenção Básica em Saúde prestada em 14 polos-base, 75 aldeias e 26 acampamentos.11

As definições de caso de sífilis congênita, em gestante e adquirida adotadas no presente estudo são as preconizadas pelo Ministério da Saúde.12 Foram incluídos somente os casos de sífilis notificados em indígenas residentes em aldeias e acampamentos assistidos pelo DSEI-MS, sendo excluídos do estudo os casos notificados em indígenas residentes nos centros urbanos. Também foram excluídos casos referentes às recidivas, registros duplicados e reingressos de tratamento após abandono.

Os dados foram obtidos a partir de duas fontes secundárias: uma proveniente do Sinan e outra dos registros da Área Técnica de Saúde Sexual e IST do DSEI-MS. A Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul forneceu os dados de notificações de sífilis em gestantes, sífilis congênita e sífilis adquirida realizadas no período de interesse, em todos os municípios do estado habitados por população indígena. Foram fornecidos, exclusivamente, dados das notificações que apresentavam a variável raça/cor da pele indígena preenchida. Posteriormente, essas informações foram inseridas e organizadas pelo aplicativo Microsoft® Office Excel® 2010, de acordo com as seguintes variáveis: ano de ocorrência, polo-base e tipo de sífilis.

A distribuição dos casos, análise da incidência e da subnotificação por polo-base de sífilis na população indígena de Mato Grosso do Sul foi realizada por relacionamento manual dos casos registrados no Sinan e no DSEI-MS. Esta etapa foi realizada pela Área Técnica de Saúde Sexual e IST do DSEI-MS, que tem acesso aos dados completos - incluindo nome, data de nascimento e local de moradia - de cada indivíduo.

Os casos notificados, para cada uma das doenças analisadas, foram classificados em três categorias: (i) registrados somente no DSEI-MS; (ii) registrados somente no Sinan; e (iii) registrados em ambos sistemas de informações, DSEI-MS e Sinan. Dessa forma, foi possível identificar o número de casos subnotificados em cada uma das fontes de informações e gerar uma planilha com o total de casos de sífilis ocorridos entre 2011 e 2014, em cada polo-base.

As taxas de detecção ou incidência de sífilis adquirida foram calculadas para cada ano selecionado no estudo, considerando-se a razão entre o número de casos novos de sífilis e o número de pessoas residentes em determinado espaço geográfico (polo-base) multiplicado por 100 mil (taxa por 100 mil habitantes). Para sífilis em gestantes e sífilis congênita, as taxas de detecção foram calculadas pela razão entre o número total de casos notificados por ano e polo-base e o número total de nascidos vivos, no mesmo período e local, multiplicado por 1000 (taxa por mil nascidos vivos).

As taxas de incidência foram calculadas por ano, para toda a população indígena de Mato Grosso do Sul e, posteriormente, para cada polo-base, tendo por referência o período de 2011 a 2014. O cálculo desse indicador foi feito separadamente, para cada uma das duas fontes de dados, DSEI-MS e Sinan. Na primeira análise, o objetivo foi comparar as taxas calculadas para cada uma das fontes de dados. Na análise por polo-base, procurou-se avaliar a distribuição da doença no território de abrangência do DSEI-MS, além de identificar os polos-base com maior incidência e subnotificações para cada tipo de sífilis, por ano.

Com o propósito de observar a magnitude do impacto das subnotificações sobre o cálculo das taxas, foi estimada a razão entre as taxas de incidência para cada uma das fontes de dados e as taxas obtidas para o total de casos, segundo cada tipo de sífilis. Cumpre destacar que o total de casos correspondeu à soma daqueles registrados no DSEI-MS e no Sinan.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - Parecer nº 1.453.383/2016, de 17 de março de 2016 -, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

Em indígenas no Mato Grosso do Sul, foram registrados pelo DSEI-MS e pelo Sinan, no período de 2011 a 2014, 316 casos de sífilis em gestantes, 69 casos de sífilis congênita e 64 de sífilis adquirida, totalizando 449 casos de todos os tipos de sífilis. Não foram considerados 11 casos referentes às recidivas, registros duplicados e reingresso de tratamento após abandono, correspondendo a 2,3% do total de casos de sífilis adquirida, congênita e gestacional.

As subnotificações no Sinan de sífilis em gestantes foram maiores do que as observadas no DSEI-MS, em todos os anos analisados. Em 2014, enquanto os registros no DSEI-MS deixaram de notificar quatro dos 79 casos de sífilis gestacional, 45 dos 79 casos não foram notificados no Sinan. A maior subnotificação de casos de sífilis congênita ocorreu no DSEI-MS: 8/17, em 2014. Para a sífilis adquirida, também houve elevada subnotificação no Sinan: 5/9 em 2011 e 10/18 em 2013 (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição dos casos de sífilis notificados no Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e em ambos, e número de subnotificações no DSEI-MS e Sinan, segundo tipo de sífilis e ano de ocorrência, Mato Grosso do Sul, 2011-2014 

O maior número de casos foi registrado nos polos-base da região Sul do estado (Amambai, Iguatemi, Caarapó e Dourados). Entre os casos notificados no Sinan, houve números expressivos de subnotificações de sífilis em gestantes nos polos de Amambai (106/152), Dourados (15/29) e Antônio João (3/4). Os números de subnotificações de sífilis congênita no Sinan foram mais expressivos em Amambai (16/27) e em Caarapó (2/5). No DSEI-MS, não foi registrado nenhum dos seis casos de sífilis congênita ocorridos no polo-base de Dourados, entre 2011 e 2014. Em relação à sífilis adquirida, os números maiores de subnotificações no Sinan ocorreram nos polos de Amambai (15/20), Dourados (1/1) e Sidrolândia (4/6). No DSEI-MS, os polos de Aquidauana (3/5) e Paranhos (5/5) destacaram-se pelo número de subnotificações de sífilis adquirida (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição dos casos de sífilis notificados no Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e em ambos, e número de subnotificações no DSEI-MS e Sinan, segundo tipo de sífilis e polo-base de registro, Mato Grosso do Sul, 2011-2014 

As taxas anuais de incidência total, calculadas a partir da soma de todos os casos registrados nas duas fontes de dados, para cada um dos tipos de sífilis, oscilaram de um ano para outro sem indicar aumento ou redução ao longo do período analisado. A maior taxa de incidência de sífilis em gestante foi observada em 2014 (41,1/1000 nascidos vivos), e a maior taxa de sífilis congênita, em 2013 (10,7/1000 nascidos vivos) (Tabela 3).

Tabela 3 - Taxas anuais de incidência de sífilis na população indígena assistida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), calculadas a partir dos registros do DSEI-MS e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), segundo tipo de sífilis e ano de ocorrência, Mato Grosso do Sul, 2011-2014 

a) A incidência total foi calculada a partir dos casos registrados em ambas fontes de registros (DSEI-MS e Sinan)

b) Taxas calculadas para cada 1.000 nascidos vivos

c) Taxas calculadas para cada 100.000 habitantes

As magnitudes das diferenças entre as taxas de incidência total e as taxas calculadas para cada uma das fontes de dados variaram de acordo com o ano e o tipo de sífilis. Em 2014, a taxa total chegou a representar 2,3 vezes a taxa de sífilis em gestante calculada a partir do Sinan, 1,9 vezes a taxa de sífilis congênita do DSEI-MS e, em 2011 e 2013, 2,3 vezes as taxas de sífilis adquirida segundo dados do Sinan (Tabela 3).

No período de 2011 a 2014, os polos-base de Amambai e Iguatemi referiram as maiores taxas de incidência de sífilis em gestante (90,5/1000 nascidos vivos e 84,2/1000 nascidos vivos, respectivamente) e também as mais elevadas para sífilis congênita (16,1/1000 nascidos vivos e 24,9/1000 nascidos vivos, respectivamente). Comparada às taxas obtidas apenas com os dados do Sinan, a taxa total de incidência de sífilis em gestante foi 3,3 vezes superior no polo de Amambai, 4,0 vezes no polo de Antônio João, 2,1 vezes em Dourados e 2,0 vezes em Sidrolândia. Em relação à sífilis congênita, o polo-base de Amambai referiu uma taxa de incidência total que representa 2,5 vezes a calculada com os dados subnotificados no Sinan (Tabela 4).

Tabela 4 - Taxas de incidência de sífilis na população indígena assistida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), calculadas a partir dos registros do DSEI-MS e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), segundo tipo de sífilis e polo-base de registro, Mato Grosso do Sul, 2011-2014 

a) A incidência total foi calculada a partir dos casos registrados em ambas fontes de registros (DSEI-MS e Sinan)

b) Taxas calculadas para cada 1.000 nascidos vivos

c) Taxas calculadas para cada 100.000 habitantes

Discussão

A distribuição dos casos de sífilis (em gestantes, congênita e adquirida) entre indígenas residentes em Mato Grosso do Sul, registrados no Sinan e no DSEI-MS, concentrou-se na região Sul do estado, especialmente nos polos-base de Amambai e de Iguatemi, onde ocorreram dois terços dos casos de sífilis em gestantes e de sífilis congênita.

Ferri e Gomes,7 ao avaliarem a prevalência de IST e aids em indígenas de Mato Grosso do Sul a partir de dados do Sinan relativos ao período de 2001 a 2005, já apontavam que a grande parte das notificações de IST em indígenas concentrava-se na região Sul do estado, onde vivem indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, principalmente nas aldeias próximas aos centros urbanos.

Resultados semelhantes foram encontrados em outro estudo sobre a sífilis em gestantes no mesmo estado de Mato Grosso do Sul, a partir de dados secundários da Secretaria de Estado de Saúde referentes ao período de 2003 a 2008. O referido estudo incluiu os 78 municípios do estado e identificou que as maiores frequências de sífilis em gestantes e congênita ocorreram nos municípios da faixa de fronteira e com elevada densidade demográfica de indígenas.3 No estudo de Candido,5 que avaliou a sífilis em gestantes, especificamente, em municípios fronteiriços de Mato Grosso do Sul, nos anos de 2007 a 2010, identificou-se que 36,4% dos casos de sífilis em gestantes eram de indígenas. No trabalho desenvolvido por Santos8 no município de Amambai, com base em dados do Sinan e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) também relativos ao quadriênio 2007-2010, encontrou-se elevada prevalência de sífilis em gestantes indígenas quando comparada à prevalência correspondente na população geral do município.

A elevada ocorrência de sífilis em indígenas de Mato Grosso do Sul pode estar relacionada a inúmeros fatores determinantes de sua maior vulnerabilidade, principalmente quando se trata dos povos indígenas da região Sul do estado, os Guarani e Kaiowá: as duas etnias concentram-se em municípios da faixa de fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia - faixa de 150km, a partir da linha divisória entre os países. Características próprias de uma região de fronteira, quando existe um grande fluxo de pessoas e mercadorias, favorecem a disseminação de patógenos. Ademais, o território Guarani-Kaiwoá estende-se para áreas tanto do Brasil como do Paraguai, e a intensa mobilidade entre as aldeias dos dois países dificulta o acompanhamento dos indivíduos, principalmente das mulheres indígenas durante a gravidez.13

O complexo e desfavorável cenário socioeconômico no qual os Guarani e os Kaiowá estão inseridos também exerce forte impacto sobre a vulnerabilidade epidemiológica desses povos às doenças infectocontagiosas.14,15 O processo de contato vivenciado pelos povos indígenas no Brasil, especificamente os de Mato Grosso do Sul, foi extremamente devastador sob o ponto de vista da sustentabilidade econômica, social, ambiental e, até mesmo, cultural desses grupos. Em Mato Grosso do Sul, esse processo resultou na perda dos territórios originais, concentração demográfica e acentuada desestruturação socioeconômica desses povos.16

As elevadas taxas de incidência em gestantes e de sífilis congênita, encontradas neste estudo, evidenciam a sífilis como um grave problema de Saúde Pública entre os povos indígenas de Mato Grosso do Sul, mascarado pelo elevado número de subnotificações. As taxas de detecção de sífilis em gestantes representaram cinco vezes as taxas nacionais e 2,5 vezes as taxas estaduais.2 A alta incidência da doença na população indígena pode estar relacionada às características epidemiológicas da sífilis, hábitos e práticas culturalmente definidas. O atendimento à gestante indígena exige o desenvolvimento de estratégias de capacitação das equipes multidisciplinares de saúde que levem em consideração as especificidades culturais e geográficas desses povos, implicações - e dificuldades - para o acesso de suas gestantes aos serviços de saúde.7,17

A sífilis congênita é passível de prevenção e é considerada um evento sentinela da qualidade do atendimento pré-natal.17-20 No entanto, o controle da doença ainda representa uma questão complexa, principalmente entre povos indígenas, exigindo o desenvolvimento de estratégias de monitoramento da doença durante toda a gravidez para que a intervenção ocorra enquanto for possível evitar a transmissão vertical.21-23 No caso dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, a transmissão vertical da sífilis apresentou taxas correspondentes a duas vezes aquelas observadas para a população não indígena do estado.2

Os dados do DSEI-MS (Área Técnica da Saúde da Mulher) indicam que, em média, 80% dos parceiros das gestantes notificadas foram tratados adequadamente, conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às pessoas com IST do Ministério da Saúde, que recomenda o tratamento dos parceiros concomitante ao das gestantes e em até 30 dias antes do parto.12 Não obstante a alta cobertura no tratamento dos parceiros, estes não estão sendo notificados como casos de sífilis adquirida, fato verificado pela grande diferença observada no presente estudo entre o número de casos de sífilis em gestantes e o número de casos de sífilis adquirida.

Diante da vulnerabilidade epidemiológica dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul em relação à sífilis, demonstrada no presente estudo, é imprescindível que os sistemas de informações registrem a ocorrência dos casos adequadamente. A disponibilidade de informações de qualidade, de modo contínuo e sistemático, é fundamental para o monitoramento e o desenvolvimento de estratégias de prevenção e de intervenção sobre doenças e agravos.9 O Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan -, criado e desenvolvido na década de 1990, tem como funções principais a coleta e o processamento dos dados sobre agravos de notificação em todo o território nacional. O sistema pode ser operacionalizado desde o nível administrativo mais periférico e o fluxo de informações deve passar pelos níveis intermediários até o nível central, seguindo a orientação de descentralização do Sistema Único de Saúde - SUS.24 O Sinan, portanto, tem, entre seus objetivos, dispor informações para a análise do perfil de morbidade e contribuir para a tomada de decisões nos níveis municipal, estadual e federal de gestão da Saúde.25

Entre os principais problemas a afetar a qualidade dos dados do Sinan relativos à sífilis em indígenas, destacam-se a subnotificação dos casos nas bases de dados nacionais e falhas no preenchimento das fichas, principalmente do item raça/cor da pele.8,9 Esta variável é autodeclarada pelo(a) paciente e o não preenchimento desse campo na ficha de notificação pode influenciar o desempenho do SUS e do Subsistema de Saúde Indígena, uma vez que permite identificar diferenças nas necessidades de saúde de grupos específicos, possibilitando o melhor acerto nas ações de saúde e diminuição das iniquidades entre segmentos étnico-raciais.26,27

O presente estudo observou que, entre os polos-base com maior número absoluto de casos, as subnotificações no Sinan foram particularmente expressivas para os de Amambai e Dourados, nos quais mais da metade dos casos não foram notificados. Essa subnotificação impacta fortemente no cálculo das taxas de incidência. As taxas totais de incidência calculadas - considerando-se todos os casos de sífilis não notificados pelo Sinan - aumentaram 3,3 vezes e 2,1 vezes nos polos-base de Amambai e Dourados, respectivamente, ocultando a real situação da sífilis em gestantes atendidas nesses polos. Da mesma forma, a taxa total de incidência para sífilis congênita no polo-base de Paranhos é 2,4 vezes aquela observada pelos registros do DSEI-MS, que apresentou mais da metade dos casos subnotificados para esse tipo de sífilis. Conhecer a magnitude das subnotificações dos casos de sífilis é importante para estabelecer estratégias efetivas de solução dos problemas relacionados ao fluxo de informações nos respectivos polos-base e nos municípios do estado.

As subnotificações dos casos de sífilis são um problema recorrente em diversos países e constituem um dos principais fatores contributivos para a persistência da sífilis como um problema de Saúde Pública na América Latina e Caribe.28 No caso dos povos indígenas do Brasil, a subnotificação da doença pode estar associada ao preenchimento incompleto das fichas de notificação, principalmente em relação à variável raça/cor da pele ou local de domicílio, como também à não alimentação do Sinan pelas unidades notificadoras. O fato de os polos-base e/ou DSEI não serem unidades notificadoras no Sinan faz com que aumente ainda mais a possibilidade de subnotificações de doenças. Outrossim, alguns polos-base do DSEI-MS contam com aldeias em três municípios diferentes, complexando ainda mais o fluxo de informações entre polos e municípios.

No caso do DSEI-MS, as 43 equipes multidisciplinares de saúde indígena encarregadas dos 14 polos-base precisam se articular com 31 municípios, para que as informações de doenças e agravos de notificação cheguem até as unidades notificadoras dos municípios nos quais as aldeias estão inseridas.11 A falta de articulação entre polos-base e municípios e o preenchimento incorreto das fichas de notificação são dois fatores com poder de influenciar a subnotificação de sífilis entre os povos indígenas29,30 - inclusive a subnotificação de outros agravos.

Apesar de incorrer em limitações relacionadas ao uso de dados secundários, o presente estudo permitiu conhecer as características de distribuição da sífilis na população indígena de Mato Grosso do Sul e a ocorrência de subnotificações dos casos nessa população específica.

Os resultados apresentados aqui mostraram que a sífilis constitui um grave problema de Saúde Pública entre os povos indígenas do estado de Mato Grosso do Sul, ocultado pelas altas taxas de subnotificações dos casos. Recomenda-se aos gestores de saúde a definição de estratégias com o objetivo de minimizar o problema, entre elas a capacitação técnica das equipes de saúde atuantes nas aldeias e nos municípios do estado onde a incidência da doença e as subnotificações dos casos foram mais expressivas, aliadas ao desenvolvimento de ações de educação e promoção da saúde e de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis - IST . Estas ações podem auxiliar no fortalecimento da vigilância epidemiológica da sífilis e diminuir a transmissão da doença na população indígena de Mato Grosso do Sul.

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*Manuscrito elaborado a partir da Dissertação de Mestrado de Zuleica da Silva Tiago, intitulada ‘Sífilis adquirida, sífilis em gestante e sífilis congênita na população indígena do Mato Grosso do Sul: análise comparativa entre notificações do Sinan e DSEI-MS’, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Saúde da Família da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, no ano de 2016.

Recebido: 03 de Setembro de 2016; Aceito: 30 de Novembro de 2016

Correspondência: Rui Arantes. Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Mato Grosso do Sul, Rua Gabriel Abrão, nº 92, Jardim das Nações, Campo Grande-MS, Brasil. CEP: 79081-746. E-mail: ruiarantes@fiocruz.br

Tiago ZS, Picoli RP, Graeff SV, Cunha RV e Arantes R participaram da concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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