Introdução
A tuberculose (TB) é a causa mais comum de mortes - em todo o mundo - por doenças com um único agente infeccioso. Tendo sua carga concentrada nos países em desenvolvimento, mais da metade dos casos atinge a faixa etária economicamente ativa da sociedade, trazendo consequências para a economia, os sistemas de saúde e a vida dos indivíduos acometidos por essa enfermidade.1
Estima-se que no ano de 2015, no plano global, ocorreram 10,4 milhões de casos de TB, sendo 6,6 milhões considerados casos novos. O Brasil, participante do grupo de países que concentra 84% da carga mundial da doença, apresentou neste mesmo ano uma taxa de incidência de 41 casos em cada 100 mil habitantes e taxa de mortalidade de 2,2 mortes em cada 100 mil habitantes.2
Apesar do alcance de metas estabelecidas pela estratégia Stop TB (2006-2015), o Brasil tem apresentado, com o passar dos anos, melhoras modestas em seus indicadores epidemiológicos, necessitando aprimorar o sucesso nos tratamentos: estima-se uma porcentagem de apenas 74,2% de cura nos casos novos de TB pulmonar em 2014.3 Metas mais ambiciosas, como as definidas para a Estratégia pelo Fim da Tuberculose (2016-2035), ratificam a primordialidade da avaliação dos serviços de saúde prestados à população e a necessidade de novas formas de enfrentamento dessa doença.
Parte da complexidade no controle da TB também está relacionado a fatores intrínsecos ao ambiente, com a predominância da infecção entre indivíduos residentes em áreas endêmicas em comparação com aqueles que vivem em áreas de baixa endemicidade.4
Têm-se promovido estudos de distribuição geográfica da incidência da TB, de maneira a caracterizar seu panorama nas grandes cidades.5 Trata-se de uma doença essencialmente urbana, o que tem contribuído para formular hipóteses acerca dos fatores de risco no nível ambiental e social.
No município paulista de São Carlos, cenário que o presente estudo se propõe analisar, o coeficiente de incidência da TB foi de 24,52/100 mil habitantes e a taxa de mortalidade de 2,53/100 mil habitantes no ano de 2013.6
Uma extensa revisão da literatura utilizando os descritores Risco, Tuberculose e Espaço e/ou Ambiente constatou serem poucos os estudos desenvolvidos para estimar as áreas de risco, dado importante para a adoção de medidas de vigilância e controle da doença.7 No presente estudo, tomou-se por hipótese a existência de áreas com maior probabilidade de transmissão de TB, de forma a detectar o risco dessas áreas, para o planejamento das ações em saúde e o avanço da Estratégia pelo Fim da Tuberculose. O objetivo deste estudo foi identificar aglomerados espaciais e espaço-temporais de risco para a ocorrência da TB e caracterizá-los segundo a vulnerabilidade social em um município endêmico na região Sudeste do Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico misto (geográfico e temporal),8 em que a unidade de análise utilizada foram os setores censitários da zona urbana do município de São Carlos, cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo, Sudeste do Brasil.
Localizado na região centro-leste do estado (Figura 1), especificamente nas coordenadas 22° 1¢ 4² latitude Sul e 47° 53¢ 27² latitude Oeste, São Carlos possuía uma área territorial total de 1.136,907km², altitude média de 856 metros, densidade demográfica de 195,15 habitantes/km² e população residente de 221.950 habitantes em 2010. No que concerne aos aspectos socioeconômicos, o município apresentava um índice de Gini de 0,63, índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,805 e produto interno bruto de R$6.712.498,00 para o mesmo ano de 2010.9
Foram incluídos no estudo todos os casos de TB registrados no sistema de controle de pacientes com tuberculose do estado de São Paulo (TB-WEB) no período de 1º de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2013, residentes do município. Os dados do estudo, extraídos do livro de registros ambulatoriais centralizado no Programa Municipal de Controle de Tuberculose, foram checados no sistema de informações TB-WEB, identificando-se o mesmo número de casos em ambos meios de registro. Foram excluídos os casos com endereço inespecífico, duplicidades, pessoas em situação de rua ou sem endereço registrado no TB-WEB e residentes na área rural do município.
Inicialmente, procedeu-se a geocodificação dos casos de TB com o auxílio do software TerraView versão 4.2.2. Os endereços dos casos residentes na zona urbana de São Carlos foram padronizados de acordo com um mapa digital de segmento de logradouros StreetBase®, em projeção Latlong/WGS84, disponibilizado na extensão Shapefile, adquirido via empresa Imagem Soluções de Inteligência Geográfica. Essa padronização consistiu no processo manual de verificação e adequação de cada endereço cadastrado no TB-WEB, alcançando uma maior probabilidade e confiabilidade na geocodificação dos casos. Por meio desse processo de interpolação linear dos endereços com segmentos do logradouro correspondentes, obteve-se um padrão de pontos dos eventos sob análise.
Em seguida, foi utilizada a técnica de análise espacial denominada scan espacial, desenvolvida por Kulldorff e Nagarwalla,10 com o objetivo de localizar os aglomerados de risco presentes no município, espaço e espaço-tempo.
A base cartográfica dos 329 setores censitários de São Carlos foi obtida da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram excluídos das análises os 40 setores censitários referentes à zona rural, restando incluídos os 289 setores censitários pertencentes à zona urbana.11
Os setores censitários foram utilizados como unidade de análise, para detecção dos aglomerados espaciais e espaço-temporais dos casos de TB, pelo fato de contarem com o maior nível de desagregação populacional junto à sistemática de coleta de informações.4
Aglomerados de risco são identificados graficamente, por janelas circulares com raio variável ao redor dos centroides de cada setor censitário, para o qual é calculado o número esperado da ocorrência dentro do círculo. A região delimitada pela janela de análise, denominada de região z, pode constituir um aglomerado se o valor encontrado for maior ou menor que o esperado. Esse procedimento é realizado em todos os centroides sob análise.12
Para cada janela analisada, testa-se a hipótese nula (H0) frente à hipótese alternativa (H1) para a existência de um risco elevado do evento analisado, em comparação com a janela exterior. Destacando-se que H0 assume não haver aglomerado nas regiões ou áreas de São Carlos, ou seja, todos os indivíduos da população possuem a mesma probabilidade de desenvolverem TB, H1 assume que a região z é um aglomerado, e que os indivíduos dessa determinada área teriam maior probabilidade de contrair a doença.
Para a análise, foi utilizado o software SaTScan 9.4 considerando-se o modelo discreto de Poisson, agrupamentos puramente espaciais e a incorporação do fator temporal, segundo o que os eventos são investigados no tempo e no espaço simultaneamente.13
Para os eventos puramente espaciais, foram adotadas as seguintes condições: não sobreposição geográfica dos aglomerados; tamanho máximo do aglomerado igual a 50% da população exposta; aglomerado com formato circular; e 999 replicações. No caso da análise espaço-temporal, foram considerados os mesmos parâmetros, aos quais foi acrescido o tamanho máximo do aglomerado temporal igual a 50% do período de estudo, unidade de tempo em anos e período de 2008 a 2013.
Ambas análises foram realizadas com ajuste de covariáveis, estas determinadas pelo sexo e distribuição etária categorizada de acordo com a mediana da idade dos sujeitos da pesquisa. Outros aspectos, igualmente capazes de influenciar no modelo de probabilidade de Poisson, foram controlados pelo tamanho da população nos setores censitários e ocorrência de altos e baixos valores do risco relativo (RR). O teste de significância dos aglomerados identificados baseou-se na comparação entre as estatísticas de teste de razão de verossimilhança e uma distribuição nula, obtida de acordo com as 999 simulações de Monte Carlo.10
É válido ressaltar que os modelos de Poisson e de permutação no espaço-tempo permitem o ajuste por múltiplas covariáveis categóricas, em que o número de casos esperados para cada área sob a hipótese nula é calculado usando-se a padronização indireta.10
O RR dos aglomerados identificados possibilita a comparação das informações em áreas dessemelhantes, pois estas são padronizadas de tal forma que se retiram os efeitos das diferentes populações, indicando-se assim a intensidade de ocorrência do fenômeno sob análise em toda a área do estudo.14 Esse cálculo é realizado pela seguinte fórmula matemática:
Sendo:
c = número de casos observados dentro do cluster.
C = número total de casos no conjunto de dados.
E[c] = número de casos esperados ajustado por covariáveis dentro da janela sob a hipótese nula.
Os valores resultantes desse cálculo foram nomeados como de alto risco para TB quando o RR do cluster se apresentou maior que um (RR>1), e de baixo risco para TB quando menor que um (RR<1).
Para os aglomerados estatisticamente significativos, adotou-se p<0,05 e foi estimado o intervalo de confiança de 95% (IC95%).15 Também foram construídos mapas temáticos contendo os RR dos aglomerados de riscos identificados no scan espacial, com o auxílio do software ArcGIS 10.1.
Para descrever a vulnerabilidade social dos aglomerados encontrados, foram utilizados dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) referentes ao Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) para o ano de 2010. Esse índice classifica os setores censitários a partir de uma combinação entre as dimensões demográfica e socioeconômica, e identifica os fatores específicos que produzem a deterioração das condições de vida em uma comunidade, auxiliando na definição de prioridades para o atendimento da população mais vulnerável.15
O IPVS incorpora os seguintes indicadores: número de habitantes; rendimento nominal médio dos domicílios; idade média dos responsáveis pelos domicílios; e porcentagem de chefes de domicílio com menos de 30 anos de idade, mulheres chefes de domicílio com menos de 30 anos e a parcela de crianças com menos de seis anos, sobre o denominador do total de habitantes de cada um desses segmentos.
Assim, os setores censitários podem ser caracterizados da seguinte forma:
Grupo 1 - baixíssima vulnerabilidade
Grupo 2 - vulnerabilidade muito baixa
Grupo 3 - vulnerabilidade baixa
Grupo 4 - vulnerabilidade média
Grupo 5 - vulnerabilidade alta
Grupo 6 - vulnerabilidade muito alta
Grupo 7 - vulnerabilidade altíssima
As características desses grupos são descritas na Tabela 1 do Material Suplementar.15 A relação entre vulnerabilidade social e TB tem sido evidenciada na literatura como coerente com os indicadores contemplados na metodologia de construção do IPVS.16
A partir desses dados, foi elaborado um mapa temático com a classificação dos setores censitários por grupos de classificação do IPVS, para comparação com as análises espaciais e espaço-temporais realizadas anteriormente.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos sob o Parecer no 483.596, em 9 de dezembro de 2013.
Resultados
Foram notificados, em ambos meios de registro (livro de registro ambulatorial e TB-WEB), 315 casos de TB no município de São Carlos entre 2008 e 2013; no entanto, apenas 290 (92%) foram geocodificados e considerados pelo estudo. Mesmo com a certificação das informações nos meios de registro do município, 24 casos (7,6%) foram excluídos por não apresentarem endereço, podendo ser caracterizados como pessoas em situação de rua; mais um caso (0,4%) foi excluído, por não apresentar endereço completo em ambos os meios de registro.
Foram observados 224 casos do sexo masculino (71%). A mediana da idade dos casos foi de 40 anos. Ao se observar a Figura 2, denota-se uma distribuição com padrão próximo da homogeneidade; porém, ao se aplicar o scan espacial, foi possível detectar três aglomerados estatisticamente significantes, e no scan espaço-temporal, dois aglomerados estatisticamente significativos (Figura 3). Na Tabela 2, são apresentadas as características desses aglomerados.

Figura 2 - Casos de tuberculose geocodificados por setores censitários do município de São Carlos-SP, 2008 - 2013

Figura 3 - Aglomerados espaciais e espaço-temporais dos casos de tuberculose, controlados pela população dos setores censitários e por sua distribuição de sexo e idade, no município de São Carlos-SP, 2008 - 2013
Tabela 2 - Características dos aglomerados estatisticamente significativos quanto ao risco para tuberculose, de acordo com o scan espacial e o scan espaço-temporal, no município de São Carlos-SP, 2008 - 2013

Os setores censitários que compuseram os aglomerados de risco puramente espaciais são provenientes dos bairros Vila Isabel e Vila Morumbi, localizados na região sudeste do município, e do bairro Jardim Centenário, este na região noroeste de São Carlos.
Em contrapartida, a presente análise resultou em um aglomerado de baixo risco relativo para TB, sendo estes setores censitários porções dos bairros Vila Prado, Vila Boa Vista, Vila Carmem e Jardim Beatriz, localizados na região sudoeste do município. Essas localidades apresentaram taxa de incidência abaixo da média, ou seja, o número de casos no espaço foi inferior ao de qualquer outra região no município, constituindo áreas de proteção para a infecção por TB.
Os indicadores de vulnerabilidade social dos aglomerados encontrados e do restante do município são apresentados na Figura 4. Apesar de as análises terem abordagens distintas, os resultados da análise espacial alinharam-se aos achados da análise espaço-temporal: os setores censitários dos aglomerados espaciais repetiram-se na espaço-temporal, modificando apenas sua classificação perante o RR.

Figura 4 - Distribuição espacial e descrição de Grupos dos Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) dos aglo merados espaciais e espaço-temporais segundo setores censitários do município de São Carlos-SP, 2010
Ao analisar a Figura 4, pôde-se identificar nítida diferença entre as regiões de alto e baixo risco, tendo-se que na área de proteção - Cluster 3 -, observou-se uma predominância de setores censitários classificados como de vulnerabilidade muito baixa (IPVS 2). Entretanto, nas áreas de alto risco - Clusters 1 e 2 -, encontrou-se um setor com média vulnerabilidade (IPVS 4) a ocupar a maior parte territorial destes clusters. De acordo com dados da Fundação SEADE, que utilizou critérios para formulação do IPVS, o município em estudo não apresentou áreas de vulnerabilidade muito alta (IPVS 6).
Discussão
Foram identificados três aglomerados espaciais e dois espaço-temporais de risco para a ocorrência de casos de TB no município de São Carlos, no período entre 2008 e 2013.
Dos casos levantados, 90% foram geocodificados, o que é satisfatório; essa proporção elevada indica boa completude e qualidade das informações registradas no TB-WEB sobre os endereços dos casos notificados nos sistemas de informações em saúde.17 Ademais, o cruzamento dos dados contidos nos livros de registros e no sistema de informações permitiu verificar que todos os casos de TB foram notificados no TB-WEB.
Na aplicação da técnica de scan espacial, foi possível observar a formação dos aglomerados de risco, tanto no espaço como no espaço-tempo. O scan de tipo puramente espacial apresentou dois aglomerados de alto risco no período analisado, inclusive com taxas de incidência excessivamente superiores à média nacional. Nesses locais, interessaria uma investigação mais aprofundada para identificar possíveis fatores associados à incidência e detecção da TB.
Importante salientar que as áreas de baixo risco para a ocorrência de TB precisam ser analisadas com a devida cautela, porque podem ser resultado de uma subnotificação dos casos da doença, fenômeno ainda comum no Brasil e que demanda resposta na forma de investimento em vigilância.18
Corroborando a análise de scan puramente espacial, a análise de tipo espaço-temporal apresentou aglomerados com risco para o adoecimento por TB nos mesmos bairros. Ressalta-se que as regiões que apresentaram maior risco para adoecimento são também aquelas com maior densidade demográfica, além de possuírem uma grande variação das características populacionais e de ocupação urbana.19 Contrariamente ao próprio crescimento e desenvolvimento econômico do município, essas áreas se encontram em vulnerabilidade social.20
O município de São Carlos, assim como outros polos industriais do Brasil, sofreu expressiva urbanização em suas regiões periféricas.21 Parcela significativa desse crescimento ocorreu na forma de loteamentos de padrão precário e concentrados na população de baixa renda, nos setores sudeste e sul do município.19
Nas regiões noroeste e norte de São Carlos, a tendência de ocupação foi heterogênea, consubstanciando segmentos de todas as classes sociais.19 Um exemplo desse fenômeno é o bairro Jardim Centenário, fixado na região noroeste do município: um aglomerado de alto risco para a ocorrência de TB, caracterizado como de baixa renda, com moradores cuja faixa salarial se limita entre 0 e 3 salários mínimos.22
As regiões nas quais existem aglomerados de alto risco para TB foram caracterizadas, em sua maior parte, como de vulnerabilidade média (IPVS 4), podendo refletir a desigualdade social e espacial urbana demonstrada por estudos realizados em outros cenários, nos quais áreas e grupos populacionais em situação socioeconômica menos satisfatória apresentam mais problemas de saúde que aqueles em melhores condições de vida.23
Vale ressaltar que o município de São Carlos é considerado um polo de alta tecnologia, referência para o estado de São Paulo, apresentando IDH, índice de Gini e incidência da pobreza melhores que a média estadual, o que pode explicar a ausência de setores censitários classificados como de vulnerabilidade muito alta (IPVS 6).9
Observa-se, na parte sul do município, a ocorrência de casos de TB e uma quantidade importante de setores censitários com IPVS 5, retratando vulnerabilidade alta; porém, não se observou a formação de aglomerados nessa região, mesmo com evidências de vulnerabilidade, o que levanta a suspeita de fragilidade dos serviços para identificar os casos de TB, gerando possíveis subnotificações.18 Diversos estudos4,24 sugerem relação entre TB e vulnerabilidade social extrema. Contudo, o presente trabalho não confirmou tal resultado, haja vista a própria característica dos municípios paulistas, de nível elevado de riqueza e bons indicadores sociais; trata-se de uma situação socioeconômica que, todavia, não possibilitou eliminar a TB no contexto analisado, de evidentes áreas de risco para a infecção, provavelmente afetadas por iniquidades nas oportunidades sociais e no acesso aos serviços de saúde.
Enquanto autores apontam relação inversamente proporcional entre iniquidades sociais e situações de saúde, principalmente no quesito ‘doenças negligenciadas’, caso da tuberculose, melhorias nas condições de vida de populações em situações de vulnerabilidade social refletem-se em mudanças positivas de seu padrão de saúde.24
De acordo com Santos Neto,25 populações vivendo em áreas com privação de saneamento básico ou sem moradia digna tendem a vivenciar serviços de saúde com baixa resolutividade, limitações na oferta desses serviços e falta de capacitação de seus profissionais em dispor atendimento de qualidade. Embora o estudo não tenha por objetivo avaliar o acesso aos serviços de saúde, vale destacar que a distribuição heterogênea dos riscos para TB poderia ser influenciada tanto pela localização desses serviços como pela qualidade com que são ofertados às populações de sua abrangência.
As ações de controle da TB devem focar seus esforços em regiões de maior risco. Como demonstraram Downdy et al. (2012),26 a redução da ocorrência de casos nessas populações provocaria uma queda considerável na incidência da doença em todo o município. Além disso, alguns autores destacam a importância do fortalecimento e reestruturação das atividades de controle da TB pela Atenção Primária à Saúde, favorecendo ações que integrem o diagnóstico precoce e um tratamento de qualidade, com vistas à redução do risco de transmissão da doença, ações essas baseadas na atuação de serviços de saúde geograficamente próximos ao paciente e sua comunidade.
Pesquisas envolvendo a incidência de casos de TB com a análise de aglomerados vêm demonstrando proficuidade na compreensão da dinâmica da TB nas zonas urbanas.27 A distribuição não aleatória dos casos no município de São Carlos, inclusive com a formação dos aglomerados em determinadas regiões, sugere uma relação da doença com o espaço urbano.
Uma sugestiva relação com aspectos sociais e ambientais, próprios de um determinado espaço geográfico, revela a importância de pesquisas em que se relacionam dados de saúde, presentes em sistemas de informações em saúde, com dados ambientais e sociais incorporados em um sistema de informação geográfica,28 no sentido de assimilar os possíveis determinantes da TB.
Como limitações para esta pesquisa, destaca-se que em estudos ecológicos, os resultados identificados não podem ser interpretados no plano individual. Além do que, indivíduos podem contrair a doença em localidades diferentes daquela onde residem, trazendo à luz a importância dos estudos longitudinais e prospectivos. Outrossim, a aquisição de informações por intermédio de dados secundários levanta a possibilidade da existência de subnotificações em áreas de baixo risco e erros nas informações referentes ao endereço dos casos, o que pode gerar algum viés nos resultados desta investigação e sua análise.
Indubitavelmente, as estatísticas de scan espacial e espaço-temporal contribuíram para expor o cenário da TB em São Carlos e a presença de áreas geográficas do município mais suscetíveis ao adoecimento, necessitadas de ações específicas para o controle da doença.29 A proposta de identificar os aglomerados de risco para tuberculose e caracterizá-los segundo a vulnerabilidade social ao adoecimento fortalece o enfrentamento da TB e o alcance das metas estabelecidas na Estratégia pelo Fim da TB, pois subsidia o fortalecimento dos serviços de saúde e as ações de cuidado e prevenção da doença entre os indivíduos a partir da detecção precoce dos casos em locais-fontes de infecção.30
Por fim, são necessários novos estudos com delineamentos analíticos capazes de verificar, com maior fidedignidade, possíveis associações entre as áreas de maior risco para o adoecimento por tuberculose, fatores socioeconômicos e características dos serviços de saúde no município de São Carlos.