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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.26 n.3 Brasília jul./set. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000300011 

ARTIGO ORIGINAL

Registros de cardiopatia congênita em crianças menores de um ano nos sistemas de informações sobre nascimento, internação e óbito do estado do Rio de Janeiro, 2006-2010*

Records of congenital heart disease in infants under one year in information systems on birth, hospitalization and death in Rio de Janeiro State, Brazil, 2006-2010

Registros de defectos congénitos del corazón en niños menores de un año en los sistemas de información sobre nacimiento, internación y muerte en el estado de Río de Janeiro, Brasil, 2006-2010

Camilla Ferreira Catarino1  , Maria Auxiliadora de Souza M. Gomes2  , Saint Clair dos Santos Gomes2  , Cynthia Magluta2 

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Puericultura e Pediatria ‘Martagão Gesteira’, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

2Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente ‘Fernandes Figueira’, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Resumo

OBJETIVO:

descrever a ocorrência de casos de cardiopatia congênita em menores de um ano de vida registrados nos sistemas de informações em saúde do estado do Rio de Janeiro no período de 2006 a 2010.

MÉTODOS:

estudo descritivo, com dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

RESULTADOS:

foram encontrados 345 registros no Sinasc, 1.089 crianças internadas (SIH/SUS) e 1.121 óbitos de menores de um ano tendo como causa básica cardiopatia congênita (SIM); a prevalência de cardiopatias congênitas foi de 3,18/10 mil nascidos vivos; as cardiopatias foram as principais causas de óbito no grupo das malformações congênitas, com coeficiente de mortalidade de 1,03/1.000 nascidos vivos.

CONCLUSÃO:

houve sub-registro de casos de cardiopatia congênita no Sinasc, demonstrando a dificuldade do diagnóstico precoce.

Palavras-chave: Cardiopatias Congênitas; Sistemas de Informações; Mortalidade Infantil; Epidemiologia Descritiva

Abstract

OBJECTIVE:

to describe the occurrence of cases of congenital heart disease in infants under one year recorded in health information systems of Rio de Janeiro State, from 2006 to 2010.

METHODS:

descriptive study with data from the Information System on Live Births (Sinasc), Hospital Information System of the Brazilian National Health System (SIH/SUS) and Mortality Information System (SIM).

RESULTS:

a total of 345 records were found on Sinasc, there were 1,089 hospitalized children (SIH/SUS) and 1,121 deaths (SIM) of children under one year of age whose underlying cause was congenital heart disease; the prevalence of congenital heart disease was 3.18/10,000 live births; heart diseases were the main causes of death in the group of congenital malformations, with a mortality coefficient of 1.03/1,000 live births.

CONCLUSION:

there was underreporting of cases of congenital heart disease on Sinasc, demonstrating the difficulty of early diagnosis.

Keywords: Heart Defects, Congenital; Information Systems; Infant Mortality; Epidemiology, Descriptive

Resumen

OBJETIVO:

describir la incidencia de cardiopatías congénitas en niños menores de un año registradas en los sistemas de información sanitaria del estado de Río de Janeiro, entre 2006 y 2010.

MÉTODOS:

estudio descriptivo con datos del Sistema de Información de nacidos vivos (Sinasc), Sistema de Información Hospitalaria del Sistema Único de Salud (SIH/SUS) y el Sistema de Información sobre Mortalidad (SIM).

RESULTADOS:

345 registros encontrados en el Sinasc, 1.089 niños hospitalizados (SIH/SUS) y 1.121 muertes de niños menores de un año con cardiopatía congénita por causa subyacente (SIM); la prevalencia de defectos congénitos del corazón fue de 3,18/10.000 nacidos vivos; las enfermedades del corazón son las principales causas de muerte en el grupo con malformaciones congénitas, con una tasa de mortalidad de 1,03/1.000 nacidos vivos.

CONCLUSIÓN:

hubo subregistro de casos de cardiopatías congénitas en el Sinasc, lo que demuestra la dificultad del diagnóstico precoz.

Palabras-claves: Cardiopatías Congénitas; Sistemas de Información; Mortalidad Infantil; Epidemiología Descriptiva

Introdução

As malformações congênitas representam a segunda principal causa de mortalidade em menores de um ano de idade, sendo as cardiopatias congênitas (CC) as mais frequentes e com alta mortalidade no primeiro ano de vida.1-4 A frequência desses eventos em muitos países, especialmente da América Latina,5 ainda é pouco precisa e os estudos existentes são realizados em centros de referência no tratamento da doença, o que pode acarretar uma superestimação dos dados, não retratando sua real frequência na população.3,6,7

A utilização de bancos de dados oficiais específicos para o registro das cardiopatias congênitas tem sido uma estratégia de países europeus para obtenção de estimativas mais confiáveis.8,9

No Brasil, os registros das cardiopatias congênitas no Sistema Único de Saúde (SUS) podem ser localizados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), sistemas de informações em saúde de caráter nacional, que registram dados relativos às características de nascimento, de assistência à saúde e de mortalidade, respectivamente.

A geração de informação específica para cardiopatias congênitas no SUS, sobretudo para aquelas que não são facilmente identificáveis no momento do nascimento, demanda uma análise conjunta dos dados do Sinasc, do SIH/SUS (caso tenham ocorrido procedimentos que necessitaram assistência hospitalar, como cirurgia, internação em unidade de tratamento intensivo (UTI) neonatal e outras) e do SIM (caso o recém-nascido venha a óbito após o nascimento).

Para a realização da presente análise conjunta, é mister a criação de um novo conjunto de dados, reunindo os registros de nascimento, assistência à saúde e mortalidade de um mesmo paciente. A criação desse novo conjunto é seguida de uma série de etapas, entre as quais se destaca a análise exploratória de cada uma das bases individualmente, com o objetivo de examinar seus dados, possibilitando a identificação de padrões e tendências, e o levantamento de hipóteses de sub-registro ou relações entre as variáveis.

A escassez de estudos que utilizam dados oficiais a respeito das cardiopatias congênitas no SUS levou à elaboração deste estudo. O conhecimento sobre o preenchimento dessas informações favorece a obtenção de indicadores relacionados à prevalência de casos, boas práticas assistenciais e desfechos específicos, como o óbito. Dispor dessas informações viabiliza, por exemplo, o planejamento de políticas públicas direcionadas a esse grupo de crianças, além da própria relevância da investigação, não só acadêmica mas, sobretudo, para uma melhor prática dos serviços de saúde.

Este estudo teve como objetivo descrever a ocorrência de casos de cardiopatia congênita em menores de um ano de idade registrados nos sistemas de informações em saúde do estado do Rio de Janeiro, Brasil, no período de 2006 a 2010.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo dos casos de cardiopatia congênita entre nascidos vivos no estado do Rio de Janeiro.

O estado possui 92 municípios e ocupa uma área territorial de 43.780,172km², na região Sudeste do Brasil. De acordo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2016, a população fluminense estimada era de 16.635.996 habitantes. Em 2015, o valor de rendimento nominal mensal per capita dos domicílios particulares permanentes era de R$1.285,00. Em 2009, o estado contava com 2.356 estabelecimentos de saúde do Sistema Único de Saúde dedicados a assistir sua população.10 No ano de 2014, foram registrados 233.584 nascimentos no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).11

As fontes de dados do estudo, além do Sinasc, foram o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).

O Sinasc tem como documento base a Declaração de Nascido Vivo (DNV), um instrumento padronizado e impresso em sequência numérica única, constituído de três vias autocopiativas. O SIM tem como documento base a Declaração de Óbito (DO). Já o SIH/SUS é um banco de internação hospitalar destinado ao pagamento de procedimentos realizados no SUS, a partir do preenchimento da Autorização da Internação Hospitalar (AIH-SUS).

Para o presente estudo, os registros foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão:

  1. Da base de dados do Sinasc, foram incluídos todos os registros de recém-nascidos com data de nascimento entre 01/01/2006 e 31/12/2010 e com registro, no campo 41 da DNV, dos códigos Q20.0 e Q28.9 da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), códigos esses referentes às malformações do aparelho cardiovascular. Após essa triagem, foram selecionadas apenas as variáveis pertinentes ao estudo, a saber: sexo; Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) onde ocorreu o nascimento; e código da CID-10 registrado no campo 41 da DNV.

  2. Na base do SIM, foram identificados todos os registros de óbitos de crianças nascidas no período de 01/01/2006 a 31/12/2010 e que morreram com menos de um ano de vida; no caso dos nascimentos ocorridos em 2010, observou-se o possível desfecho por óbito no ano seguinte e com até 11 meses e 29 dias de vida. Outro critério importante foi a presença da causa básica do óbito classificada com um dos códigos do intervalo de Q20.0 a Q28.9 da CID-10. Após essa seleção, foram mantidas no banco as seguintes variáveis: sexo; CNES do local de ocorrência do óbito; e idade no momento do óbito.

  3. Na base do SIH/SUS, foram analisados todos os registros de internação de crianças menores de um ano de idade, nascidas entre 01/01/2006 e 31/12/2010 e com diagnóstico principal identificado entre os códigos Q20.0 e Q28.9 da CID-10. Após o processo de seleção, foram mantidas no banco de dados as seguintes variáveis: sexo; número de internações por criança; idade; realização ou não de procedimento cirúrgico; e unidade hospitalar onde ocorreu a internação.

Os múltiplos registros e internações de uma mesma criança no SIH/SUS foram agrupados em um único registro. Para tanto, houve uma etapa prévia de padronização dos nomes das crianças, das mães (quando disponíveis) e dos responsáveis pela internação, constituída de ajustes nesses nomes para que apresentassem o mesmo esquema fonético. Logo, foram organizados os campos na seguinte ordem: nome da criança; data de nascimento; nome da mãe; e nome do responsável. Os campos que apresentaram registros coincidentes foram agrupados em um único registro, agora por criança.

Com base no SIM e no Sinasc, foram calculados os coeficientes de mortalidade neonatal precoce, neonatal e pós-neonatal, e o coeficiente de mortalidade infantil por cardiopatia congênita - CC. Os tipos de coeficientes foram calculados com base nas orientações presentes no Manual de Vigilância do Óbito Infantil e Fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal, publicado pelo Ministério da Saúde:12

  1. Coeficiente de mortalidade neonatal precoce - número de óbitos de 0 a 6 dias de vida completos, por 1000 nascidos vivos, na população residente no local e ano considerado.

  2. Coeficiente de mortalidade neonatal tardia - número de óbitos de 7 a 27 dias de vida completos, por 1000 nascidos vivos, na população residente no local e ano considerado.

  3. Coeficiente de mortalidade pós-neonatal - número de óbitos de 28 a 364 dias de vida completos, por 1000 nascidos vivos, na população residente no local e ano considerado.

O tratamento e a análise dos dados foram realizados com o apoio dos softwares Epi info e Excel 2010.

As bases supracitadas, bem como as informações de identificação, foram disponibilizadas pela Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SESDEC/RJ), mediante assinatura de um Termo de Consentimento fornecido pela própria SESDEC, e outro, assinado pelos autores do presente estudo, responsabilizando-se pela utilização sigilosa dos dados. Nestas condições, o projeto do estudo recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Nacional de Saúde da Criança, da Mulher e do Adolescente ‘Fernandes Figueira’, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz - CAAE no 32353314.3.0000.5269, em 19 de maio de 2014 -, uma vez que contempla as normas estabelecidas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012,13 que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

De 2006 a 2010, foram identificados no banco de dados do Sinasc 1.086.139 nascidos vivos no estado do Rio de Janeiro, 8.021 com registro de alguma malformação congênita; entre estes, 345 (4,3%) tinham cardiopatia congênita, representando uma frequência de 3,18/10 mil nascidos vivos. E neste grupo, 42,3% eram meninas, 56,4% meninos e 1,3% tinham registro ignorado em relação ao sexo. Na Figura 1, observa-se a prevalência de CC ao longo dos cinco anos.

Figura 1 - Série temporal da prevalência das cardiopatias congênitas de acordo com os registros encontrados no Sinasc,a segundo o ano de nascimento, Rio de Janeiro, 2006-2010 

No SIH/SUS, foram encontrados 1.089 registros de internações de crianças menores de um ano de vida cujo diagnóstico principal era malformação congênita. Desse total, 51,3% eram meninas e 48,7% meninos. A maioria apresentou apenas registro de uma internação (83,1%). A mediana de idade na primeira internação foi de 23 dias; 34,8% (n=380) das crianças internadas foram submetidas a algum procedimento cirúrgico na primeira internação.

No período estudado, ocorreram no estado do Rio de Janeiro 15.332 óbitos em menores de um ano, dos quais 2.873 com registro de algum tipo de malformação congênita. Destes, 1.121 (39%) tinham algum tipo de CC registrada. Em relação ao sexo, 42,7% eram meninas, 56,7% meninos e 0,6% apresentavam esse registro ignorado, sendo a mediana de idade desses casos situada em 22 dias.

Quanto ao coeficiente de mortalidade, o componente neonatal, composto por neonatal precoce e neonatal tardio, teve maior destaque (Tabela 1).

Tabela 1 - Número de óbitos e coeficiente de mortalidade neonatal precoce, neonatal tardia, pós-natal e infantil por cardiopatias congênitas, Rio de Janeiro, 2006-2010 

a) Cálculo realizado com base no número de nascidos vivos no período: 1.086.139.

Na investigação sobre o local do nascimento e o do óbito, observou-se que a maior fração dos registros - 31,3% dos nascimentos e 35,4% dos óbitos - ocorreu em instituições privadas, filantrópicas ou conveniadas com o SUS, seguidas por unidades das Secretarias Municipais de Saúde - 30,7% dos nascimentos e 26,8%, dos óbitos, segundo os respectivos sistemas de informações. As internações ocorreram, majoritariamente, em unidades do Ministério da Saúde: 54,8% (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição do local de ocorrência do nascimento, do óbito e da internação por cardiopatias congênitas, Rio de Janeiro, 2006-2010 

a) Sinasc: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

b) SIM: Sistema de Informações sobre Mortalidade.

c) SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde.

d) Este item corresponde apenas aos sistemas de informações sobre nascimento (Sinasc) e óbito (SIM); o SIH/SUS é um sistema destinado ao pagamento de procedimentos do Sistema Único de Saúde, ou seja, inclui somente as instituições privadas, caso estas sejam conveniadas com o SUS.

Em relação aos principais diagnósticos encontrados nas três bases, o código Q24.9 da CID-10, referente a outras malformações congênitas do coração, foi o mais presente. Outro dado importante referia-se ao registro de coarctação da aorta no Sinasc e no SIH/SUS, mais frequente no sistema de internação que no de nascimento (Figura 2).

Figura 2 - Distribuição dos principais diagnósticos de cardiopatias congênitasa por sistemas de informações em saúde, Rio de Janeiro, 2006-2010 

Discussão

De acordo com os registros encontrados nos três sistemas de informações em saúde, observa-se um sub-registro importante no Sinasc, especialmente quando comparado ao SIM, o qual teve, no mesmo período, 1.121 registros de causa óbito por cardiopatia congênita. O achado pode estar associado à dificuldade do diagnóstico no pré-natal e/ou horas depois do nascimento, principalmente nos casos de cardiopatias menos graves.

Um estudo realizado em 2008, com o objetivo de avaliar a confiabilidade do campo 41 da DNV em 24 maternidades no município do Rio de Janeiro, identificou um percentual de concordância para o aparelho cardiovascular de 41,2%. Este resultado demonstra a dificuldade da inclusão do registro na DNV.14

Uma revisão de literatura, elaborada pelo Departamento de Cardiologia e Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, apontou um resultado semelhante quanto a esse sub-registro: seus autores identificaram que 30% dos recém-nascidos com CC recebem alta hospitalar sem o diagnóstico, evoluindo para choque, hipóxia e óbito precoce antes de receberem o tratamento adequado.15

Por esse motivo, em 2014, o Ministério da Saúde, junto com sua Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, publicou a Portaria MS/SCTIE nº 20, de 10 de março de 2014, que incorporou o uso da oximetria de pulso (teste do coraçãozinho na triagem neonatal) visando aumentar o número de diagnósticos. Embora a sensibilidade do teste seja de 75%, sua especificidade é de 99%, ou seja: somado ao exame físico detalhado do recém-nascido, o teste do coraçãozinho pode ser um caminho importante para o diagnóstico precoce das CC.16,17

Poucos estudos nacionais propuseram-se a estimar a frequência específica desses agravos. Ao realizar uma busca nas bases de dados de artigos científicos, foram encontrados quatro manuscritos.3,5,6,18 Dois deles foram elaborados a partir dos dados do Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC):3,5 o primeiro,3 realizado em Recife no ano de 2008, apresentou uma prevalência de 9,5/1000 nascidos vivos; o segundo,5 realizado no Nordeste brasileiro em 2014, encontrou uma prevalência de 4,09/1000 nascidos vivos.

Guitti6 estimou a prevalência de CC no município de Londrina, estado do Paraná. Embora seja um estudo antigo, publicado no ano 2000, é o único que estima para a população geral a prevalência de 5,5/1000 nascidos vivos. Outro estudo desenvolvido no Brasil,18 em 2015, tentou estimar a prevalência mediante uma aproximação entre os dados da literatura e registros nacionais, obtendo uma prevalência e 9/1000 nascidos vivos.

Em relação aos estudos internacionais, um trabalho realizado na Europa, cujos dados foram extraídos de fontes de países integrantes da European Registration of Congenital Anomalies and Twins (EUROCAT), demonstrou uma frequência de CC de 50 por 10 mil nascidos em 1990, elevada para 70 por 10 mil em 2004. Vale destacar que a EUROCAT apresenta registros não apenas de nascidos vivos com malformações, senão também dos óbitos fetais com mais de 20 semanas de gestação e das gravidezes interrompidas por abrigarem fetos com malformação congênita.8

Estudo realizado na cidade de Atlanta, Georgia (EUA), com dados do sistema de vigilância de base populacional para as malformações congênitas estruturais, malformações cromossômicas e síndromes clínicas, criado pelos Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América (CDC/USA), identificou uma frequência de 81,4 crianças com CC para cada 10 mil nascidos vivos no período de 1998 a 2005.9 Sobre os óbitos, os resultados do estudo norte-americano comprovaram a gravidade das CC e seu impacto na mortalidade infantil.

Ao comparar os resultados da prevalência dos quatro estudos realizados na América Latina com os dois citados posteriormente - um europeu e outro norte-americano -, pode-se observar que na América Latina, a prevalência situa-se em torno de 5 a 9 casos/1000 nascidos vivos, semelhante à da Europa que, em 14 anos, variou entre 5 e 7 casos/1000 nascidos vivos, e à de Atlanta, de 8 casos/1000 nascidos vivos, ainda que as duas últimas contabilizassem o número de abortos e mortes fetais. Entretanto, para a estimação da prevalência das CC, há de se considerar que o Sinasc mostrou não ser a melhor fonte dessa informação.

Um estudo sobre mortalidade em crianças com malformações congênitas no México, realizado sobre um período de cinco anos (1998-2006), também identificou as cardiopatias congênitas como a principal causa de mortalidade entre as demais malformações.19 Uma pesquisa realizada no estado de Pernambuco avaliou a frequência dos óbitos das malformações congênitas no SIM por dez anos; seus autores demonstraram que as cardiopatias foram as malformações mais frequentes, representando 41% dos óbitos.2

Ao avaliar o coeficiente de mortalidade infantil no presente estudo, de 1,03 óbitos para cada 1000 nascidos vivos, identificou-se que o peso do coeficiente neonatal corresponde a cerca de metade do coeficiente (0,55 óbitos para cada 1000 nascidos vivos). Trata-se de um resultado esperado, já que o componente neonatal é o de maior impacto na mortalidade infantil por malformações congênitas.20

Sobre os diagnósticos mais frequentes nos registros dos três sistemas de informações, observou-se que as malformações não específicas do coração (Q 24.9) foram a causa mais frequente. Este resultado pode estar atrelado a diversas causas, tais como dificuldades para realizar o diagnóstico, desconhecimento e ausência de rotinas.

Há de se destacar que a prevalência da coarctação de aorta foi mais baixa no Sinasc que no SIH/SUS. Este fato é relevante, uma vez que essa malformação é facilmente detectável pelo exame físico neonatal após o nascimento21 e, portanto, pode demostrar falha na formação profissional de pediatras que atuam em salas de parto.

Sobre os nascimentos com CC, a maioria deles ocorreu na rede pública de saúde: 68,7% das ocorrências. Observou-se, ademais, que 29,2% desses nascimentos, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, aconteceram em unidades hospitalares sob gestão municipal. As maternidades da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro foram os principais locais desses nascimentos (76%).

Considerando-se que esse conjunto de serviços municipais na capital é caracterizado por maternidades instaladas fora de hospitais gerais,22 ou seja, sem as especialidades pediátricas e recursos propedêuticos necessários aos casos de malformações, existe aqui um aspecto a ser revisto no planejamento da atenção à saúde dos menores de um ano de vida.

Na perspectiva de um sistema hierarquizado e uma atenção integral e resolutiva, seria mais adequado que essas crianças nascessem em locais com serviços especializados: maternidades apoiadas em hospitais gerais, onde recursos diagnósticos e terapêuticos especializados estão disponíveis. Para que isso ocorra, é necessário promover a melhoria na qualidade do acompanhamento pré-natal das gestantes, com aumento da oferta, pelo SUS, de exames pré-natais ultrassonográficos capazes de detectar a malformação precocemente, bem como a institucionalização do teste do coraçãozinho antes da alta da gestante e seu bebê, além de exame físico minucioso no recém-nascido.

Ao confrontar os resultados encontrados no Sinasc e no SIH/SUS, verificou-se que a maioria das internações ocorreu em unidades do Ministério da Saúde (54,8%), possivelmente pelo fato de o Instituto Nacional de Cardiologia ser uma unidade de referência para cardiopatia congênita, que, no presente estudo, representou 36% dos atendimentos ocorridos.

Como limitações deste estudo, há de se destacar (i) o uso de dados secundários para estimar a frequência das CC pelo Sinasc, em que se constatou importante subnotificação, e (ii) a qualidade do preenchimento da variável ‘diagnóstico’ nos sistemas de informações, visto que o código da CID-10 mais frequente foi o Q24.9, demonstrando pouca especificidade no preenchimento do campo específico na DNV.

Este trabalho possibilitou uma primeira descrição da situação da cardiopatia congênita em crianças no estado do Rio de Janeiro, a partir das bases de dados do Sinasc, SIH/SUS e SIM. Com isso, pretende-se incentivar a elaboração e desenvolvimento de outros estudos, para melhor compreensão dos aspectos clínicos e epidemiológicos característicos do grupo de crianças com malformações cardíacas. Indica-se, ainda, a necessidade de capacitação dos profissionais atuantes no cuidado neonatal, de modo que o diagnóstico seja definido mais rapidamente, de maneira a permitir melhor atuação assistencial, contribuindo para a melhoria da qualidade do registro, principalmente da variável 41 da DNV. Esse conhecimento é fundamental para a programação e planejamento da atenção à saúde, na perspectiva da melhoria do cuidado, redução de morbimortalidade e melhoria da qualidade de vida dessas crianças e suas famílias.

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*Manuscrito elaborado a partir de um recorte da dissertação de Mestrado em Ciências, sub-área da Saúde da Criança e da Mulher, de Camilla Ferreira Catarino, apresentada junto ao Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente ‘Fernandes Figueira’, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, no ano de 2014.

Recebido: 09 de Outubro de 2016; Aceito: 20 de Março de 2017

Correspondência: Camilla Ferreira Catarino - Avenida Marechal Rondon, nº 500, apto. 501, Bairro São Francisco Xavier, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 20950-004 E-mail: enfcamillacatarino@yahoo.com.br

Catarino CF, Gomes MASM e Gomes Júnior SCS colaboraram no desenho e coordenação do estudo, propuseram a análise de dados e redigiram a primeira versão do artigo. Magluta C colaborou no desenho e coordenação do estudo, análise de dados e revisão da versão final do artigo. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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