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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.26 no.4 Brasília dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000400008 

ARTIGO ORIGINAL

Perfil farmacoterapêutico dos usuários e gasto com medicamentos de alto custo em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 2014*

Perfil farmacoterapéutico de los usuarios y gasto en medicamentos de alto costo en São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 2014

Mariani Sopelsa1  , Fabiane Raquel Motter1  , Nêmora Tregnago Barcellos1  , Heloísa Marquardt Leite1  , Vera Maria Vieira Paniz1 

1Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, São Leopoldo-RS, Brasil

Resumo

OBJETIVO:

descrever o perfil farmacoterapêutico dos usuários do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) e mensurar os gastos com os medicamentos mais prevalentes e os mais onerosos.

MÉTODOS:

estudo descritivo, realizado no município de São Leopoldo-RS, Brasil; utilizaram-se dados secundários sobre solicitações de medicamentos deferidas em 2014 via processo administrativo; para avaliar os custos, foram consultadas as guias de remessa da Secretaria de Estado da Saúde/RS.

RESULTADOS:

foram incluídos 1.528 usuários, sobretudo mulheres (56,7%), e idade média de 52 anos (desvio-padrão=17,9); os diagnósticos mais frequentes foram asma alérgica (17,1%), doença renal crônica (11,5%) e artrite reumatoide (8,4%); o medicamento mais prevalente foi o fumarato de formoterol+budesonida (18,3%); o maior gasto total mensal entre os medicamentos mais prevalentes foi com alfaepoetina (R$37.922,34), e entre os mais onerosos, com infliximab (R$72.503,28).

CONCLUSÃO:

os dados apontam para a importância do CEAF no tratamento de alto custo de morbidades com elevada prevalência.

Palavras-chave: Uso de Medicamentos; Custos de Medicamentos; Doença Crônica; Assistência Farmacêutica; Epidemiologia Descritiva

Resumen

OBJETIVO:

describir el perfil farmacoterapéutico de usuarios del Programa de Asistencia Farmacéutica Especializada (CEAF), y medir los costos de los medicamentos más comunes y más costosos.

MÉTODOS:

estudio descriptivo realizado en São Leopoldo/RS, con datos secundarios sobre solicitudes de drogas diferidas en 2014 a través de procesos administrativos; para evaluar el costo, utilizamos las entregas de Secretaría Estatal de Salud/RS.

RESULTADOS:

se incluyeron 1.528 usuarios, la mayoría mujeres (56,7%), edad media 52 años (desviación estándar=17,9); los diagnósticos más frecuentes fueron asma alérgica (17,1%), enfermedad renal crónica (11,5%) y artritis reumatoide (8,4%); la droga más frecuente fue budesónida+formoterol fumarato (18,3%); el mayor gasto total mensual de los fármacos más prevalentes fue con alfaepoetina (R$37.922,34) y entre los más caros, con infliximab (R$72.503,28).

CONCLUSIÓN:

los datos señalan la importancia de este componente en el tratamiento de alto costo de morbilidad con altas prevalencias.

Palabras-clave: Utilización de Medicamentos; Costos de los Medicamentos; Enfermedad Crónica; Servicios Farmacéuticos; Epidemiología descriptiva

Introdução

No Brasil, a Política Nacional de Saúde (PNS) dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como sobre a organização e o funcionamento dos serviços, com base nos princípios da universalidade, equidade e integralidade da atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Como parte essencial da PNS, foi aprovada em 1998 a Política Nacional de Medicamentos, tendo como propósito garantir a segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção de seu uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. Entre as principais diretrizes dessa política, estão a adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e a reorientação da Assistência Farmacêutica (AF).1

A Rename vigente contempla o conjunto de medicamentos disponibilizados pelo SUS por meio dos componentes de financiamento da AF. O conceito ampliado da essencialidade visa à garantia da integralidade do tratamento medicamentoso. Já a reorientação da AF objetiva implementar atividades de promoção do acesso aos medicamentos essenciais, fundamentando-se na descentralização da gestão, na promoção do uso racional e na otimização e eficácia do sistema de distribuição no setor público.1

Ainda em consonância com as políticas de saúde, em 2004 foi aprovada a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, entendida como política pública norteadora para a formulação de políticas setoriais, tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao acesso e a seu uso racional, bem como à descentralização das ações.2 Atualmente, a forma de financiamento da AF é dividida em: Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), contemplando medicamentos no âmbito da atenção básica; Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF), destinado ao financiamento de medicamentos para doenças transmissíveis e/ou de alto impacto para a saúde, como aids e tuberculose, entre outras; e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF),3 objeto deste estudo.

O CEAF é uma importante estratégia que visa garantir o acesso a medicamentos no âmbito do SUS para o tratamento de doenças, tanto raras quanto de alta prevalência, desde que com indicação de uso de medicamentos com elevado custo unitário ou que, pela cronicidade do tratamento, tornam-se excessivamente caros. O grande desafio da política de acesso a medicamentos em relação a este Componente, que tem o número de usuários ampliado a cada ano, é o alto impacto financeiro.3-5 Em 2003, foram gastos com medicamentos do CEAF aproximadamente R$516 milhões; em 2014, esses gastos já somavam 4,9 bilhões, representando um crescimento de 9,5 vezes.6

Porém, muitos desses gastos poderiam ser evitados com um acompanhamento integral dos indivíduos, já na atenção básica à saúde.7,8 Desse modo, identificar, entre as doenças contempladas pelo CEAF, quais são as mais frequentes entre os usuários pode, além de auxiliar no direcionamento de ações com ênfase na atenção farmacêutica e no acompanhamento farmacoterapêutico, subsidiar ações que visem modificar o quadro histórico dessas doenças. Estudos sobre o tema podem contribuir para uma programação mais efetiva da AF, fornecendo elementos aos tomadores de decisão no que tange ao planejamento das ações e à oferta de medicamentos de alto custo.

O objetivo deste estudo foi descrever o perfil farmacoterapêutico dos usuários de medicamentos do CEAF no município de São Leopoldo, estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, e mensurar os gastos com os medicamentos mais prevalentes e os de maior impacto financeiro.

Métodos

Estudo descritivo, realizado no município de São Leopoldo-RS, com dados secundários do sistema de Administração de Medicamentos (AME®) disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul (SES/RS).

São Leopoldo-RS, município localizado na região Sul do Brasil, em 2010, contava com população de 214.087 habitantes, densidade demográfica de 2.083,82 habitantes/km2 e índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,739.9 Ao tempo da pesquisa, o município possuía 19 unidades básicas de saúde (UBS), sendo nove com Estratégia Saúde da Família (ESF), e uma Farmácia Municipal Central dispensadora de medicamentos do CEAF.

Foram incluídos dados de todos os usuários de medicamentos do CEAF com solicitação deferida via processo administrativo no período de janeiro a dezembro de 2014. Considerando-se que os usuários retiram os medicamentos mensalmente, utilizaram-se as informações referentes à última retirada no período do estudo.

As variáveis do estudo foram definidas a partir das informações disponibilizadas pelo sistema AME®:

  • - sexo (masculino; feminino);

  • - idade (construída a partir da data de nascimento e categorizada em faixas etárias, em anos: 0-19; 20-39; 40-59; 60 ou mais);

  • - região de residência (bairro, identificado a partir do endereço e classificado segundo a presença de UBS com ou sem ESF);

  • - morbidades (disponibilizadas conforme a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão [CID-10],10 posteriormente agrupadas em capítulos); e

  • - medicamentos (classificados segundo o princípio ativo, dosagem e forma farmacêutica)

Para a análise, utilizou-se o programa estatístico Stata 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos da América). As morbidades, segundo a CID-10 e seus capítulos, foram estratificadas por sexo, idade e região de residência, com ou sem ESF. As prevalências foram apresentadas com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) e analisadas pelo teste do qui-quadrado, para heterogeneidade de proporções e de tendência linear, adotando-se um nível de significância estatística de 5%.

Os custos dos medicamentos foram obtidos por meio das guias de remessa da SES/RS atualizadas para o ano de 2015, até o mês de abril. Esses custos foram determinados tanto para os medicamentos de uso mais prevalente quanto para os mais onerosos. Para determinar os medicamentos mais onerosos, foram selecionados na literatura aqueles com maior impacto financeiro, considerando-se o custo do tratamento farmacológico mensal por indivíduo.11 Para cada medicamento, determinaram-se os gastos mensais de cada usuário, logo somados, e o resultado dessa soma dividido pelo número de usuários, obtendo-se a média de gasto mensal individual. O gasto total mensal foi obtido somando-se os gastos mensais dos usuários para cada medicamento.

O projeto desta pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS): Resolução no 143, de 14 de outubro de 2014. Obteve-se permissão da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul para a utilização dos dados, respeitando-se as questões éticas de sigilo quanto ao nome dos usuários e o comprometimento na divulgação dos resultados.

Resultados

Foram incluídos 1.528 usuários de medicamentos do CEAF, a maioria mulheres (56,7%), idade média de 52 anos (desvio-padrão=17,9) e quase metade (44,1%) dos usuários residentes em bairro com UBS/ESF.

Os diagnósticos mais prevalentes estão agrupados no capítulo das doenças do aparelho respiratório (18,7%), seguido do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (17,3%). Houve maior prevalência de doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, e de doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos, nas mulheres, comparadas aos homens. Nestes, transtornos mentais e comportamentais foram mais prevalentes (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição dos usuários de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) (N=1.528), total e estratificada por sexo, segundo os capítulos da CID-10,a no município de São Leopoldo-RS, 2014 

Usuários de medicamentos do CEAF, por sexo
Capítulos da CID-10 a Total: 1.528 Mulheres: 866 Homens: 662 Valor p c
% IC 95% b % IC 95% b % IC 95% a
I Algumas doenças infecciosas e parasitárias 8,4 7,0;9,8 6,4 4,7;8,0 11,2 8,8;13,6 0,001
II Neoplasias 0,1 0,1;0,3 0,1 0,1;0,3 0,2 0,1;0,5 0,849
III Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários 0,9 0,4;1,3 1,4 0,6;2,2 0,2 0,1;0,4 0,009
IV Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 11,6 10,0;13,2 11,2 9,1;13,3 12,1 9,6;14,6 0,593
V Transtornos mentais e comportamentais 6,6 5,4;7,9 3,8 2,5;5,1 10,3 8,0;12,6 <0,001
VI Doenças do sistema nervoso 9,2 7,8;10,7 8,9 7,0;10,8 9,7 7,4;11,9 0,603
VII Doenças do olho e anexos 0,1 0,1;0,2 0,1 0,1;0,3 0,0 - 0,382
IX Doenças do aparelho circulatório 0,7 0,2, 1,1 0,8 0,2, 1,4 0,5 0,1;1,0 0,394
X Doenças do aparelho respiratório 18,7 16,7;20,6 19,5 16,9;22,2 17,5 14,6;20,4 0,322
XI Doenças do aparelho digestivo 6,1 4,9;7,3 6,1 4,5;7,7 6,0 4,2;7,9 0,950
XII Doenças da pele e do tecido subcutâneo 0,8 0,3;1,2 0,6 0,1;1,1 1,1 0,3;1,8 0,292
XIII Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 17,3 15,4;19,2 24,1 21,3;27,0 8,5 6,3;10,6 <0,001
XIV Doenças do aparelho geniturinário 12,4 10,7;14,0 10,3 8,3;12,3 15,1 12,4;17,8 0,004
XVII Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas 0,2 0,0;0,4 0,4 0,0;0,7 0,0 - 0,130
XVIII Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte 1,3 0,7;1,9 1,5 0,7;2,3 1,1 0,3;1,8 0,449
XIX Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 0,2 0,0;0,4 0,2 0,1;0,6 0,2 0,1;0,4 0,727
XXI Fatores que influenciam no estado de saúde e o contato com os serviços de saúde 10,5 9,0;12,1 9,4 7,4;11,3 12,1 9,6;14,6 0,085

a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) Valor p do teste do qui-quadrado para heterogeneidade de proporções.

Doenças do aparelho respiratório e do aparelho geniturinário foram mais prevalentes entre os idosos, enquanto doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo e algumas doenças infecciosas e parasitárias prevaleceram na faixa etária de 40 a 59 anos. Doenças do aparelho digestivo e transtornos mentais foram mais prevalentes entre 20 e 39 anos, e doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e doenças do sistema nervoso foram mais frequentes naqueles com 0 a 19 anos de idade (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição dos usuários de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) (N=1.528), estratificada por idade (em anos), segundo os capítulos da CID-10,a no município de São Leopoldo-RS, 2014 

Usuários de medicamentos do CEAF, por idade (em anos)
Capítulos da CID-10 a 0 a 19: 95 20 a 39: 273 40 a 59: 582 60 ou mais: 578 Valor p
% IC 95% b % IC 95% b % IC 95% b % IC 95% b
I Algumas doenças infecciosas e parasitárias 0,0 - 10,3 6,6;13,9 12,4 9,7;15,1 5,0 3,2;6,8 <0,001 c
II Neoplasias 0,0 - 0,0 - 0,2 0,2;0,5 0,2 0,2;0,5 n.a.d
III Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários 3,2 0,4;6,7 1,5 0,0;2,9 0,5 0,1;1,1 0,5 0,1;1,1 0,013 e
IV Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 24,2 15,4;33,0 10,6 6,9;14,3 10,0 7,5;12,4 11,6 9,0;14,2 0,001 c
V Transtornos mentais e comportamentais 14,7 7,5;22,0 15,4 11,1;19,7 4,8 3,1;6,6 2,9 1,6;4,3 <0,001 e
VI Doenças do sistema nervoso 14,7 7,5;22,0 11,0 7,3;14,7 4,1 2,5;5,7 12,6 9,9;15,3 <0,001 c
VII Doenças do olho e anexos 0,0 - 0,0 - 0,2 0,2;0,5 0,0 - n.a.d
IX Doenças do aparelho circulatório 0,0 - 0,4 0,4;1,1 0,7 0,0;1,4 0,9 0,1;1,6 0,250 e
X Doenças do aparelho respiratório 16,8 9,2;24,5 6,2 3,3;9,1 14,8 11,9;17,7 28,7 25,0;32,4 <0,001 e
XI Doenças do aparelho digestivo 4,2 0,1;8,3 13,9 9,8;18,1 6,4 4,4;8,3 2,4 1,2;3,7 <0,001 e
XII Doenças da pele e do tecido subcutâneo 4,2 0,1;8,3 0,7 0,3;1,8 0,5 0,1;1,1 0,5 0,1;1,1 0,010 e
XIII Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 4,2 0,1;8,3 13,2 9,1;17,2 23,9 20,4;27,4 14,9 12,0;17,8 <0,001 c
XIV Doenças do aparelho geniturinário 8,4 2,7;14,1 9,5 6,0;13,0 13,1 10,3;15,8 13,7 10,9;16,5 0,048 e
XVII Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas 3,2 0,4, 6,7 0,0 - 0,0 - 0,0 - n.a.d
XVIII Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte 0,0 - 1,1 1,5;2,3 1,7 0,7;2,8 1,2 0,3;2,1 0,530 e
XIX Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 1,1 1,0;3,1 0,0 - 0,2 0,2;0,5 0,2 0,2;0,5 0,428 e
XXI Fatores que influenciam no estado de saúde e o contato com os serviços de saúde 5,3 0,7;9,8 12,8 8,8;16,8 10,8 8,3;13,4 10,0 7,6;12,5 0,934 e

a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) Valor p do teste do qui-quadrado para heterogeneidade de proporções.

d) n.a.: não se aplica.

e) Valor p do teste do qui-quadrado para tendência linear.

Doenças do aparelho geniturinário foram mais prevalentes em bairros com ESF do que em bairros sem a presença dessas equipes (14,7% versus 10,5%). Nos bairros sem ESF, foram observadas maiores prevalências de transtornos mentais e comportamentais em comparação com bairros com ESF (8,4% vs. 4,3%); também coube essa observação sobre as doenças do sistema nervoso, embora com associação limítrofe (10,5% vs. 7,7%) (dados não apresentados em tabela).

Das 146 morbidades relatadas, 15 (10,3%) representaram os diagnósticos mais frequentes. Entre os usuários, 95,0% possuíam uma morbidade e 4,5% duas. Os diagnósticos mais prevalentes foram asma predominantemente alérgica (17,1%), doença renal em estádio final (11,5%), rim transplantado (7,6%) e hepatite viral crônica C (6,0%). As mulheres apresentaram maiores proporções - quando comparadas aos homens - de outras artrites reumatoides soropositivas, artrite reumatoide soronegativa, hiperprolactinemia e lúpus eritematoso. Doença renal em estádio final, hepatite viral C e esquizofrenia paranoide predominaram nos homens (Tabela 3).

Tabela 3 - Distribuição dos usuários de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) (N=1.528), total e estratificada por sexo, segundo os diagnósticos da CID-10,a no município de São Leopoldo-RS, 2014 

Usuários de medicamentos do CEAF, por sexo
Diagnósticos da CID-10 a Total: 1.528 Mulheres: 866 Homens: 662 Valor p c
% IC 95% b % IC 95% b % IC 95% b
Asma predominantemente alérgica 17,1 15,2;19,0 18,1 15,6;20,7 15,7 12,9;18,5 0,213
Doença renal em estádio final 11,5 9,9;13,1 9,1 7,2;11,0 14,5 11,8;17,2 0,001
Rim transplantado 7,6 6,3;8,9 7,2 5,4;8,9 8,2 6,1;10,2 0,466
Hepatite viral crônica C 6,0 4,8;7,1 4,5 3,1;5,9 7,9 5,8;9,9 0,006
Outras artrites reumatóides soropositivas 5,1 4,0;6,2 7,5 5,7;9,3 2,0 0,9;3,0 <0,001
Esquizofrenia paranóide 4,7 3,6;5,7 2,2 1,2;3,2 7,9 5,8;9,9 <0,001
Artrite reumatóide soronegativa 3,3 2,4;4,2 5,2 3,7;6,7 0,9 0,2;1,6 <0,001
Hipercolesterolemia pura 3,2 2,3;4,1 2,7 1,6;3,7 3,9 2,4;5,4 0,162
Espondilite anquilosante 2,8 1,9;3,6 2,7 1,6;3,7 2,9 1,6;4,1 0,800
Hepatite crônica viral B sem agente Delta 2,4 1,6;3,2 1,9 0,9;2,7 3,2 1,8;4,5 0,095
Doença de Parkinson 2,2 1,5;3,0 1,6 0,8;2,5 3,0 1,7;4,3 0,065
Hiperprolactinemia 2,1 1,4;2,8 2,8 1,7;3,9 1,2 0,4;2,0 0,035
Fígado transplantado 2,0 1,3;2,7 1,4 0,6;2,2 2,9 1,6;4,1 0,041
Lúpus eritematoso disseminado (sistêmico) com comprometimento de outros órgãos e sistemas 1,9 1,2;2,6 2,9 1,8;4,0 0,6 0,0;1,2 0,001
Doença de Alzheimer de início tardio 1,7 1,1;2,4 1,6 0,8;2,5 1,8 0,8;2,8 0,769
Outros diagnósticos d 31,7 29,3;34,0 34,0 30,8;37,1 28,8 25,2;32,2 0,029

a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) Valor p do teste do qui-quadrado para heterogeneidade de proporções.

d) Outros diagnósticos engloba as morbidades que apresentaram prevalências inferiores a 1,7%.

Asma predominantemente alérgica e doença renal em estádio final foram mais prevalecentes nos idosos. O diagnóstico de rim transplantado e a esquizofrenia paranóide prevaleceram na faixa etária de 20 a 39 anos, enquanto a hepatite viral crônica C, entre indivíduos de 40 a 59 anos (Tabela 4).

Tabela 4 - Distribuição dos usuários de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) (N=1.528), estratificada por idade, segundo os diagnósticos da CID-10,a no município de São Leopoldo-RS, 2014 

Usuários de medicamentos do CEAF, por idade (em anos)
Diagnósticos da (CID-10) a 0 a 19: 95 20 a 39: 273 40 a 59: 582 60 ou mais: 578 Valor p
% IC 95% b % IC 95% b % IC 95% b % IC 95% b
Asma predominantemente alérgica 14,7 7,5; 22,0 6,2 3,3;9,1 14,1 11,3;17,0 25,6 22,0;29,2 <0,001 c
Doença renal em estádio final 3,2 0,4;6,7 8,4 5,1;11,7 12,4 9,7;15,1 13,3 10,5;16,1 0,002 c
Rim transplantado 4,2 0,1;8,3 11,4 7,6;15,1 8,3 6,0;10,5 5,7 3,8;7,6 0,016 d
Hepatite viral crônica C 0,0 - 7,0 3,9;10,0 8,8 6,5;11,1 3,6 2,1;5,2 <0,001 d
Outras artrites reumatóides soropositivas 0,0 - 0,7 0,3;1,8 7,9 5,7;10,1 5,2 3,4;7,0 <0,001 d
Esquizofrenia paranoide 9,5 3,5;15,5 11,7 7,9;15,6 3,3 1,8;4,7 1,9 0,8;3,0 <0,001 c
Artrite reumatóide soronegativa 0,0 - 2,2 0,4;3,9 5,0 3,2;6,8 2,8 1,4;4,1 0,020 d
Hipercolesterolemia pura 0,0 - 0,0 - 1,6 0,5;2,6 6,9 4,8;9,0 <0,001 c
Espondilite anquilosante 0,0 - 4,0 1,7;6,4 4,5 2,8;6,2 0,9 0,1;1,6 <0,001 d
Hepatite crônica viral B sem agente Delta 0,0 - 3,3 1,2;5,4 3,4 2,0;4,9 1,4 0,4;2,3 0,038 d
Doença de Parkinson 0,0 - 0,4 0,4;1,1 0,9 0,1;1,6 4,8 3,1;6,6 <0,001 c
Hiperprolactinemia 0,0 - 4,8 2,2;7,3 2,8 1,4;4,1 0,5 0,1;1,1 0,013 c
Fígado transplantado 1,1 1,0;3,1 0,4 0,4;1,1 2,1 0,9;3,2 2,9 1,6;4,3 0,018 c
Lúpus eritematoso disseminado (sistêmico) com comprometimento de outros órgãos e sistemas 1,1 1,0;3,1 2,6 0,7;4,5 2,2 1,0;3,4 1,4 0,4;2,3 0,505 c
Doença de Alzheimer de início tardio 0,0 - 0,0 - 0,0 - 4,5 2,8;6,2 n.a.e
Outros diagnósticos f 70,5 61,2;79,9 42,1 36,2;48,2 28,0 24,3;31,7 24,1 20,6;27,5 <0,001 c

a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) Valor p do teste do qui-quadrado para tendência linear.

d) Valor p do teste do qui-quadrado para heterogeneidade.

e) n.a.: não se aplica.

f) Outros diagnósticos engloba as morbidades que apresentaram prevalências inferiores a 1,7%.

Observou-se maior prevalência de doença renal em estádio final nos bairros com ESF, quando comparados com bairros sem essa estratégia (13,4% vs. 9,9%). Maiores prevalências de doença de Alzheimer de início tardio e de esquizofrenia paranóide foram verificadas nos bairros sem essas equipes, em comparação aos bairros com ESF (2,5% vs. 0,7% e 5,8% vs 3,4%, respectivamente) (dados não apresentados em tabela).

No total, foram retirados 2.431 medicamentos pelos 1.528 usuários, distribuídos em 96 princípios ativos diferentes, em 147 apresentações. O medicamento mais prevalente foi fumarato de formoterol+budesonida (18,3%), seguido por alfaepoetina (11,5%), sacarato de hidróxido férrico (8,5%), azatioprina (6,6%), tacrolimo (6,0%), ribavirina (5,8%), calcitriol (5,6%), micofenolato de sódio (5,2%), leflunomida (4,8%) e metotrexato (3,9%) (Tabela 5).

Tabela 5 - Gasto com medicamentos entre os usuários do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, considerando-se os dez mais prevalentes e os dez mais onerosos, no município de São Leopoldo-RS, 2014 

Medicamento N Gasto médio mensal individual Gasto total mensal
(R$) (R$)
Medicamentos prevalentes
1 Fumarato de formoterol+budesonida 12/400mcg CAP INAL 280 44,33 12.411,77
2 Alfaepoetina 4.000 UI INJ 175 216,70 37.922,34
3 Sacarato de hidróxido férrico 100 mg INJ 129 15,60 2.012,40
4 Azatioprina 50mg COM 100 12,78 1.278,00
5 Tacrolimo 1mg CAP 91 368,98 33.576,90
6 Ribavirina 250mg CAP 88 18,09 1.591,52
7 Calcitriol 1mcg INJ 85 168,96 14.361,48
8 Micofenolato de sódio 360mg COM 80 384,20 30.735,90
9 Leflunomida 20mg COM 73 138,60 10.117,80
10 Metotrexato 2,5mg COM 59 11,61 685,52
Gasto total mensal com os dez medicamentos mais prevalentes 144.693,63
Medicamentos onerosos
1 Infliximab 10mg/ml INJ 14 5.178,81 72.503,28
2 Imunoglobulina humana 5g INJ 3 4.923,96 14.771,88
3 Acetato de octreotida LAR 30mg/ml INJ 2 4.075,76 8.151,52
4 Acetato de octreotida LAR 20mg/ml INJ 3 3.019,09 9.057,27
5 Alfadornase 2,5 mg SOL INAL 8 2.607,90 20.863,20
6 Rituximabe 500 mg INJ 10 2.461,81 24.618,10
7 Betainterferona (L) 1B 9.600.000 UI (300mcg) INJ 2 2.061,90 4.123,80
8 Betainterferona (L) 1A 12.000 UI (44mcg) INJ 8 1.977,48 15.819,84
9 Betainterferona (L) 1A 6.000 UI (30mcg) INJ 4 1.856,08 7.424,32
10 Glatiramer acetato 20mg INJ 7 1.790,00 12.530,00
Gasto total mensal com os dez medicamentos mais onerosos 189.863,21

Nota: Medicamento oneroso foi definido como aquele com maior impacto financeiro, considerando-se o custo do tratamento mensal por indivíduo.

Observou-se que entre os dez medicamentos mais prevalentes, quatro apresentaram maior gasto médio mensal individual: micofenolato de sódio, tacrolimo, alfaepoetina e calcitriol. Entre os medicamentos mais prevalentes, o de maior gasto total mensal foi a alfaepoetina; e o gasto total mensal gerado pelo conjunto dos dez medicamentos mais prevalentes alcançou o valor de R$144.693,63 (Tabela 5).

Em relação aos medicamentos mais onerosos, os quatro medicamentos com o maior gasto médio mensal individual foram infliximab, imunoglobulina humana e acetato de octreotida LAR. O medicamento de maior custo foi o infliximab, e os dez medicamentos mais onerosos totalizaram uma despesa mensal para o sistema público de saúde de R$189.863,21 (Tabela 5).

Discussão

Este estudo revelou que em 2014, os usuários do CEAF apresentaram maiores prevalências de diagnósticos agrupados nos capítulos das doenças do aparelho respiratório, doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, e doenças do aparelho geniturinário, das quais se destacam a asma predominantemente alérgica, a artrite reumatóide e a doença renal em estádio final, respectivamente. O medicamento mais prevalente foi o fumarato de formoterol+budesonida, que, apesar da ampla frequência de uso, não representou o maior gasto do sistema. O maior gasto total mensal entre os medicamentos mais prevalentes foi com a alfaepoetina. Já entre os medicamentos mais onerosos, destacou-se o infliximab, com o maior gasto total mensal, representando quase o dobro do gasto total mensal com a alfaepoetina.

A elevada prevalência de mulheres usuárias de medicamentos do CEAF está de acordo com a literatura, que aponta proporções ainda maiores - variando de 63,5%, em coorte histórica de base nacional (2000-2004), a 72%, no estado do Paraná (2010).12,13 As mulheres relatam, consideravelmente, mais morbidades que os homens e portanto, são as maiores usuárias dos serviços de saúde, sendo esperado um perfil semelhante para este Componente.14

Com relação à faixa etária, o resultado corrobora achados de pesquisas nacionais com população semelhante.11,12 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008 revela que idades mais avançadas estão relacionadas com o aumento da prevalência de doenças crônicas e, portanto, associadas à maior utilização de serviços de saúde e de medicamentos.14

Com relação aos capítulos da CID-10, especificamente do capítulo das doenças do aparelho respiratório, a mais frequente foi a asma alérgica. Tal achado não foi evidenciado no estudo de abrangência nacional citado (2000-2004).12 Entretanto, no presente estudo, é coerente pensar que a elevada prevalência dessas doenças esteja associada às características climáticas da região Sul, que conta com quatro estações bem definidas e um clima úmido, extremamente frio, no inverno. Alguns estudos realizados com crianças apontam as mudanças climáticas como o principal desencadeador de crises asmáticas.15,16 A asma não apresentou diferença em relação ao sexo e faixa etária, de acordo com outro estudo.17

As morbidades mais frequentes do capítulo das doenças do sistema ostomuscular estão de acordo com o estudo nacional;12 porém, não se verificou essa confirmação quanto à mais prevalente. Neste trabalho, o capítulo está representado pela artrite reumatoíde, e no estudo nacional citado, pela osteoporose. Esta diferença pode ser explicada em virtude da osteoporose não possuir tratamento farmacológico disponibilizado pelo CBAF, naquele momento. A artrite reumatoide acometeu mais as mulheres e os adultos acima dos 40 anos, de acordo com pesquisas recentes realizadas nas regiões Sul (2010) e Sudeste (2002-2005) do país.13,18 Ainda sem causa conhecida, sua incidência no Brasil é subestimada: segundo pesquisa realizada em 2009, tão somente metade dos brasileiros com a morbidade são diagnosticados, e destes, apenas 50% são tratados.19 Na maioria desses casos, o tratamento medicamentoso é iniciado com os fármacos metotrexato, leflunomida ou azatioprina, sendo o primeiro considerado o fármaco de escolha inicial,13,18 e todos se encontram entre os medicamentos mais prevalentes segundo o presente estudo. Além destes, o avanço na terapia medicamentosa conta também com alguns agentes biológicos, como o infliximabe e o rituximabe,20,21 ambos destacados por este estudo entre os medicamentos mais onerosos.

As doenças do aparelho geniturinário, que englobam especialmente a doença renal em estádio final, estão de acordo com estudo de abrangência nacional.12 Corroborando o resultado desta pesquisa, a doença renal acomete mais os homens e pessoas em idade mais avançada.7,8,12 Os principais fatores de risco para doença renal são hipertensão e diabetes, que apresentam prevalência crescente, contribuindo para o aumento da incidência dessa morbidade que afeta os rins.7,8 A doença renal poderia ser evitada em muitos casos, considerando que para seus principais fatores de risco, hipertensão e diabetes, há medicamentos disponíveis gratuitamente, tanto na atenção básica como nas farmácias credenciadas no Programa Farmácia Popular. Desta forma, é coerente pensar que, se os portadores dos fatores de risco fossem efetivamente acompanhados, poder-se-ia evitar a progressão da doença e o agravamento do estado de saúde, além do sofrimento, e certamente, gastos com medicamentos de alto custo.

A doença renal é apontada entre as que representam os maiores gastos com medicamentos de alto custo, de acordo com estudo nacional sobre gastos totais do Ministério da Saúde no período 2000-2007.22 No presente trabalho, entre os dez medicamentos mais prevalentes, foram identificados três utilizados para doença renal: alfaepoetina, sacarato de hidróxido férrico e calcitriol, destacando-se o primeiro por gerar o maior gasto total mensal.

A prevalência do diagnóstico de rim transplantado, neste estudo, é mais elevada do que a resultante da pesquisa nacional realizada entre 2000 e 2004.12 Outra pesquisa de alcance nacional, sobre o histórico de gastos do Ministério da Saúde entre os anos 2000 e 2007,22 revelou que os medicamentos destinados a pacientes transplantados estavam entre os de maior impacto financeiro. Na presente pesquisa, entre os dez medicamentos mais prevalentes, encontram-se azatioprina, tacrolimo e micofenolato de sódio, utilizados pelos pacientes transplantados - inclusive renais -, sendo que os dois últimos implicam o maior gasto médio mensal por usuário. Face à ausência de estudos mais recentes, as comparações foram feitas com dados das últimas pesquisas nacionais. E esses dados apontam na mesma direção.

A relação entre a maior prevalência de algumas morbidades e a presença de UBS/ESF é complexa, considerando-se que a implementação da Estratégia Saúde da Família pode ser vista como recente.23 A maior prevalência de usuários em uso de medicamentos do CEAF para problemas renais crônicos, em bairros com ESF, pode indicar maior acesso desses usuários aos serviços de saúde para diagnóstico e encaminhamento efetivo aos demais níveis de atenção, que demandam o uso desses medicamentos. No longo prazo, seria esperada uma realidade distinta, decorrente de um cuidado integral prestado a esses usuários pelas equipes de ESF, de forma a prevenir problemas crônicos de saúde mediante tratamento farmacológico efetivo,24 reduzindo a necessidade de uso de medicamentos do CEAF. Esta hipótese é corroborada por estudo realizado com portadores de fatores de risco para doença renal, como hipertensos, diabéticos, ou ambos, que demonstrou o seguinte achado: antes da implantação das equipes de ESF, 26,5% não tinham acesso a nenhum serviço de saúde.25

Nos bairros sem a disponibilidade dessas equipes, os resultados podem estar sendo agravados pela falta de acompanhamento adequado dos indivíduos. Sabe-se que entre as ações da Política Nacional de Saúde Mental, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) assumem papel estratégico na articulação e fortalecimento das redes de atenção a esses usuários, trabalhando em conjunto com as equipes de ESF no desenvolvimento de projetos terapêuticos, visando à inserção e autonomia do usuário na vida comunitária.23 Entretanto, no município de São Leopoldo-RS, são poucos os CAPS, e os existentes situam-se na área central, dificultando seu acesso. É plausível pensar que na ausência desse cuidado, a medicalização dos portadores de transtornos mentais e comportamentais possa representar a única escolha terapêutica disponível. Além disso, é possível que a diminuta quantidade de CAPS ativos aumente os custos com essas medicações, visto que um acompanhamento multiprofissional pode contribuir para a redução dos medicamentos utilizados, à medida que o tratamento avança.

Apesar da disponibilidade de estudos a avaliar o custo de medicamentos do CEAF, sua comparabilidade deve ser realizada com cautela quanto aos custos considerados, pois as metodologias, o horizonte temporal e as morbidades pesquisadas diferem.

Na avaliação dos custos farmacoterapêuticos estimados neste estudo, é possível notar que os gastos totais mensais com os medicamentos mais prevalentes e com os medicamentos mais onerosos não foram distantes, uma vez que os medicamentos mais caros foram utilizados por um menor número de usuários, representando apenas 2,5% do total de despesas pelo CEAF.

O medicamento fumarato de formoterol+budesonida, utilizado no tratamento da asma, apesar de ser o mais prevalente, representa um pequeno impacto no gasto total mensal, considerando-se que o custo médio mensal por usuário é relativamente baixo quando comparado aos dos demais medicamentos. Em relação aos imunossupressores, tacrolimo e micofenolato de sódio, o primeiro é uma das inovações terapêuticas imunossupressoras,26 enquanto o segundo resulta do aprimoramento de um imunossupressor, desenvolvido na tentativa de reduzir os sintomas indesejados provocados pelo medicamento no trato gastrintestinal,27 justificando seus custos elevados.

Ainda entre os medicamentos mais utilizados, aquele com maior gasto total mensal foi a alfaepoetina, indicada no tratamento da anemia associada a diversas morbidades, principalmente doença renal. A elevada prevalência da doença renal, a ampla utilização e o alto custo justificam os valores investidos na aquisição desse fármaco. Uma pesquisa realizada no estado de Santa Catarina (1999-2004) identificou a alfaepoetina como o medicamento mais solicitado.28 Quanto ao custo elevado, esforços têm sido feitos desde 2006 para que a alfaepoetina seja produzida no Brasil, visto que entre 2000 e 2004, foi o medicamento que gerou maiores gastos ao SUS para o tratamento dos doentes renais.8

Em relação ao medicamento mais oneroso, infliximab, observou-se resultado semelhante em pesquisa nacional (2000-2004),11 segundo a qual esse medicamento demandou o segundo maior gasto; na comparação dessa pesquisa com estudo de avaliação econômica realizado no Paraná em 2008, é possível notar que os custos individuais vêm aumentando ao longo dos anos, ainda que metodologia distinta tenha sido utilizada para o cálculo do gasto.29

Os agentes biológicos, como o infliximab, vêm revolucionando o tratamento da artrite reumatoide, especialmente nos casos refratários às terapias clássicas. A utilização desses fármacos gera grande impacto na melhoria da qualidade de vida do usuário, pela redução dos sintomas da doença, porém com significativo aumento dos custos para o sistema de saúde. Em contrapartida, há uma compensação desses custos: a redução da incapacidade e morbidade associadas à doença, com impacto favorável para toda a sociedade.29,30

Mesmo tendo decorrido mais de uma década da realização do estudo nacional (2004)11 que identificou os dez medicamentos mais onerosos quanto ao gasto médio mensal individual, o presente trabalho destacou oito entre os fármacos do referido estudo, demonstrando que as tendências de gastos individuais mais elevados seguem na mesma direção. O mesmo ocorre com relação aos fármacos betainterferon e octreotida, citados com maior custo individual do componente em outro estudo desenvolvido no Sul do Brasil.29

É importante ressaltar algumas limitações deste estudo. Considerou-se somente o custo de cada medicamento, não o custo do esquema terapêutico ou os demais custos que podem advir da escolha terapêutica. Ademais, a amostra estudada é composta por usuários de medicamentos do CEAF com solicitação deferida via processo administrativo no ano de 2014, permitindo a generalização dos resultados para a população local. No entanto, é razoável pensar que resultados semelhantes possam-se identificar em outros cenários nacionais.

Em conclusão, o perfil desses usuários apontou ampla abrangência de morbidades. Doenças como asma e artrite reumatoide, normalmente, não são preveníveis, ou seja, à medida que o indivíduo as desenvolve, cabe às políticas de saúde proverem seu acompanhamento clínico e tratamento medicamentoso. De forma que se destaca a importância do CEAF na promoção do acesso a medicamentos de alto custo, para indivíduos que, na maioria das vezes, não teriam condições financeiras de os adquirir. Na doença renal, a prevenção é possível, muitos desses pacientes poderiam ser tratados e conscientizados no nível primário de atenção à saúde enquanto apresentassem os primeiros fatores de risco, como hipertensão e diabetes, cujos tratamentos farmacológicos, uma vez bem encaminhados pela atenção básica, são comprovadamente efetivos e a um custo muito menor.

Nesse contexto, tratando-se de medicamentos de alto valor agregado, a organização da Assistência Farmacêutica deve ser vista como um dos elementos fundamentais, enfocando desde a programação de medicamentos até seu uso racional, subsidiando uma alocação eficiente dos recursos empregados. Medicamentos que apresentam elevado custo total em virtude do alto consumo, como a alfaepoetina, devem ser objeto de estratégias específicas de programação e aquisição ao menor custo possível, evitando o desperdício dos recursos públicos.11 Os resultados deste estudo podem subsidiar posteriores avaliações de tratamentos farmacológicos e o direcionamento de ações em saúde, voltadas à prevenção e ao manejo dos futuros potenciais usuários do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF.

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Contribuição dos autores

*Manuscrito redigido com base em dissertação acadêmica intitulada ‘Perfil dos usuários de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica no município de São Leopoldo, RS’, defendida por Mariani Sopelsa junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo-RS, em 2015.

Recebido: 28 de Novembro de 2016; Aceito: 05 de Junho de 2017

Correspondência: Vera Maria Vieira Paniz - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Av. Unisinos, no 950, Cristo Rei, São Leopoldo-RS, Brasil CEP: 93022-000. E-mail: vpvieira@terra.com.br

Sopelsa M revisou a literatura, elaborou o projeto, preparou o banco de dados, trabalhou na análise e interpretação dos dados e na redação do manuscrito. Motter FR contribuiu na preparação do banco de dados e nas análises. Barcellos NT e Leite HM colaboraram na revisão crítica e redação do manuscrito. Paniz VMV participou de todas as etapas do projeto, da análise e interpretação dos dados à redação final do manuscrito. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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