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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.27 no.2 Brasília jun. 2018  Epub 24-Abr-2018

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018000200005 

ARTIGO ORIGINAL

Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária: um estudo de base populacional com idosos de Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014*

Incapacidad funcional para actividades básicas e instrumentales de la vida diaria: un estudio de base poblacional en adultos mayores de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2014

Simone Farías-Antúnez (orcid: 0000-0002-1546-4217)1  , Natália Peixoto Lima1  , Isabel Oliveira Bierhals1  , Ana Paula Gomes1  , Luna Strieder Vieira1  , Elaine Tomasi1 

1Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Pelotas, RS, Brasil

Resumo

Objetivo:

estimar a prevalência de incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária e sua associação com características socioeconômicas, demográficas, comportamentais e de saúde em idosos.

Métodos:

estudo transversal de base populacional realizado em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, em 2014; as escalas de Katz e de Lawton foram utilizadas para definição dos desfechos; empregou-se regressão de Poisson.

Resultados:

foram incluídos 1.451 idosos; a prevalência de incapacidade funcional foi de 36,1% para atividades básicas, 34,0% para instrumentais e 18,1% para ambas; maiores prevalências de incapacidade funcional foram observadas em idosos ≥80 anos (RP=3,01; IC95% 2,17;4,18), que não trabalhavam (RP=2,02; IC95% 1,13;3,60)) e com múltiplas morbidades (RP=3,28; IC95% 1,38;7,79); e menores naqueles com ≥12 anos de estudo (RP=0,40; IC95% 0,24;0,66), e que eram ativos no lazer (RP=0,42; IC95% 0,21;0,82).

Conclusão:

as incapacidades funcionais associaram-se a maior idade, menor escolaridade e multimorbidades.

Palavras-chave: Idoso; Atividades Cotidianas; Incapacidade Funcional; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo:

estimar la prevalencia de discapacidad funcional para actividades básicas e instrumentales de la vida diaria en ancianos y evaluar su asociación con características socioeconómicas, demográficas, conductuales y de salud.

Métodos:

estudio transversal de base poblacional realizado en Pelotas, Brasil, en 2014; las escalas de Katz y Lawton fueron empleadas para evaluar discapacidades; fue utilizada regresión de Poisson.

Resultados:

fueron incluidos 1.451 ancianos; la prevalencia de discapacidad fue 36,1% para actividades básicas, 34,0% para instrumentales y 18,1% para ambas; la prevalencia de discapacidad funcional fue mayor entre individuos ≥80 años (RP=3,01; IC95% 2,17;4,18), que no trabajaban (RP=2,02; IC95% 1,13;3,60) y con múltiples morbilidades (RP=3,28; IC 95% 1,38;7,79); y menores entre individuos con ≥12 años de escolaridad (RP=0,40; IC95% 0,24;0,66), y que eran activos físicamente (RP=0,42; IC95% 0,21;0,82).

Conclusión:

la discapacidad funcional estuvo asociada a mayor edad, menor escolaridad y múltiples morbilidades.

Palabras-clave: Ancianos; Actividades Cotidianas; Personas con Discapacidad; Estudios Transversales

Introdução

A partir da década de 1940, os países de baixa e média renda vêm apresentando um declínio progressivo nas taxas de mortalidade e, desde a década de 1960, nas taxas de fecundidade.1 Esses dois fatores, associados, promovem a base demográfica para o envelhecimento populacional, à semelhança do que ocorre, ainda que em menor escala, nos países de alta renda.1 Concomitantemente a esse processo, observa-se o aumento da prevalência e incidência de incapacidade funcional em idosos.2,3,4

A incapacidade funcional é definida pela dificuldade do indivíduo ou necessidade de ajuda para executar tarefas básicas ou mais complexas no seu dia a dia, essenciais para uma vida independente.5 Em sua investigação, são verificadas as habilidades funcionais do indivíduo, por meio das atividades básicas da vida diária (ABVD) ou das atividades instrumentais da vida diária (AIVD). Nas ABVD, são avaliados os comportamentos básicos e habituais de autocuidado, como a capacidade de alimentar-se, banhar-se e vestir-se, enquanto nas AIVD, tarefas mais complexas e relacionadas à autonomia e participação social, como capacidade de realizar compras, atender ao telefone e utilizar meios de transporte, são avaliadas.5

Algumas das consequências decorrentes da incapacidade funcional incluem a limitação da autonomia do idoso na realização das atividades cotidianas, redução da qualidade de vida e aumento do risco de dependência, de institucionalização, e até mesmo de morte prematura.6 Fatores individuais têm sido apontados como responsáveis por esse processo, e estudos prévios evidenciam que o declínio funcional está relacionado a fatores demográficos, como idade, sexo, cor da pele e situação conjugal, ou socioeconômicos, como escolaridade e renda, como também às condições adversas de saúde, majoritariamente as morbidades crônicas.2,3,4 A despeito do corpo emergente de estudos sobre a temática, o monitoramento contínuo da prevalência de incapacidade funcional em idosos e seus determinantes torna-se mais importante à medida que, com o envelhecimento populacional, esta condição e suas complicações tendem a aumentar, elevando a demanda por serviços de saúde.7

Este estudo teve como objetivo estimar a prevalência de incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária e sua associação com características socioeconômicas, demográficas, comportamentais e de saúde em idosos.

Métodos

Estudo transversal, de base populacional, utilizando dados do Consórcio de Mestrado Orientado para a Valorização da Atenção ao Idoso - Pesquisa “COMO VAI?” -, cujos participantes foram indivíduos com 60 anos de idade ou mais, não institucionalizados, residentes na zona urbana do município de Pelotas, Rio Grande do Sul, em 2014.

O processo amostral foi realizado em duplo estágio, (i) setores censitários e (ii) domicílios. A unidade amostral primária constituiu-se dos setores censitários do município. Inicialmente, foram identificados os 488 setores urbanos de Pelotas segundo o Censo Populacional de 2010, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).8 Entre seus dados foram identificados 113.023 domicílios ocupados na zona urbana do município e uma população de 46.099 indivíduos com 60 anos ou mais. Desta forma, esperava-se encontrar 0,4 idoso por domicílio, 12 por setor censitário, implicando a inclusão de 133 setores. Os 488 setores foram listados de acordo com sua renda média e 133 foram selecionados sistematicamente. A seguir, foi realizada a seleção sistemática dos domicílios. Todos os indivíduos com 60 ou mais anos de idade, residentes nos domicílios selecionados, foram elegíveis para participar deste estudo.

O número de idosos necessário para atender aos objetivos do estudo foi estimado em 1.340. Neste cálculo de tamanho amostral, utilizou-se uma prevalência de 30% para atividades instrumentais e efeito de delineamento de 1,36, conforme encontrado no estudo de Del Duca et al.,4 com nível de confiança de 95%, precisão de 3 pontos percentuais e acréscimo de 10% para perdas e recusas. Além do cálculo de tamanho de amostra, foi realizado o cálculo de poder a posteriori para todas as associações investigadas. Com exceção da variável classe econômica, todas as variáveis alcançaram um poder mínimo de 80% para as associações investigadas.

O estudo foi conduzido por estudantes do Mestrado em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). As entrevistas foram realizadas na residência dos idosos, conduzidas por entrevistadoras previamente capacitadas. Foi aplicado instrumento com questões sobre características socioeconômicas, demográficas, comportamentais e de saúde. O questionário poderia ser respondido com ajuda, ou totalmente pelo cuidador ou responsável quando o idoso apresentava dificuldade para responder. Os idosos foram pesados com balança da marca Tanita®, modelo UM-080, com capacidade máxima de 150 quilogramas e precisão de 100 gramas; sua altura foi estimada a partir de equações preditivas, propostas por Chumlea e Gulo,9 utilizando-se a altura do joelho, medida com antropômetro infantil em madeira da marca Indaiá®, com escala de 100 centímetros, e graduação em milímetros numerada a cada centímetro. Esta forma de medida é considerada mais adequada para essa população.10

A incapacidade funcional, variável dependente deste estudo, foi avaliada tendo como referência duas escalas: a (i) escala de Katz11 foi utilizada para avaliar incapacidade para ABVD (tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, deitar e levantar da cama/cadeira, comer, urinar e/ou evacuar); e a (ii) escala de Lawton,12 incapacidade para AIVD (usar telefone, usar meio de transporte, fazer compras, arrumar a casa, lavar roupas, cuidar do dinheiro e tomar remédios). Em cada um dos dois domínios, ‘incapacidade funcional’ foi definida como a necessidade (parcial ou total) de ajuda para realizar pelo menos uma atividade. A incapacidade em ambas as atividades foi definida como necessidade de ajuda em pelo menos uma ABVD e uma AIVD.

As variáveis independentes foram:

  • - sexo (masculino; feminino);

  • - idade (em anos completos: 60-69; 70-79; 80 ou mais);

  • - situação conjugal (casado[a], solteiro[a], separado[a], viúvo[a]);

  • - classe econômica, de acordo com a classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) para o ano de 201013 (A/B; C; D/E);

  • - trabalho atual (sim, não);

  • - escolaridade (em anos completos: nenhum; 1-3; 4-7; 8-11; 12 ou mais);

  • - autorrelato de consumo de qualquer dose de álcool nos últimos 30 dias (sim, não); e

  • - atividade física no lazer, medida pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ)14 (inativo; ativo - considerado ativo o idoso que realizava 150 minutos ou mais de atividades por semana);

  • - índice de massa corporal (IMC), calculado pela relação entre peso e altura (baixo peso: <18,5kg/m²; peso adequado: 18,5 a 24,9kg/m²; e sobrepeso, >24,9kg/m²);10

  • - presença de morbidades autorrelatadas, incluindo hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, problemas de coração, insuficiência cardíaca, enfisema, isquemia ou derrame, artrite ou reumatismo, doença de Parkinson, perda da função dos rins, epilepsia ou convulsões, osteoporose, glaucoma e câncer (nenhuma; 1; 2 ou mais).

As análises foram realizadas com auxílio do software Stata versão 12.1 (Stata Corp, College Station, TX, USA), utilizando-se o comando survey, dado o complexo processo de amostragem do estudo. Inicialmente, foi descrita a prevalência de incapacidade funcional para ABVD e AIVD e demais características da amostra. A seguir, foi descrita a prevalência de independência e necessidade de ajuda parcial e total para cada atividade básica e instrumental que compõe as escalas de Katz11 e Lawton.12 Para avaliar associação entre incapacidade funcional e as variáveis de exposição, realizou-se análise bruta e ajustada para fatores de confusão, por meio de regressão de Poisson. Utilizou-se modelo conceitual de análise por níveis,15 sendo que no 1º nível foram incluídas as variáveis socioeconômicas e demográficas, no 2º nível a variável referente ao trabalho atual, no 3º nível as variáveis comportamentais e no 4º nível as variáveis de saúde. As variáveis foram mantidas no modelo independentemente do valor de p obtido na análise bruta. A associação estatística foi avaliada pelos testes Wald de heterogeneidade e de tendência linear. Adotou-se nível de significância de 5%.

A pesquisa “COMO VAI?” foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFPel sob o Parecer no 472.357, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 24538513.1.0000.5317, em 28 de novembro de 2013. O consentimento dos participantes ou de seus responsáveis foi obtido por escrito, mediante assinatura.

Resultados

Dos 1.844 idosos identificados para participar do estudo, 1.451 foram entrevistados, com 78,7% de resposta. As perdas e recusas foram superiores no sexo feminino (61,0%), embora consistentes com a distribuição deste sexo na amostra (63,0%; IC95% 60,9;65,1) e na faixa etária de 60 a 69 anos (59,0%), com diferença em relação à amostra (52,3%; IC95% 49,1;55,4). Para a escala de incapacidades nas atividades básicas, foram obtidas informações completas para 1.440 idosos, 1.269 para as atividades instrumentais e 1.268 para ambos os domínios.

A maioria da amostra era composta por mulheres (63,0%), idosos entre 60 e 69 anos (52,3%), casados (52,7%), pertencentes à classe econômica C (52,5%), com quatro a sete anos completos de estudo (31,0%) e que não estavam trabalhando (80,4%). Mais da metade dos idosos (71,8%) tinham sobrepeso, 66,2% eram acometidos por duas ou mais morbidades, 81,5% eram insuficientemente ativos e 21,2% haviam consumido bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias (Tabela 1).

Tabela 1 - Descrição da amostra de idosos (N=1.448) de acordo com as variáveis de desfecho e exposições, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Variável N %a IC95% b
1° Nível
Sexo
Masculino 536 37,0 34,9;39,1
Feminino 912 63,0 60,9;65,1
Idade (em anos completos)
60-69 755 52,3 49,1;55,4
70-79 459 31,8 29,2;34,4
≥80 230 15,9 13,8;18,0
Situação conjugal
Casado(a) 762 52,7 49,4;56,0
Solteiro(a) 91 6,3 4,8;7,7
Separado(a) 134 9,3 7,8;10,7
Viúvo(a) 458 31,7 29,1;34,3
Classe econômica (ABEP)
A/B 482 35,2 30,3;40,1
C 719 52,5 47,9;57,1
D/E 168 12,3 10,1;14,6
Escolaridade (em anos completos)
Nenhum 194 13,6 11,2;16,0
1-3 337 23,4 20,7;26,2
4-7 445 31,0 28,0;34,0
8-11 143 10,0 8,3;11,6
≥12 316 22,0 17,5;26,5
2° Nível
Trabalho atual
Não 1.083 80,4 78,2;82,7
Sim 263 19,6 17,3;21,8
3° Nível
Consumo de álcool
Não 1.138 78,8 76,3;81,2
Sim 307 21,2 18,8;26,7
Atividade física no lazer (IPAQ)c
Inativo 823 81,5 79,3;83,6
Ativo (≥150 minutos/semana) 547 18,5 16,4;20,7
4° Nível
Estado nutricional (kg/m²)
Baixo peso 25 1,8 1,1;2,5
Peso adequado 360 26,4 24,0;29,0
Sobrepeso ou obesidade 979 71,8 69,3;74,2
Morbidades (multimorbidades)
Nenhuma 155 10,7 9,2;12,2
1 332 23,1 20,7;25,4
≥2 952 66,2 63,7;68,7
Desfechos
Incapacidade para ABVDd
Não 920 63,9 61,4;66,5
Sim 520 36,1 33,5;38,8
Incapacidade para AIVDe
Não 837 66,0 62,8;69,2
Sim 432 34,0 30,8;37,2
Incapacidade para ABVDd e AIVDe
Não 1.038 81,9 79,6;84,1
Sim 230 18,1 15,9;20,4

a) Ajustado para o efeito do delineamento.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) IPAQ: International Physical Activity Questionnaire.

d) ABVD: atividades básicas da vida diária.

e) AIVD: atividades instrumentais da vida diária.

ABEP: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.

A prevalência de incapacidades para ABVD e AIVD foi de 36,1% (IC95% 33,5;38,8) e 34,0% (IC95% 30,8;37,2), respectivamente, sendo que 18,1% (IC95% 15,9;20,4) apresentavam incapacidade para ambas as atividades (Tabela 1). Em relação às atividades básicas, a maior frequência de dependência foi para urinar e/ou evacuar (32,4%), seguida de vestir-se (8,8%) e tomar banho (7,0%), enquanto para as atividades instrumentais a maior proporção foi para fazer compras (20,7%), arrumar a casa (18,7%) e usar meio de transporte (16,7%) (Tabela 2).

Tabela 2 - Descrição do grau de dependência dos idosos para atividades básicas e instrumentais da vida diária, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Atividade Independentes Ajuda parcial Ajuda total
n % n % N %
ABVDa (n=1.440)
Tomar banho 1.339 93,0 84 5,8 17 1,2
Vestir-se 1.314 91,2 80 5,6 46 3,2
Ir ao banheiro 1.378 95,7 52 3,6 10 0,7
Deitar e levantar da cama/cadeira 1.377 95,6 48 3,3 15 1,0
Comer 1.407 97,7 24 1,7 9 0,6
Urinar e/ou evacuarb 974 67,6 412 28,6 54 3,8
AIVDc (n=1.269)
Usar telefone 1.165 91,8 68 5,4 36 2,8
Usar meio de transporte 1.057 83,3 169 13,3 43 3,4
Fazer compras 1.006 79,3 205 16,2 58 4,6
Arrumar a casa 1.032 81,3 143 11,3 94 7,4
Lavar roupas 1.105 87,1 139 11,0 25 2,0
Cuidar do dinheiro 1.148 90,5 100 7,9 21 1,6
Tomar remédios 1.130 89,0 91 7,2 48 3,8

a) ABVD: atividades básicas da vida diária.

b) Urinar e/ou evacuar: independente - segura fezes e urina; parcial - não segura um dos dois; total - não segura os dois.

c) AIVD: atividades instrumentais da vida diária.

Após ajuste, mulheres (RP=1,43; IC95% 1,21;1,69), indivíduos de 80 anos ou mais (RP=1,73; IC95% 1,44;2,07) e com duas ou mais morbidades (RP=2,24; IC95% 1,48;3,40) apresentaram maiores prevalências de ABVD, enquanto idosos com 12 anos ou mais de estudo (RP=0,53; IC95% 0,40;0,70) e ativos no lazer (RP=0,68; IC95% 0,52;0,90) tiveram menores prevalências dessa incapacidade (Tabela 3).

Tabela 3 - Análise bruta e ajustada de incapacidade funcional para atividades básicas da vida diária conforme variáveis de exposição, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Variáveis de exposição Incapacidade para ABVDa Análise bruta Análise ajustadab
n (%) RPc (IC95%) d Valor de p e RPc (IC95%) d Valor de p e
1° Nível
Sexo <0,001 <0,001
Masculino 150 (28,1) 1,00 1,00
Feminino 370 (40,8) 1,45 (1,25;1,67) 1,43 (1,21;1,69)
Idade (em anos completos) <0,001 f <0,001 f
60-69 210 (27,9) 1,00 1,00
70-79 182 (39,8) 1,43 (1,22;1,67) 1,34 (1,13;1,58)
≥80 128 (56,1) 2,01 (1,71;2,36) 1,73 (1,44;2,07)
Situação conjugal <0,001 0,308
Casado(a) 242 (31,8) 1,00 1,00
Solteiro(a) 28 (31,1) 0,98 (0,71;1,35) 0,91 (0,65;1,27)
Separado(a) 36 (27,1) 0,85 (0,61;1,18) 0,81 (0,57;1,15)
Viúvo(a) 214 (47,1) 1,48 (1,28;1,70) 1,06 (0,90;1,25)
Classe econômica (ABEP) 0,044 f 0,147 f
A/B 156 (32,5) 1,00 1,00
C 273 (38,1) 1,17 (0,99; 1,39) 0,91 (0,77; 1,08)
D/E 65 (38,5) 1,18 (0,96; 1,46) 0,83 (0,67; 1,02)
Escolaridade (em anos completos) <0,001 f <0,001 f
Nenhum 92 (47,2) 1,00 1,00
1-3 141 (42,1) 0,89 (0,74;1,08) 1,02 (0,84;1,24)
4-7 167 (37,9) 0,80 (0,67;0,96) 0,91 (0,76;1,10)
8-11 50 (35,0) 0,74 (0,58;0,95) 0,89 (0,69;1,15)
≥12 67 (21,3) 0,45 (0,35;0,59) 0,53 (0,40;0,70)
2° Nível
Trabalho atual <0,001 0,057
Não 425 (39,4) 1,74 (1,34;2,24) 1,29 (0,99;1,67)
Sim 59 (22,7) 1,00 1,00
3° Nível
Consumo de álcool <0,001 0,200
Não 443 (39,2) 1,00 1,00
Sim 76 (24,8) 0,63 (0,52;0,77) 0,87 (0,70;1,08)
Atividade física no lazer (IPAQ) <0,001 0,006
Inativo 424 (37,6) 1,00 1,00
Ativo (≥150 min/semana) 52 (20,3) 0,54 (0,42;0,70) 0,68 (0,52;0,90)
4° Nível
Estado nutricional (kg/m²) 0,978 f 0,920 f
Baixo peso 13 (52,0) 1,51 (1,05;2,18) 1,26 (0,81;1,97)
Peso adequado 113 (31,4) 0,92 (0,77;1,08) 0,96 (0,82;1,13)
Sobrepeso ou obesidade 335 (34,3) 1,00 1,00
Morbidades <0,001f <0,001f
Nenhuma 27 (17,5) 1,00 1,00
1 69 (20,9) 1,19 (0,79;1,78) 1,28 (0,79;2,07)
≥2 417 (44,1) 2,51 (1,78;3,55) 2,24 (1,48;3,40)

a) ABVD: atividades básicas da vida diária.

b) Ajustado por regressão de Poisson de acordo com os níveis hierárquicos: 1° nível (sexo, idade, situação conjugal, ABEP, escolaridade); 2° nível (anterior + trabalho atual); 3° nível (anterior + consumo de álcool e IPAQ); e 4° nível (anterior + estado nutricional e morbidades).

c) RP: razão de prevalência.

d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

e) Valor de p: teste de Wald de heterogeneidade.

f) Valor de p: teste de Wald para tendência linear.

ABEP: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.

No que se refere às AIVD, após ajuste para possíveis fatores de confusão, idosos com 80 anos ou mais (RP=2,39; IC95% 1,95;2,93), viúvos (RP=1,61; IC95% 1,32;1,97), aqueles que não estavam trabalhando (RP=1,42; IC95% 1,07;1,88) e com duas ou mais morbidades (RP=2,04; IC95% 1,30;3,20) apresentaram maior prevalência de incapacidade. Aqueles com 12 ou mais anos de estudo tiveram menor prevalência de incapacidade para AIVD (RP=0,42; IC95% 0,31;0,59), comparados aos com nenhuma escolaridade (Tabela 4).

Tabela 4 - Análise bruta e ajustada de incapacidade funcional para atividades instrumentais conforme variáveis de exposição, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Variáveis de exposição Incapacidade para AIVDa Análise bruta Análise ajustadab
n (%) RPc (IC95%) d Valor de p e RPc (IC95%) d Valor de p e
1° Nível
Sexo <0,001 0,476
Masculino 119 (27,7) 1,00 1,00
Feminino 313 (37,3) 1,34 (1,13;1,60) 1,07 (0,89;1,28)
Idade (em anos completos) <0,001f <0,001f
60-69 149 (21,5) 1,00 1,00
70-79 161 (39,9) 1,85 (1,52; 2,26) 1,59 (1,30;1,94)
≥80 121 (71,6) 3,33 (2,78;3,99) 2,39 (1,95;2,93)
Situação conjugal <0,001 <0,001
Casado(a) 160 (24,0) 1,00 1,00
Solteiro(a) 22 (27,5) 1,15 (0,76;1,73) 1,18 (0,79;1,76)
Separado(a) 37 (30,8) 1,29 (0,96;1,73) 1,45 (1,08;1,94)
Viúvo(a) 212 (53,0) 2,21 (1,84;2,66) 1,61 (1,32;1,97)
Classe econômica (ABEP) <0,001f 0,463f
A/B 103 (25,4) 1,00 1,00
C 229 (35,6) 1,40 (1,14;1,72) 1,02 (0,84;1,26)
D/E 75 (50,3) 1,98 (1,56;2,52) 1,11 (0,87;1,41)
Escolaridade (em anos completos) <0,001f <0,001f
Nenhum 106 (61,1) 1,00 1,00
1-3 104 (36,0) 0,57 (0,47;0,69) 0,69 (0,58;0,82)
4-7 135 (34,9) 0,55 (0,46;0,66) 0,72 (0,60;0,86)
8-11 33 (25,6) 0,41 (0,29;0,56) 0,62 (0,46;0,83)
≥12 50 (17,7) 0,28 (0,21;0,38) 0,42 (0,31;0,59)
2° Nível
Trabalho atual <0,001 <0,008
Não 358 (37,9) 2,25 (1,69;3,00) 1,42 (1,07;1,88)
Sim 40 (16,8) 1,00 1,00
3° Nível
Consumo de álcool <0,146 0,484
Não 368 (37,0) 1,00 1,00
Sim 62 (23,0) 0,62 (0,48;0,81) 0,91 (0,70;1,19)
Atividade física no lazer (IPAQ) <0,001 0,168
Inativo 352 (35,3) 1,00 1,00
Ativo (≥150 min/semana) 49 (21,5) 0,61 (0,47;0,79) 0,83 (0,63;1,08)
4° Nível
Estado nutricional (kg/m²) 0,049f 0,493f
Baixo peso 9 (47,4) 1,57 (0,99;2,48) 1,00 (0,63;1,57)
Peso adequado 108 (35,1) 1,16 (0,24;1,43) 1,08 (0,89;1,31)
Sobrepeso ou obesidade 267 (30,2) 1,00 1,00
Morbidades <0,001 f <0,001 f
Nenhuma 23 (16,9) 1,00 1,00
1 64 (21,5) 1,27 (0,80;2,03) 1,20 (0,75;1,94)
≥2 339 (41,1) 2,43 (1,61;3,68) 2,04 (1,30;3,20)

a) AIVD: atividades instrumentais da vida diária.

b) Ajustado por regressão de Poisson de acordo com os níveis hierárquicos: 1° nível (sexo, idade, situação conjugal, ABEP, escolaridade); 2° nível (anterior + trabalho atual); 3° nível (anterior + consumo de álcool e IPAQ); e 4° nível (anterior + estado nutricional e morbidades).

c) RP: razão de prevalência.

d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

e) Valor de p: teste de Wald de heterogeneidade.

f) Valor de p: teste de Wald para tendência linear.

ABEP: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.

Considerando-se a presença de incapacidade para atividades básicas e instrumentais de maneira simultânea, após ajuste, as mulheres (RP=1,46; IC95% 1,06;1,99), idosos com 80 anos ou mais (RP=3,01; IC95% 2,17;4,18), viúvos (RP=1,52; IC95% 1,13;2,04), aqueles que não estavam trabalhando (RP=2,02; IC95% 1,13;3,60) e com duas ou mais morbidades (RP=3,28; IC95% 1,38;7,79) apresentaram as maiores prevalências. Idosos com 12 ou mais anos de escolaridade (RP=0,40; IC95% 0,24;0,66) e ativos no lazer (RP=0,42; IC95% 0,21;0,82) tiveram as menores prevalências (Tabela 5).

Tabela 5 - Análise bruta e ajustada de incapacidade funcional para ambas as atividades conforme variáveis de exposição, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Variáveis de exposição Incapacidade para ambas atividades Análise bruta Análise ajustada b
n (%) RPc (IC95%) d Valor de p e RPc (IC95%) d Valor de p e
1° Nível
Sexo <0,001 0,020
Masculino 52 (12,2) 1,00 1,00
Feminino 178 (21,2) 1,74 (1,31;2,31) 1,46 (1,06;1,99)
Idade (em anos completos) <0,001e <0,001e
60-69 67 (9,7) 1,00 1,00
70-79 92 (22,8) 2,36 (1,74;3,18) 1,92 (1,40;2,63)
≥80 71 (42,0) 4,35 (3,27;5,77) 3,01 (2,17;4,18)
Situação conjugal <0,001 0,027
Casado(a) 83 (12,4) 1,00 1,00
Solteiro(a) 12 (15,0) 1,21 (0,67;2,16) 1,14 (0,61;2,14)
Separado(a) 14 (11,7) 0,93 (0,56;1,56) 1,00 (0,57;1,75)
Viúvo(a) 121 (30,3) 2,44 (1,89;3,14) 1,52 (1,13;2,04)
Classe econômica (ABEP) 0,005e 0,453e
A/B 58 (14,4) 1,00 1,00
C 120 (18,7) 1,30 (0,98;1,71) 0,88 (0,64;1,20)
D/E 36 (24,2) 1,68 (1,16;2,44) 0,86 (0,59;1,26)
Escolaridade (em anos completos) <0,00e <0,001e
Nenhum 54 (32,1) 1,00 1,00
1-3 66 (22,8) 0,71 (0,55;0,91) 0,93 (0,72;1,21)
4-7 68 (17,6) 0,55 (0,41;0,73) 0,76 (0,58;0,99)
8-11 17 (13,2) 0,41 (0,25;0,69) 0,68 (0,41;1,15)
≥12 23 (8,1) 0,25 (0,16;0,41) 0,40 (0,24;0,66)
2° Nível
Trabalho atual <0,001 0,018
Não 201 (21,3) 3,62 (2,03;6,45) 2,02 (1,13;3,60)
Sim 14 (5,9) 1,00 1,00
3° Nível
Consumo de álcool 0,893 0,227
Não 207 (20,8) 1,00 1,00
Sim 23 (8,5) 0,41 (0,27;0,61) 0,78 (0,51;1,17)
Atividade física no lazer (IPAQ)f <0,001 0,011
Inativo 188 (18,9) 1,00 1,00
Ativo (>150 min/semana) 12 (5,3) 0,28 (0,15;0,51) 0,42 (0,21;0,82)
4° Nível
Estado nutricional (kg/m²) 0,778e 0,829e
Baixo peso 5 (26,3) 1,67 (0,80;3,49) 1,01 (0,45;2,26)
Peso adequado 46 (14,9) 0,95 (0,71;1,27) 1,04 (0,78;1,39)
Sobrepeso ou obesidade 139 (15,7) 1,00 1,00
Morbidades <0,001e <0,001e
Nenhuma 10 (7,4) 1,00 1,00
1 23 (7,7) 1,05 (0,52;2,14) 1,07 (0,40;2,85)
≥2 191 (21,2) 3,15 (1,72;5,78) 3,28 (1,38;7,79)

a) Ajustado por regressão de Poisson de acordo com os níveis hierárquicos: 1° nível (sexo, idade, situação conjugal, ABEP, escolaridade); 2° nível (anterior + trabalho atual); 3° nível (anterior + consumo de álcool e IPAQ); e 4° nível (anterior + estado nutricional e morbidades).

b) RP: razão de prevalência.

c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

d) Valor de p: teste de Wald de heterogeneidade.

e) Valor de p: teste de Wald para tendência linear.

f) IPAQ

ABEP: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.

Discussão

Entre idosos residentes na zona urbana do município de Pelotas, RS, aproximadamente um terço apresentava incapacidade para ABVD ou AIVD, sendo essa condição mais frequente em mulheres, naqueles com idade superior a 80 anos, menor escolaridade e maior número de morbidades.

A prevalência de incapacidade funcional em idosos no Brasil publicada em 2016, segundo metanálise de estudos realizados em todas as regiões do país, variou de 12,3 a 94,1% para os homens e de 14,9 a 84,6% em mulheres.16 A comparabilidade dos achados desse estudo com outros é limitada, principalmente pelo fato de existirem vários instrumentos para avaliação da capacidade funcional em idosos e, em algumas situações, ainda para um mesmo instrumento, diferentes pontos de corte.5 Além disso, a falta de padronização na classificação da dependência também pode dificultar a interpretação e comparação dos estudos.

O mesmo desfecho foi pesquisado em estudo que se muniu do mesmo instrumento e na mesma Pelotas, no biênio 2007-2008;4 contudo, prevalências inferiores foram observadas: 26,8% (IC95% 23,0%;30,8%) para ABVD, 28,8% (IC95% 24,5%;33,1%) para AIVD e 16,0% para ambos os domínios. Tendo em vista que os estudos foram realizados no mesmo município e que possuem características amostrais muito semelhantes, esses resultados sugerem um aumento da prevalência de incapacidade funcional para ABVD entre os idosos de Pelotas, enquanto para o domínio instrumental, os intervalos de confiança sobrepõem-se. A prevalência de recebimento de ajuda total para a realização das atividades foi maior no estudo anterior, com exceção das atividades urinar e/ou evacuar.4 Apesar de as amostras serem semelhantes quanto a variáveis demográficas, incluída a idade, e socioeconômicas, no estudo citado4 não foi avaliada a presença de morbidades nos idosos, de forma que as diferenças encontradas podem ser reflexo de uma amostra mais enferma no referido estudo.17

As maiores prevalências de incapacidade para as atividades básicas de urinar e/ou evacuar e para a atividade instrumental de fazer compras, encontradas no presente estudo, são semelhantes às descritas no estudo de 2009 supracitado, também realizado em Pelotas.4 Principalmente quanto à incapacidade para a atividade básica de urinar e/evacuar, o achado é preocupante: pode levar o idoso ao isolamento social, além de causar alterações em sua autoestima e autoimagem, diminuindo sua qualidade de vida.18

A prevalência de incapacidade funcional para as atividades básicas foi maior entre as mulheres, enquanto para as atividades instrumentais, não se encontrou diferente prevalência entre sexos. Um estudo que analisou dados de 57 países participantes da Pesquisa Mundial de Saúde, realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 2002 e 2004, evidenciou maior prevalência de condições incapacitantes nas mulheres, entre elas as incapacidades funcionais.19 Uma possível justificativa para esse achado pode estar relacionada ao fato de as mulheres apresentarem maior prevalência de condições incapacitantes não fatais (por exemplo, maiores prevalências de osteoporose, artrite e depressão) e, portanto, possuírem sobrevida mais larga, ficando mais vulneráveis aos desfechos em questão.20 Ou ainda, ao fato de as mulheres, em geral, serem mais inativas do que os homens,21 restritas principalmente a atividades domésticas e práticas com foco em saúde, enquanto homens são mais estimulados a praticar esportes no lazer e com foco em exercícios de força.22 As idosas deste estudo apresentaram maior prevalência de inatividade física quando comparadas aos homens (dados não apresentados), enquanto ser ativo associou-se a menor prevalência de incapacidade funcional.

O aumento da idade está relacionado a maiores níveis de incapacidade funcional,4 confirma este estudo, que evidenciou maior prevalência de incapacidade funcional conforme o avançar da idade, tanto para atividades básicas quanto para atividades instrumentais. As alterações fisiológicas resultantes do processo de envelhecimento, como declínio da capacidade aeróbia e da musculatura esquelética, relacionadas com o declínio da capacidade funcional, acentuam-se com o avançar da idade.23 Além disso, a maior prevalência de condições crônicas entre os idosos pode contribuir para o aumento da incapacidade nessa população.17,23 Em se tratando de delineamento transversal, não se pode descartar a possibilidade do viés de causalidade reversa. A presença de multimorbidades pode dificultar a realização de ABVD e AIVD, assim como idosos, enquanto incapacitados, estão mais propensos a desenvolver algumas doenças. Neste estudo, a escolaridade foi determinante da incapacidade funcional, observando-se que, ao aumentar os anos de estudo, diminuía a prevalência dos desfechos em qualquer um dos domínios avaliados, o que é consistente com a literatura.2,3,24 De acordo com a OMS (2005), a baixa escolaridade está associada a maiores riscos de deficiência e morte,25 principalmente porque oportunidades de aprendizado podem ajudar as pessoas a desenvolver habilidades, confiança para se adaptar e experimentar um processo de envelhecimento mais saudável.

Quanto à situação conjugal, os viúvos apresentaram maior prevalência de incapacidade funcional para atividades instrumentais e para ambas as incapacidades simultaneamente. A viuvez, para o idoso, pode levar a uma situação de isolamento e menor preocupação com a saúde, com possível influência negativa em sua capacidade funcional.26 Além disso, Pereira et al.24 sugerem que a maior prevalência de incapacidade funcional em viúvos pode estar relacionada ao fato de a situação de viuvez tender a ser maior em mulheres e pessoas mais idosas, justamente os dois grupos com maiores prevalências de incapacidade. Isto também ficou evidenciado no presente estudo.

Idosos que estavam trabalhando tiveram menor prevalência de incapacidade para atividades instrumentais, que envolvem aquelas mais complexas, e de incapacidade funcional de forma geral (considerando-se ambos os domínios, concomitantemente). Este achado é consistente com o observado em outros estudos,3,27 pois a atividade laboral implica desafios diários, que mantêm o trabalhador ativo, contribuindo para a manutenção de sua capacidade funcional.27 Todavia, é importante pontuar que os idosos poderiam não estar trabalhando em razão da própria incapacidade. De forma semelhante, idosos ativos no lazer também apresentaram menor prevalência de incapacidade nas atividades básicas e em ambos domínios os simultaneamente. A redução do nível de atividade física aliada à maior ocorrência de doenças crônicas, situações comuns nessa faixa etária, pode explicar a maior prevalência de incapacidades no grupo idoso.28 No entanto, cabe destacar que essa relação está sujeita ao viés de causalidade reversa: tanto a inatividade física aumenta o risco de incapacidade, como aqueles que têm mais incapacidades apresentarão, consequentemente, maiores níveis de inatividade física.

A associação entre doenças crônicas e incapacidade funcional encontrada neste estudo também foi observada em estudos prévios.3,4 A presença de doenças crônicas está relacionada ao envelhecimento25 e pode, por sua vez, tornar o idoso mais incapaz na realização de suas atividades diárias.

Algumas limitações ao presente trabalho devem ser mencionadas. Em função do delineamento transversal, a principal limitação do estudo está no possível viés de causalidade reversa em algumas associações, como já foi comentado. Cabe lembrar que o objetivo do estudo foi identificar fatores associados e não estabelecer relações causais. Um possível viés de seleção, devido à perda diferencial de idosos com menor idade na amostra, é outra limitação a citar, desde que a prevalência de incapacidade funcional em idosos na faixa etária de 60 a 69 anos pode estar subestimada. Não obstante, essa limitação teria pouco impacto sobre os resultados, pois, conforme já foi dito, a prevalência de incapacidade funcional tende a aumentar com o avanço da idade. E ainda existe a possibilidade de viés de sobrevivência, uma vez que idosos mais dependentes - e, consequentemente, com piores condições de saúde - possivelmente já morreram ou poderiam estar hospitalizados, o que subestimaria as prevalências dos desfechos estudados. Entre os idosos entrevistados, 171 tinham informações para ABVD e não para AIVD. A prevalência de incapacidade para ABVD entre esses idosos era de 50,0% (IC95% 42,5%;57,5%). Acredita-se que a prevalência de incapacidade para AIVD possa estar subestimada, já que entre as perdas a prevalência para ABVD foi superior à estimada para a amostra geral.

Com o envelhecimento da população a se acelerar em países de renda média, como o Brasil, a agenda de políticas sociais tem buscado se ajustar à nova realidade com a elaboração de políticas e programas focados na saúde dos idosos.29 A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa30 determina a atenção prioritária à saúde de idosos em situação de dependência funcional. É recomendável a inserção na rotina da atenção básica da avaliação da capacidade funcional de idosos, por meio de instrumentos de triagem validados, de fácil aplicação, que busquem identificar precocemente homens e mulheres idosos em risco de incapacidade; instrumentos como as escalas de Katz11 e Lawton,12 se fossem implementadas na rotina dos serviços na atenção à saúde do idoso. Finalmente, as autoras deste estudo acreditam ser necessário que os grupos de risco aqui identificados - mulheres, idosos de mais idade, de baixa escolaridade e porta-dores de enfermidades crônicas - sejam priorizados nessa avaliação.

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Recebido: 10 de Agosto de 2017; Aceito: 02 de Janeiro de 2018

Endereço para correspondência: Simone Farías-Antúnez - Rua Marechal Deodoro, no 1160, 3º piso, Centro, Pelotas, RS, Brasil. CEP: 96020-220 / Caixa Postal: 464. E-mail: simonefarias47@gmail.com

Contribuição das autoras Farías-Antúnez S, Lima NP, Bierhals IO, Gomes AP, Vieria LS e Tomasi E participaram da concepção e delineamento do estudo. Farías-Antúnez S, Lima NP e Gomes AP contribuíram na análise e interpretação dos dados. Farías-Antúnez S, Lima NP, Bierhals IO, Gomes AP e Vieira LS redigiram a primeira versão do manuscrito. Farías-Antúnez S, Lima NP, Bierhals IO, Gomes AP, Vieira LS e Tomasi E revisaram criticamente o manuscrito. Todas as autoras aprovaram a versão final e se responsabilizam por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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