Introdução
Durante a gravidez, manifestam-se múltiplas mudanças fisiológicas no organismo da mulher, a exemplo da modificação da homeostasia da cavidade oral e, como resultado, um grande número de alterações,1 destacando-se aquelas diretamente ligadas a fatores de higiene bucal, como a ocorrência de cárie e das doenças periodontais.
As gestantes estão mais predispostas à cárie dentária devido ao consumo frequente de carboidratos e aumento da acidez da boca pelo vômito frequente. Quanto à inflamação gengival, ela pode ser influenciada pelas alterações hormonais, por deficiência na higiene bucal, como também pela não realização de consultas ao cirurgião-dentista.2
Apesar de a saúde bucal das gestantes não receber a atenção necessária, fato atribuído à existência de tabus aliada à falta de informação, tem-se tentado alterar esse cenário nas duas últimas décadas. Ações educativas em odontologia voltadas a esse grupo populacional têm sido apoiadas em programas nacionais, a exemplo da inclusão de consulta odontológica no acompanhamento pré-natal pelo Sistema Único de Saúde (SUS).3
No Brasil, desde meados da década de 1990, o Ministério da Saúde desenvolve uma série de políticas para melhorar a qualidade da atenção à gestante, no cumprimento do princípio da integralidade na atenção prestada pelo sistema de Saúde Pública.4 Destaca-se a inclusão, no ano 2000, da equipe de saúde bucal (ESB) na Estratégia Saúde da Família (ESF). Com a Política Nacional de Saúde Bucal do SUS - Brasil Sorridente -, a população passou a ter acesso inclusive ao tratamento especializado na rede pública, nos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO).5 Os programas de redistribuição de renda, fortalecidos a partir de 2003, determinaram, positivamente, a melhoria da qualidade de vida desse grupo populacional. Vale salientar que o início e a consolidação das diversas políticas de saúde não coincidiram no tempo e sim segundo cada Unidade da Federação.
Desde o final da década de 1990, a condição bucal de gestantes e puérperas atendidas pela Saúde Pública no município de Feira de Santana, BA, tem sido investigada pelo Núcleo de Pesquisa, Prática Integrada e Investigação Multidisciplinar da Universidade Estadual de Feira de Santana (NUPPIIM-UEFS). Diante desse panorama de políticas e programas de saúde e sua possível contribuição para a alteração do padrão de saúde bucal dessas mulheres, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a condição bucal de gestantes e puérperas, usuárias de serviços públicos de saúde da cidade de Feira de Santana, estado da Bahia, Brasil, em três momentos distintos compreendidos entre os anos de 2005 e 2015.
Métodos
O presente estudo foi elaborado para comparar a condição bucal de gestantes e puérperas, usuárias de serviços públicos de saúde do município de Feira de Santana, em três diferentes períodos, entre os anos de 2005 e 2015. A base do estudo constituiu-se de um banco de dados estruturado a partir de pesquisas prévias do NUPPIIM-UEFS, desenvolvidas com o propósito de investigar a ‘Relação entre doença periodontal em gestantes e nascidos prematuros e/ou de baixo peso’.
Feira de Santana, no ano de 2010, tinha uma população de 556.642 habitantes, dos quais 292.643 mulheres. O rendimento mediano das mulheres do município ocupadas, com idade igual ou superior a 16 anos, era de R$ 510,00. Feira de Santana contava então com 148 estabelecimentos do SUS.6
As participantes deste estudo foram as gestantes e puérperas que buscaram atendimento nos serviços públicos de saúde, unidades básicas de saúde (UBS) e Hospital Inácia Pinto dos Santos - Hospital da Mulher. Estas eram algumas das unidades de saúde locais a prestar atendimento pelo SUS nos anos de 2005 a 2015.
Nas UBS, as gestantes e puérperas eram convidadas para participar da pesquisa. No Hospital da Mulher, as puérperas que se encontravam na instituição para realizar o parto, em um período inferior a 7 dias de internação, também eram convidadas a participar.
A amostra de mulheres investigadas compreendeu a somatória das amostras de três estudos desenvolvidos entre os anos de 2005 e 2015: I Estudo de intervenção, de 2005 a 2007 (336 gestantes), II Estudo caso-controle, de 2010 a 2011 (372 puérperas), e III Estudo caso-controle, de 2012 a 2015 (537 puérperas), todos desenvolvidos pelo mesmo grupo de pesquisadores. Os critérios de elegibilidade adotados por esses estudos foram descritos em publicações prévias.7-9 Todas as participantes responderam a um questionário desenhado para coleta das seguintes informações: dados socioeconômico-demográficos, história gestacional, hábitos de vida e aspectos relacionados com a saúde bucal.
Nos três estudos, cada participante submeteu-se a um exame clínico bucal completo, realizado por um cirurgião-dentista previamente treinado. A concordância das medidas clínicas foi calculada pelo índice Kappa interexaminador,10 obtendo-se os valores de 0,78 e 0,88 de concordância interexaminadores, respectivamente para as medidas de profundidade de sondagem e recessão (com diferença de ±1mm).
No exame periodontal, os seguintes descritores foram medidos: profundidade de sondagem; índice de sangramento à sondagem; índice de placa visível; e recessão gengival. Os valores de nível de inserção clínica foram obtidos para toda a cavidade bucal. Tais observações foram realizadas em seis diferentes locais, para cada unidade dentária; exceto para o índice de placa visível, avaliado apenas em quatro sítios.
A avaliação da presença de cárie pautou-se no índice CPO-D, cujo valor corresponde à soma do número de dentes cariados, perdidos e obturados/restaurados em cada indivíduo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).11 Essa avaliação foi efetuada apenas para os períodos de estudo 2010-2011 e 2012-2015.
As participantes também foram avaliadas quanto à presença de gengivite ou periodontite. A definição de periodontite baseou-se em duas categorias: presença e gravidade da doença.8,12,13
Na existência de qualquer alteração da condição bucal além dos limites da normalidade, as participantes eram orientadas e encaminhadas para tratamento adequado.
A partir dos bancos de dados de pesquisas do NUPPIIM-UEFS, foram reunidos dados originais dos três estudos prévios, relativos a características socioeconômico-demográficas, estilo de vida, história de saúde geral e condição periodontal e dentária das participantes. Os dados daquelas que apresentavam o conjunto completo dessas informações, independentemente do período do estudo, foram selecionados para um novo banco, estruturado com o propósito de unificar os dados provenientes de cada estudo e permitir as análises comparativas previstas na pesquisa.
O diagnóstico de presença de periodontite partiu de dois critérios. Segundo o critério 1 de Gomes-Filho,8,14 foi diagnosticada com periodontite a participante que apresentou pelo menos quatro dentes, com um ou mais sítios com profundidade de sondagem maior que 4mm, perda de inserção clínica maior ou igual a 3mm no mesmo sítio e presença de sangramento à sondagem. Segundo o critério 2, de Page & Eke12 e Eke et al.,13 foi diagnosticada com periodontite a participante definida de acordo com os níveis de gravidade leve, moderada e grave, descritos a seguir:
a) Periodontite grave - participantes que apresentaram pelo menos dois sítios interproximais com perda de inserção clínica maior ou igual a 6mm, em dentes diferentes, e pelo menos um sítio interproximal com profundidade de sondagem maior ou igual a 5mm.
b) Periodontite moderada - presença de pelo menos dois sítios interproximais com perda de inserção clínica maior ou igual a 4mm, ou pelo menos dois sítios interproximais com profundidade de sondagem maior ou igual a 5mm, em dentes diferentes.
c) Periodontite leve - entre as participantes restantes, aquelas que apresentaram pelo menos dois sítios interproximais com perda de inserção clínica maior ou igual a 3mm, ou pelo menos dois sítios com profundidade de sondagem de 4mm (não no mesmo dente), ou um sítio com profundidade de sondagem maior ou igual a 5mm.
Após a definição das participantes com periodontite, as demais mulheres foram identificadas com diagnóstico de gengivite se apresentassem pelo menos 25% de sítios com sangramento à sondagem.14
Quanto ao índice CPO-D,11 seu valor correspondeu à soma do número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados de cada participante. Para cada período, essa variável foi avaliada de forma contínua, obtendo-se as respectivas média e desvio-padrão, bem como sua categorização em três faixas: CPO-D igual a 0; CPO-D de 1 a 3; e CPO-D maior que 3.
O período da análise, de 2005 a 2015, foi selecionado dada a disponibilidade do banco de dados do NUPPIIM-UEFS, que coincide com o período de implantação/consolidação das políticas nacionais de Saúde da Mulher e de Saúde Bucal no âmbito municipal de Feira de Santana. A coleta dos dados - dos estudos referidos - foi realizada sobre três períodos: período I, de 2005 a 2007; período II, de 2010 a 2011; e período III, de 2012 a 2015.
Realizou-se a análise descritiva das variáveis de interesse para cada um dos três períodos selecionados. Para as variáveis contínuas, foram obtidas frequências simples, e para as variáveis categóricas, medidas de tendência central e dispersão.
Comparações foram realizadas, entre o primeiro período (2005-2007) e os dois períodos mais recentes (2010-2011 e 2012-2015), assim como entre os dois últimos períodos, empregando-se o teste de qui-quadrado de Pearson para as variáveis categóricas, ou o teste t de Mann-Whitney para as numéricas, de acordo com a distribuição dessas variáveis com nível de significância de 5%. Devido à não completude do banco de dados do primeiro período, algumas características da respectiva amostra, da mesma forma que as variáveis relacionadas a cárie dentária e diagnóstico dos níveis de gravidade da periodontite, não foram comparadas entre os três períodos avaliados. Todas as análises foram realizadas pelo programa estatístico SPSS versão 17.0.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (Registro nº 1110707/2015) e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
A amostra final do presente estudo, de 1.245 participantes, corresponde à somatória das amostras dos estudos realizados nos períodos I (2005-2007), II (2010-2011) e III (2012-2015), com média de idade ± desvio-padrão das participantes de 25,24 ± 6,12 anos, 23,87 ± 6,67 anos e 25,10 ± 6,6 anos, respectivamente a esses períodos.
A caracterização das participantes está apresentada na Tabela 1. Comparações foram realizadas entre as características das mulheres do período I e as das mulheres dos outros dois períodos, II e III, mais recentes. Na comparação entre os dois últimos períodos, o fato de a grande maioria das variáveis não ter apresentado diferenças demonstra homogeneidade entre os grupos investigados.
Tabela 1 Número (N) e percentual (%) das características socioeconômico-demográficas relacionadas com as condições gerais de saúde e hábitos de saúde bucal entre as participantes (n=1.245), de acordo com os três períodos do estudo, Feira de Santana, Bahia, 2016
Características socioeconômico-demográficas | Período I (2005-2007) | Período II 2010-2011 | Período III 2012-2015 | pa | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N=336 | N=372 | N=537 | ||||||
N | % | N | % | N | % | |||
Idade (em anos) | ||||||||
18-35 | 283 | 84,23 | 274 | 73,66 | <0,01 | 425 | 79,14 | 0,06 |
<18 e >35 | 53 | 15,77 | 98 | 26,34 | 112 | 20,86 | ||
Cor da pele materna | ||||||||
Branca | - | - | 40 | 10,93 | - | 463 | 9,57 | - |
Não branca | - | - | 326 | 89,07 | 49 | 90,43 | ||
Nível de escolaridade (em anos de estudo) | ||||||||
>4 | - | - | 322 | 87,27 | - | 444 | 85,39 | - |
≤4 | - | - | 47 | 12,73 | 76 | 14,61 | ||
Renda familiar (em salários mínimos) | ||||||||
>1 | 81 | 24,11 | 119 | 32,69 | - | 154 | 30,20 | 0,05 |
≤1 | 255 | 75,89 | 245 | 67,31 | 356 | 69,80 | ||
Situação conjugal | ||||||||
Com companheiro | 224 | 66,67 | 296 | 80,00 | <0,01 | 423 | 79,21 | <0,01 |
Sem companheiro | 112 | 33,33 | 74 | 20,00 | 111 | 20,79 | ||
Densidade domiciliar (em número de pessoas) | ||||||||
<4 | 180 | 56,97 | 120 | 33,33 | <0,01 | 155 | 32,84 | <0,01 |
≥4 | 136 | 43,03 | 240 | 66,67 | 317 | 67,16 | ||
Hábito de fumar na gestação | ||||||||
Não | - | - | 359 | 96,77 | - | 482 | 95,44 | - |
Sim | - | - | 12 | 3,23 | 23 | 4,56 | ||
Hábito de bebida alcoólica na gestação | ||||||||
Não | - | - | 329 | 88,68 | - | 440 | 85,27 | - |
Sim | - | - | 42 | 11,32 | 76 | 14,73 | ||
Consulta ao cirurgião-dentista na gestação | ||||||||
Sim | - | - | 104 | 28,03 | - | 186 | 35,03 | - |
Não | - | - | 267 | 71,97 | 345 | 64,97 | ||
Orientação do cirurgião-dentista sobre saúde bucal | ||||||||
Sim | - | - | 68 | 18,33 | - | 119 | 27,10 | - |
Não | - | - | 303 | 81,67 | 320 | 72,90 | ||
Frequência de escovação | ||||||||
>1 vez ao dia | - | - | 368 | 98,92 | - | 523 | 97,40 | - |
≤1 vez ao dia | - | - | 4 | 1,08 | 14 | 2,60 | ||
Uso de fio dental | ||||||||
Sim | - | - | 125 | 33,70 | - | 196 | 36,70 | - |
Não | - | - | 246 | 66,30 | 338 | 63,30 | ||
Hipertensão arterial | ||||||||
Não | 316 | 94,05 | 316 | 85,40 | <0,01 | 439 | 84,91 | <0,01 |
Sim | 20 | 5,95 | 54 | 14,60 | 78 | 15,09 | ||
Diabetes | ||||||||
Não | - | - | 368 | 99,73 | - | 507 | 98,64 | - |
Sim | - | - | 1 | 0,27 | 7 | 1,36 | ||
Infecção urinária | ||||||||
Não | 262 | 77,98 | 246 | 66,49 | <0,01 | 346 | 67,18 | <0,01 |
Sim | 73 | 21,72 | 124 | 33,51 | 169 | 32,82 | ||
Realização de pré-natal | ||||||||
Sim | 33 | 9,85 | 366 | 98,65 | <0,01 | 524 | 98,87 | <0,01 |
Não | 302 | 89,85 | 05 | 1,35 | 06 | 1,13 |
a) p: nível de significância ≤0,05.
Nota:
/n = dados não disponíveis no banco original, para cálculo de diferenças.
Quase todas as características das participantes do período I mostraram-se diferentes das correspondentes às participantes dos períodos II e III, com significância estatística (p≤0,05). Apenas a idade não apresentou diferença estatisticamente significativa, quando a comparação foi entre o primeiro (2005-2007) e o último período (2012-2015). No entanto, o aumento da frequência das gestantes e puérperas compreendidas nos extremos de idade - menor que 18 e maior que 35 anos - foi notado quando se comparou o primeiro período aos demais (15,8% versus 26,3% versus 20,9%).
De uma maneira geral, houve uma maior frequência de mulheres do primeiro período, quando comparadas àquelas dos dois últimos, ao se considerar a renda familiar até um salário mínimo (75,9% vs 67,3% vs 69,8%), a ausência de companheiros (33,3% vs 20,0% vs 20,8%) e a não realização de exame pré-natal (89,8% vs 1,4% vs 1,1%). Com relação à densidade domiciliar, o número de pessoas por domicílio igual ou superior a quatro teve maiores percentuais entre as participantes dos períodos mais recentes, quando comparadas àquelas de 2005 a 2007 (43,0% vs 66,7% vs 67,2%); o mesmo crescimento foi observado para a frequência de mulheres com hipertensão arterial (6,0% vs 14,6% vs 15,1%) e infecção urinária (21,7% vs 33,5% vs 32,8%).
A Tabela 2 apresenta a distribuição das variáveis relativas à condição periodontal das participantes nos dois períodos mais recentes, II e III. As mulheres avaliadas no período III, 2012-2015, apresentaram o número médio de dentes com profundidade de sondagem ≥4mm menor quando comparadas àquelas do período II, com diferença estatisticamente significante (p≤0,05). Por sua vez, as medianas do nível de inserção clínica e da profundidade de sondagem aumentaram nesse período mais recente. Com referência à condição de inflamação gengival, a pior situação também foi observada para as participantes do último período, uma vez que o percentual médio do índice de sangramento gengival se apresentou maior.
Tabela 2 - Média, desvio-padrão (DP), mediana e intervalo interquartil (IQ) das variáveis relativas à condição periodontal (n=909), de acordo com os períodos 2010-2011 e 2012-2015, Feira de Santana, Bahia, 2016
Variáveis da condição periodontal | Período II (2010-2011) | Período III (2012-2015) | pa |
---|---|---|---|
N=372 | N=537 | ||
Média ± DP Mediana [IQ] | Média ± DP Mediana [IQ] | ||
Índice de placa visível | 14,71 ± 54,05 5,23 [0,00;16,7] | 9,47 ± 15,13 5,00 [2,78;10,00] | 0,07 |
Índice de sangramento gengival | 7,05 ± 11,63 1,92 [0,00;8,33] | 8,98 ± 12,1 5,50 [2,00;11,00] | 0,02 |
Média de profundidade de sondagem | 1,87 ± 1,33 1,60 [1,38;2,14] | 1,83 ± 0,56 1,80 [1,50;2,10] | 0,57 |
Média de nível de inserção clínica | 2,05 ± 2,40 1,65 [1,38;2,20] | 2,04 ± 1,32 1,82 [1,58;2,26] | 0,96 |
Número de dentes com nível de inserção clínica 1 e 2 | 16,19 ± 9,14 18,00 [8,00;24,00] | 17,12 ± 6,33 17,00 [13,00;22,00] | 0,09 |
Número de dentes com nível de inserção clínica 3 e 4 | 8,04 ± 7,22 6,00 [2,00;14,00] | 7,14 ± 4,93 6,00 [3,50;10,0] | 0,04 |
Número de dentes com nível de inserção clínica ≥5 | 0,98 ± 2,30 0,00 [0,00;1,00] | 1,01 ± 2,16 0,00 [0,00;1,00] | 0,87 |
Número de dentes com profundidade de sondagem ≥4mm | 4,19 ± 8,71 0,00 [0,00;5,00] | 1,32 ± 2,75 0,00 [0,00;2,00] | <0,01 |
a) p: valor de nível de significância ≤0,05.
As participantes foram classificadas quanto ao diagnóstico de periodontite e de gengivite, segundo o critério 1 para os três períodos do estudo (Tabela 3). A comparação entre aquelas do primeiro período (2005-2007) e as participantes dos dois períodos mais recentes (2010-2011 e 2012-2015) demonstrou melhora da condição periodontal ao longo dos anos, evidenciada na redução das frequências de gengivite (24,4% versus 8,9% versus 5,8%; p<0,01) e de periodontite (44,6% versus 9,2% versus 11,6%; p<0,01), com diferenças estatisticamente significantes.
Tabela 3 - Número (N) e percentual (%) da condição periodontal das participantes (n=1.245), de acordo com os períodos do estudo, Feira de Santana, Bahia, 2016
Condição periodontal | Período I (2005-2007) | Período II 2010-2011 | Período III 2012-2015 | pa | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N=336 | N=371 | N=537 | |||||
N | % | N | % | N | % | ||
Diagnóstico da condição periodontal | |||||||
Sem gengivite/periodontite | 104 | 30,95 | 304 | 81,94 | 444 | 82,68 | |
Gengivite | 82 | 24,41 | 33 | 8,90 | 31 | 5,77 | <0,01 |
Periodontite | 150 | 44,64 | 34 | 9,16 | 62 | 11,55 | <0,01 |
Diagnóstico de periodontite | |||||||
Sem gengivite/periodontite | - | - | 216 | 58,22 | 313 | 58,29 | |
Gengivite | 12 | 3,23 | 8 | 1,49 | 0,09 | ||
Periodontite | - | - | 143 | 38,55 | 216 | 40,22 | 0,61 |
Diagnóstico da condição periodontal e nível de gravidade de periodontite | |||||||
Sem gengivite/periodontite | - | - | 216 | 58,22 | 313 | 58,29 | |
Gengivite | - | - | 12 | 3,24 | 8 | 1,49 | 0,09 |
Periodontite leve | - | - | 7 | 1,89 | 30 | 5,59 | <0,01 |
Periodontite moderada | - | - | 119 | 32,07 | 169 | 31,47 | 0,96 |
Periodontite grave | - | - | 17 | 4,58 | 17 | 3,16 | 0,23 |
a) p: valor de nível de significância ≤0,05.
As mulheres dos dois últimos períodos foram ainda classificadas quanto ao diagnóstico de periodontite, segundo dois diferentes critérios, e comparadas entre si (Tabela 4). A frequência de periodontite aumentou em, aproximadamente, três vezes em relação ao critério 1. Quando as mulheres foram classificadas segundo o critério 2, e reclassificadas quanto à gengivite, houve uma diminuição da ocorrência dessa condição em, aproximadamente, três vezes. Para as duas condições, gengivite e periodontite, quando a comparação foi realizada entre os períodos II e III, não foi observada diferença estatisticamente significante.
Tabela 4 - Média, desvio-padrão (DP), mediana e intervalo interquartil (IQ) das variáveis relativas à condição dentária (n=909), de acordo com os períodos 2010-2011 e 2012-2015, Feira de Santana, Bahia, 2016
Variáveis da condição dentária | Período II (2010-2011) | Período III (2012-2015) | pa |
---|---|---|---|
N=372 | N=537 | ||
Média ± DP Mediana [IQ] | Média ± DP Mediana [IQ] | ||
Quantidade de dentes presentes | 29,48 ± 3,57 31,00 [28,00;32,00] | 27,23 ± 4,13 28,00 [26,00;30,00] | <0,01 |
Número de dentes cariados | 2,05 ± 2,91 1,00 [0,00;3,00] | 2,23 ± 3,08 1,00 [0,00;3,00] | 0,41 |
Número de dentes extraídos | 1,93 ± 3,14 0,00 [0,00;3,00] | 3,39 ± 4,20 2,00 [0,00;5,00] | <0,01 |
Número de dentes restaurados | 1,76 ± 3,07 0,00 [0,00;3,00] | 2,11 ± 3,25 0,00 [0,00;3,00] | 0,13 |
Índice CPO-Db | 5,70 ± 5,14 5,00 [1,00;9,00] | 7,65 ± 6,05 7,00 [3,00;11,00] | <0,01 |
Necessidade de restauração | 1,57 ± 2,36 0,00 [0,00;2,00] | 1,95 ± 3,10 1,00 [0,00;3,00] | 0,05 |
Necessidade de coroa | 0,15 ± 0,66 0,00 [0,00;0,00] | 0,03 ± 0,22 0,00 [0,00;0,00] | <0,01 |
Necessidade de tratamento pulpar/restauração | 0,43 ± 0,95 0,00 [0,00;1,00] | 0,40 ± 0,93 0,00 [0,00;0,00] | 0,61 |
Necessidade de extração | 0,24 ± 0,83 0,00 [0,00;0,00] | 0,03 ± 0,30 0,00 [0,00;0,00] | <0,01 |
Número de dentes hígidos | 25,66 ± 6,11 27,00 [23,00;31,00] | 22,85 ± 6,22 24,00 [19,00;28,00] | <0,01 |
a) p: valor de nível de significância ≤0,05.
b) CPO-D: soma do número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados.
Voltando à Tabela 3, é apresentada a distribuição das participantes quanto ao nível de gravidade de periodontite, segundo o critério 2, para os períodos II e III. Houve diferença estatisticamente significante apenas para a frequência de periodontite leve, que se apresentou com maior ocorrência no último período (1,9% versus 5,6%; p<0,01). A periodontite moderada foi a mais frequente entre os níveis de gravidade avaliados; no entanto, essa ocorrência não mostrou diferença estatisticamente significante entre as mulheres dos dois últimos períodos.
Com relação à condição dentária (Tabela 4), as piores situações (média ± desvio-padrão) foram observadas no grupo de mulheres avaliadas no período III, com diferença estatisticamente significante (p≤0,05): a menor quantidade média de dentes presentes (27,2 ± 4,1), o menor número médio de dentes hígidos (22,8 ± 6,2), o maior número médio de dentes extraídos (3,4 ± 4,2) e o maior índice CPO-D (7,6 ± 6,0). Ainda com relação à condição dentária, as mulheres participantes do período II apresentaram maior necessidade de prótese unitária (coroa) e de exodontia quando comparadas àquelas do período de III (0,2 ± 0,7 e 0,2 ± 0,8, respectivamente).
Na Figura 1, ao se analisar o índice CPO-D por categoria, é possível observar um maior percentual de indivíduos com CPO-D >3 no período III, em relação ao período II (72,4% vs 56,1%; p<0,001); também se nota diferença estatisticamente significante (p<0,001) entre as demais categorias, para ambos os períodos. A composição percentual desse índice demonstra que o componente ‘dentes cariados’ diminuiu e o componente ‘dentes perdidos’ aumentou, no período mais recente (Figura 2, A/B).

a) CPO-D: soma do número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados.
Figura 1 - Categorização do índice CPO-Da de acordo com os períodos 2010-2011 e 2012-2015, Feira de Santana, Bahia, 2016
Discussão
De acordo com os principais achados, houve uma melhora da condição periodontal ao longo do período total estudado (2005 a 2015), coincidente com o surgimento e consolidação das políticas de Saúde da Mulher e Saúde Bucal no município de Feira de Santana. Entretanto, achados positivos não foram identificados na condição dentária, apontando para o modelo curativista,15 ainda vigente nos serviços públicos na área da Odontologia, e o acúmulo histórico decorrente do menor acesso ao tratamento odontológico. Esses achados são corroborados por estudo descritivo sobre a experiência de cárie realizado no ano de 2005, entre adolescentes e adultos residentes no município de Salvador, capital do estado da Bahia, situado a 110km do município de Feira de Santana.16
As demais características das participantes dos períodos mais recentes (2010-2011 e 2012-2015), quando comparadas entre si, mostraram homogeneidade entre os grupos, uma vez que a maior parte das variáveis não apresentou diferença intergrupos; diferiram, entretanto, daquelas apresentadas pelas mulheres do primeiro período investigado (2005-2007).
As mudanças observadas na caracterização desse grupo populacional podem ser explicadas pela facilitação do acesso das mulheres a ações de saúde como o Programa de Assistência Integral à Mulher (PAISM) e o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN).17 Essas mudanças também podem ter resultado do fortalecimento dos programas sociais do governo federal, refletido no aumento da densidade domiciliar e da renda familiar.
O Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado, em nível nacional, no ano de 1994, com o objetivo principal de reorganizar a prática na Atenção Primária no Brasil;18 renomeado como Estratégia Saúde da Família (ESF) em 2006, prioriza as ações preventivas e a recuperação da saúde. A inclusão da equipe de Saúde Bucal (ESB) na ESF ocorreu em 2000, como uma tentativa de melhorar os índices de morbidades bucais e tornar o acesso à saúde bucal menos iníquo.19
Vale destacar que o surgimento desses programas ocorreu em períodos diferentes, para as diversas Unidades da Federação. No município de Feira de Santana, a primeira equipe de PSF foi criada no ano de 2000; e em 2004, sua primeira ESB.20
O cirurgião-dentista, enquanto membro de uma equipe multidisciplinar, integrou-se aos demais profissionais na realização de ações preventivas para os mais diversos grupos,21 destacando-se a atenção às gestantes, haja vista a estreita relação entre o período gestacional e alterações na condição bucal.22,23
Estratégias de redistribuição de renda também foram criadas, salientando-se o Programa Bolsa Família, do governo federal, nos benefícios concedidos às famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza, com incremento variável no benefício àquelas famílias em cuja composição se encontrem gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes.24,25
Contudo, nem todas as melhorias nos indicadores de saúde bucal se devem unicamente aos serviços públicos. No período estudado, observou-se a expansão da oferta de serviços de saúde e de planos odontológicos privados acessíveis, reiterando as desigualdades no acesso aos serviços, mesmo no contexto da expansão da atenção odontológica pública.26
Com relação à presente avaliação da condição periodontal, dois critérios de classificação de periodontite foram empregados durante o levantamento dos dados. Um deles, proposto por Page e Eke12 e Eke et al.,13 tem por objetivo avaliar medidas de morbidade da condição periodontal de base populacional, além de permitir estratificar a periodontite de acordo com seu nível de gravidade. Já o critério proposto por Gomes-Filho14 tem sido indicado para investigações cuja finalidade é estimar a associação entre duas enfermidades, devido a sua boa especificidade atribuída à combinação de três descritores clínicos.8
Embora o primeiro critério citado no parágrafo anterior retrate de forma mais fiel a frequência da periodontite no grupo de mulheres em nível populacional, o segundo8 reafirma a tendência de redução da ocorrência das doenças periodontais ao se compararem os três períodos do estudo. Também vale destacar a realização do exame clínico periodontal completo, envolvendo seis sítios em cada dente, pois os exames parciais, comumente empregados em estudos de base populacional, costumam aumentar a probabilidade de classificação equivocada da doença.12
Analisando-se a experiência de cárie na amostra do presente estudo, de maneira geral, os valores médios do índice CPO-D das participantes estão abaixo daqueles obtidos em nível nacional para adultos.27 Foi escolhido o índice CPO-D porque expressa a história da doença ao longo do tempo, levando em consideração os desfechos da cárie, dentes perdidos e restaurados. Trata-se de um índice amplamente utilizado nos levantamentos epidemiológicos, para avaliação da experiência de cárie dentária em populações.11
O aumento do CPO-D observado deve-se mais aos componentes ‘dentes perdidos’ e ‘dentes obturados’, representativos dos tratamentos realizados, do que ao componente ‘dentes cariados’, este que reflete a incidência da doença. São achados acordes com dados observados em 2005, entre adolescentes e adultos do município de Salvador, onde, para a faixa etária de 15 a 19 anos, o índice CPOD encontrado foi de 3,1, com destaque para o componente 'cariado', enquanto para a idade de 35 a 44 anos, o CPO-D foi de 14,1, com participação relevante (60%) do componente ‘dentes perdidos’.15
A predominância da perda dentária na experiência de cárie (aproximadamente 44% do CPO-D), se por um lado pode representar uma demanda histórica reprimida, por outro lado contribui para a discussão sobre a persistente prática mutiladora enquanto melhor forma de tratamento odontológico,28 e o acúmulo histórico decorrente do menor acesso a esse tratamento pelo serviço de saúde.
Não obstante o surgimento das políticas de saúde, especificamente da Estratégia Saúde da Família, o acesso aos serviços de saúde ainda é precário. Em Feira de Santana, a atuação das equipes de Saúde Bucal na ESF teve início somente em 2004, com apenas 11 equipes. A quantidade de ESB foi aumentando gradativamente até atingir - somente em 201519 - 39 equipes, número insuficiente para cobrir a assistência da população.
A quantidade de Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) criados, no bojo da Política Nacional de Saúde Bucal do SUS, Brasil Sorridente, tampouco é capaz de atender às demandas da população. Essa fragilidade no atendimento contribui para a falta de resolutividade e agravamento dos problemas bucais,28 compelindo os profissionais da Atenção Primária a trabalhar sob a ótica do modelo curativista, perpetuando o edentulismo decorrente das práticas mutiladoras.
Apesar de os achados sinalizarem melhora da condição periodontal em relação ao período inicial do estudo, a ocorrência das doenças investigadas ainda é alta, diante do conhecimento do efeito tanto da periodontite como da cárie dentária sobre o sistema estomatognático, na alteração da mastigação, fala e digestão, com repercussão na autoestima, desempenho laboral e relações sociais. A importância do controle dessas enfermidades é reforçada, ademais, pelo fato de estudos prévios terem demonstrado a associação entre a periodontite e doenças e condições sistêmicas, a exemplo da prematuridade e baixo peso ao nascer.29-30