Introdução
No Brasil, o câncer de mama é o mais frequente entre as mulheres. Para 2016, foram estimados 57.960 casos novos de câncer de mama no país.1 Essa incidência, apesar de inferior à dos países de alta renda, quando contraposta à taxa de mortalidade, aponta um cenário desfavorável ao Brasil, pois a razão mortalidade/incidência é maior2 e a diferença entre as taxas de incidência e mortalidade menor, na comparação com países de alta renda.3 Em 2014, o câncer de mama apresentou a maior taxa de mortalidade por câncer em mulheres ajustada pela população mundial: 13,03 por 100 mil mulheres.4
Esse cenário evidencia a necessidade de melhorar as ações de detecção precoce e rastreamento e avaliar a continuidade da investigação diagnóstica e do tratamento.5-7 Ainda assim, observa-se queda na mortalidade por câncer de mama nas capitais do país, excetuando as da região Norte;8 e crescimento da mortalidade fora das capitais,9 possivelmente em função das dificuldades de acesso ao diagnóstico e ao tratamento.
A mamografia é a técnica recomendada para o rastreamento do câncer de mama, por sua capacidade de detectar lesões não palpáveis e possibilitar a redução na mortalidade pela neoplasia.10 Pode-se atribuir essa redução na mortalidade aos avanços no tratamento, além da detecção dos casos em estádios iniciais decorrentes do diagnóstico precoce,7,11 sendo fundamental assegurar o acesso à confirmação diagnóstica e ao tratamento.12 É também necessário assegurar a periodicidade e uma cobertura da população-alvo igual ou superior a 70%, para que haja redução na mortalidade.13
Em 2013, foi publicada a atual Política de Prevenção e Controle do Câncer no Brasil: a Portaria MS/GM no 874, de 16/05/13,14 reitera o rastreamento e a garantia da confirmação diagnóstica como diretrizes e princípios relacionados à prevenção do câncer. Um sistema fragmentado, com problemas de acesso e qualidade no cuidado, propicia atraso no diagnóstico e início do tratamento, e consequente captação de mulheres em estádios mais avançados da doença, tornando o rastreamento menos efetivo.15
Uma análise dos registros de câncer de base populacional (RCBP) mostrou que 25% dos casos de câncer de mama levaram mais de três meses entre o diagnóstico e o início do tratamento.16 Outro estudo, ao utilizar o Registro Hospitalar de Câncer, mostrou que, nos hospitais especializados, os tempos medianos entre diagnóstico e primeira consulta (35 dias) e entre primeira consulta e início do tratamento (22 dias) foram maiores para as mulheres com diagnóstico prévio de câncer de mama, frente àquelas que chegaram a essas unidades sem o diagnóstico (13 dias e 28 dias, respectivamente).17
A investigação tardia de lesões mamárias suspeitas é identificada como um dos fatores relacionados ao estágio avançado.18,19 Todavia, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde parece ser o componente mais expressivo na composição desse quadro.7 Estudos envolvendo mulheres com câncer de mama, ao utilizarem sistemas de informações em saúde, têm servido para identificar e avaliar pontos críticos na rede assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS).20,21
A redução das desigualdades no acesso ao cuidado e a métodos diagnósticos e terapêuticos pode reduzir a mortalidade por câncer de mama. A concentração de serviços e recursos humanos em áreas urbanas é apontada como uma das barreiras a superar, para o acesso ao cuidado,22 evidenciando que a organização da rede de atenção à saúde permanece como um desafio.
Este estudo objetivou descrever o acompanhamento, durante dois anos, das mulheres com mamografias de rastreamento com lesão suspeita ou altamente suspeita de malignidade no município do Rio de Janeiro, Brasil, mediante o seguimento passivo das mulheres em bases de dados administrativas e de mortalidade.
Métodos
Foi construída uma coorte para descrever o seguimento das mulheres residentes no município do Rio de Janeiro que realizaram rastreamento para câncer de mama no segundo semestre de 2010, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Foram elegíveis para o estudo mulheres com mamografias de rastreamento cujo resultado foi BI-RADS® 4 (suspeita de malignidade) ou 5 (altamente suspeita de malignidade) em uma das mamas,23 registradas no Sistema de Informação do Programa de Controle do Câncer de Mama (SISMAMA).
Foram utilizados dados de estudo prévio,24 em que foi realizado relacionamento probabilístico entre as bases de dados avaliadas, utilizando-se o programa RecLink. Os campos selecionados para o pareamento foram ‘nome’, ‘nome da mãe’ e ‘data de nascimento’, sendo adotados os parâmetros propostos no manual do programa. Fez-se uma revisão manual de todos os pares formados com escore >0.
O seguimento contemplou a linha de cuidado do câncer de mama durante dois anos, e abordou investigação diagnóstica, tratamento e óbito (Figura 1). As informações de investigação diagnóstica consistiram dos procedimentos de biópsia de mama provenientes do módulo anatomopatológico do SISMAMA e do Boletim de Produção Ambulatorial Identificado (BPA-I) do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS). Nas situações com mais de um exame, considerou-se a data do primeiro diagnóstico de câncer de mama. A peça cirúrgica não foi incluída como investigação diagnóstica, por ser um desdobramento da etapa de tratamento.
a) SISMAMA: Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama.
b) SIA/SUS (BPA-I): Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (Boletim de Produção Ambulatorial Individualizado).
c) SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde.
d) APAC-Onco: Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade - Oncologia.
d) SIM: Sistema de Informações sobre Mortalidade.
As informações sobre tratamentos (cirurgias, quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia) provieram do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade de Oncologia (APAC-Onco) e do exame anatomopatológico de peça cirúrgica do SISMAMA ou do BPA-I. Nas situações com informação em mais de uma base, considerou-se como tratamento a data mais antiga, ainda que fosse a data da internação disponível no SIH/SUS. As causas básicas de óbitos foram obtidas do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
Excluíram-se os casos prevalentes, ou seja, de mulheres que apresentaram câncer de mama (C50) ou neoplasia da mama de comportamento incerto (D486), ou tratamento para câncer de mama em data anterior à mamografia de inclusão no estudo, sendo 19 com registro na APAC-Onco e oito no exame anatomopatológico (SISMAMA ou SIA/SUS).
Foram apresentadas as características - em valores proporcionais - das mulheres incluídas no estudo. As características clínicas avaliadas foram: resultado da mamografia (BI-RADS® 4 ou 5), tipo de lesão (nódulo palpável [>20mm]; não palpável [até 20mm] ou sem nódulo) e exame clínico das mamas anterior (sim; não). As características assistenciais avaliadas foram o tipo de unidade de solicitação do exame (unidade básica de saúde [UBS], unidade secundária, hospital geral ou hospital especializado para tratamento do câncer) e a área programática (AP) da unidade de solicitação e de realização da mamografia. O tipo de unidade de solicitação foi classificado conforme descrição registrada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). As características socioeconômicas avaliadas foram o grupo etário (em anos: <40; 40 a 49; 50 a 69; 70 ou mais) e a escolaridade (analfabeta; ensino fundamental incompleto ou completo; ensino superior incompleto ou completo). Também foi calculada a proporção de mulheres identificadas e não identificadas no seguimento por essas características.
Para a comparação das proporções, foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson, com ou sem correção de continuidade de Yates, ou o teste exato de Fisher,25 conforme indicação, para verificar a existência de diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre as proporções.
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Parecer no 1.105.945, de 25/05/2015), do município do Rio de Janeiro (Parecer no 1.162.544, de 20/07/2015) e do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Parecer no 1.139.738, de 06/07/2015).
Resultados
Foram elegíveis 233 mulheres com mamografias de rastreamento com lesão suspeita ou altamente suspeita de malignidade, sendo excluídos 27 casos prevalentes. A Tabela 1 apresenta as características das 206 mulheres estudadas, das quais 54,9% tinham idade de 50 a 69 anos. Apenas 13,1% das mamografias foram solicitadas por UBS e 85,4% das mulheres informaram ter as mamas examinadas anteriormente. Na AP 2.2, foram solicitadas e realizadas, respectivamente, 45,6% e 76,2% das mamografias. A escolaridade foi uma variável pouco preenchida: 4,4%.
Características | n | % |
---|---|---|
Grupo etário (em anos) | ||
<40 | 9 | 4,4 |
40-49 | 45 | 21,8 |
50-59 | 64 | 31,1 |
60-69 | 49 | 23,8 |
70-79 | 27 | 13,1 |
≥80 | 12 | 5,8 |
Tipo de unidade solicitante da mamografia | ||
Hospital especializado | 91 | 44,2 |
Hospital geral | 18 | 8,7 |
Unidade secundária | 70 | 34,0 |
Unidade básica de saúde | 27 | 13,1 |
Exame clinico das mamas anterior | ||
Não | 30 | 14,6 |
Sim | 176 | 85,4 |
Categoria BI-RADS® da mamografia | ||
4 | 162 | 78,6 |
5 | 44 | 21,4 |
Tipo de lesão | ||
Não palpável | 171 | 83,0 |
Palpável | 35 | 17,0 |
Área programática de solicitação da mamografia | ||
1.0 | 72 | 35,0 |
2.1 | 2 | 1,0 |
2.2 | 94 | 45,6 |
3.1 | 9 | 4,3 |
3.2 | 7 | 3,4 |
3.3 | 6 | 2,9 |
4.0 | 1 | 0,5 |
5.1 | 5 | 2,4 |
5.2 | 7 | 3,4 |
5.3 | 2 | 1,0 |
Fora do município | 1 | 0,5 |
Área programática de realização da mamografia | ||
2.2 | 157 | 76,2 |
2.3 | 28 | 13,6 |
3.2 | 5 | 2,4 |
4.0 | 14 | 6,8 |
Fora do município/estado | 2 | 1,0 |
Escolaridade | ||
Sem informação | 197 | 95,6 |
Analfabeta | 1 | 0,5 |
Ensino fundamental incompleto | 2 | 0,9 |
Ensino fundamental completo | 3 | 1,5 |
Ensino superior completo | 3 | 1,5 |
Cento e duas mulheres (49,5%) foram identificadas em pelo menos uma das bases analisadas (Figura 2). Destas, 12 (11,8%) tinham exame anatomopatológico oriundo de biópsia, sendo dez (83,3%) com diagnóstico proveniente da base do SISMAMA e as demais do BPA-I; todas as 12 tinham resultado positivo para malignidade, sendo identificadas 11 (91,7%) em tratamento - quatro com dados oriundos do SIH/SUS e sete da APAC-Onco; apenas uma evoluiu para óbito por câncer de mama.
Das 194 mulheres sem informação de biópsia nas bases analisadas, 82 (42,3%) foram identificadas no tratamento. Destas, 43 (52,4%) ficaram com informações oriundas da base da APAC-Onco, 38 (46,3%) do SIH/SUS - uma delas com Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) benigna na cirurgia de mama - e uma do BPA-I. Entre as 81 mulheres identificadas com tratamento para câncer de mama, sete (8,6%) evoluíram para óbito por essa neoplasia. Apenas seis mulheres tinham informação tanto no SIH/SUS como no exame anatomopatológico (peça cirúrgica); dessas, quatro tinham data de realização do exame após um dia da data da internação, uma após dois dias e a outra após cinco dias. Entre as 38 mulheres que foram identificadas na cirurgia com câncer de mama, 28 (73,7%) também foram identificadas em tratamento de quimioterapia, radioterapia ou hormonioterapia em data posterior (Figura 2).
Das 112 mulheres que não foram identificadas na investigação diagnóstica e no tratamento, quatro (3,6%) evoluíram para óbito por câncer de mama. Também foram identificados quatro óbitos por outras causas: um por septicemia não especificada, um por celulite de dedos das mãos e dos pés, um por insuficiência cardíaca congestiva e um por outras causas mal definidas/não especificadas de mortalidade. Em nenhum desses óbitos havia informação de causa associada, capaz de indicar possível relação com câncer de mama (Figura 2).
A proporção de mulheres identificadas no tratamento nas bases analisadas foi maior naquelas com mamografia BI-RADS® 5 (p<0,001), lesões palpáveis (p<0,001), e nas mulheres com 50 ou mais anos de idade (embora com significância estatística limítrofe: p=0,062), quando comparadas às que não foram identificadas no tratamento (Tabela 2).
Características | Identificadas em tratamento (n=93) | Não identificadas em tratamento (n=113) | Valor de pa | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Grupo etário (em anos) | 0,062 | ||||
<50 | 18 | 19,4 | 36 | 31,9 | |
≥50 | 75 | 80,6 | 77 | 68,1 | |
Categoria BI-RADS® b | <0,001 | ||||
BI-RADS® 4 | 62 | 66,7 | 100 | 88,5 | |
BI-RADS® 5 | 31 | 33,3 | 13 | 11,5 | |
Tipo de lesão | <0,001 | ||||
Não palpável | 67 | 72,0 | 104 | 92,0 | |
Palpável | 26 | 28,0 | 9 | 8,0 | |
Área programática de solicitação da mamografia | 0,380 | ||||
1 | 27 | 29,0 | 45 | 39,8 | |
2 | 49 | 52,7 | 47 | 41,6 | |
3 | 10 | 10,8 | 12 | 10,6 | |
4 | 1 | 1,1 | - | - | |
5 | 6 | 6,4 | 8 | 7,1 | |
Fora do município | - | - | 1 | 0,9 | |
Área programática de realização da mamografia | 0,339 | ||||
2 | 82 | 88,2 | 103 | 91,1 | |
3 | 2 | 2,1 | 3 | 2,7 | |
4 | 9 | 9,7 | 5 | 4,4 | |
Fora do município ou estado | - | - | 2 | 1,8 | |
Tipo de unidade solicitante | 0,274 | ||||
Hospital especializado | 46 | 49,5 | 45 | 39,8 | |
Hospital geral | 10 | 10,8 | 8 | 7,1 | |
Unidade secundária | 26 | 27.9 | 44 | 38,9 | |
Unidade básica de saúde | 11 | 11,8 | 16 | 14,2 | |
Exame clínico das mamas anterior | 0,679 | ||||
Não | 12 | 12,9 | 18 | 15,9 | |
Sim | 81 | 87,1 | 95 | 84,1 |
a) Valor de p: teste do qui-quadrado de Pearson, com ou sem correção de continuidade de Yates; ou teste exato de Fisher; foram excluídas as categorias zeradas.
b) BI-RADS: Breast Imaging-Reporting and Data System - classificação dos achados das imagens radiológicas, proposta pelo American College of Radiology e adaptada para o Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (SISMAMA).
Discussão
A maioria das mamografias foi realizada na faixa etária recomendada pelo Ministério da Saúde para rastreamento do câncer de mama.10 Contudo, uma proporção elevada desses exames foi realizada fora da faixa etária preconizada, o que contribui para a baixa cobertura de exames na população-alvo, conforme apontado em outros estudos.12,26,27 Além disso, 13,1% das mulheres tiveram suas mamografias solicitadas por UBS, um aspecto a ser estudado com maior profundidade, considerando-se que a Atenção Primária é a porta de entrada no sistema de saúde e a ordenadora do cuidado.28
A baixa informação sobre exame anatomopatológico encontrada nesta pesquisa sugere dificuldade no acesso à confirmação diagnóstica pelo SUS,18,29 reiterando a possibilidade de realização do exame fora da rede do sistema e, inclusive, fora do município do Rio de Janeiro. Apenas 45,1% das mulheres foram identificadas na cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou hormonioterapia, pelos sistemas de informações utilizados. Como a mamografia detecta suspeições e foram encontrados poucos registros de confirmação diagnóstica, não há como afirmar que as mulheres sem informação de biópsia seriam casos não detectados no estudo. Porém, das mulheres sem informação de biópsia, 42,2% (82/194) estavam em tratamento. Este fato reforça a possibilidade de realização de exames diagnósticos na rede privada.
A exclusão pelo estudo de 27 casos prevalentes sugere que as mamografias de rastreamento solicitadas podem se referir a exames de acompanhamento de mulheres com histórico prévio de câncer de mama. Uma vez tratadas, elas precisam realizar o seguimento e o SISMAMA não permite diferenciação entre mamografia de rastreamento de mulheres assintomáticas com risco-padrão, das mamografias de rastreamento de mulheres já tratadas com câncer de mama. A versão web do SISMAMA, o Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), ora em implantação, aporta essa melhoria ao diferenciar os tipos de mamografia de rastreamento.30 Já a presença de nódulos palpáveis no grupo das 206 mulheres incluídas no estudo sinaliza possíveis problemas também no preenchimento do tipo de solicitação da mamografia, que deveria ser registrada como mamografia diagnóstica. A presença de nódulos palpáveis em mamografia de rastreamento também foi identificada em estudo prévio, segundo o qual essa proporção, no Brasil, foi de 11,4%,26 inferior à apresentada aqui. O presente estudo restringiu-se a mamografias suspeitas e altamente suspeitas de malignidade, o que pode explicar, em parte, a maior proporção de nódulos palpáveis encontrados.
Observa-se, em relação às áreas programáticas (APs), um quantitativo maior das que solicitaram e um menor das que realizaram o exame, sinalizando a concentração da oferta desse serviço em certas áreas. Apesar de a AP 1.0 ter solicitado 35% das mamografias, nenhuma foi realizada nessa área. Não obstante, a AP 2.2, que solicitou 45,6% das mamografias, surge como um centro de realização desses exames (76,2%).
A utilização da data de internação do SIH/SUS como proxy da data da cirurgia parece ser uma boa estratégia para estimar a data do tratamento cirúrgico: dos casos que também tinham a informação de exame anatomopatológico por peça cirúrgica, o intervalo entre a data de internação e a data de realização desse procedimento foi inferior a uma semana. Neste estudo, manteve-se como data da cirurgia a data de internação do SIH/SUS e não a data de realização do exame anatomopatológico por peça cirúrgica - SISMAMA ou BPA-I -, nas situações em que a mulher tinha registro nos dois sistemas. Apesar de a data do anatomopatológico por peça cirúrgica ser a que traduz, de fato, a data do tratamento, esta foi identificada apenas em seis anatomopatológicos; a utilização dessa data também poderia induzir uma variação não desejável, visto que, em 36 cirurgias, seriam mantidas as datas informadas no SIH/SUS. Ademais, verificou-se que a data de internação foi um bom estimador da data de cirurgia.
São limitações do presente estudo a qualidade do preenchimento nos sistemas, o que pode ter impossibilitado a identificação da mulher nas bases de dados analisadas. Ademais, a mulher pode não ter sido encontrada na base da APAC-Onco pelo fato de estar sendo tratada por um câncer metastático e o critério utilizado para separar os registros nessa base, pelos procedimentos de tratamento de câncer de mama, tê-la excluído.24 Também existe a possibilidade de o tratamento ter-se realizado fora do município ou na rede privada de saúde, uma vez que, entre as não encontradas em tratamento, foram identificados quatro óbitos por câncer de mama. Outra limitação a considerar é a possível manutenção de alguma mulher com câncer de mama na base de referência, a despeito dos critérios de exclusão, pois, nos casos em que o tratamento foi cirúrgico e sem informação de biópsia, não foi possível avaliar se havia diagnóstico prévio de câncer de mama entre as mamografias de referência. Outrossim, não foi utilizada a informação de mamografia anterior alterada como um critério de seleção que pudesse refinar a base de referência, com a exclusão desses casos. A ausência na base do SIH/SUS da competência de agosto de 201124 também pode ter contribuído para a perda de informação, caso algumas investigações anatomopatológicas, possivelmente, não tenham sido incluídas.
O estudo mostrou ser possível a recuperação das informações sobre linha de cuidado do câncer de mama a partir dos registros nos sistemas de informações em saúde, ainda que de forma parcial. A estratégia utilizada permitiu que algumas mulheres fossem localizadas mas evidenciou, sobretudo, a dificuldade de informação sobre a confirmação diagnóstica, indicando a necessidade de se aperfeiçoar a organização da rede de atenção ao câncer de mama. A classificação do tipo de estabelecimento - unidade básica de saúde, unidade secundária, hospital geral ou hospital especializado - possibilitou avaliar o perfil dos serviços de saúde solicitantes dos exames necessários.