Introdução
Segundo estimativas do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) para 2015, 38,8 milhões de pessoas viviam com o HIV no mundo, e destas, 2,1 milhões representavam novas infecções naquele ano. Outrossim, um total de 17 milhões de pessoas se encontrariam em tratamento e teriam ocorrido 1,1 milhão de mortes pela doença, no mesmo ano de 2015. Estima-se que cerca de 50% das pessoas vivendo com HIV necessitem de tratamento e muitas desconheçam seu status sorológico.1
No Brasil, estimativas de prevalência de infecção pelo HIV em parturientes, referentes ao período de 2004 a 2006, apontam uma prevalência em mulheres de 0,4%.2,3 Entre os jovens do sexo masculino, na faixa etária de 17 a 20 anos, a prevalência do HIV foi estimada em 0,12% para o ano de 2007.4 Estudos realizados em 2008-2009 estimaram prevalência de 4,9% entre usuários de drogas injetáveis (UDI),5 12,1% entre homens que fazem sexo com homens6 e 5,8% entre mulheres profissionais do sexo.7
A epidemia do HIV no Brasil, segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS),8 configura-se como concentrada: as prevalências em populações-chave (UDI, homens que fazem sexo com homens e mulheres profissionais do sexo) são mais altas que na população de 15 a 49 anos de idade; em 2004, a prevalência da infecção pelo HIV foi de 0,42%: 0,31% entre as mulheres e 0,52% entre os homens.2 A epidemia generalizada caracteriza-se como epidemia bem estabelecida na população geral, com prevalência da infecção acima de 1% entre as gestantes.8
De 1980 até junho de 2016, foram registrados no Brasil 842.710 casos de aids.9 De 2005 a 2015, foram, em média, 41,1 mil novos registros de casos a cada ano. No período de 2005 a 2015, a taxa de detecção no país apresentou-se estável, com média anual de 20,7/100 mil habitantes. Na região Sul, essa taxa também foi estável, com média anual de 31,6/100 mil hab. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram tendência de crescimento significativa. A região Sudeste apresentou tendência decrescente, com taxas de detecção de 25,2 e 18,0 casos novos/100 mil hab. em 2005 e 2015, respectivamente.9
Na região Sul, destaca-se o estado do Rio Grande do Sul, que registrou, de janeiro de 1982 a junho de 2016, 84.852 casos de aids, representando 50,1% dos casos acumulados na região e 10,1% no Brasil.9 Na série histórica, desde 2005, o estado figura entre as três Unidades da Federação com as maiores taxas de detecção.9 O Rio Grande do Sul apresentou taxa de detecção de casos de aids de 74,0/100 mil hab. em 2015; desde 2001, o estado tem apresentado as maiores taxas de mortalidade pela doença no país.9
Em 2014, o UNAIDS reportou que o estado do Rio Grande do Sul apresentava uma prevalência do HIV entre as mulheres de 2%;10 em 2004, a prevalência da infecção pelo vírus entre mulheres, no conjunto do país, era bastante menor: 0,4%.2 Considerando-se os parâmetros da OMS, a epidemia no estado se enquadraria como generalizada.
Estudos sobre a epidemia de HIV e aids no Rio Grande do Sul, seus resultados e conclusões são úteis como subsídios ao debate sobre o padrão da epidemia no estado e em sua única região metropolitana, conhecida como Grande Porto Alegre, bem como à reflexão sobre as estratégias adotadas para o enfrentamento do agravo.
O presente artigo objetivou descrever a epidemia de HIV/aids no estado do Rio Grande do Sul e na região metropolitana de Porto Alegre, no período de 1980 a 2015.
Métodos
Estudo descritivo, conduzido com base em dados secundários de casos de aids notificados entre 1980 e 2015 no estado do Rio Grande do Sul.
Em 2010, o Rio Grande do Sul possuía área territorial de 281.731,45km² e população de 10.693.929 habitantes. A região metropolitana de Porto Alegre abrangia 34 municípios e 4.031.688 habitantes a ocupar uma área de 10.340,00km².11
As fontes dos dados secundários utilizadas foram: (i) Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan); (ii) Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); (iii) Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (Siscel); e (iv) Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (Siclom).
Os bancos de dados foram relacionados com o objetivo de identificar o maior número de casos, reduzindo a possível subnotificação e/ou atraso do registro nos sistemas. Para o relacionamento probabilístico dos dados, foram incluídos (i) os casos de aids notificados no Sinan entre 1980 e 2015, (ii) os óbitos registrados no SIM e classificados como causa básica ‘aids’, sob os códigos B20 a B24 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) entre 1999 e 2015, e (iii) os casos de aids com exames laboratoriais no Siscel e que atenderam aos seguintes critérios definidores:
- adulto apresentando contagem de linfócitos T-CD4+ abaixo de 350 células/mm³ e carga viral detectável;
- criança apresentando contagem de linfócitos T-CD4+ menor que a esperada para a idade atual e duas cargas virais maiores que 10 mil cópias/mL;
- adulto apresentando contagem de linfócitos T-CD4+ menor que 350 células/mm³ e uso de medicamento registrado no Siclom; ou
- criança apresentando contagem de linfócitos T-CD4+ menor que a esperada para a idade atual e uso de medicamento registrado no Siclom.16
Os registros do Siclom foram utilizados para confirmação dos casos de aids com testes laboratoriais registrados no Siscel que atenderam aos critérios definidores; a descrição pormenorizada da metodologia foi publicada previamente.12
O relacionamento de bancos de dados considerou exclusivamente os casos de aids. A inclusão da infecção pelo HIV na Lista de Doenças de Notificação Compulsória data de 2014, enquanto a inclusão da infecção pelo HIV em gestantes acontece desde o ano 2000.
As bases do Sinan versão Windows, referentes aos registros notificados até 2006, encontram-se congeladas e unificadas. Para as bases da versão NET, referentes aos registros notificados a partir de 2007, primeiramente foram retiradas as duplicidades, considerando-se os seguintes campos de comparação: nome do paciente, nome da mãe e data de nascimento. Em seguida, as bases de crianças e adultos foram relacionadas entre si, com o intuito de identificar crianças que teriam sido notificadas na base de adultos. O método de exclusão das duplicidades do Sinan (versão NET) considerou o critério de definição de caso e a data de diagnóstico. Assim, os registros duplicados foram excluídos segundo a hierarquia dos critérios (CDC adaptado, Rio-Caracas, Critério Óbito, HIV-positivo e descartado);12 em caso de empate (entre aqueles com o mesmo critério de definição), foi considerada a data mais antiga de diagnóstico.
O relacionamento probabilístico entre todas as bases foi realizado utilizando-se, como campos de comparação, nome do paciente, nome da mãe e data de nascimento, e como chaves de blocagem, os códigos fonéticos do primeiro e último nomes do paciente e o sexo, combinados de modos diferentes em três passos totalmente automatizados pelo software RecLink III.13,14 Para a composição dos pares do relacionamento entre as plataformas do Sinan (Windows e NET), as informações levantadas do Sinan Windows consideraram apenas casos contemplados pelo critério de definição. As informações acerca dos registros que não atenderam a esse critério foram extraídas do Sinan NET. Para os registros oriundos do SIM, foram retiradas duplicidades considerando-se os mesmos campos de comparação do Sinan.
As bases de dados do Siscel e do Siclom permitem a formação da base de cadastro dos doentes que acessam a rede, seja para realizar exames de contagem de T-CD4+ ou carga viral, seja para receber medicamentos. Dessa base, foram retiradas duplicidades utilizando-se os mesmos campos de comparação no Sinan e no SIM, sendo a base resultante posteriormente relacionada com a base de dados do SIM. Para a composição dos pares de registros encontrados pelo relacionamento das bases do SIM e do Siscel/Siclom, privilegiaram-se as informações do Siscel/Siclom naqueles registros que atenderam ao critério de definição. Para os registros pareados que não atenderam ao critério, as informações foram extraídas do SIM. Os registros do Siscel/Siclom e do SIM, unificados, foram relacionados com os registros do Sinan (Windows e NET combinados) para se identificar provável subnotificação do Sinan e agregá-la à base de dados de aids. A composição dos pares originados por esse relacionamento privilegiou as informações do Sinan apenas nos casos que atenderam ao critério de definição. Naqueles que não atenderam a esse critério, as informações foram obtidas do Siscel/Siclom; e finalmente, se não atenderam ao critério pelo Siscel/Siclom, as informações foram extraídas dos óbitos (SIM). Os registros do Siscel/Siclom e do SIM unificados que não foram pareados com o Sinan foram inseridos na base de aids caso atendessem aos seguintes critérios: T-CD4+ abaixo do esperado para a faixa etária, com presença de carga viral detectável; ou dispensação de medicamentos; ou óbito por aids oriundo do SIM. Os casos que não atenderam a esses critérios foram excluídos da base de dados. Do mesmo modo, foram excluídos da base os casos de aids notificados no Sinan e classificados como critério descartado ou HIV-positivo ou em branco, que não foram pareados com o SIM ou com o banco de cadastro do Siscel/Siclom. Adicionalmente, foram eliminados aqueles pareados com o banco de cadastro que não atenderam a um dos seguintes critérios: T-CD4+ abaixo do esperado para a faixa etária com presença de carga viral detectável; ou dispensação de medicamentos. Para os casos não notificados no Sinan, porém incorporados à base de aids porque provenientes do SIM, Siscel e Siclom, foi criada a variável ‘data de diagnóstico’, com base na data do óbito (SIM) e na data da coleta do primeiro T-CD4+ (Siscel), de acordo com a entrada do registro no banco de dados.
Os casos provenientes do banco resultante do relacionamento entre as bases de dados dos sistemas Sinan, Siscel/Siclom e SIM foram utilizados nos cálculos dos seguintes indicadores, para os períodos de 1980-1990, 1991-2000 e 2001-2015:
- Taxas de detecção de casos de aids, segundo sexo e faixa etária, calculadas utilizando-se como numerador os casos registrados e como denominador as populações específicas dos locais de estudo, em cada período.
- Razão de sexo, calculada com a divisão do total de casos de aids no sexo masculino pelo total de casos no sexo feminino, em cada período.
- Taxa de detecção de HIV em gestantes, calculada dividindo-se o número de casos de gestantes HIV+ registrados pelo número de nascidos vivos, em cada período.
- Taxas de detecção de aids em menores de 5 anos de idade, calculada dividindo-se o número de casos de aids em crianças menores de 5 anos pela população da mesma faixa etária, em cada período.
- Proporção de casos de aids segundo categorias de exposição, calculada dividindo-se o número total de casos de aids por categoria específica (heterossexual, homossexual, bissexual, UDI, transfusão sanguínea, acidente de trabalho, transmissão vertical, ignorado/em branco), pelo número total de casos de aids, em percentual, nos períodos de 1980-1990, 1991-2000 e 2001-2015.
- Taxa bruta de mortalidade por aids, calculada dividindo-se o número de óbitos por aids (causa básica), no local e período, pela população nesse mesmo local e período.
Para o cálculo das taxas do período 1980-2012, utilizaram-se as estimativas populacionais da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), calculadas com base nos censos demográficos (1980, 1991, 2000 e 2010), contagem (1996) e projeções intercensitárias (1981 a 2012); para os anos de 2013, 2014 e 2015, foram utilizadas as estimativas populacionais do IBGE, calculadas no estudo patrocinado pela Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA).
O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids e por este aprovado: Protocolo no 1.449.357, de 14 de março de 2016.
Resultados
Foram incluídos 83.313 casos de aids registrados no estado do Rio Grande do Sul, no período de 1980 a 2015: 63.567 deles advindos do Sinan, 6.081 do SIM e 13.665 do Siscel/Siclom (Figura 1). As taxas de detecção de aids por 100 mil habitantes aumentaram de 1,1 (1.051) caso, no período de 1980 a 1990, para 40,3 (65.497) casos no período de 2001 a 2015 (Tabela 1).

a) Siscel: Sistema de Controle de Exames Laboratoriais.
b) SIM: Sistema de Informações sobre Mortalidade.
c) Sinan: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.
d) Siclom: Sistema de Controle Logístico de Medicamentos.
Figura 1 - Fluxograma do relacionamento das bases de dados, Rio Grande do Sul, 1980-2015
Tabela 1 - Caracterização dos casos de aids, taxa de detecção e taxa de mortalidade, Rio Grande do Sul, 1980-2015
Rio Grande do Sul | 1980-1990 | 1991-2000 | 2001-2015 | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | taxa | N | taxa | N | taxa | N | |
Detecção geral (taxa por 100 mil hab.) | 1.051 | 1,1 | 16.765 | 17,2 | 65.497 | 40,3 | 83.313 |
Sexo (taxa por 100 mil hab.) | |||||||
Masculino | 937 | 2,0 | 11.550 | 24,1 | 36.945 | 46,9 | 49.432 |
Feminino | 114 | 0,2 | 5.215 | 10,4 | 28.530 | 34,6 | 33.859 |
Razão de sexo | - | 8,2 | - | 2,2 | - | 1,3 | - |
Faixas etárias (taxa por 100 mil hab.) | |||||||
<15 | 48 | 0,2 | 888 | 3,2 | 2.260 | 5,9 | 3.196 |
15-29 | 400 | 1,5 | 5.642 | 22,5 | 15.843 | 39,2 | 21.885 |
30-39 | 355 | 2,4 | 6.127 | 39,1 | 21.752 | 90,5 | 28.234 |
40-49 | 178 | 1,7 | 2.764 | 23,0 | 15.315 | 68,0 | 18.257 |
≥50 | 70 | 0,4 | 1.343 | 7,7 | 10.312 | 27,5 | 11.725 |
Gestante HIV+ (taxa por 1.000 nascidos vivos) | - | - | - | - | 17.262 | 8,1 | 17.262 |
Detecção em crianças <5 anos (taxa por 100 mil hab.) | 29 | 0,3 | 747 | 8,5 | 1.244 | 10,6 | 2.020 |
Mortalidade (taxa por 100 mil hab.) | 536 | 0,5 | 8.269 | 8,5 | 20.480 | 12,6 | 29.285 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais.
Entre os períodos 1980-1990 e 1991-2000, a taxa de detecção de casos de aids no estado aumentou 15,6 vezes, e de 1991-2000 a 2001-2015, 2,3 vezes. Na faixa etária de 30 a 39 anos, foram identificadas as mais altas taxas de detecção, com aumento no período estudado, de 2,4 para 39,1 e 90,5/100 mil em 1980-1990, 1991-2000 e 2001-2015, respectivamente (Tabela 1).
Observa-se de 1980 a 2015, sobre o total de casos registrados no estado, 59,3% do sexo masculino e 40,6% do feminino. Em 1980-1990, dos 1.051 casos diagnosticados no Rio Grande do Sul, 89,1% eram do sexo masculino, percentual que diminuiu para 69,0% em 1991-2000 e chegou a 56,4% em 2001-2015, mostrando que, embora haja predominância de casos de aids em homens, nota-se claramente um incremento de casos em mulheres (Tabela 1).
No período 2001-2015, foram diagnosticadas no estado 17.262 gestantes HIV-positivas, com taxa de detecção de 8,1/1.000 nascidos vivos (Tabela 1).
De 1980 a 2015, foram diagnosticados 2.020 casos de aids em menores de 5 anos de idade. As taxas de detecção do HIV/aids nessas crianças foram de 0,3/100 mil hab. em 1980-1990, passando a 8,5/100 mil hab. em 1991-2000 e 10,6/100 mil hab. em 2001-2015 (Tabela 1).
De 1980 a 2015, foram declarados no SIM 29.285 óbitos com causa básica ‘aids’ no estado. A taxa de mortalidade em 1980-1990 foi de 0,5/100 mil hab., 8,5/100 mil hab. em 1991-2000 e 12,6/100 mil hab. em 2001-2015 (Tabela 1), representando um aumento de 17 vezes entre os dois primeiros períodos e de 1,5 entre o segundo e o terceiro.
Houve aumento nas taxas de detecção em todas as faixas etárias. Todavia, os casos de aids detectados estavam concentrados na idade de 15 a 39 anos (60% do total). As taxas de detecção segundo faixa etária sofreram elevações ao longo do período estudado. Chama a atenção o grupo de 30 a 39 anos de idade, cuja taxa passou de 2,4/100 mil hab., no período 1980-1990, para 90,5/100 mil hab. no período 2000-2015. Também houve elevação importante na taxa de detecção na faixa etária de 40 a 49 anos, que passou de 1,7/100 mil hab. em 1980-1990 para 68/100 mil hab. em 2000-2015 (Tabela 1). Quanto à distribuição dos casos de aids segundo categoria de exposição, observa-se modificação do perfil de exposição no decorrer do tempo: no primeiro período estudado (1980-1990), a maior proporção de casos ocorreu entre homossexuais e bissexuais, ao passo que no segundo (1991-2000) predominou entre heterossexuais e UDI, mantendo-se esse perfil no último período (2001-2015) (Tabela 2).
Tabela 2 - Distribuição dos casos de aids segundo categoria de exposição, Rio Grande do Sul, 1980-2015
Categoria de exposição | 1980-1990 | 1991-2000 | 2001-2015 | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Homossexual | 372 | 35,4 | 1.881 | 11,2 | 3.988 | 6,1 | 6.241 | 7,5 |
Bissexual | 223 | 21,2 | 1.259 | 7,5 | 1.571 | 2,4 | 3.053 | 3,7 |
Heterossexual | 136 | 12,9 | 6.254 | 37,3 | 29.870 | 45,6 | 36.260 | 43,5 |
Usuários de drogas injetáveis | 169 | 16,1 | 3.913 | 23,3 | 5.357 | 8,2 | 9.439 | 11,3 |
Hemofílico | 30 | 2,9 | 52 | 0,3 | 12 | 0,0 | 94 | 0,1 |
Acidente com material biológico | - | - | 45 | 0,3 | 13 | 0,0 | 58 | 0,1 |
Transfusão | - | - | - | - | 3 | 0,0 | 3 | 0,0 |
Transmissão vertical | 15 | 1,4 | 725 | 4,3 | 1.412 | 2,2 | 2.152 | 2,6 |
Ignorada | 106 | 10,1 | 2.636 | 15,8 | 23.271 | 35,5 | 26.013 | 31,2 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais.
De 1980 a 2015, foram diagnosticados 53.468 casos de aids na região metropolitana de Porto Alegre, 64,0% de todos os casos registrados no estado no período (Tabela 3). Nos períodos citados, a taxa de detecção de casos de aids na região metropolitana foi, em média, mais de 1,5 vez a do estado.
Tabela 3 - Caracterização dos casos de aids, taxa de detecção e taxa de mortalidade, região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1980-2015
Região metropolitana de Porto Alegre | 1980-1990 | 1991-2000 | 2001-2015 | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | taxa | N | taxa | N | taxa | N | |
Detecção geral (taxa por 100 mil hab.) | 828 | 2,4 | 11.933 | 33,6 | 40.707 | 66,9 | 53.468 |
Sexo (taxa por 100 mil hab.) | |||||||
Masculino | 748 | 4,5 | 8.331 | 48,5 | 23.155 | 79,0 | 32.234 |
Feminino | 80 | 0,4 | 3.602 | 19,5 | 17.537 | 55,6 | 21.219 |
Razão de sexo | - | 9,4 | - | 2,3 | - | 1,3 | - |
Faixas etárias, em anos (taxa por 100 mil hab.) | |||||||
<15 | 38 | 0,4 | 637 | 6,4 | 1.394 | 9,5 | 2.069 |
15-29 | 299 | 3,2 | 3.758 | 40,2 | 9.171 | 58,1 | 13.228 |
30-39 | 282 | 5,1 | 4.487 | 76,1 | 13.789 | 147,0 | 18.558 |
40-49 | 151 | 4,0 | 2.065 | 46,6 | 9.828 | 116,6 | 12.044 |
≥50 | 58 | 1,1 | 985 | 16,9 | 6.513 | 49,6 | 7.556 |
Gestante HIV+ (taxa por 1.000 nascidos vivos) | - | - | - | - | 11.870 | 13,7 | 11.870 |
Detecção em crianças <5 anos (taxa por 100 mil hab.) | 24 | 0,7 | 544 | 16,9 | 767 | 16,6 | 1.335 |
Mortalidade (por 100 mil hab.) | 435 | 1,3 | 6.087 | 17,3 | 13.214 | 21,7 | 19.736 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais.
Do total de casos da região metropolitana, 60,3% eram do sexo masculino. A razão de sexos, que era de 9,4:1 em 1980-1990, passou para 2,3:1 em 1991-2000, chegando a 1,3:1 em 2001-2015 (Tabela 3). O padrão de razão de sexos da região metropolitana segue o do estado: no período de 2001 a 2015, tanto o estado quanto a região metropolitana apresentam razão de sexo de 1,3:1 (Tabelas 1 e 3).
De 2001 a 2015, foram diagnosticadas 11.870 gestantes HIV+ na região metropolitana, correspondentes a 68,7% do total detectado no estado (Tabela 3). A taxa de detecção foi de 13,7/1.000 nascidos vivos, quase duas vezes a taxa de detecção do estado no mesmo período (Tabelas 3 e 1).
Entre 1980 e 2015, foram diagnosticados 1.335 casos de aids em menores de 5 anos na região metropolitana (66,1% do total do estado no mesmo período); comparadas às taxas do estado específicas para essa faixa etária, as taxas de detecção na região metropolitana foram 1,5 vez maiores, em todos os períodos estudados (Tabelas 3 e 1).
De 1980 a 2015, foram registrados no SIM 19.736 óbitos por aids na região metropolitana, equivalentes a 67,0% do total de óbitos pela doença registrados no estado. No período 1980-1990, a taxa de mortalidade era de 1,3/100 mil hab., passando para 21,7/100 mil hab. no período 2001-2015 (Tabela 1). A taxa de mortalidade na região metropolitana, ao longo do período estudado, foi duas vezes aquela do estado (Tabelas 3 e 1).
Na região metropolitana de Porto Alegre, os casos de aids se concentraram na idade dos 15 aos 49 anos (81,9%). Houve aumento nas taxas de detecção nas faixas etárias de 30 a 39 anos e de 40 a 49 anos, que passaram de 5,1/100 mil hab. e 4,0/100 mil hab., no período 1980-1990, para 147/100 mil hab. e 116/100 mil hab. no período 2001-2015 (Tabela 3).
Quanto à distribuição dos casos segundo o risco de infecção pelo HIV, observou-se na região metropolitana o mesmo padrão verificado no estado, com diminuição do percentual de casos cuja categoria de exposição foi a relação homossexual ou bissexual, e aumento entre heterossexuais. Entretanto, constatou-se um expressivo percentual de casos cuja categoria de exposição foi registrada como ‘ignorada’: na Grande Porto Alegre, essa proporção saltou de 9,4% (1980-1990) para 34,5% (2001-2015), enquanto no estado, semelhantemente, cresceu de 10,1% (1980-1990) para 35,5% (2001-2015) (Tabelas 4 e 2).
Tabela 4 - Caracterização dos casos de aids na região metropolitana segundo categoria de exposição, região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1980-2015
Categoria de exposição | 1980-1990 | 1991-2000 | 2001-2015 | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Homossexual | 307 | 37,1 | 1.429 | 12,0 | 2.732 | 6,7 | 4.468 | 8,4 |
Bissexual | 187 | 22,6 | 928 | 7,8 | 1.026 | 2,5 | 2.141 | 4,0 |
Heterossexual | 96 | 11,6 | 4.218 | 35,3 | 18.376 | 45,2 | 22.690 | 42,4 |
Usuários de drogas injetáveis | 118 | 14,3 | 2.791 | 23,4 | 3.633 | 8,9 | 6.542 | 12,2 |
Hemofílico | 27 | 3,3 | 33 | 0,3 | 7 | 0,0 | 67 | 0,1 |
Acidente com material biológico | - | - | 28 | 0,2 | 8 | 0,0 | 36 | 0,1 |
Transfusão | - | - | - | - | 3 | 0,0 | 3 | 0,0 |
Transmissão vertical | 14 | 1,7 | 524 | 4,4 | 909 | 2,2 | 1.447 | 2,7 |
Ignorada | 79 | 9,4 | 1.982 | 16,6 | 14.013 | 34,5 | 16.074 | 30,1 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais.
Discussão
Verificou-se aumento da taxa de detecção de aids no estado do Rio Grande do Sul e na região metropolitana de Porto Alegre, no período de 1980 a 2015. Observou-se incremento de casos no sexo feminino e em crianças menores de 5 anos, assim como elevada taxa de detecção de casos em gestantes. Além disso, a mortalidade por aids no estado, especialmente na região metropolitana, tem se mantido em patamares elevados, alcançando taxas duas vezes maiores que as do Brasil, não obstante a introdução da terapia antirretroviral em meados da década de 1990. A alta proporção de casos de aids entre usuários de drogas injetáveis também é uma característica diferenciadora da epidemia do Rio Grande do Sul, quando comparada à dos demais estados brasileiros.9
Um estudo transversal, realizado em Porto Alegre nos meses de agosto de 2001 a outubro de 2002, com 298 gestantes submetidas ao teste rápido para o HIV, apontou positividade em 5,3% dos casos.15 Outro estudo, este realizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre no mesmo ano, com parturientes, apontou uma prevalência de 2% em gestantes e transmissão vertical de 5,2%,16 enquanto os estudos realizados no país apontam prevalência de 0,4% nesse grupo populacional.17 Segundo a OMS, locais com prevalências acima de 1% em parturientes seriam caracterizados como de epidemia generalizada.8 Outra característica da aids no Rio Grande do Sul é a alta prevalência do subtipo C do HIV entre os infectados. Diversos estudos caracterizaram aspectos relacionados aos subtipos do HIV no contexto da epidemia de aids no estado. A elevada frequência de polimorfos, identificados em amostras dos subtipos B e C analisados em Porto Alegre, podem ter relevância na capacidade de replicação viral, com claras implicações na transmissão do vírus e na mortalidade pela doença.18
A alta mortalidade por aids no Rio Grande do Sul e na região metropolitana pode ser atribuída - ainda que parcialmente - à coinfecção aids/tuberculose: estudo realizado no ano 2000 apontou uma proporção de coinfecção de 47%.19,20 O acesso tardio ao diagnóstico e ao tratamento da infecção pelo HIV e as desigualdades existentes na prestação de serviços de tratamento são, igualmente, fatores relevantes para a mortalidade pela doença.21,22 A taxa de mortalidade na região metropolitana de Porto Alegre, no período estudado, foi duas vezes maior que a do estado do Rio Grande do Sul, e quase quatro vezes maior que a do Brasil.9
Estudo realizado em 2005, em dois Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Porto Alegre, apontou uma prevalência de infecção pelo HIV de 15%, dos quais 10% referiram uso de drogas injetáveis.23 Os UDI têm especial importância na epidemia de HIV, funcionando como “população-ponte” na disseminação da doença para outras populações.24 Enquanto em 2015, no Brasil, a proporção de UDI era de 2,6%, no Rio Grande do Sul esse percentual alcançava 8,2%, e na região metropolitana de Porto Alegre, 8,9%.9
Para o conjunto do estado do Rio Grande do Sul, o aumento na proporção de casos com categoria de exposição ignorada passou de 10,1% no primeiro período estudado para 35,5% no último, dificultando a avaliação do perfil de exposição, principalmente no último período.
Com relação à gestão das ações de prevenção e ao controle das infecções sexualmente transmissíveis (IST) e da aids, tem-se observado baixo investimento do estado.25,26 Soma-se a isso a fragilização dos Programas Estadual e Municipais de Controle de IST e Aids, baixa cobertura da Atenção Básica e da Saúde da Família, centralização do cuidado em grandes hospitais e retardo na implantação de ações programáticas, a exemplo da testagem rápida e da centralização do Programa de Controle da Tuberculose, entre outras, o que pode explicar diagnósticos tardios em perto de 40% dos casos.25,26
Sugere-se que a organização dos serviços inclua estratégias descentralizadas de prevenção combinada, envolvendo a testagem oportuna, início imediato de tratamento, profilaxias pré e pós-exposição e promoção do uso contínuo de preservativos. Ressalta-se a necessidade de estudos mais aprofundados, tanto quantitativos como qualitativos, visando melhor compreender a dinâmica da epidemia no estado e em sua região metropolitana.
A situação epidemiológica encontrada aponta a necessidade da realização de estudos de prevalência específicos para o estado e para a região metropolitana de Porto Alegre, no sentido de melhor caracterizar a magnitude do problema, bem como a avaliação da capacidade operacional dos serviços de saúde para seu enfrentamento.