Introdução
Pneumonia e diarreia são as principais causas de óbito em crianças menores de 5 anos nos países de baixa renda, em todo o mundo.1 Tais mortes poderiam ser evitadas com medidas de prevenção, como a vacinação, e o manejo adequado dos pacientes por familiares e profissionais da saúde.2
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015, a principal causa de óbito em crianças brasileiras com idade entre 1 e 59 meses foi a pneumonia (17,6%), seguida de acidentes (12,6%) e diarreia (5,5%).3 No mundo, cerca de 156 milhões de novos episódios de pneumonia na infância foram registrados em 2000, mais de 95% deles em países de renda média. De todos os casos de pneumonia nesses países, 8,7 a 10,0% são severos e necessitam de internação hospitalar,1,4 enquanto 90,0% (intervalo de confiança: 87%-93%) são acompanhados nos ambulatórios.5
No extremo sul do Brasil, as doenças respiratórias, entre elas a pneumonia, são responsáveis pelas internações hospitalares em crianças menores de 5 anos, principalmente nos meses de inverno.6 As baixas temperaturas, além de outros fatores como desnutrição, baixo peso ao nascer, aleitamento materno não exclusivo nos primeiros quatro meses de vida e elevada densidade familiar (sete ou mais pessoas convivendo na mesma residência), contribuem para o aumento da ocorrência da pneumonia em algumas regiões subtropicais.7
Estudos sobre todos esses fatores têm observado uma redução no número de casos e internações por doenças respiratórias,2 sendo a introdução da vacina pneumocócica 10-valente (PCV10) mais uma importante estratégia para reduzir os casos de pneumonia, da otite média aguda e das doenças pneumocócicas invasivas (DIP) causadas pelos sorotipos de Streptococcus pneumoniae presentes na vacina.8
A PCV10 foi incluída no calendário vacinal e, a partir de março de 2010, estendida a todas as crianças menores de 2 anos. Inicialmente, o esquema vacinal era composto por três doses mais uma dose de reforço, sendo alterado em 2016 para duas doses, aos 2 e 4 meses, mais uma dose de reforço, e ampliando o grupo etário para crianças até 4 anos.8 A vacina mostrou-se eficaz para reduzir a doença pneumocócica em países como Chile,9 Peru,10 Uruguai11 e México;12 porém, essa eficácia depende da ocorrência da doença e dos sorotipos de Streptococcus pneumoniae circulantes.
As mudanças no comportamento da doença ao longo do tempo e a alteração dos sorotipos circulantes, além da existência de outras vacinas como a PCV13, já sendo utilizada no Uruguai11 e no México,13,14 demonstram a importância da identificação dos sorotipos circulantes e, também, de avaliações detalhadas da distribuição das doenças pneumocócicas, entre elas a pneumonia.15
A PCV10 pode ser apresentada como um dos fatores importantes na redução das taxas de internação hospitalar por pneumonia em menores de 1 ano de idade no estado de Santa Catarina, uma vez que a pneumonia causada por Streptococcus pneumoniae é uma das principais causas de morbidade6 e mortalidade entre crianças na região Sul do Brasil. Dados de estudo ecológico das internações hospitalares por pneumonia em crianças e adolescentes residentes no estado do Paraná, relativamente ao período de 2000 a 2011, descrevem a ocorrência de 2.295.780 internações em crianças e adolescentes, das quais 59.028 (2,57%) por pneumonia bacteriana.16
Tendo em vista a necessidade de integrar diferentes aspectos relacionados à mensuração do impacto da introdução de uma vacina em uma região específica, o presente artigo teve como objetivo analisar o impacto da PCV10 nas internações hospitalares por pneumonia em menores de 5 anos de idade, em Santa Catarina, Brasil, no período entre 2006 e 2014.
Métodos
Trata-se de um estudo com delineamento observacional ecológico, utilizando-se de dados anuais secundários que permitem uma avaliação temporal, ou seja, antes e depois da implantação da PCV10.
No que diz respeito ao período avaliado, estabelecido entre 2006 e 2014, foram selecionados os quatro anos anteriores à implantação da PCV10, o ano da implantação e os quatro anos posteriores, exclusivamente para o estado de Santa Catarina.
Os dados sobre nascidos vivos (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos [Sinasc]), população na idade de 1 a 4 anos (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]), internações por pneumonia (Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde [SIH/SUS]) e número de doses aplicadas da vacina (Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações [SI-PNI]) foram selecionados a partir dos sistemas de informações do Ministério da Saúde, disponibilizados via Departamento de Informática do SUS (Datasus)17 e confirmados pelo banco de dados da Diretoria de Vigilância em Saúde do Estado de Santa Catarina. Por sua vez, o número de leitos disponíveis para internação, por município, teve como fonte de dados o sistema de informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) com a situação de ativo no mês de julho, para cada ano de referência do estudo, igualmente disponibilizados pelo Datasus.17
Todos os 295 municípios de Santa Catarina foram agrupados por região do estado. Porém, como dois municípios catarinenses foram emancipados entre 2006 e 2010, para permitir uma avaliação adequada de cada região, todas as informações de ambos os municípios foram agrupadas ao município de origem, perfazendo um total de 293 municípios analisados.
Foram identificados registros das internações por pneumonia em crianças menores de 5 anos e as coberturas da PCV10 em menores de 1 ano, o tempo de internação por pneumonia em dias de permanência, o número de leitos disponíveis para internação, o acesso à atenção básica em saúde e o índice de desenvolvimento humano (IDH) (Figura 1). Os dados referentes à cobertura estimada da população residente pelas equipes da atenção básica foram disponibilizados pela Diretoria de Vigilância em Saúde do Estado de Santa Catarina, a partir do indicador ‘cobertura populacional estimada pelas equipes da atenção básica’, calculado pelo número de equipes de Saúde da Família x 3.000 x 100, dividido pela população no mesmo local e período, conforme preconiza a Política Nacional de Atenção Básica (Portaria GM/MS nº 2.488, de 21 de outubro de 2011); o IDH, medida sintética do progresso dos municípios no longo prazo em três dimensões básicas - renda, educação e saúde -, foi extraído do material disponibilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil.
a) Internações em crianças menores de 5 anos com diagnóstico de pneumonia como causa básica (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão [CID-10]: capitulo X; códigos J12-J18; doenças do aparelho respiratório) - no período compreendido entre janeiro de 2006 e dezembro de 2014.
b) Dados de cobertura vacinal - disponíveis no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SIS-PNI) - de crianças menores de 1 ano vacinadas na rede pública e privada de saúde com a vacina conjugada contra Streptococcus pneumoniae do PNI; dados distribuídos por regional de saúde, no período entre março de 2010 e dezembro de 2014.
c) PCV10: vacina pneumocócica 10-valente. Excluir, ou vacina pneumocócica conjugada.
A morbidade hospitalar, ou seja, o total de internações no SUS decorrentes de pneumonia, por município de residência, atende aos critérios da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão (CID-10) e utiliza a internação como unidade de registro. Portanto, a mesma criança pode ter sido objeto de uma ou mais internações durante o ano.17
A cobertura vacinal é definida pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) como o percentual da população-alvo coberta com o esquema vacinal completo17 (número total de terceira dose da PCV10 aplicado no ano x 100/população menor de 1 ano de idade). A cobertura vacinal para a PCV10 em crianças menores de 1 ano, entre 2010 e 2014, foi calculada utilizando-se como numerador o total de terceiras doses da vacina, e como denominador, o número de nascidos vivos. Quanto aos leitos para internação por mil habitantes, foram calculados utilizando-se como numerador o total de leitos disponíveis nos estabelecimentos cadastrados no sistema do CNES, e como denominador, a população total, ou seja: total de leitos disponíveis na região x 1.000/população residente.
O cálculo da cobertura vacinal e das taxas de internação hospitalar por pneumonia em crianças menores de 5 anos, no período de 2006 a 2014, foi inicialmente realizado por município de residência, sendo posteriormente recalculado para as grandes regiões do estado de Santa Catarina a partir do total de doses aplicadas e internações pela população residente em cada região.
O desfecho de interesse foi a taxa anual de ‘internação hospitalar ou morbidade hospitalar’ por pneumonia (CID-10: J12-18) em crianças menores de 1 ano e de 1 a 4 anos, por região. A taxa foi calculada em dois períodos, anterior à implantação da vacina (2006-2009) e posterior (2010-2014), dividindo-se o total das internações pela população do meio do ano, para cada ano analisado.
As variáveis independentes consideradas neste estudo foram: cobertura vacinal da PCV10 no período 2010-2014; leitos disponíveis para internação em julho de cada ano, no período 2006-2014, por mil habitantes; cobertura das equipes de atenção básica à saúde, em percentual; e IDH em 2010, segundo município e localização geográfica. Todos os dados foram agrupados pelas sete regiões do estado: Oeste, Itajaí, Planalto Norte, Nordeste, Planalto Serrano, Grande Florianópolis e Sul.
A estatística descritiva incluiu: (i) a representação tabular da taxa de redução percentual e da tendência temporal das taxas de internação, por ano, no período antes (2006-2009) e após (2010-2014) a implantação da PCV10; e (ii) a cobertura vacinal em menores de 1 ano. A tendência temporal das taxas anuais, em cada período, foi apresentada por região e total do estado.
O impacto da vacinação sobre o desfecho nas regiões do estado foi definido pelo coeficiente de regressão de Poisson para cada período, separadamente, sempre ajustado pela população em idade menor de 1 ano e de 1 a 4 anos. A diferença da tendência temporal entre os períodos antes e depois da vacinação com a PCV10 foi calculada comparando-se os gradientes das taxas anuais para cada período. O ano de 2006, selecionado como o primeiro da série avaliada, foi, portanto, o ano de referência.
Os dados foram obtidos dos respectivos sistemas de informações do Ministério da Saúde (Figura 1), gerados pelo aplicativo TABNET, desenvolvido pelo Datasus, e gravados na forma de planilhas eletrônicas do Excel ® versão 2013. Essas planilhas foram agrupadas gerando um banco único, o qual foi exportado para o programa Stata® (Statistics/Data Analysis) 11.0 com o auxílio do aplicativo Stat/Transfer.
A privacidade e a confidencialidade dos participantes foram garantidas pela omissão das informações pessoais nos referidos bancos. Foram respeitados os princípios éticos para pesquisas, conforme recomenda o Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde em sua Resolução CNS no 412, de 12 de dezembro de 2012. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC): Parecer no 712.012, de 8 de julho de 2014.
Resultados
No período de 2006 a 2014, 75.891 crianças foram internadas com pneumonia em Santa Catarina: 37.703 internações entre 2006 e 2009; 8.087 em 2010; e 30.101 entre 2011 e 2014. A tendência temporal de redução da razão de taxas de internações por pneumonia ao longo dos nove anos avaliados mostrou-se significativa para o estado (p<0,05). Nos menores de 1 ano de idade, foi possível observar uma redução em todas as regiões catarinenses, à exceção do Planalto Serrano (Tabela 1). Porém, no grupo etário de 1 a 4 anos, além do Planalto Serrano, a região Nordeste também apresentou elevação na razão de taxas de internação após a implantação da PCV10 no estado.
Regiões | Período de implantação da PCV10 | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade (em anos) | Pré | Implantação | Pós | |||||||
2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | |||
Oeste | <1 | RTIa (IC95% c) | 1,1 | 1,0 | 1,0 | 0,8b | 0,7b | 0,7b | 0,6b | 0,6b |
(1,0;1,2) | (0,9;1,1) | (0,9;1,0) | (0,7;0,8) | (0,7;0,8) | (0,7;0,8) | (0,6;0,7) | (0,6;0,7) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,2b | 1,2b | 1,3b | 1,2b | 1,0 | 1,0 | 0,9b | 0,9b | |
(1,1;1,3) | (1,1;1,3) | (1,2;1,4) | (1,1;1,2) | (0,9;1,0) | (0,9;1,0) | (0,8;0,9) | ( 0,8;0,9) | |||
Itajaí | <1 | RTIa (IC95% c) | 0,9 | 0,9b | 1,0 | 0,8b | 0, 8b | 0,9 | 0,7b | 0,6b |
(0,9;1,0) | (0,8;0,9) | (0,9;1,1) | (0,8;0,9) | (0,8;0,9) | (0,9;1,0) | (0,6;0,8) | (0,5;0,6) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,0 | 1,2b | 1,4b | 1,2b | 1,2b | 1,2b | 1,0 | 0,8b | |
(0,9;1,1) | (1,1;1,3) | (1,3;1,5) | (1,1;1,3) | (1,1;1,3) | (1,1;1,3) | (0,9;1,0) | (0,7;0,8) | |||
Grande Florianópolis | <1 | RTIa (IC95% c) | 1,4b | 1,0 | 1,4b | 1,0 | 0,9 | 0,9 | 0,8b | 0,8b |
(1,1;1,6) | (0,8;1,2) | (1,1;1,6) | (0,8;1,2) | (0,7;1,1) | (0,8;1,1) | (0,7;0,9) | (0,6;0,9) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,2b | 1,2b | 2,1b | 1,5b | 1,5b | 1,2 | 1,3b | 1,2 | |
(1,1;1,4) | (1,1;1,5) | (1,8;2,4) | (1,3;1,7) | (1,3;1,7) | (1,0;1,4) | (1,1;1,5) | (1,00;1,4) | |||
Planalto Serrano | <1 | RTIa (IC95% c) | 1,0 | 0,8b | 0,9 | 0,9 | 0,9 | 1,1 | 1,0 | 0,8b |
(0,8;1,2) | (0,7;0,9) | (0,8;1,1) | (0,7;1,0) | (0,7;1,0) | (0,9;1,3) | (0,9;1,2) | (0,7;0,9) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,0 | 0,8b | 1,0 | 1,1 | 1,2 | 1,2b | 1,3b | 1,0 | |
(0,9;1,2) | (0,7;0,9) | (0,9;1,2) | (0,9;1,2) | (1,0;1,3) | (1,1;1,4) | (1,1;1,5) | (0,9;1,2) | |||
Nordeste | <1 | RTIa (IC95% c) | 0,8b | 0,5b | 0,7b | 0,7b | 0,8b | 0,7b | 0,7b | 0,5b |
(0,7;0,9) | ( 0,4;0,6) | (0,6;0,8) | (0,6;0,8) | (0,7;0,9) | (0,6;0,8) | (0,6;0,8) | (0,4;0,6) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 0,9 | 0,6b | 1,2b | 1,2b | 1,0 | 1,0 | 1,1 | 0,8b | |
(0,8;1,0) | (0,5;0,7) | (1,1;1,4) | (1,1;1,4) | (0,9;1,2) | (0,9;1,1) | (0,9;1,2) | (0,7;0,9) | |||
Sul | <1 | RTIa (IC95% c) | 1,1 | 0,9 | 0,7b | 0,6b | 0,8b | 0,8b | 0,7b | 0,7b |
(0,9;1,2) | (0,8;1,0) | (0,6;0,8) | (0,6;0,9) | (0,7;0,9) | (0,7;0,9) | (0,6;0,8) | (0,6;0,8) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,3b | 1,2b | 1,3b | 1,1 | 1,1 | 1,3b | 1,2b | 1,2b | |
(1,1;1,4) | (1,1;1,3) | (1,1;1,4) | (1,0;1,2) | (1,0;1,3) | (1,1;1,4) | (1,1;1,3) | (1,1;1,3) | |||
Planalto Norte | <1 | RTIa (IC95% c) | 0,8b | 0,6b | 0,8b | 0,5b | 0,5b | 0,7b | 0,7b | 0,5b |
(0,7;0,9) | (0,5;0,7) | (0,7;0,9) | (0,4;0,6) | (0,4;0,6) | (0,6;0,8) | (0,6;0,8) | (0,4;0,6) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,0 | 0,8b | 1,0 | 0,6b | 0,6b | 0,8b | 0,7b | 0,7b | |
(0,8;1,1) | (0,7;0,9) | (0,8;1,1) | (0,5;0,8) | (0,5;0,7) | (0,7;0,9) | (0,6;0,9) | (0,6;0,8) | |||
Santa Catarina | <1 | RTIa (IC95% c) | 1,0 | 0,8b | 0,9b | 0,8b | 0,8b | 0,8b | 0,7b | 0,6b |
(0,9;1,0) | (0,8;0,9) | (0,9;0,9) | (0,7;0,8) | (0,7;0,8) | (0,7;0,8) | (0,6;0,7) | (0,5;0,6) | |||
1 a 4 | RTIa (IC95% c) | 1,1b | 1,1b | 1,3b | 1,1b | 1,0 | 1,1b | 1,0 | 0,9b | |
(1,0;1,2) | (1,0;1,1) | (1,2;1,3) | (1,1;1,2) | (1,0;1,1) | (1,0;1,1) | (0,9;1,0) | (0,8;0,9) |
a) Razão das taxas de internação com relação ao ano de 2006 (indica categoria de referência).
b) p<0,05.
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Quando avaliadas as taxas médias de internação em menores de 1 ano, a variação foi maior que a esperada, com redução de 23,3% em menores de 1 ano e de 8,4% em crianças de 1 a 4 anos (Tabela 2).
Regiões | Taxa de internação hospitalar por pneumonia em crianças menores de 1 anoa | Taxa de internação hospitalar por pneumonia em crianças de 1 a 4 anosa | ||||||||
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Período pré-vacinal | IC95% b | Período pós-vacinal | IC95% b | Redução % | Período pré-vacinal | IC95% b | Período pós-vacinal | IC95% b | Redução % | |
Oeste | 84,1 | 81,9;86,2 | 58,3 | 56,8;59,9 | -44,1 | 22,8 | 22,3;23,3 | 19,0 | 18,6;19,5 | -20,0 |
Itajaí | 53,8 | 52,2;55,4 | 43,6 | 42,4;44,9 | -23,3 | 15,4 | 14,9;15,8 | 14,3 | 13,9;14,7 | -7,3 |
Grande Florianópolis | 19,4 | 18,2;20,6 | 14,4 | 13,5;15,3 | -34,6 | 6,4 | 6,0;6,7 | 6,2 | 5,8;6,5 | -3,3 |
Planalto Serrano | 61,7 | 58,0;65,5 | 60,9 | 57,5;64,3 | -1,4 | 14,7 | 13,9;15,6 | 17,7 | 16,8;18,6 | 16,9 |
Nordeste | 31,3 | 29,7;32,9 | 27,3 | 26,1;28,6 | -14,6 | 9,0 | 8,6;9,4 | 9,8 | 9,4;10,2 | 8,2 |
Sul | 42,5 | 40,6;44,4 | 33,9 | 32,4;35,4 | -25,5 | 12,2 | 11,6;12,5 | 12,1 | 11,6;12,5 | -0,0 |
Planalto Norte | 40,6 | 37,9;43,2 | 28,9 | 26,9;31,0 | -40,2 | 12,5 | 11,8;13,2 | 9,2 | 8,6;9,7 | -37,0 |
Total | 49,8 | 49,0;50,5 | 38,2 | 37,6;38,8 | -23,3 | 14,1 | 13,9;14,3 | 13,0 | 12,8;13,1 | -8,4 |
a) p<0,005.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Entre as crianças com menos de 1 ano de vida, a variação da taxa média de internação foi negativa em todas as regiões, sendo as maiores reduções observadas nas regiões Oeste e Planalto Norte (reduções superiores a 40,0%). A única região cuja redução de internações mostrou-se inexpressiva nessa faixa etária foi o Planalto Serrano: -1,4%. Ainda sobre a mesma faixa até 1 ano de idade, as menores taxas de internação foram observadas na Grande Florianópolis: 19,4% no período pré e 14,4% no período pós-vacinação, representando uma redução de 34,6% (Tabela 2).
Na faixa etária de 1 a 4 anos, as taxas médias de internação foram menores: 22,8% no Oeste, 15,4% em Itajaí e 14,7% no Planalto Serrano, no período pré-vacinal; no período pós-vacinal, essas taxas foram de 19,0% no Oeste, 14,3% em Itajaí e 17,7% no Planalto Serrano. Estes dados apontam reduções de 20,0% e 7,3% nas regiões Oeste e Itajaí, respectivamente, e uma elevação de 16,9% na taxa de internação no Planalto Serrano (Tabela 2).
Santa Catarina é um estado que apresenta elevadas coberturas vacinais, embora com distribuição heterogênea entre seus municípios. No que tange à cobertura vacinal ao longo do período de implantação da PCV10, observou-se que, em 2010, apenas 3,4% dos municípios alcançaram coberturas de 95% ou mais; nos anos subsequentes, as coberturas do imunobiológico aumentaram e tornaram-se mais homogêneas (Figura 2).
Discussão
O estudo permitiu identificar o impacto da PCV10 na redução das taxas de internação por pneumonia em Santa Catarina, sendo essa redução de 23,3% em menores de 1 ano e de 8,4% em crianças de 1 a 4 anos.
O maior impacto da vacinação na redução das internações foi entre menores de 1 ano e na região Oeste do estado, cujas taxas elevadas de internação em 2006 afetaram as taxas estaduais. Estudo realizado em Minas Gerais, no ano de 2016, também mostrou variações regionais e uma redução de 19% nas pneumonias adquiridas em crianças menores de 1 ano residentes na comunidade de Alfenas, no período entre 2007 e 2009, na comparação com o período de 2011 a 2013 - períodos anterior e posterior à implantação da PCV10 pelo PNI.18
Não obstante, ao se avaliar de forma detalhada todas as regiões do estado de Santa Catarina, o Planalto Serrano não evidencia tamanha redução. Essa região, além de não apresentar uma redução significativa na taxa de internação por pneumonia, apresentou as menores coberturas vacinais no ano de implantação da vacina, o menor número de leitos por mil habitantes e o menor IDH do estado, no período analisado.
A Atenção Primária à Saúde, com suas práticas de atenção à criança, como acompanhamento, imunização e assistência às doenças prevalentes, contempla ações prioritárias para evitar a hospitalização por pneumonia. Entretanto, quando a hospitalização se faz necessária, o número de leitos disponíveis é outro aspecto importante a ser verificado.
O predomínio de taxas mais elevadas de internação por pneumonia entre crianças com idade inferior a 1 ano já fora descrito no I Consenso Brasileiro sobre Pneumonia,19 com uma elevação importante nos menores de 6 meses, idade para a qual devem se concentrar as principais medidas preventivas, entre elas a vacinação.19
Desde 2010, o PNI busca controlar as doenças causadas pelo Streptococcus pneumoniae e, para alcançar este objetivo, a cobertura vacinal deve ser superior a 95%.8 A expectativa de a introdução da vacina propiciar uma redução significativa das taxas de internação hospitalar por pneumonia em crianças menores de 5 anos foi confirmada, porém com características distintas segundo cada região. O fato é que um aumento de 10% nas coberturas vacinais permitiu uma redução de 3% na razão das taxas de internação por pneumonia em menores de 1 ano de idade.
A PCV10 mostrou-se eficaz na redução dos casos de otite média aguda na Finlândia20 e na redução das taxas de incidência de meningite pneumocócica, com uma efetividade de 87,7% e de 81,3% para pneumonia, promovendo também uma redução na taxa de internação hospitalar por essas causas em crianças.14,21-22 Essa redução, tendo como foco Santa Catarina, é mais evidente em crianças menores de 1 ano, na comparação com crianças na idade entre 1 e 4 anos, fato este possivelmente relacionado ao período de tempo analisado, de apenas cinco anos de implantação da PCV10.
Apesar de a vacina só ter impacto na redução das internações por pneumonia causadas pelos sorotipos do Streptococcus pneumoniae ou por sorotipos correspondentes a estes,14 presentes em sua composição, Domingues et al. relataram que, no ano de 2014, em dez estados brasileiros, a vacinação com três doses da PCV10 foi associada a uma redução de 84% (IC95% 66;92) de doenças pneumocócicas invasivas (DPI), por sorotipos presentes na vacina (sorotipos 1, 4, 5, 6B, 7F, 9V, 14, 18C, 19F e 23F), além de uma redução de 78% (IC95% 41;92) nos sorotipos correspondentes à vacina (6A e 19A), quando a reatividade imunológica cruzada foi relatada.15,23 Por sua vez, pesquisa realizada em Salvador no ano de 2002, com cepas isoladas do sangue de crianças e adolescentes internados com pneumonia e febre sem sintomas localizados, identificou um predomínio dos sorotipos 14, 5, 6A, 6B, 19F, 9V, 18C e 23F nessa população. Todos esses sorotipos estão presentes na vacina, o que demonstra a importância da PCV10 na redução dos casos de pneumonia no Brasil.24 A escolha dos sorotipos presentes na vacina é determinante para seu impacto na redução dos casos da doença.
Além da idade, outros fatores, como o clima e o uso de combustíveis sólidos no domicílio, podem estar associados à ocorrência da doença.24 Esses fatores, não analisados no presente estudo, poderiam explicar a manutenção das altas taxas de internação na região da Serra Catarinense, uma das mais frias do estado e com um predomínio do uso de combustível sólido em 38,2% dos domicílios.25
Quanto a outras limitações desta pesquisa, destaca-se a diferença entre os anos de coleta pré e pós-vacinação, ademais do curto período após a implantação da vacina disponível para análise. Contudo, a comparação das taxas médias do período antes versus o período após a implementação da vacina é bastante apropriada para dados do tipo de contagem. Nas análises de séries longas, pode-se controlar o efeito dos diferentes esquemas vacinais e avaliar o impacto da imunidade de grupo. Outrossim, é importante destacar que séries temporais de comparação - antes e depois - pressupõem homogeneidade entre os grupos sob comparação, principalmente no que diz respeito à não utilização da vacina. Embora as vacinas antipneumocócica polissacarídica23 valente e a PCV7 fossem utilizadas pelo PNI em situações especiais, em crianças com maior risco de adoecer e naquelas atendidas em clínicas privadas, o número de crianças vacinadas antes de 2010 foi muito baixo do ponto de vista populacional.26
Também é preciso destacar o registro das internações por pneumonia, possivelmente influenciado por outras infecções de vias aéreas não preveníveis pela PCV10,27,28 a exemplo das pneumonias por outras causas e das complicações decorrentes da influenza A (H1N1).29 Este cenário não interferiu nos resultados; afinal, poucos foram os registros de internação por H1N1 em crianças de Santa Catarina.30
Com a introdução da vacina PCV10, não se espera eliminar a pneumonia causada pelo Streptococcus pneumoniae e sim reduzir as taxas de internação por pneumonia, conforme se demonstrou ao longo do anos estudados. Cumpre enfatizar: apenas a implantação da PCV10 e a manutenção de altas coberturas foi incapaz de reduzir a morbidade hospitalar em todas as regiões de Santa Catarina. Faz-se necessário, portanto, identificar as especificidades de cada população e realizar outras intervenções, mais além da implantação da vacina.
Com base nos resultados aqui descritos, conclui-se que houve predomínio das internações por pneumonia em crianças menores de 1 ano de idade. As internações apresentaram uma redução importante no período após a implantação da vacina PCV10, nas diferentes regiões de Santa Catarina. Essa distribuição foi desigual, chamando a atenção para o Planalto Serrano, onde foi registrado o menor número de leitos por 1 mil habitantes e o menor IDH regional. Este achado pode contribuir com o PNI na avaliação das estratégias de implantação da PCV10 no estado de Santa Catarina, como também na implantação de novas vacinas, a exemplo da PCV13.