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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.27 no.4 Brasília dez. 2018  Epub 26-Nov-2018

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018000400015 

ARTIGO ORIGINAL

Tendências da mortalidade por acidentes de transporte terrestre no município de Goiânia, Brasil, 2006-2014*

Tendencias de la mortalidad por accidentes de transporte terrestre en el municipio de Goiânia, Brasil, 2006-2014

Érika Carvalho de Aquino (orcid: 0000-0002-5659-0308)1  , Carlos Magno Neves2  , Otaliba Libânio Morais Neto1 

1Universidade Federal de Goiás, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Goiânia, GO, Brasil

2Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Saúde Pública, Florianópolis, SC, Brasil

Resumo

Objetivo:

estimar tendências da mortalidade por acidentes de transporte terrestre (ATT) em Goiânia, de 2006 a 2014.

Métodos:

estudo ecológico com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), e dados populacionais do DATASUS e Prefeitura de Goiânia. Foi realizada análise das séries temporais de mortalidade por ATT padronizada.

Resultados:

foram incluídos 3.347 óbitos. Verificaram-se tendências significativas de mortalidade: pedestres (taxa de incremento médio anual percentual - TIA%: -4,7; IC95% -8,2;-1,1) e automóveis (TIA%: 2,6; IC95% 0,2;5,1), em Goiânia; pedestres (TIA%: -11,3; IC95% -20,7;-0,8), motocicletas (TIA%: -13,5; IC95% -19,0;-7,7) e automóveis (TIA%: 12,9; IC95% 2,6;24,2), no Distrito Sul; pedestres (TIA%: -7,8; IC95% -14,0;-1,2), no Distrito Oeste, e automóveis (TIA%: -7,4; IC95% -13,8;-0,5), no Distrito Campinas-Centro. As demais séries apresentaram estacionariedade.

Conclusão:

Goiânia apresentou redução da mortalidade por ATT para pedestres e aumento para ocupantes de automóveis. Nos distritos sanitários, foi observada redução para pedestres/motocicletas no Sul e aumento para automóveis. Houve redução para pedestres e automóveis nos distritos Oeste e Campinas-Centro, respectivamente.

Palavras-chave: Acidentes de Trânsito; Mortalidade; Estudos de Séries Temporais; Sistemas de Informação

Resumen

Objetivo:

estimar tendencias de la mortalidad por Accidentes de Transporte Terrestre (ATT) en Goiânia (2006 a 2014).

Métodos:

estudio ecológico con datos del Sistema de Información sobre Mortalidad, y datos poblacionales del DATASUS y Intendencia de Goiânia. Se realizó un análisis de las series temporales de mortalidad por ATT estandarizado.

Resultados:

se incluyeron 3.347 muertes. Se observaron tendencias significativas de mortalidad: peatones [tasa de incremento promedio anual porcentual (TIA%):-4,7; IC95%-8,2;-1,1]; automóviles (TIA%:2,6; IC95%0,2;5,1) en Goiânia; peatones (TIA%:-11,3; IC95%-20,7;-0,8), motocicletas(TIA%:-13,5;IC95%-19,0;-7,7)y automóviles (TIA%:12,9; IC95%2,6;24,2) en el Distrito Sur; peatones (TIA%:-7,8; IC95%-14,0;-1,2) en el Distrito Oeste; (TIA%:-7,4; IC95%-13,8;-0,5) en el Distrito Campinas Centro. Otras series se presentaron estacionarias.

Conclusión:

Goiânia presentó reducción de la mortalidad por ATT para peatones, y aumento de la de ocupantes de automóviles. En los distritos sanitarios se observó reducción para peatones/motocicletas en el Sur y aumento para automóviles. Hubo reducción para peatones/automóviles en el Oeste y en Campinas Centro respectivamente.

Palabras clave: Accidentes de Tránsito; Mortalidad; Estudios de Series Temporales; Sistemas de Información

Introdução

Em março de 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou o período de 2011 a 2020 como sendo a ‘Década de Ação pela Segurança no Trânsito’, instando os países-membros a atingirem metas para a redução e estabilização das mortes causadas pelo trânsito. 1

O esforço justifica-se pelo fato de os acidentes de transporte terrestre (ATT) representarem, atualmente, a principal causa de morte não natural em diversos países. Este tipo de acidente constitui a terceira causa de morte mais frequente na faixa etária de 1 a 14 anos e a primeira na faixa de 15 a 29 anos. 2 A cada ano, estima-se que ocorram cerca de 1,2 milhão de óbitos por tal evento, correspondendo a 12,0% de todas as mortes no planeta.2

Em 2011, os custos globais dos ATT foram estimados em US$ 518 bilhões, correspondendo de 1,0 a 2,0% do produto interno bruto (PIB) de países de baixa e média renda naquele ano.3 No setor saúde, o impacto é bastante significativo. Este tipo de acidente ocasiona de 30,0% a 86,0% de todas a hospitalizações, levando à sobrecarga dos serviços de saúde.3

No Brasil, a taxa de mortalidade por ATT se manteve crescente até o ano de 1997, apresentando seu ápice na década de 1990.4 A partir da promulgação do Código de Trânsito Brasileiro, em 1998, observou-se redução das taxas até o início dos anos 2000. A partir de meados de 2000, retomou-se a tendência de crescimento até o ano de 2013.5,6

Goiânia está entre as cidades brasileiras com as maiores taxas de internações e mortalidade por ATT.7 A exemplo do que ocorre em outros centros urbanos, Goiânia também apresenta um aumento do deslocamento por meio de veículos motorizados privados, principalmente automóveis e motocicletas. A mudança do padrão de mobilidade apresenta como consequência as externalidades negativas associadas, tais como as lesões e mortes causadas por ATT.8

Considerando-se que a redução das lesões e mortes causadas pelo trânsito é um dos maiores desafios atuais do Brasil, estudos que estimem a magnitude e a tendência da mortalidade em áreas intraurbanas são essenciais para identificar grupos populacionais de risco e orientar intervenções de segurança no trânsito.

O presente estudo teve por objetivo estimar tendências da mortalidade por ATT em Goiânia, Brasil, de 2006 a 2014.

Métodos

Estudo ecológico de séries temporais utilizando dados de óbitos por ATT de residentes em Goiânia, Brasil, ocorridos no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2014.

O município de Goiânia, localizado a 209 quilômetros de Brasília, faz parte da Mesorregião do Centro-Oeste e da Microrregião de Goiânia, situando-se no chamado Planalto Central, onde se localiza também a capital federal brasileira.9 Goiânia se encontra no centro de uma das maiores regiões agropastoris mundiais. Tal fato, acrescido dos status de capital do estado, torna a economia goianiense atual bastante dinâmica.10

Goiânia foi planejada para ser habitada por 50 mil pessoas. A estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2016, entretanto, era de 1.448.639 habitantes na capital.9 É a segunda cidade mais populosa da região Centro-Oeste, possuindo população menor apenas que Brasília. A densidade demográfica em 2010 era de 1.776,7 habitantes por quilômetro quadrado.9 Goiânia possui gestão plena em saúde, incluindo a regulação para unidades hospitalares das esferas federal, estadual e municipal, além de hospitais privados.11

A capital é dividida em sete distritos sanitários: Sudoeste, Sul, Oeste, Leste, Norte, Noroeste e Campinas-Centro. A Tabela 1 apresenta a caracterização demográfica dos distritos sanitários de Goiânia, de acordo com os dados do Censo Demográfico de 2010.9

Tabela 1 - População residente segundo distrito sanitário, Goiânia, Brasil, 2010 

Distrito sanitário População 2010 %
Campinas-Centro 221.464 17,01
Leste 172.436 13,24
Sul 221.925 17,04
Sudoeste 223.027 17,13
Oeste 152.189 11,69
Noroeste 164.283 12,62
Norte 146.677 11,27
Goiânia 1.302.001 100,00

Os dados relacionados à mortalidade foram obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde de Goiás, incluindo o bairro de residência da vítima de ATT. Foram consideradas como mortes causadas por ATT aquelas assinaladas no SIM com os códigos de V01 a V89, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).

A população residente em Goiânia foi obtida a partir dos dados do Censo Demográfico de 2010; e, para os demais anos, foram consideradas as projeções e estimativas disponíveis no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).8 A população residente em cada distrito sanitário, no ano de 2010, foi obtida a partir no site da Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo de Goiânia (SEPLAM).10 A partir desse recorte, foi calculada a porcentagem que representava a população de cada distrito sanitário com relação à população total de Goiânia naquele ano. Estas proporções foram aplicadas para cada um dos demais anos, de modo a se estimar a população residente por distrito sanitário em cada ano.

Os dados coletados foram tabulados usando-se o programa Microsoft Excel. As análises estatísticas foram executados com utilização do programa estatístico Stata (Stata Statistical Software: Release 13. College Station, TX: StataCorp LP), versão 13.

A causa básica do óbito registrada na Declaração de Óbito foi categorizada segundo o modo de transporte: 1 - Pedestre; 2 - Condutor ou passageiro de motocicleta e triciclo; 3 - Condutor ou passageiro de automóveis, camionetas e camionetes. Nesta categorização, não foram incluídos os óbitos de ocupantes de bicicletas, ônibus e caminhões, por exemplo, por representarem um pequeno número de óbitos. Estas modalidades, entretanto, foram incluídas nas análises da mortalidade por ATT (todas as condições de vítimas agregadas).

Para evitar viés provocado pelos garbage codes, os óbitos não especificados (V89, V99 e Y32 a Y34) foram redistribuídos para os grupos específicos (pedestres, ocupantes de motocicletas, ocupantes de automóveis e outros meios de transporte). A redistribuição dos garbage codes relacionados aos acidentes de transporte é recomendada por outros estudos para correção da subestimativa das taxas segundo acidentes com causas específicas.12,13 Os óbitos foram também categorizados segundo o distrito sanitário de residência da vítima (Sul, Sudoeste, Oeste, Norte, Noroeste, Leste, Campinas-Centro).

Foram calculadas as taxas anuais de mortalidade por ATT por 100 mil habitantes, padronizadas por idade de janeiro de 2006 a dezembro de 2014. Dessa forma, as taxas de mortalidade em Goiânia e de seus distritos são comparáveis entre si nos diferentes anos de estudo. A padronização foi feita pelo método direto, utilizando-se como população padrão a população do município no ano de 2010. Foram calculadas, da mesma maneira, as taxas trienais de mortalidade por ATT por 100 mil habitantes, padronizadas por idade e utilizando-se a média populacional do período. As taxas trienais foram utilizadas para mostrar, de maneira resumida, a magnitude da mortalidade por ATT. Por sua vez, as taxas anuais foram utilizadas para a análise de tendência.

Uma vez que os testes estatísticos a serem aplicados para verificar a tendência das séries dependem da existência ou não de sazonalidade nestas, foi empregado o teste de Kruskall-Wallis14 para verificar este parâmetro. Neste, as mortalidades nos diversos anos de cada série temporal foram comparadas, de modo a se verificar se as medianas eram significativamente diferentes. Rejeitou-se a hipótese nula, de igualdade na distribuição entre os anos, quando o K obtido pelo teste estatístico foi maior que o K crítico ao nível de significância a=0,05.

O método de Prais-Winsten para regressão linear generalizada foi utilizado para quantificar as tendências para cada distrito sanitário e para o município de Goiânia, permitindo a comparação entre as diferentes séries temporais em estudo. Este método foi o preferido, em vez da regressão linear simples, por se tratar de um procedimento de análise de regressão linear generalizada especialmente delineado para dados que possam ser influenciados pela autocorrelação serial, o que frequentemente ocorre em medidas de dados populacionais. Segundo Antunes e Cardoso,15 a autocorrelação linear rompe com uma das principais premissas da análise de regressão linear simples: a independência dos resíduos. Por meio da regressão de Prais-Winsten, foi possível obter o valor de b, referente à inclinação da reta. A significância estatística foi dada pela comparação entre o valor de P e o valor dado pela curva normal padrão (t) e pelo intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Foi calculada a taxa de incremento médio anual para cada uma das séries, de modo a ser facilitada a comparação entre elas. Esta taxa refere-se à diferença percentual entre a mortalidade por ATT de dois anos subsequentes e indica o ritmo de crescimento (ou retração) da mortalidade na população em estudo. Foram calculados, também, os limites inferior (LI) e superior (LS) do intervalo de confiança de 95% desta taxa.

Não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que se trata de um estudo que utiliza dados secundários, sem identificação dos participantes. A Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, foi atendida.17

Resultados

No período de 2006 a 2012, foram registrados, em Goiânia, 3.347 óbitos por ATT. Destes, 115 tinham informação incompleta sobre o bairro de residência da vítima ou não preenchida na declaração de óbito, razão pela qual tais casos não foram considerados neste estudo.

Das vítimas cuja informação sobre o bairro de residência foi considerada adequada (n=3.232), após a redistribuição dos óbitos em que a causa básica correspondia a acidente de transporte não especificado (5,2% do total), 887 (27,4%) foram classificadas como pedestres, 1.118 (34,6%) como condutores ou passageiros de motocicleta ou triciclo, e 840 (26,0%) como condutores ou passageiros de automóveis, camionetas ou camionetes. Foram identificados, também, 222 óbitos de ocupantes de bicicletas e 165 de outros meios de transporte. As duas últimas categorias não foram objeto de análise deste estudo.

A maior mortalidade por ATT (todas as condições de vítima) foi observada no Distrito Noroeste (9,57 óbitos/100 mil habitantes em 2012/2013/2014) e a menor no Distrito Leste (1,33 óbito/100 mil hab. em 2006/2007/2008) (Tabela 2).

Tabela 2 -Magnitude e tendência das taxas de mortalidade por 100 mil habitantes causadas por acidentes de transporte terrestre segundo distrito sanitário, Goiânia, 2006-2014 

Distrito sanitário Taxa de mortalidade por acidentes de transporte terrestre Prais-Winsten Tendência
Intervalo de Confiança de 95% Intervalo de Confiança de 95%
2006/2007/2008 2009/2010/2011 2012/2013/2014 b Limite inferior Limite superior P-valor TIA% Limite inferior Limite superior
Goiânia 6,82 6,93 6,97 -0.02 -0.06 0.02 0,253 -0.05 -13.42 4.88 estacionária
Sul 1,50 1,51 1,43 0.01 -0.01 0.02 0,399 0.02 -1.98 5.19 estacionária
Sudoeste 5,11 5,50 5,47 0.05 -0.01 0.12 0,117 0.13 -5.17 34.42 estacionária
Oeste 7,90 8,78 8,66 -0.01 -0.07 0.05 0,796 -0.02 -15.55 14.43 estacionária
Norte 8,03 7,67 7,88 -0.01 -0.08 0.06 0,779 -0.02 -17.65 16.40 estacionária
Noroeste 9,45 9,43 9,57 -0.01 -0.10 0.08 0,820 -0.02 -23.58 24.67 estacionária
Leste 1,33 1,34 1,34 -0.02 -0.03 -0.01 0,002 -0.04 -6.59 -1.30 decrescente
Campinas-Centro 6,76 6,99 6,94 -0.09 -0.13 -0.05 0,000 -0.18 -26.51 -9.23 decrescente

As taxas de mortalidade de ocupantes de motocicletas e triciclos foram maiores que aquelas relacionadas aos outros modos de transporte avaliados, exceto nos distritos sanitários Sul, nos triênios 2009/2010/2011 e 2012/2013/2014, Norte (2006/2007/2008) e Noroeste (todos os triênios) (Tabela 3).

Tabela 3 -Magnitude das taxas de mortalidade (por 100 mil habitantes) causadas por acidentes de transporte terrestre, segundo distrito sanitário e modo de transporte, Goiânia, 2006-2014 

Distrito sanitário Modo de transporte 2006/2007/2008 2009/2010/2011 2012/2013/2014
Goiânia pedestres 8,34 8,11 6,45
motocicletas e triciclos 9,10 10,17 8,93
automóveis 6,27 7,40 7,53
Sul pedestres 7,27 7,72 3,81
motocicletas e triciclos 7,93 3,96 3,82
automóveis 3,93 6,59 7,78
Sudoeste pedestres 6,04 7,39 6,63
motocicletas e triciclos 8,68 12,00 10,95
automóveis 4,40 5,57 4,57
Oeste pedestres 11,55 9,40 6,85
motocicletas e triciclos 12,27 14,00 15,17
automóveis 5,94 8,23 7,32
Norte pedestres 11,42 7,17 8,35
motocicletas e triciclos 10,35 11,25 12,25
automóveis 5,40 6,24 6,71
Noroeste pedestres 11,59 8,24 10,51
motocicletas e triciclos 6,42 7,11 6,90
automóveis 11,68 16,31 18,16
Leste pedestres 7,61 9,37 7,30
motocicletas e triciclos 12,33 14,78 12,17
automóveis 5,78 4,65 5,35
Campinas- Centro pedestres 7,68 9,04 5,51
motocicletas e triciclos 8,08 10,94 5,52
automóveis 7,72 6,04 4,61

As taxas de mortalidade de pedestres variaram entre 3,81 mortes/100 mil hab. (Sul, em 2012/2013/2014) e 11,59 mortes/100 mil hab. (Noroeste, em 2006/2007/2008). As taxas de mortalidade por ATT envolvendo motocicletas e triciclos variaram entre 3,82 e 15,18 por 100 mil hab. (Sul, em 2012/2013/2014; e Oeste, em 2012/2013/2014, respectivamente). As taxas de mortalidade de ocupantes de automóveis variaram entre 3,93 (Sul, em 2006/2007/2008) e 18,16/100 mil hab. (Noroeste, em 2012/2013/2014). Nenhuma das séries temporais em estudo apresentou sazonalidade significativa.

A mortalidade de pedestres foi decrescente em Goiânia (b=-0,02; p=0,020) e nos distritos sanitários Sul (b=-0,05; p=0,043) e Oeste (b=-0,03; p=0,031). A mortalidade de ocupantes de motocicletas e triciclos foi decrescente no Distrito Sanitário Sul (b=-0,06; p=0,001). A mortalidade de ocupantes de automóveis foi crescente em Goiânia (b=0,01; p=0,040) e no Distrito Sanitário Sul (b=0,05; p=0,022), e decrescente para o Distrito Sanitário Campinas-Centro (b=-0,03; p=0,044). As demais taxas de mortalidade apresentaram estacionariedade (Tabela 4).

Tabela 4 Tendências das taxas de mortalidade por acidentes de transporte terrestre segundo distrito sanitário e modo de transporte, Goiânia, 2006-2014 

Distrito sanitário Modo de transporte Prais-Winsten Taxa de incremento anual (TIA%) Tendência
b Intervalo de Confiança de 95% P-valor TIA% Intervalo de Confiança de 95%
Limite inferior Limite superior Limite inferior Limite superior
Goiânia pedestres -0.02 -0,04 - 0,020 -4,70 -8,18 -1,08 redução
moto e triciclo -0,01 -0,02 0,01 0,328 -1,53 -4,81 1,86 estacionária
automóveis 0,01 - 0,02 0,040 2,62 0,21 5,09 aumento
Sul pedestres -0,05 -0,10 -0,02 0,043 -11,30 -20,73 -0,75 redução
moto e triciclo -0,06 -0,09 -0,03 0,001 -13,52 -19,01 -7,65 redução
automóveis 0,05 0,01 0,09 0,022 12,88 2,58 24,21 aumento
Sudoeste pedestres 0,01 -0,02 0,03 0,474 1,80 -3,60 7,51 estacionária
moto e triciclo 0,01 -0,03 0,05 0,630 2,17 -7,41 12,73 estacionária
automóveis -0,02 -0,06 0,02 0,342 -3,96 -12,40 5,25 estacionária
Oeste pedestres -0,03 -0,07 -0,04 0,031 -7,83 -14,05 -1,15 redução
moto e triciclo 0,01 -0,01 0,03 0,329 2,21 -2,59 7,26 estacionária
automóveis 0,01 -0,02 0,05 0,345 3,37 -4,15 11,47 estacionária
Norte pedestres -0,02 -0,06 0,01 0,188 -4,93 -12,24 2,99 estacionária
moto e triciclo 0,01 -0,01 0,02 0,107 1,73 -0,43 3,94 estacionária
automóveis 0,01 -0,02 0,05 0,395 3,18 -4,74 11,76 estacionária
Noroeste pedestres -0,01 -0,05 0,02 0,345 -3,44 -10,83 4,57 estacionária
moto e triciclo -0,01 -0,04 0,02 0,550 -2,09 -9,41 5,83 estacionária
automóveis 0,02 -0,01 0,05 0,151 5,04 -2,10 12,69 estacionária
Leste pedestres - -0,04 0,04 0,842 0,80 -7,82 10,23 estacionária
moto e triciclo - -0,02 0,02 0,792 -0,54 -4,10 4,12 estacionária
automóveis - -0,05 0,05 0,949 -0,34 -11,71 12,49 estacionária
Campinas-Centro pedestres -0,02 -0,05 0,01 0,093 -5,10 -10,83 0,99 estacionária
moto e triciclo -0,04 -0,10 0,02 0,132 -8,95 -19,80 3,37 estacionária
automóveis -0,03 -0,06 -0,01 0,044 -7,40 -13,87 -0,45 redução

Significância estatística: p<0,05

Discussão

Foi observada uma grande desigualdade intraurbana com relação às taxas de mortalidade por ATT entre os subdistritos sanitários de Goiânia. As maiores taxas de mortalidade para pedestres ocorreram nos distritos Noroeste, em 2006/2007/2008; Oeste, em 2009/2010/2011; e Noroeste, em 2012/2013/2014. Com relação à mortalidade de ocupantes de motocicletas e triciclos, as maiores taxas foram observadas nos distritos Leste, em 2006/2007/2008 e 2009/2010/2011; e Oeste, em 2012/2013/2014. As taxas de mortalidade de ocupantes de automóveis foram maiores no Distrito Noroeste em todo o período em estudo. A pior situação neste distrito pode estar associada ao fato de seus setores serem cortados por diversas rodovias federais e estaduais.8

A taxa de mortalidade por ATT em Goiânia apresentou tendência de redução para pedestres e aumento para automóveis entre os anos de 2006 e 2014. No mesmo período, observou-se tendência de redução da mortalidade para o modo motocicletas/triciclos no Distrito Sanitário Sul; a redução para pedestres, nos distritos Sul e Oeste; redução para automóveis no Distrito Campinas-Centro e aumento no Distrito Sul. Para os demais distritos e modos de transporte a tendência foi estacionária.

A redução da taxa de mortalidade para pedestres em Goiânia segue uma tendência mundial.18 Esta diminuição pode ser explicada pela redução da velocidade média nas vias urbanas, devido ao aumento da frota de automóveis e motocicletas ocorrido no período do estudo. Esse grande aumento da frota no período de 2006 a 2014 deveu-se principalmente à aquisição de automóveis e motocicletas, resultante dos incentivos econômicos de isenção de impostos e aumento da oferta de financiamentos para aquisição desses meios de transporte.3 Um dos determinantes deste aumento da frota é, também, o transporte público de baixa qualidade na capital. Além disso, houve aumento do poder aquisitivo das populações de renda média e baixa, que priorizou a aquisição de veículos privados individuais para seu deslocamento, em virtude da isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos novos.3,19

Em relação aos distritos sanitários, a redução da mortalidade de pedestres no Distrito Sanitário Sul pode ser explicada pelo maior percentual de população de média e alta renda, que, no período de 2006 a 2014, foi o segmento que mais adquiriu veículos motorizados, principalmente automóveis. Dessa maneira, houve uma mudança do modo de deslocamento da população deste distrito, privilegiando-se o uso do automóvel em detrimento do deslocamento a pé ou por meio de motocicleta.10,20 Isso explicaria a redução das taxas de mortalidade por acidentes para pedestres e motocicletas.

O Distrito Oeste, região com adensamento populacional mais intenso nos últimos anos, apresenta menor percentual de população idosa,10 o que explicaria a redução das taxas de mortalidade para pedestres. O Distrito Campinas-Centro é um distrito mais antigo e com baixa verticalização e adensamento populacional, e com maior percentual de idosos.10 Nesse distrito, a redução da mortalidade para ocupantes de automóveis pode estar relacionada ao fato de se tratar de uma região com baixo índice de verticalização e adensamento populacional, maior percentual de população idosa, ruas estreitas, velocidade média baixa e pouca atividade noturna e de lazer.

É possível supor, entretanto, que a preponderância de tendência estacionária ou de redução das taxas de mortalidade por ATT nos diversos distritos sanitários de Goiânia, entre os anos de 2006 e 2014, tenha sido causada pela diminuição do crescimento da frota de veículos, acompanhada por melhorias na infraestrutura viária, redução da velocidade média (tanto pelo aumento do fluxo de veículos quanto pela implementação de medidas de controle e fiscalização da velocidade), aumento do uso de equipamentos de segurança (capacete, cinto de segurança, equipamento de controle de crianças etc.), diminuição de fatores de risco - como ‘beber e dirigir’ - e também pela melhoria no atendimento pré-hospitalar e hospitalar às vítimas.21,22

De acordo com o Anuário Estatístico do Seguro DPVAT,23 houve aumento de 11,1% na frota de veículos na região Centro-Oeste entre os anos de 2008 e 2014. Entretanto, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran),24 o crescimento da frota em Goiânia foi maior até o ano de 2010 e, a partir de então, embora ainda tenha havido aumento, este apresentou menores dimensões.

A partir do ano de 2012, Goiânia aderiu ao Programa Vida no Trânsito, cujo objetivo principal é promover, por meio da integração de dados e ações intersetoriais, intervenções efetivas de segurança no trânsito. Embora ainda não existam trabalhos que avaliem o impacto do Programa Vida no Trânsito na mortalidade por ATT no município, supõe-se que, a exemplo do que ocorreu em locais onde o programa foi implantado há mais tempo - como Palmas/TO, Teresina/PI, Belo Horizonte/MG, Curitiba/PR e Campo Grande/MS, onde a implantação ocorreu a partir de 2010 -,25 o resultado seja a redução ou estabilização inicial das taxas de acidentes de trânsito graves e fatais.

Ações preventivas no trânsito - como a modificação da Lei Seca, em dezembro de 2012 (Lei nº 12.760/2012),26 campanhas de conscientização e a fiscalização mais rigorosa das infrações de trânsito na capital - também podem ter influenciado na estacionariedade de grande parte das séries analisadas.

Com relação à rede assistencial, o aumento do número de leitos para atendimentos de urgência e emergência e de unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) na capital11 pode ter contribuído na melhoria do atendimento às vítimas, evitando o óbito como desfecho.

A observação de dados disponíveis nos sistemas de informação permite inferir que a estabilização ou redução das taxas de mortalidade por ATT nos diversos distritos sanitários de Goiânia segue uma tendência nacional. De acordo com o Anuário Estatístico do Seguro DPVAT,23 a partir de 2012 houve redução no número de indenizações pagas por óbitos em acidentes de trânsito em todo o Brasil.

Souza et al.27 relataram um aumento da taxa padronizada de mortalidade por acidentes de motocicleta e atropelamentos no período de 1980 a 2003 no Brasil. Para este mesmo período, os autores observaram redução da mortalidade por acidentes envolvendo outros meios de transporte terrestre. Bachieri e Barros28 apontaram redução na taxa de mortalidade por ATT e também no número de óbitos por veículo no Brasil entre os anos de 2006 e 2008. Morais Neto et al.1 relataram que a taxa de mortalidade por ATT no Brasil aumentou de 18,2 por 100 mil hab. em 2000 para 22,5 por 100 mil hab. em 2010, representando um aumento de 23,8%.

A magnitude das taxas de mortalidade por ATT é diferente nos diversos municípios do Brasil. No município de Marília/SP, por exemplo, Biffe et al.29 contabilizaram, no ano de 2012, 78 óbitos por acidentes de transporte terrestre, o que perfazia 34,4 óbitos/100 mil hab. Em Campinas/SP, a mortalidade por ATT entre homens, em 2008, foi de 24,6 óbitos/100 mil hab.30 Vale ressaltar que a taxa mundial de mortalidade por ATT é de 20/100 mil hab., sendo que, nos países desenvolvidos, essa cifra cai para 8/100 mil hab.2

De acordo com Morais Neto et al.,1 em Goiás, a taxa de mortalidade por ATT aumentou de 29 óbitos/100 mil hab. em 2000 para 33,3 óbitos/100 mil hab. em 2010. Entretanto, nesse período, o estado passou do terceiro para o quinto lugar no ranking das taxas de mortalidade por ATT entre todas as Unidades da Federação (UFs). Foi observado, nesse mesmo estudo, aumento do risco para ocupantes de motocicletas e automóveis no estado, quando se compararam os dados referentes aos anos de 2000 e 2010. Ladeira et al.,20 utilizando dados do estudo Carga Global de Doenças 2015, estimaram uma redução da mortalidade por ATT em Goiás de 50,70 óbitos/100 mil hab. em 1990 para 32,70 em 2015.

Embora os estudos supramencionados delineiem de forma satisfatória o cenário relacionado à mortalidade por ATT no Brasil, na região Centro-Oeste e no estado de Goiás, não há relatos na literatura acerca das tendências no município de Goiânia no que diz respeito a este desfecho. Até a elaboração deste estudo, não haviam sido realizadas pesquisas que estimassem os indicadores de mortalidade para as áreas intraurbanas do município. No presente trabalho, a mortalidade em cada distrito foi considerada, proporcionando um retrato fidedigno da situação de saúde relacionada ao trânsito da capital, realizando-se um diagnóstico específico para cada distrito sanitário. A categorização desses indicadores segundo o modo de transporte proporcionou uma análise mais detalhada da questão.

Uma limitação importante do estudo diz respeito ao uso de dados secundários. Isso dificulta o controle de possíveis fatores de confusão e da confiabilidade da informação, que depende diretamente da cobertura e da qualidade da notificação de óbitos. A redistribuição dos óbitos por ATT não especificado (CID-10 V89, V99 e Y32 a Y34) foi utilizada para corrigir os chamados garbage codes e, assim, garantir a qualidade dos registros. Com relação à cobertura dos registros de óbitos, embora ainda haja falhas na captação, estas têm diminuído no Brasil, de maneira que os dados têm se tornado cada vez mais confiáveis.

Observaram-se diferenças de magnitude e tendência nos distritos sanitários que podem subsidiar ações de segurança no trânsito focadas nos grupos e regiões de maior risco e com tendência de aumento. É importante ressaltar também que, apesar de todas as medidas e condições adotadas para a redução da mortalidade por ATT em nível municipal, estadual e nacional, não houve redução da maior parte das tendências analisadas. Assim, os ATT continuam a ser um problema de saúde pública em Goiânia, em virtude da elevada carga de morbimortalidade, dos custos econômicos e do impacto social, devido ao acometimento, principalmente, de indivíduos em idade produtiva.7

As discrepâncias entre os resultados para os diferentes distritos sanitários mostram que existe a necessidade de estudar atentamente as características de cada um deles, para que as políticas de saúde voltadas para a prevenção de ATT possam ser embasadas na realidade de cada região. Nesse sentido, é importante observar que a mortalidade relacionada ao modo de transporte ‘automóvel’ apresentou tendência de aumento no Distrito Sanitário Sul. Este aumento foi tão elevado que se contrapôs ao declínio, também significativo, verificado no Distrito Campinas-Centro, e fez com que os valores médios do município apresentassem tendência de aumento. A alta mortalidade de ocupantes de automóveis no Distrito Noroeste e de motocicletas nos distritos Leste e Oeste também chamaram a atenção. Destaca-se a necessidade de readequação do transporte público coletivo, de forma a possibilitar sua utilização em detrimento dos meios de transporte privados individuais. Além disso, há necessidade de se fortalecerem as ações de segurança no trânsito direcionadas, principalmente, para os distritos onde houve alta magnitude ou tendência crescente das taxas de mortalidade por ATT.

Referências

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*Artigo derivado de monografia de conclusão de curso intitulada ‘Tendências da mortalidade por Acidentes de Transporte Terrestre no município de Goiânia, Brasil: 2006-2014’, apresentada por Érika Carvalho de Aquino junto ao Curso de Especialização em Análise da Situação de Saúde do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, em 23 de novembro de 2016.

Recebido: 01 de Agosto de 2018; Aceito: 08 de Outubro de 2018

Endereço para correspondência: Érika Carvalho de Aquino - Rua A20, Quadra 13, Lote 1 ao 31, nº113, Ed. Village dos Alpes, apto. 602, Torre 3, Vila Alpes, Goiânia, Goiás, Brasil. CEP: 74.310-210. E-mail: ecaquino@hotmail.com

Contribuição dos autores

Morais Neto OL e Neves CM contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Aquino EC contribuiu na análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Os autores aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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