Introdução
O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), criado na década de 1990,1 tem sido avaliado por meio de atributos da qualidade, cobertura, completitude do preenchimento e confiabilidade, com base em dados secundários dirigidos a agravos específicos.2,3 Instituições de controle de doenças recomendam que as avaliações direcionadas aos sistemas de vigilância sejam focadas em doenças particulares,4 para assegurar o monitoramento eficiente e efetivo de problemas importantes para a Saúde Pública.5,6
Avaliações com dimensões específicas restringem sua utilidade,7 permanecendo lacunas no conhecimento sobre todo o processo de produção da informação. São escassas as pesquisas avaliativas que abordem a totalidade dos sistemas de informações e de vigilância em saúde, a exemplo de estudos que identificaram fragilidades nos contextos organizacionais e nas etapas de coleta, processamento, transmissão e disseminação dos dados,8,9 de maneira a contribuir com o desenvolvimento de estratégias favorecedoras de melhor cobertura, regularidade e qualidade nas informações.9,10
Para que a vigilância epidemiológica seja efetiva, são necessárias informações acuradas e oportunas.1,11 O mundo globalizado, caracterizado por mobilidade individual e fluxo permanente de contingentes entre países e regiões, exige serviços estruturados, capazes de dar respostas rápidas às emergências de Saúde Pública e encarregar-se do monitoramento de pactuações nacionais e internacionais.11,12 A carência de estudos avaliativos sobre o Sinan dificulta a identificação de falhas na geração da informação, com repercussões no processo de tomada de decisão.
A diversidade de abordagens metodológicas, por sua vez, possibilita o aprofundamento dos estudos sobre a adequação operacional dos sistemas, desde a coleta até a divulgação das informações, sendo úteis pesquisas que abranjam todo o processo de produção da informação.9 O objetivo desta pesquisa foi avaliar a implantação do Sinan no estado de Pernambuco, no ano de 2014.
Métodos
Trata-se de uma pesquisa avaliativa do tipo análise de implantação, com o propósito de examinar a influência da variação do grau de implantação de uma intervenção sobre os efeitos observados.13 Adotou-se como estratégia o estudo de caso único,14 focado no estado de Pernambuco, em seus níveis central e regional de saúde.
O Sinan é operacionalizado nas 12 regiões político-administrativas de Pernambuco, correspondentes às regionais de saúde, que agrupam 185 municípios do estado. O sistema tem por objetivo coletar, processar, transmitir e disseminar dados epidemiológicos, gerados por profissionais de saúde na rotina dos serviços. Os agravos da lista de doenças de notificação compulsória são registrados em fichas de investigação, as quais são enviadas para a vigilância epidemiológica municipal, responsável pela digitação, adoção das medidas de controle e encerramento das investigações, a partir da evolução do caso.1
Esta avaliação foi desenvolvida em quatro etapas:
Etapa 1 - Elaboração do modelo lógico do Sinan
Para explicitar a intervenção avaliada, delineou-se o modelo lógico estadual do Sinan (Figura 1), a partir da tríade estrutura-processo-resultado15 nos cinco componentes técnicos de um sistema de informações: gestão; notificação e investigação; monitoramento; processamento dos dados; e análise e divulgação da informação. A construção da análise apoiou-se nos seguintes documentos normatizadores: Instrução Normativa SVS/MS nº 2/2005; manuais (Sinan Net, normas e rotinas de 2007; Operação do Sinan Online, do Sinan Relatórios); e portarias ministeriais (SVS/MS no 201/2010, da Secretaria de Vigilância em Saúde; e GM/MS no 1.271/2014, do Gabinete do Ministro da Saúde).
Etapa 2 - Construção da matriz de indicadores e julgamento
Elaborou- se a matriz de indicadores e os critérios de julgamento com base no modelo lógico do Sinan estadual. Todos os indicadores foram submetidos à opinião dos técnicos e gestores do sistema, para validação do constructo e dos critérios. Foi utilizada uma adaptação da técnica do grupo nominal em duas reuniões com os participantes, aos quais foram previamente encaminhados os documentos construídos (Figura 2). Na seleção dos indicadores, considerou-se a validade de conteúdo, relevância, disponibilidade, facilidade de obtenção, simplicidade do cálculo e oportunidade, dividindo-se entre eles a pontuação preestabelecida para os componentes. Na definição dos critérios de julgamento, utilizaram-se os parâmetros instituídos nos instrumentos legais e/ou em estudos científicos e, quando inexistentes, foram criados em consonância com a rotina do serviço.
a) CIEVS: Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde.
b) DNC: doença de notificação compulsória.
c) DNCI: doença de notificação compulsória informada.
d) SE: semana epidemiológica.
Nota: Não há atribuição de pontos para os resultados, tampouco entram no cálculo do grau de implantação.
A Figura 2 explicita a matriz dos 65 indicadores por componentes, 17 na dimensão ‘estrutura’, 28 na dimensão ‘processo’ com os critérios de julgamento e 20 na dimensão ‘resultado’, não considerados na definição do grau de implantação. A partir dos indicadores selecionados, elaborou-se o instrumento para coleta de dados, segundo os componentes do Sinan.
Os dados primários foram coletados no período de novembro e dezembro de 2014, mediante entrevistas com aplicação de questionário, constituído por questões abertas, a todos os 13 gerentes da vigilância epidemiológica e 13 técnicos responsáveis pelo Sinan, no nível central e nas 12 regionais de saúde; também considerou-se a observação direta, não participante, de aspectos estruturais e processuais. Os dados secundários foram obtidos de documentos normativos e outros extraídos do banco de dados do Sinan do ano de referência (2014), em março de 2015, para análise dos indicadores de resultado.
Etapa 3 - Classificação do grau de implantação
Para definição do grau de implantação, foram utilizados indicadores de estrutura e processo segundo os cinco componentes técnicos do Sinan. Para cada componente, os participantes da técnica de grupo nominal atribuíram uma pontuação de acordo com sua relevância para a operacionalização do Sinan estadual: gestão (25 pontos); notificação e investigação (10 pontos); monitoramento (20 pontos); processamento dos dados (20 pontos); e análise e divulgação da informação (25 pontos). O cálculo do grau de implantação foi auferido pelo somatório das pontuações obtidas em relação aos valores máximos previstos por dimensão, componente, regiões de saúde e nível central. O grau de implantação do nível regional foi obtido pela média aritmética dos valores observados em cada uma das 12 regiões, enquanto o do nível estadual, pela média aritmética entre as pontuações observadas nos níveis central e regional. O grau de implantação foi classificado da seguinte forma: implantado, quando alcançou percentuais que variaram de 80,0 a 100,0%; parcialmente implantado, de 60,0 a 79,9%; incipiente, de 40,0 a 59,9%; e não implantado, abaixo de 40,0%. Essa classificação foi definida pelos autores com base em pesquisa avaliativa prévia, sobre sistemas de informação.9
Etapa 4 - Análise dos resultados e da influência do grau de implantação nos efeitos observados
Para a análise dos resultados (efeitos), foram considerados os indicadores contidos na matriz de indicadores e julgamento do Sinan (Figura 2). A classificação do índice de completitude das fichas de tuberculose e leptospirose utilizou-se do método proposto por Malhão et al.16 A análise do grau de implantação realizada na etapa 3 foi comparada aos indicadores de resultado, mediante um processo dedutivo baseado no modelo lógico do Sinan para a identificação de elementos que exerceram influência no alcance dos resultados.
Para ampliar a robustez da análise de implantação do sistema, utilizou-se a triangulação das informações referentes às dimensões de estrutura e de processo contidas nas entrevistas com a observação direta não participante nas 12 regiões de saúde e no nível central, delineadas no estudo de caso único do Sinan/Pernambuco. A triangulação foi adotada como uma estratégia capaz de acrescentar rigor, amplitude e profundidade à investigação.17
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - Parecer no 4488/14; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 488214.400005201, aprovado em 21 de novembro de 2014. Todos os participantes concordaram em participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
O Sinan encontrava-se parcialmente implantado em Pernambuco (69,2%), nos níveis central (77,2%) e regional (61,2%). Em sete das 12 regionais de saúde, o sistema estava incipiente. A dimensão de estrutura estava mais bem implantada nos níveis central e regional que o processo, exceto para o componente de notificação e investigação (Tabela 1).
Componente | Regiões de saúde e grau de implantação | Nível Regional | Nível Central | Estado | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
I | II | III | IV | V | VI | VII | VIII | IX | X | XI | XII | ||||
Gestão | 46,0 | 48,0 | 40,0 | 48,0 | 54,0 | 46,0 | 58,0 | 54,0 | 50,0 | 48,0 | 58,0 | 46,0 | 49,7 | 64,0 | 56,8 |
Estrutura | 63,6 | 50,0 | 72,7 | 68,2 | 72,7 | 72,7 | 77,3 | 63,3 | 50,0 | 45,5 | 54,5 | 63,6 | 62,9 | 68,2 | 65,5 |
Processo | 32,1 | 46,4 | 14,3 | 32,1 | 39,3 | 25,0 | 42,9 | 46,4 | 50,0 | 50,0 | 60,7 | 32,1 | 39,3 | 60,7 | 50,0 |
Notificação e investigação | 70,0 | 70,0 | 100,0 | 100,0 | 85,0 | 70,0 | 70,0 | 70,0 | 85,0 | 70,0 | 100,0 | 70,0 | 80,0 | 100,0 | 90,0 |
Estrutura | 33,3 | 33,3 | 100,0 | 100,0 | 66,7 | 66,7 | 33,3 | 33,3 | 100,0 | 33,3 | 100,0 | 33,3 | 61,1 | 100,0 | 80,6 |
Processo | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 72,7 | 100,0 | 100,0 | 72,7 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 95,5 | 100,0 | 97,7 |
Monitoramento | 33,8 | 57,5 | 32,5 | 38,8 | 47,5 | 38,8 | 70,0 | 30,0 | 55,0 | 26,3 | 55,0 | 47,5 | 44,4 | 62,5 | 53,4 |
Estrutura | 75,0 | 75,0 | 50,0 | 100,0 | 75,0 | 75,0 | 75,0 | 50,0 | 75,0 | 50,0 | 100,0 | 50,0 | 70,8 | 75,0 | 72,9 |
Processo | 23,4 | 53,1 | 28,1 | 23,4 | 40,6 | 29,7 | 68,8 | 25,0 | 50,0 | 20,3 | 43,8 | 46,9 | 37,8 | 59,4 | 48,6 |
Processamento dos dados | 85,0 | 75,0 | 72,5 | 85,0 | 85,0 | 85,0 | 85,0 | 70,0 | 85,0 | 70,0 | 85,0 | 85,0 | 80,6 | 87,5 | 84,1 |
Estrutura | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Processo | 78,6 | 64,3 | 60,7 | 78,6 | 78,6 | 78,6 | 57,1 | 78,6 | 57,1 | 78,6 | 78,6 | 78,6 | 72,3 | 82,1 | 77,2 |
Análise e divulgação da informação | 48,0 | 40,0 | 44,0 | 48,0 | 48,0 | 40,0 | 70,0 | 44,0 | 84,0 | 44,0 | 60,0 | 44,0 | 51,2 | 72,0 | 61,6 |
Estrutura | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Processo | 13,0 | - | 6,7 | 13,3 | 13,3 | - | 50,0 | 6,7 | 73,3 | 6,7 | 33,3 | 6,7 | 18,6 | 53,3 | 36,0 |
Sinan | 56,6 | 58,1 | 57,8 | 64,0 | 63,9 | 56,0 | 67,6 | 56,6 | 68,8 | 54,7 | 71,6 | 58,5 | 61,2 | 77,2 | 69,2 |
No nível estadual, os componentes de notificação e investigação (90,0%) e processamento dos dados (84,1%) estavam implantados; entretanto, a gestão (56,8%) e o monitoramento (53,4%) estavam incipientes, com variação entre as regiões de saúde de 40,0 a 58,0% para o primeiro e de 26,3 a 70,0% para o segundo. Em seis regiões, o componente de monitoramento não estava implantado; e a análise e divulgação da informação, parcialmente implantada no âmbito estadual (61,6%), variando de 40,0 a 84,0% entre as regiões (Tabela 1).
A Tabela 2 apresenta os indicadores de resultado segundo os componentes do Sinan para os níveis central e regional de saúde. O indicador ‘número de planejamento do Sinan construído anualmente’, do componente de gestão, não foi realizado em nível estadual; e o indicador ‘consistência regional do volume de notificações’, do componente de notificação e investigação, apresentou 28,7% de implantação em ambos os níveis - regional e central -, variando de 24,1 a 36,9%. No componente de monitoramento, o indicador ‘encerramento oportuno das investigações de doença de notificação compulsória’ (as DNC) no âmbito estadual foi de 78,1%; e para o componente de processamento dos dados, o indicador ‘municípios com ≥80% de envio regular de lotes’ apresentou amplas diferenças entre as regiões de saúde, de zero a 100,0%. Para o componente de análise e divulgação da informação, a ‘completitude das fichas de notificação de tuberculose’ alcançou índice de 10,1 para o estado, variando de 9,1 (bom) a 12,4 (excelente) entre as regionais de saúde, e quanto à ‘completitude das fichas de notificação de leptospirose’, o estado alcançou 8,8, variando de 5,2 (ruim) a 13,1 (excelente) entre as regionais.
Componente/Indicador | Regiões de Saúde | Nível Regional | Nível Central | Estado | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
I | II | III | IV | V | VI | VII | VIII | IX | X | XI | XII | ||||
Gestão | |||||||||||||||
No de planejamento do Sinan construído anualmente | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - |
Notificação e investigação | |||||||||||||||
Notificação individual com número duplicado | 3,9 | 4,4 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,2 | 0,3 | 0,7 | 0,1 | 0,1 | 0,8 | 2,6 | 1,7 |
Razão de casos de DNCa esperados e notificados | 1,1 | 1,3 | 0,5 | 1,8 | 0,3 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 2,0 | - | - | 1,3 | 0,7 | 1,1 | 0,9 |
Consistência regional do volume de notificações | 36,9 | 24,1 | 24,2 | 30,5 | 25,0 | 24,2 | 32,1 | 33,2 | 28,3 | 29,4 | 31,5 | 24,7 | 28,7 | 28,7 | 28,7 |
Monitoramento | |||||||||||||||
Municípios irregulares na alimentação do Sinan | - | - | 4,5 | - | - | - | - | - | - | - | - | - | 0,4 | 0,5 | 0,5 |
Encerramento oportuno das investigações de DNCa | 77,6 | 72,5 | 72,3 | 73,5 | 77,8 | 78,9 | 92,9 | 94,5 | 85,3 | 75,0 | 80,0 | 69,9 | 79,2 | 77,0 | 78,1 |
Municípios com encerramento oportuno de ≥80% de casos de DNCa | 50,0 | 55,0 | 40,9 | 34,4 | 47,6 | 46,2 | 42,9 | 71,4 | 36,4 | 50,0 | 50,0 | 50,0 | 47,9 | 45,9 | 46,9 |
Casos de DNCIb notificados oportunamente | 12,4 | 24,4 | 15,9 | 30,7 | 8,3 | 24,2 | 16,7 | 26,5 | 43,8 | 21,4 | 37,5 | 15,2 | 23,1 | 13,6 | 18,3 |
Casos de DNCIb digitados oportunamente | 20,7 | 48,8 | 31,7 | 50,0 | 50,0 | 39,4 | 54,2 | 18,4 | 43,8 | 64,3 | 37,5 | 38,0 | 41,4 | 23,6 | 32,5 |
Processamento dos dados | |||||||||||||||
Envio regular de SEc em lotes de transferência/ano | 88,5 | 86,5 | 88,5 | 98,1 | 90,4 | 92,3 | 88,5 | 94,2 | 92,3 | 88,5 | 98,1 | 80,8 | 90,5 | 82,7 | 86,6 |
Municípios com ≥80% de envio regular de lotes | 50,0 | 75,0 | 63,6 | 71,9 | 61,9 | 76,9 | - | 100,0 | 36,4 | 100,0 | 90,0 | 100,0 | 68,8 | 68,6 | 68,7 |
Análise e divulgação da informação | |||||||||||||||
Completitude das fichas de notificação de tuberculose | 12,4 | 11,0 | 10,3 | 10,0 | 10,0 | 10,7 | 10,8 | 9,8 | 10,2 | 10,6 | 9,1 | 10,9 | 10,5 | 9,7 | 10,1 |
Completitude das fichas de notificação de leptospirose | 7,5 | 9,7 | 9,4 | 6,7 | 5,2 | 13,1 | 13,1 | 13,1 | 10,6 | 13,1 | 13,1 | 9,5 | 10,3 | 7,3 | 8,8 |
% de casos de leptospirose duplicados no Sinan | 0,6 | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | 0,1 | 0,5 | 0,3 |
% de casos de tuberculose duplicados no Sinan | 3,0 | 2,2 | 3,2 | 2,7 | 5,4 | 3,4 | 2,6 | 0,0 | 6,9 | 6,3 | - | - | 3,0 | 2,9 | 3,0 |
Inconsistência no registro de ‘classificação final’ e ‘critério’de leptospirose | 1,1 | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | 0,8 | 1,3 | 1,0 |
Inconsistência no registro de ‘evolução’ e ‘data do óbito’ de leptospirose | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - |
Inconsistência no registro de ‘forma clínica’ e ‘baciloscopia de escarro’ na tuberculose | 0,5 | - | 0,4 | - | - | - | - | 1,3 | - | - | - | - | 0,2 | 0,4 | 0,3 |
Inconsistência no registro de ‘forma clínica’ e ‘se extrapulmonar’ de tuberculose | - | - | - | - | - | - | - | 0,7 | - | - | - | - | 0,1 | - | - |
% de boletins e perfis epidemiológicos elaborados e divulgados | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - |
a) DNC: doença de notificação compulsória.
b) DNCI: doença de notificação compulsória internacional.
c) SE: semana epidemiológica.
Na Tabela 3, encontrou-se coerência entre o grau de implantação e os indicadores de resultado. Para o componente de notificação e investigação, que se encontrava implantado (90,0%), um dos três indicadores, ‘consistência regional do volume das notificações’, apresentou resultado abaixo do esperado (28,7%). Dos nove indicadores do componente de análise e divulgação da informação, identificado como parcialmente implantado (61,6%), apenas um indicador, ‘proporção de boletins e perfis epidemiológicos elaborados e divulgados’, não obteve pontuação.
Componente | Grau de implantação (%) | Indicadores | Metas | Resultado |
---|---|---|---|---|
Gestão | 56,8 (incipiente) | No de planejamento do Sinan construído anualmente | 1 | - |
Notificação e investigação | 90,0 (implantado) | Notificação individual com número duplicado | <5% | 1,7 |
Razão de casos de DNCa esperados e notificados | 1 | 0,9 | ||
Consistência regional do volume de notificações | >80% | 28,7 | ||
Monitoramento | 53,4 (incipiente) | Municípios irregulares na alimentação do Sinan | zero | 0,5 |
Encerramento oportuno das investigações de DNCa | ≥80% | 78,1 | ||
Municípios com encerramento oportuno de ≥80% de casos de DNCa | ≥50% | 46,9 | ||
Casos de DNCIb notificados oportunamente | 100% | 18,3 | ||
Casos de DNCIb digitados oportunamente | 100% | 32,5 | ||
Processamento dos dados | 84,1 (implantado) | Envio regular de SEc em lotes de transferência/ano | ≥80% | 86,6 |
Municípios com ≥80% de envio regular de lotes | ≥50% | 68,7 | ||
Análise e divulgação da informação | 61,6 (parcialmente implantado) | Completitude das fichas de notificação de tuberculose | >8,9 | 10,1 |
Completitude das fichas de notificação de leptospirose | >8,9 | 8,8 | ||
% de casos de leptospirose duplicados no Sinan | ≤5% | 0,3 | ||
% de casos de tuberculose duplicados no Sinan | ≤5% | 3,0 | ||
Inconsistência no registro de ‘classificação final’ e ‘critério’ de leptospirose | ≤5% | 1,0 | ||
Inconsistência no registro de ‘evolução’ e ‘data do óbito’ de leptospirose | ≤5% | - | ||
Inconsistência no registro de ‘forma clínica’ e ‘baciloscopia de escarro’ na tuberculose | ≤5% | 0,3 | ||
Inconsistência no registro de ‘forma clínica’ e ‘se extrapulmonar’ de tuberculose | ≤5% | - | ||
% de boletins e perfis epidemiológicos elaborados e divulgados | ≥50% | - |
a) DNC: doença de notificação compulsória.
b) DNCI: doença de notificação compulsória informada.
c) SE: semana epidemiológica.
Discussão
O Sinan em Pernambuco mostrou-se parcialmente implantado, com variações entre as regiões de saúde, geralmente coerentes com os baixos efeitos alcançados. O sistema cumpre incompletamente seus objetivos, em decorrência de insuficiências organizacionais, apesar dos mais de 20 anos de funcionamento18 e de ser uma ferramenta importante na produção de informações.1,19
As atividades de rotina para melhoria de indicadores de completitude, duplicidade e inconsistência dos dados, realizadas por técnicos do nível central, podem mascarar resultados negativos no âmbito regional. Por sua vez, o modelo lógico e a matriz de indicadores e julgamento do Sinan, validados pela equipe estadual sem apreciação de especialistas de outros níveis hierárquicos, podem representar fragilidades nos critérios de julgamento da pesquisa e são passíveis de mudanças, uma vez que o grupo nominal exprime a opinião do participante sem o incômodo das interações com múltiplos atores. Além disso, a validade do modelo lógico está relacionada à qualidade da articulação teórica e à complexidade da interdependência entre os componentes. Por isso, o modelo lógico pode ser aplicado a outros locais, com algumas adaptações; entretanto, os resultados não podem ser extrapolados.14,17
A gestão e o monitoramento apresentaram-se como os componentes críticos do Sinan estadual, refletidos na inexistência de planejamento e insuficiência da notificação, encerramento e digitação oportunas. Entretanto, os sistemas de informações em saúde devem fornecer dados confiáveis na identificação de eventos relevantes, e que viabilizem respostas rápidas aos problemas de Saúde Pública. Diante do fluxo contínuo de pessoas entre países com multiplicidade de agravos, informações acuradas reforçam a importância desses sistemas para a vigilância epidemiológica.18-20
No caso estudado, o componente de gestão do Sinan em Pernambuco e em todas as suas regiões de saúde mostrou-se incipiente, com repercussões negativas sobre a coordenação do sistema. Possivelmente isso se tenha observado porque, embora no Brasil os sistemas de informações contem com coordenações nos três níveis de gestão, nacional, estadual e municipal, não há corresponsabilização interfederativa plena,1 repercutindo na qualidade dos dados produzidos, sobretudo no âmbito local. A estrutura do Sinan em Pernambuco foi mais bem avaliada que o processo, apesar da necessidade de internet de boa qualidade. Esses aspectos estruturais de algumas regionais estudadas são similares ao achado de estudo desenvolvido no estado de São Paulo, acerca do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), para o qual se observou maior disponibilidade de computadores e de pessoal, e melhor acesso à internet rápida, em municípios de maior porte populacional.21
A estruturação dos sistemas de informações em saúde é imprescindível no acompanhamento do progresso de indicadores estratégicos nacionais e locais;22 entre eles, os pactuados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,23 particularmente o terceiro, que aborda diversas doenças transmissíveis, inclusive as negligenciadas. No âmbito internacional, o aprendizado obtido com a aferição das Metas do Milênio direcionadas à mortalidade e morbidade mostrou a necessidade de sistemas de informações desenvolvidos, com dados completos e fidedignos. Os desafios de saúde da próxima década não poderão ser enfrentados sem uma gestão efetiva dos sistemas de informações.20,22-24
Esperava-se, pela longevidade do Sinan, que o processo de trabalho estivesse adequado, aspecto não encontrado no estudo. Imprecisões nas atribuições de cada instância gestora9 podem estar relacionadas à concepção centralizadora histórica de sistemas cuja função, no âmbito local, restringia-se à coleta de dados.25 A gestão estadual assume responsabilidades dos municípios quando estes não as desenvolvem. O mesmo ocorre com as regionais de saúde,9 o que talvez explique incoerências reveladas no estudo como o grau de implantação incipiente na maioria dessas regiões, divergindo da boa qualidade dos indicadores de efeitos relativos ao componente de análise e divulgação da informação.
As falhas de completitude devidas ao mau preenchimento dos instrumentos pelos profissionais de saúde dos serviços não foram minimizadas com o resgate das informações no nível estadual. Caso o monitoramento e o resgate de variáveis incompletas ou inconsistentes fosse uma rotina da vigilância epidemiológica hospitalar ou municipal, seria oportunizado um maior conhecimento da magnitude e perfil das doenças, favorecendo o planejamento e a execução de ações estratégicas.11,26
Apesar de o monitoramento ser uma atribuição relevante do nível estadual e regional, os indicadores de efeitos relacionados à oportunidade apresentaram-se abaixo do esperado. Tal fato decorreu da periodicidade irregular, com reflexos na agilidade do sistema de vigilância e na tomada de medidas de prevenção e controle dos eventos sanitários.5,26-28 Esses resultados dos indicadores de monitoramento podem sinalizar a pouca aceitabilidade do sistema de vigilância pelos profissionais envolvidos. Normalmente, a aceitabilidade é melhor quando há um reconhecimento da utilidade da informação produzida, e para seu alcance é necessária a sensibilização e capacitação dos agentes produtores da informação pela gestão dos sistemas.19,29
O grau de implantação do processamento dos dados foi coerente com os indicadores de resultado, provavelmente por se constituir em rotina indispensável para o sistema, que se aperfeiçoou ao introduzir críticas quanto à coerência entre as variáveis, correção de erros e aprimoramento da qualidade da informação.1,27-30 Entretanto, o Sinan em nível estadual não deveria se restringir a essas atividades.
O Sinan em Pernambuco apresentou-se parcialmente implantado, com repercussão nos resultados alcançados e apresentados no presente estudo. Os componentes de gestão e monitoramento foram os principais obstáculos para a plena implantação do sistema, em especial os aspectos do processo de trabalho, enquanto suas fortalezas relacionaram-se à notificação e investigação e ao processamento dos dados. Para o Sinan cumprir integralmente seus objetivos, faz-se necessária a reorganização dos serviços, maior mobilização de recursos e investimentos na qualificação da vigilância e dos sistemas de informações de agravos de racionalidade epidemiológica, associada a novas pesquisas avaliativas que aprofundem o conhecimento quanto às fragilidades dos sistemas de informações em saúde.