Introdução
A mortalidade infantil diminuiu de forma acentuada nas três últimas décadas, em grande parte do mundo.1,2 Entretanto, no mesmo período, observou-se uma lenta redução da mortalidade neonatal (óbitos entre zero e 27 dias de vida) e, principalmente, da mortalidade neonatal precoce (óbitos entre zero e seis dias de vida). Essa redução ocorreu de forma desigual entre os países, segundo o nível de desenvolvimento.2 Entre os anos de 1990 e 2012, a mortalidade neonatal diminuiu 65% na Ásia Oriental, enquanto na África Subsaariana e na Oceania, diminuiu apenas 28% e 17%, respectivamente.3 As causas de morte neonatal variam conforme o nível da taxa de mortalidade infantil. Nos países com as maiores taxas de mortalidade, metade das mortes neonatais é causada por infecções, ao passo que, em países com menores taxas, prematuridade e malformações congênitas são as principais causas de morte.1
No Brasil, a diminuição observada na mortalidade infantil nas últimas décadas foi acompanhada de uma lenta redução da mortalidade neonatal e aumento dos nascimentos pré-termo.4-6 Atualmente, o principal componente da mortalidade infantil é o neonatal precoce.7 A pesquisa ‘Nascer no Brasil’, estudo nacional de base hospitalar com puérperas e seus recém-nascidos, realizada entre 2011 e 2012, identificou uma taxa de mortalidade neonatal de 11,1 óbitos/1.000 nascidos vivos (NV), sendo as maiores taxas observadas nas regiões Norte e Nordeste. A prematuridade e o baixo peso ao nascer foram as principais características associadas aos óbitos neonatais no país.8
O dia do nascimento, além de biologicamente relevante, é o dia mais arriscado para a sobrevivência. Embora progressos substanciais tenham sido feitos em outras áreas da saúde infantil, o período neonatal, particularmente o primeiro dia de vida, tem sido relativamente negligenciado em muitas regiões do mundo. O risco de morte nesse período mais vulnerável da vida é 30 vezes maior em países de baixa renda, na comparação com os países de alta renda.9 As mortes no primeiro dia de vida são responsáveis por 25 a 45% das mortes no período neonatal.10 No Brasil, aproximadamente uma quarta parte dos óbitos infantis acontece no primeiro dia de vida.7 Esses óbitos podem ser alvo de intervenções e sua prevenção consiste no acesso a cuidados de alta qualidade no período pré-natal, durante o parto e imediatamente após o nascimento.1
Estudos epidemiológicos sobre a mortalidade no primeiro dia de vida são necessários para se compreender a evitabilidade desses óbitos e melhorar os indicadores da mortalidade neonatal precoce no Brasil. Os principais objetivos do presente estudo foram calcular as taxas de mortalidade no primeiro dia de vida, no período de 2010 a 2015, em oito Unidades da Federação brasileira com melhor qualidade da informação, avaliar fatores associados e classificar os óbitos segundo causa básica e evitabilidade.
Métodos
Estudo descritivo, com dados secundários do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) disponibilizados pelo Ministério da Saúde por meio de seu Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), acessados no ano de 2017.
Os dados correspondem aos óbitos infantis ocorridos nos anos de 2010 a 2015, em sete estados brasileiros (Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul) e no Distrito Federal. As informações vitais são consideradas adequadas, pelos critérios da Rede Integrada de Informações para a Saúde (RIPSA), e a taxa de mortalidade infantil pode ser calculada sem a necessidade de correção dos dados - via método de busca ativa de óbitos e nascimentos - informados pelo SIM e pelo Sinasc.11 O período selecionado para análise justifica-se pelo fato de os formulários da Declaração de Óbitos e da Declaração de Nascido Vivo terem passado por um processo de mudança entre 2007 e 2009. A partir do ano de 2010, observaram-se avanços na cobertura e qualidade dos dados, especialmente das causas dos óbitos.12 Logo, os dados foram selecionados com a perspectiva de apresentarem a melhor qualidade de informações disponíveis sobre óbitos e nascimentos ocorridos no Brasil.
As causas básicas de óbito no primeiro dia de vida foram descritas conforme a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª edição (CID-10). Para a análise da evitabilidade dos óbitos, foi utilizada a ‘Lista brasileira de causas de mortes evitáveis por intervenções do SUS em menores de cinco anos’.13 Como a frequência das causas básicas de óbito não variou entre os anos de 2010 e 2015, as análises de causas de óbito e evitabilidade foram apresentadas para o conjunto dos óbitos ocorridos no período considerado. Também foi realizada uma análise de evitabilidade dos óbitos conforme categorias de peso ao nascer.
As variáveis relacionadas ao NV e ao parto foram:
- sexo (masculino; feminino);
- raça/cor da pele (branca, preta, amarela, parda e indígena);
- gravidez múltipla (sim; não);
- tipo de parto (vaginal; cesariana);
- peso ao nascer (em gramas: <1.500; 1.500-2.499; ≥2.500); e
- idade gestacional (em semanas: pré-termo, <37; termo, 37-41; pós-termo, ≥42).
- idade (em anos: <20; 20-29; ≥30); e
- escolaridade (em anos de estudo completos: sem escolaridade; 1-3; 4-7; 8-11; ≥12).
Foram calculadas as taxas de mortalidade no primeiro dia de vida (número de óbitos ocorridos no primeiro dia de vida, por 1.000 NV, no local e ano considerado) e a proporção dos óbitos no primeiro dia de vida em relação às mortes de menores de um ano no período entre 2010 e 2015, para as oito UFs selecionadas. A variação percentual das taxas de mortalidade no primeiro dia de vida para cada estado ao longo do período foi calculada da seguinte forma:
As análises de tendência temporal foram realizadas por regressão linear, após verificação de não correlação entre os erros-padrão ao longo do tempo, utilizando-se o teste de Breusch Godfrey. Na análise de regressão linear simples, as taxas de mortalidade foram consideradas como variável dependente e os anos do período como variável independente.
As taxas de mortalidade no primeiro dia de vida foram comparadas em termos relativos (risco relativo, RR) e absolutos (risco atribuível, RA, diferença absoluta entre taxas), conforme características do NV, do parto e da mãe do recém-nascido no período estudado. A associação entre essas características e o óbito no primeiro dia de vida foi verificada por meio de testes estatísticos baseados no teste do qui-quadrado de Pearson.
O projeto foi realizado em conformidade com os princípios éticos definidos na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Resultados
Entre 2010 e 2015, ocorreram 96.170 óbitos infantis nos sete estados selecionados e no Distrito Federal. A taxa de mortalidade infantil reduziu-se em 13% no período, passando de 12,7 óbitos/1.000 NV para 11,0 óbitos/1.000 NV (p<0,001). Do total de óbitos infantis, 20.791 (21,6%) ocorreram no primeiro dia de vida. Considerado todo o período do estudo, a taxa de mortalidade no primeiro dia de vida foi de 2,5/1.000 NV, apresentando uma variação de 2,7 óbitos/1.000 NV em 2010 para 2,3 óbitos/1.000 NV em 2015 (p=0,009) (Tabela 1).
Indicador | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2010-2015 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Número de óbitos em menores de 1 ano | 16.188 | 16.233 | 16.110 | 15.855 | 16.119 | 15.665 | 96.170 |
Número de NVb | 1.322.755 | 1.347.588 | 1.359.709 | 1.362.801 | 1.401.060 | 1.424.720 | 8.218.633 |
Taxa de mortalidade infantil/1.000 NVb | 12,7 | 12,0 | 11,8 | 11,6 | 11,5 | 11,0 | 11,7 |
Número de óbitos no 1o dia de vida | 3.600 | 3.579 | 3.385 | 3.386 | 3.558 | 3.283 | 20.791 |
Proporção (%) de óbitos no 1o dia de vida | 22,2 | 22,0 | 21,0 | 21,4 | 22,0 | 20,9 | 21,6 |
Taxa de mortalidade no 1o dia de vida/1.000 NVb | 2,7 | 2,6 | 2,5 | 2,5 | 2,5 | 2,3 | 2,5 |
a) Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
b) NV: nascidos vivos.
Fontes: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), 2010-2015; Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 2010-2015.
Entre 2010 e 2015, enquanto o estado de Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal apresentaram as maiores taxas de mortalidade no primeiro dia de vida (ambos com 3,4 óbitos por 1.000 NV), o Rio Grande do Sul referiu a menor taxa (2,3/1.000 NV). Com exceção de Santa Catarina, as demais UFs analisadas apresentaram redução da taxa de óbitos no primeiro dia de vida, no período, com destaque para os estados do Paraná (p=0,016) e Mato Grosso do Sul (p=0,002), cujas taxas de mortalidade no primeiro dia de vida reduziram-se em 29% e 28%, respectivamente (Tabela 2).
Unidades da Federação | Taxa de mortalidade no primeiro dia de vida/1.000 NVa | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2010-2015 | Mudança no período b | Valor de pc | |
Espírito Santo | 3,0 | 2,7 | 2,6 | 2,4 | 2,7 | 2,7 | 2,7 | -9% | 0,349 |
Rio de Janeiro | 2,9 | 2,9 | 2,5 | 2,5 | 2,7 | 2,3 | 2,6 | -23% | 0,059 |
São Paulo | 2,5 | 2,4 | 2,4 | 2,4 | 2,4 | 2,2 | 2,4 | -12% | 0,048 |
Paraná | 3,1 | 2,8 | 2,7 | 2,6 | 2,7 | 2,2 | 2,7 | -29% | 0,016 |
Santa Catarina | 2,4 | 3,0 | 2,5 | 2,6 | 2,7 | 2,5 | 2,6 | 5% | 0,888 |
Rio Grande do Sul | 2,4 | 2,5 | 2,1 | 2,2 | 2,3 | 2,1 | 2,3 | -10% | 0,158 |
Mato Grosso do Sul | 4,1 | 3,7 | 3,4 | 3,2 | 3,1 | 3,0 | 3,4 | -28% | 0,002 |
Distrito Federal | 3,7 | 3,1 | 3,2 | 3,2 | 3,7 | 3,4 | 3,4 | -6% | 0,909 |
a) NV: nascidos vivos.
b) Mudança percentual da taxa de mortalidade no primeiro dia de vida, no período entre 2010 e 2015.
c) Valor de p de tendência linear - teste de Wald.
Fontes: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), 2010-2015; Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 2010-2015.
Os NV com maior risco de morrer no primeiro dia de vida foram aqueles de sexo masculino, de raça/cor da pele indígena, nascidos de gravidezes múltiplas, nascidos de parto vaginal, com peso ao nascer <1.500g, nascidos pré-termo, filhos de mães adolescentes e de mães sem escolaridade (Tabela 3).
Características do NVb e do parto | 2010 a 2015 | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
nc | NVb | Taxad | Risco relativo | pe | Risco atribuível | |
Sexo | 20.637 | <0,001 | ||||
Masculino | 11.454 | 4.209.135 | 2,7 | 1,18 (1,15;1,22) | 0,4 | |
Feminino | 9.183 | 4.008.464 | 2,3 | 1,00 | (referência) | |
Raça/cor da pele | 19.310 | <0,001 | ||||
Preta | 531 | 392.374 | 1,4 | 0,50 (0,46;0,55) | -1,3 | |
Amarela | 34 | 29.189 | 1,2 | 0,43 (0,31;0,60) | -1,5 | |
Parda | 4.984 | 2.508.899 | 2,0 | 0,74 (0,71;0,76) | -0,7 | |
Indígena | 108 | 28.919 | 3,7 | 1,40 (1,15;1,68) | 1,1 | |
Branca | 13.653 | 5.095.435 | 2,7 | 1,00 | (referência) | |
Gravidez múltipla | 19.957 | <0,001 | ||||
Sim | 2.516 | 184.850 | 13,6 | 6,26 (6,00;6,53) | 11,4 | |
Não | 17.441 | 8.027.587 | 2,2 | 1,00 | (referência) | |
Tipo de parto | 19.886 | <0,001 | ||||
Cesariana | 8.361 | 4.985.021 | 1,7 | 0,46 (0,45;0,48) | -1,9 | |
Vaginal | 11.525 | 3.226.968 | 3,6 | 1,00 | (referência) | |
Peso ao nascer (em gramas) | 19.775 | <0,001 | ||||
<1.500 | 12.579 | 115.110 | 109,3 | 227,50 (219,32;235,99) | 108,8 | |
1.500-2.499 | 3.603 | 620.557 | 5,8 | 12,08 (11,54;12,65) | 5,3 | |
≥2.500 | 3.593 | 7.480.349 | 0,5 | 1,00 | (referência) | |
Idade gestacional (em semanas) | 19.237 | <0,001 | ||||
<37 | 15.743 | 865.195 | 18,2 | 37,87 (36,50;39,30) | 17,7 | |
37-41 | 3.416 | 7.110.518 | 0,5 | 1,00 | (referência) | |
≥42 | 78 | 151.969 | 0,5 | 1,06 (0,85;1,33) | 0,0 | |
Idade da mãe (em anos) | 19.298 | <0,001 | ||||
<19 | 4.310 | 1.318.618 | 3,3 | 1,47 (1,41;1,52) | 1,1 | |
≥30 | 6.006 | 2.858.240 | 2,1 | 0,94 (0,91;0,97) | -0,1 | |
20-29 | 8.982 | 4.041.617 | 2,2 | 1,00 | (referência) | |
Escolaridade materna (em anos de estudo) f | 18.014 | |||||
Sem escolaridade | 591 | 21.616 | 23,7 | 17,10 (15,66;18,67) | 25,7 | |
1-3 | 753 | 188.274 | 4,0 | 2,50 (2,30;2,71) | 2,4 | |
4-7 | 4.398 | 1.506.753 | 2,9 | 1,82 (1,74;1,91) | 1,3 | |
8-11 | 9.520 | 4.710.602 | 2,0 | 1,26 (1,21;1,32) | 0,4 | |
≥12 | 2.752 | 1.720.840 | 1,6 | 1,00 | (referência) | |
Total | 20.791 | 8.218.633 | 2,5 |
a) Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
b) NV: nascidos vivos.
c) Número de óbitos no primeiro dia de vida.
d) Taxa de mortalidade no primeiro dia de vida, calculada em cada categoria das variáveis analisadas: número de óbitos no numerador dividido pelo número de NV x 1.000.
e) Valor de p - teste do qui-quadrado de Pearson.
f) Variável com maior percentual de observações não informadas (13,4%).
Fontes: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), 2010-2015; Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 2010-2015.
Entre as 20 principais causas de óbito no primeiro dia de vida, destacaram-se a síndrome da angústia respiratória do recém-nascido (8,9%), seguida da imaturidade extrema (<28 semanas de idade gestacional) (5,2%) e do muito baixo peso ao nascer (<1.000g) (5,2%) (Tabela 4).
Posição | Código na CID-10a | Nome da causa de óbito | n (% do total de óbitos no primeiro dia de vida) | Causas evitáveisc |
---|---|---|---|---|
1 | P22.0 | Síndrome da angústia respiratória do recém-nascido | 1.856 (8,9) | 1 |
2 | P07.2 | Imaturidade extrema | 1.087 (5,2) | 1 |
3 | P07.0 | Recém-nascido com peso muito baixo | 1.074 (5,2) | 1 |
4 | Q00.0 | Anencefalia | 819 (3,9) | 4 |
5 | P01.1 | Feto e recém-nascido afetados por ruptura prematura das membranas | 757 (3,6) | 1 |
6 | P21.9 | Asfixia ao nascer, não especificada | 754 (3,6) | 2 |
7 | P02.1 | Feto e recém-nascido afetados por outras formas de descolamento da placenta e hemorragia | 742 (3,6) | 4 |
8 | P28.0 | Atelectasia primária do recém-nascido | 615 (3,0) | 3 |
9 | Q89.7 | Malformações congênitas múltiplas, não classificadas em outra parte | 606 (2,9) | 4 |
10 | Q33.6 | Hipoplasia e displasia do pulmão | 541 (2,6) | 4 |
11 | P00.1 | Feto e recém-nascido afetados por doenças maternas renais e das vias urinárias | 471 (2,3) | 1 |
12 | P02.7 | Feto e recém-nascido afetados por corioamnionite | 458 (2,2) | 4 |
13 | P07.3 | Outros recém-nascidos de pré-termo | 452 (2,2) | 1 |
14 | P00.0 | Feto e recém-nascido afetados por transtornos maternos hipertensivos | 446 (2,1) | 1 |
15 | P01.5 | Feto e recém-nascido afetados por gravidez múltipla | 437 (2,1) | 1 |
16 | P20.9 | Hipóxia intrauterina, não especificada | 435 (2,1) | 2 |
17 | P36.9 | Septicemia bacteriana não especificada do recém-nascido | 430 (2,1) | 3 |
18 | P01.0 | Feto e recém-nascido afetados por incompetência do colo uterino | 406 (1,9) | 1 |
19 | Q89.9 | Malformações congênitas não especificadas | 396 (1,9) | 4 |
20 | P96.9 | Afecções originadas no período perinatal, não especificadas | 368 (1,8) | 3 |
a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª edição.
b) Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
c) Lista de causas de mortes evitáveis em menores de cinco anos de idade:13
1 = Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação.
2 = Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto.
3 = Reduzíveis por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido.
4 = Demais causas (não claramente evitáveis).
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 2010-2015.
A maioria das causas de morte no primeiro dia de vida (66,3%) foram consideradas causas evitáveis. Desses óbitos, 40,8% seriam evitáveis por adequada atenção à mulher na gestação, 13,3% por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido, 12,1% por adequada atenção à mulher no parto e 0,1% por ações adequadas de diagnóstico, tratamento e promoção da saúde. As causas não claramente evitáveis corresponderam a 33,5% e as causas de morte mal definidas corresponderam a 0,2% do total de causas de óbito no primeiro dia de vida. O Distrito Federal apresentou o maior percentual de causas de óbitos reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação (51,8%) e a menor frequência de óbitos reduzíveis por adequada atenção à mulher no momento do parto (8,5%). Os estados de Santa Catarina e São Paulo apresentaram as maiores frequências de óbitos reduzíveis por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido (16,4% e 16,1%, respectivamente). Das 20 primeiras causas de morte, 14 foram causas evitáveis: nove foram atribuídas a causas reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação; três, a causas reduzíveis por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido; e duas por causas reduzíveis mediante adequada atenção à mulher no parto. As outras seis foram por causas não claramente evitáveis (Tabela 4).
A análise de causas evitáveis conforme categorias de peso ao nascer evidenciou que, em menores de 1.500g, predominaram os óbitos reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação (56,3%), enquanto nas faixas de peso de 1.500-2.499g e ≥2.500g, predominou a categoria de demais causas não claramente evitáveis (61,0% e 44,2%, respectivamente). Possivelmente, cerca de um em cada quatro óbitos com peso ao nascer ≥2.500g (26,3%) seria reduzível por adequada atenção à mulher no parto (Tabela 5).
Evitabilidade | Peso ao nascer (em gramas) | ||
---|---|---|---|
<1.500 % | 1.500-2.499 % | ≥2.500 % | |
Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação | 56,3 | 17,6 | 12,0 |
Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto | 8,8 | 8,2 | 26,3 |
Reduzíveis por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido | 12,1 | 12,9 | 16,5 |
Reduzíveis por ações adequadas de promoção da saúde, vinculadas a ações adequadas de atenção à saúde | - | 0,1 | 0,3 |
Reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento | - | - | - |
Demais causas | 22,7 | 61,0 | 44,2 |
(não claramente evitáveis) | 0,1 | 0,1 | 0,7 |
Causas de morte mal definidas | 2,7 | 2,6 | 2,5 |
a) Lista de causas de mortes evitáveis em menores de cinco anos de idade.13
b) Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
Discussão
No presente estudo, um quinto de todos os óbitos infantis ocorreu no primeiro dia de vida. A maioria das UFs selecionadas para o estudo apresentou redução da taxa de óbitos no primeiro dia de vida, no período entre 2010 e 2015. As taxas de mortalidade no primeiro dia de vida foram maiores em nascidos vivos do sexo masculino, de raça/cor da pele indígena, nascidos de gravidezes múltiplas, com peso ao nascer abaixo de 1.500g, nascidos pré-termo, filhos de mães adolescentes e de mulheres sem escolaridade. A maioria das causas de óbito no primeiro dia de vida foi considerada evitável. As três principais causas de óbito foram síndrome da angústia respiratória, imaturidade extrema e muito baixo peso ao nascer, consideradas causas evitáveis quando é oferecida adequada atenção à mulher na gestação.
A tendência de queda da mortalidade infantil observada neste estudo evidencia o compromisso do Brasil em Reduzir a Mortalidade Infantil, o quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, tendo o país alcançado a metade - 15,7 óbitos por 1.000 NV - da meta estabelecida, antes do prazo previsto para 2015.14 No período de 2000 a 2010, a mortalidade infantil no país passou de 26,6 para 16,2 óbitos por 1.000 NV; as regiões Nordeste e Norte apresentaram as maiores taxas de redução da mortalidade infantil (5,9% e 4,2% ao ano, respectivamente), contribuindo para diminuir a amplitude das diferenças de mortalidade entre as grandes regiões do país.11 Diferentes circunstâncias e intervenções realizadas no âmbito do setor público contribuíram para o progresso na sobrevivência infantil observado no Brasil nas últimas décadas, entre elas: (i) a universalização da assistência médica assegurada pelo Sistema Único de Saúde, com diminuição das desigualdades no acesso e na cobertura do SUS; (ii) as mudanças socioeconômicas e demográficas; (iii) os programas de transferência condicionada de renda; (iv) as melhorias nas condições de saneamento; (v) os programas de promoção do aleitamento materno e de imunização; assim como (vi) a implementação de muitos programas nacionais e estaduais para melhorar a saúde e a nutrição infantil.5,6
No Brasil, o componente da mortalidade infantil que apresentou a menor redução foi o componente neonatal. Da mesma forma, observou-se nas últimas décadas um aumento da proporção do componente neonatal precoce.6,7 No ano de 2015, 70% dos óbitos infantis ocorreram no período neonatal, 54% deles nos primeiros sete dias de vida.5 A pesquisa ‘Nascer no Brasil’ revelou que as maiores taxas de mortalidade neonatal referiram-se às regiões Norte e Nordeste, enquanto as menores taxas foram observadas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.8 Permanece o desafio de reduzir a mortalidade neonatal, especialmente de seu componente neonatal precoce, ao qual se deve uma abordagem específica das desigualdades regionais.
A mortalidade no primeiro dia de vida apresenta discreta variação regional dentro do país. Uma análise realizada pelo Ministério da Saúde, sobre informações dos anos 2000 a 2010, mostrou uma tendência de aumento desses óbitos na região Nordeste (de 23% em 2004 para 28% em 2010) e redução na região Sudeste (de 27% em 2000 para 24% em 2010).15 A tendência decrescente observada no Sudeste confirmou-se no período aqui analisado, com a maior redução na taxa de mortalidade para o estado de Rio de Janeiro. No presente estudo, a taxa de mortalidade no primeiro dia de vida foi de 2,5/1.000 NV, menor que a média da América Latina e do Caribe (3,2/1.000 NV em 2010) e maior que a de países de alta renda (1,6/1.000 NV em 2013).9
Foi observada uma maior taxa de morte no primeiro dia de vida em NV pré-termo e com peso ao nascer <1.500g. Este achado corrobora evidências de um estudo desenvolvido na região sul do município de São Paulo, em 2001, que relatou um risco de morte no primeiro dia de vida cinco vezes maior em nascidos com peso <1.000g do que entre nascidos com 1.000g a 1.499g, e que aproximadamente 40% dos RN pré-termo extremos morreram antes de completar um dia de vida.16
Nas UFs objeto deste estudo, 18,2% dos óbitos no primeiro dia de vida ocorreram em NV com peso ≥2.500g e 17,8% em crianças nascidas a termo, valores semelhantes aos relatados pelo Ministério da Saúde para o ano de 2010.15 Enquanto nos países pobres as causas de mortalidade mais frequentes em NV a termo, nos primeiros sete dias de vida, são as infecções, trauma obstétrico e asfixia, nos países de média e alta renda, a síndrome de morte súbita do lactente e as malformações congênitas, entre estas as cardiopatias congênitas, são as principais.17,18 Em NV com maior viabilidade - conceito relacionado a uma maior probabilidade de existência fora do útero, não limitada a algumas horas mas, potencialmente, possível por meses e anos -,19 a mortalidade está relacionada com um acesso deficiente a cuidados de saúde, o que dificulta a realização de intervenções oportunas nos períodos pré e pós-natal.8
A taxa de mortalidade no primeiro dia de vida foi maior entre meninos, em nascidos de gravidezes múltiplas e naqueles de raça/cor da pele indígena. Outros estudos, realizados em diferentes regiões brasileiras, também encontraram maior risco de óbito no primeiro dia de vida e no período neonatal de meninos.15,20 Este achado pode ser explicado pela maior frequência de anomalias congênitas, baixo índice de Apgar aos 5 minutos de vida, maior necessidade de ventilação auxiliar e síndrome do desconforto respiratório nos meninos, comparados às meninas.21 O maior risco de morte em nascidos de gravidezes múltiplas, frente aos nascidos de gravidezes únicas, assim como maiores taxas de nascimentos pré-termo e de baixo peso, e maior número de complicações na gestação e no parto, também foram relatados em estudos prévios.22,23 O presente estudo mostrou as maiores taxas de mortalidade no primeiro dia de vida em crianças indígenas, um achado acorde com relatos de estudos anteriores, segundo os quais as maiores taxas de mortalidade neonatal precoce e tardia, para o Brasil como um todo, foram observadas em NV dessa raça/cor da pele. Provavelmente, as taxas mais altas encontradas entre os indígenas estão relacionadas a piores condições de vida e problemas de acesso à assistência ao pré-natal e ao parto, na comparação com os não indígenas no país.24
Observou-se que a taxa de óbito no primeiro dia de vida foi maior entre RN de parto vaginal, em filhos de mães adolescentes e de mulheres sem escolaridade. Outros estudos já evidenciaram o efeito protetor da cesariana para o óbito neonatal em nascidos com extremo baixo peso,16 o aumento da sobrevida do prematuro de 22 a 24 semanas,25 e a redução da probabilidade de baixo índice de Apgar aos 5 minutos de vida em nascidos vivos de gravidezes múltiplas com cesariana planejada versus parto vaginal.26 No entanto, a alta taxa de cesariana evidenciada no Brasil é responsável pela epidemia de nascimentos pré-termo, fundamentalmente dos RN pré-termo tardios, o que implica um excesso de crianças sob maior risco de morbidade e morte no curto prazo e maior risco de problemas de desenvolvimento no longo prazo.27 O maior risco de óbito neonatal em filhos de mães adolescentes e de baixo nível educacional tem sido relatado em estudos.28
As principais causas básicas de óbito no primeiro dia de vida observadas neste estudo foram síndrome da angústia respiratória, imaturidade extrema e muito baixo peso ao nascer, associadas ou decorrentes da prematuridade. Na pesquisa ‘Nascer no Brasil’, a prematuridade respondeu por cerca de um terço dos casos de óbitos neonatais, seguidos pelas malformações congênitas (23%) e infecções (19%).8 Investigação realizada no município de São Luís, capital do Maranhão, sobre todos os RN idos a óbito neonatal entre os anos de 2012 e 2014, encontrou como causas mais frequentes de óbito as respiratórias (32,3%), sepse (24,4%) e malformações congênitas (8,0%).29 A frequência das causas específicas de morte neonatal varia, entre contextos com diferentes taxas de mortalidade infantil; logo, o achado desta pesquisa coincide com o perfil de causas de morte neonatal relatado em países com taxas de mortalidade neonatal menor que 15/1.000 NV, onde as principais causas de óbitos neonatais são prematuridade, asfixia ao nascer e causas congênitas.3
Evidenciou-se uma elevada proporção de óbitos ocorridos no primeiro dia de vida evitáveis mediante (i) um adequado atendimento à gestante no pré-natal e no parto e (ii) uma apropriada assistência ao feto e ao RN, indicando a necessidade de melhoria da assistência ofertada ao binômio mãe-filho. Um estudo que analisou dados de inquéritos de saúde de nove países da América Latina/Caribe, África e Ásia, relatou que quatro ou mais visitas de cuidado pré-natal reduziram em aproximadamente 30% as chances de óbito no primeiro dia de vida (OR ajustado=0,71 - IC95% 0,52; 0,98).30
No presente estudo, a análise de evitabilidade conforme categorias de peso ao nascer evidenciou, na faixa de peso ≥2.500g, elevada proporção de óbitos evitáveis por adequada atenção à mulher no parto. No Brasil, a peregrinação para o parto e a não utilização de boas práticas durante o trabalho de parto e o parto aumentam o risco de morte da criança.8 Uma adequada atenção à mulher no parto, ao feto e ao RN é necessária para atenuar as dificuldades relacionadas à transição para a vida extrauterina, facilitar a adaptação cardiorrespiratória, alcançar a estabilidade clínica e reduzir a mortalidade no primeiro dia de vida.3,30
Algumas limitações do presente estudo devem ser destacadas. Resultados oriundos de dados secundários dos sistemas de informações de saúde estão sujeitos às limitações da qualidade da informação dos registros disponíveis. Entretanto, acredita-se que essa fragilidade tenha sido amenizada ao se optar pela utilização dos registros das UFs dotadas de melhores e mais completos dados sobre os óbitos infantis no país. Neste estudo, de natureza descritiva, não foi realizado linkage com a base de dados de NV, pelo que as análises bivariadas apresentadas não puderam ser controladas para potenciais fatores de confusão. Tampouco foi realizada investigação dos casos de óbitos e, por conseguinte, não foi possível descartar imprecisões relacionadas à codificação das causas básicas. A ausência de variáveis relativas ao local de ocorrência do parto e do óbito não permitiu observar o acesso e a qualidade dos serviços prestados. Finalmente, foram incluídos unicamente estados que dispõem de boa qualidade de informação, motivo pelo qual os resultados apresentados não podem ser extrapolados para o Brasil como um todo.
As taxas de mortalidade no primeiro dia de vida foram maiores em nascidos vivos com características desfavoráveis da mãe e, ao nascer, com baixo peso, nascidos pré-termo e filhos de mães sem escolaridade. As principais causas básicas de óbito foram síndrome da angústia respiratória do recém-nascido, imaturidade extrema e muito baixo peso ao nascer, consideradas evitáveis mediante adequada atenção à mulher na gestação, e ao RN, sugerindo problemas no acesso aos serviços de saúde, na cobertura e/ou qualidade da assistência prestada. A análise da evitabilidade dos óbitos por causa específica é um ótimo recurso para avaliar a resolutividade dos serviços de saúde materno-infantil, além de fornecer estimativas que auxiliam na tomada de decisões e no planejamento de políticas públicas. Acredita-se que um acompanhamento pré-natal de qualidade e uma atenção adequada ao parto e ao recém-nascido podem evitar a maior parte das mortes no primeiro dia de vida.