Introdução
O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), criado na década de 1970, é frequentemente avaliado por meio dos atributos de qualidade, com ênfase na confiabilidade, completude e cobertura.1,2 Essas investigações buscam evidenciar obstáculos habituais, especialmente nas regiões menos desenvolvidas do país.3-5 No entanto, o destaque para dimensões específicas do sistema limita o conhecimento sobre a produção dos dados vitais e seu nível de implantação, com repercussões na acurácia e uso da informação.6
A necessidade de avaliações direcionadas à geração da informação no SIM foi evidenciada por estudos voltados à identificação de dificuldades em sua operacionalização no ambiente institucional.7,8 Avaliações que considerem a estrutura e o processo necessários para a obtenção dos dados no contexto dos serviços de saúde contribuem, positivamente, para o uso dos princípios teóricos e metodológicos da avaliação em saúde na melhoria dos sistemas de informações de registro contínuo.6,9,10
A avaliação processual dos sistemas de informações vitais possibilitou especificar fatores explicativos sobre os resultados alcançados. O potencial dessas análises foi ampliado quando elas envolveram aspectos normativos como uma de suas etapas.6,9 Esse procedimento metodológico permitiu verificar o grau de adequação da estrutura e do processo, a partir de critérios e normas, ao identificar se os resultados esperados correspondiam aos observados no contexto dos serviços, e tornou a intervenção e seu modo de operar mais compreensíveis.11
Ainda que experiências avaliativas tenham incorporado aspectos da operacionalização dos sistemas de informações em saúde no ambiente organizacional,6,9 lacunas empíricas restringem o conhecimento sobre a totalidade do processo de produção dos dados do SIM, seus problemas específicos e implicações de implantação sobre os resultados alcançados. Analisar o sistema sob a perspectiva de sua implantação pode superar as limitações das avaliações comumente realizadas, cujo foco se restringe aos resultados alcançados, além de orientar ações voltadas à melhoria dos aspectos estruturais e processuais, com possibilidade de impacto na qualidade do sistema.6,9
Este trabalho objetivou avaliar a implantação do SIM em Pernambuco, no ano de 2012.
Métodos
Pesquisa avaliativa sobre análise de implantação, que aprecia a influência da variação da implantação do SIM sobre os resultados observados.12 Adotou-se como estratégia o estudo de caso único13 em Pernambuco, nos âmbitos do estado e suas regiões de saúde.
O SIM é operacionalizado nas secretarias de saúde dos 185 municípios pernambucanos, distribuídos nas 12 regiões político-administrativas correspondentes às regiões de saúde do estado. As secretarias municipais são responsáveis por coletar, processar, transmitir e disseminar informações sobre mortalidade, produzidas mediante a emissão da ‘Declaração de Óbito’. O fluxo dessa informação é hierarquizado: seus dados são enviados pela gestão municipal do sistema para a Secretaria de Estado da Saúde e o Ministério da Saúde.1
Neste estudo, foram incluídos 184 municípios do estado e excluído apenas um, por não dispor de técnicos e gestores para operacionalizar e gerir as rotinas do sistema. A avaliação foi desenvolvida em quatro etapas:
Etapa 1 - Atualização do modelo lógico do SIM
Para explicitar a intervenção avaliada, atualizou-se o modelo lógico do SIM, previamente elaborado,14 mediante documentos oficiais do sistema, em uma abordagem normativa que incluiu as portarias ministeriais de nº 116/2009, nº 1708/2013 e nº 47/2016, os manuais de procedimentos e preenchimento da DO, e o planejamento das ações desenvolvidas nos diferentes âmbitos de gestão do sistema. Essa composição considerou as dimensões de estrutura (recursos físicos e humanos) e de processo (atividades desenvolvidas), em seis componentes envolvidos na geração da informação: gestão; distribuição e controle; emissão e preenchimento; coleta; processamento; e análise e divulgação (Figura 1).
Etapa 2 - Elaboração da matriz de indicadores e julgamento, e coleta dos dados
Elaborou-se a matriz de indicadores e os critérios de julgamento, com base no modelo lógico do SIM (Figura 2). Na seleção dos indicadores, considerou-se a validade de conteúdo, sua relevância, disponibilidade, facilidade de obtenção, simplicidade do cálculo e oportunidade. Para cada componente do modelo lógico, foram estabelecidos indicadores de estrutura e processo que expressam o grau de implantação e de resultados. Para os indicadores de estrutura e processo, foram definidos parâmetros normativamente derivados, quando disponíveis nos documentos institucionais do Ministério da Saúde e/ou da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Quando inexistia definição clara na norma, os critérios foram empiricamente derivados, arbitrados pelos pesquisadores e estipulados em consonância com a rotina do serviço.
As variáveis e indicadores encontram-se na (Figura 2), matriz dos 76 indicadores, distribuídos por componentes: 23 na dimensão de estrutura, 33 na de processo e 20 na de resultado, com seus respectivos critérios de julgamento. A partir dos indicadores selecionados, elaborou-se o instrumento para coleta de dados, segundo os componentes do SIM estabelecidos para avaliação.
Os dados primários foram coletados no período de novembro e dezembro de 2013 - referentes às informações de 2012 -, mediante aplicação do questionário estruturado junto aos responsáveis pelo SIM nos municípios estudados, além da observação direta de aspectos estruturais e processuais em todas as secretarias municipais de saúde incluídas. Os dados secundários, relacionados aos óbitos ocorridos em 2012, foram obtidos da base do SIM estadual. As informações provenientes dos dados primários e secundários foram consolidadas por região de saúde e estado, e integraram os indicadores que subsidiaram a avaliação do grau de implantação e sua influência sobre os resultados.
Etapa 3 - Classificação do grau de implantação
Para definição do grau de implantação, foram utilizados indicadores de estrutura e processo. A classificação se deu por componente e, ao final, definiu-se o grau de implantação do SIM no estado e suas regiões de saúde. Cada indicador foi obtido pela razão dos valores alcançados e esperados quanto ao número de municípios com recursos físicos ou materiais e atividades realizadas. O grau de implantação do SIM correspondeu à razão entre as somas dos graus de implantação alcançados e dos esperados, por componente do sistema.
O grau de implantação foi classificado como ‘implantado’ quando alcançou percentuais de 80,0 a 100,0%, ‘parcialmente implantado’ (60,0 a 79,9%), ‘incipiente’ (40,0 a 59,9%) e ‘não implantado’ (<40,0%), arbitrado pelos autores com base em estudo prévio sobre o SIM.14
Etapa 4 - Análise dos resultados produzidos e da influência do grau de implantação sobre estes resultados
Para avaliar os resultados produzidos, foi calculada a razão entre os valores alcançados e os esperados para cada indicador de resultado, e sua análise foi realizada a partir da observação do desfecho por componente do sistema, tendo como referência a matriz de indicadores (Figura 2). O grau de implantação, observado por componente do SIM na etapa 3, foi comparado aos indicadores de resultado, com base no modelo lógico do sistema, estabelecendo-se relações plausíveis para a identificação de elementos que exerceram influência no alcance dos resultados produzidos.
Considerando-se o controle de vieses, a estratégia utilizada para ampliar o rigor do estudo foi a triangulação das informações referentes às dimensões de estrutura e de processo, mediante (i) a aplicação de questionário aos participantes e (ii) a observação direta dos locais de operacionalização do SIM nas secretarias municipais de saúde, a partir de checklist.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira: Parecer no 2.457.367, de 27 de dezembro de 2017; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 79846017.3.0000.5201.
Resultados
O SIM estava parcialmente implantado em Pernambuco (70,6%) - variando, segundo a região de saúde, entre 66,3 e 74,8%; da mesma forma, parcialmente implantados, encontravam-se seus componentes ‘gestão’ (75,1%), ‘emissão e preenchimento’ (79,1%) e ‘processamento’ (71,7%). A ‘coleta’ encontrava-se ‘implantada’ no estado (80,7%) e na maioria das regiões de saúde, à exceção de cinco: três ‘parcialmente implantadas’ e duas com implantação ‘incipiente’. O componente ‘distribuição e controle’ estava com sua implantação ‘incipiente’ no estado (49,7%) e ‘não implantado’ em três regiões, enquanto a ‘análise e divulgação’ ‘incipiente’ no estado (58,0%) e parcialmente implantada em cinco regiões (Tabela 1).
Componente | Regiões de saúde | Pernambuco | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
I | II | III | IV | V | VI | VII | VIII | IX | X | XI | XII | ||
Gestão | 67,4 | 83,9 | 78,0 | 67,9 | 76,7 | 79,5 | 76,2 | 72,2 | 80,3 | 74,3 | 82,2 | 70,0 | 75,1 |
Distribuição e controle | 51,0 | 64,0 | 25,5 | 67,5 | 51,0 | 52,3 | 17,1 | 51,4 | 23,6 | 60,0 | 52,0 | 44,0 | 49,7 |
Emissão e preenchimento | 88,8 | 77,1 | 89,2 | 72,2 | 78,3 | 75,3 | 78,6 | 81,8 | 80,6 | 75,0 | 75,0 | 73,8 | 79,1 |
Coleta | 63,5 | 80,0 | 100,0 | 83,3 | 75,0 | 51,7 | 61,9 | 93,3 | 100,0 | 91,2 | 57,7 | 96,4 | 80,7 |
Processamento | 74,7 | 67,6 | 71,8 | 75,3 | 68,3 | 70,3 | 68,7 | 69,0 | 81,3 | 75,3 | 66,7 | 64,3 | 71,7 |
Análise e divulgação | 70,2 | 53,2 | 52,5 | 61,5 | 50,9 | 50,0 | 68,4 | 61,5 | 66,2 | 50,0 | 51,3 | 56,1 | 58,0 |
SIM | 70,5 | 73,2 | 71,1 | 70,5 | 69,3 | 69,4 | 67,0 | 70,2 | 74,8 | 71,9 | 70,0 | 66,3 | 70,6 |
Nota: Grau de implantação - implantado (80,0 a 100,0%); parcialmente implantado (79,9 a 60%); implantação incipiente (40,0 a 59,9%); não implantado (<40,0%).
O componente ‘gestão’ mostrou que 69,6% dos municípios monitoravam pelo menos 50,0% dos indicadores operacionais; e que 62,0% realizavam educação permanente no estado, com variações de 35,0 a 100,0% entre as regiões (Tabela 2). O componente ‘distribuição e controle’ mostrou que, entre as declarações de óbito distribuídas e cadastradas, 90,1% das utilizadas foram informadas ao SIM, com resultado superior ou igual a 79,0% entre as regiões de saúde. O componente ‘emissão e preenchimento’ do SIM estadual mostrou 94,9% de óbitos com causa básica definida, e valores semelhantes para as regiões de saúde - à exceção de três destas. A completude das DOs gerais consolidada para o estado foi de 51,7%; e quanto ao bloco IV, referente aos óbitos infantis, de 66,8%, com resultados maiores em três regiões. O componente ‘coleta’ do SIM evidenciou cobertura de 100% no estado, valor equivalente para as regiões; a proporção de municípios com cobertura do SIM superior a 90% foi de 82,1%.
GI | Indicador | Regiões de saúde | Pernambuco | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
I | II | III | IV | V | VI | VII | VIII | IX | X | XI | XII | |||
Componente - Gestão | ||||||||||||||
75,1 | % de municípios que monitora ≥50% dos indicadores operacionais do SIM | 90,0 | 45,0 | 45,5 | 100,0 | 15,0 | 100,0 | 85,7 | 85,7 | 72,7 | 100,0 | 100,0 | 10,0 | 69,6 |
% de municípios com educação permanente realizada contabilizada | 35,0 | 70,0 | 95,5 | 50,0 | 50,0 | 61,5 | 100,0 | 57,1 | 54,5 | 75,0 | 70,0 | 50,0 | 62,0 | |
Componente - Distribuição e controle | ||||||||||||||
49,7 | % de municípios com quantitativo de Declarações de Óbito (DOs) distribuídas contabilizadas | 40,0 | 100,0 | 72,7 | 90,6 | 85,0 | 69,2 | 42,9 | 42,9 | 9,1 | 75,0 | 80,0 | 30,0 | 68,5 |
Razão entre DOs distribuídas cadastradas no SIM e DOs utilizadas informadas no SIM | 91,4 | 90,9 | 88,1 | 90,2 | 86,4 | 85,9 | 84,4 | 92,1 | 79,0 | 86,5 | 90,1 | 89,7 | 90,1 | |
Componente - Emissão e preenchimento | ||||||||||||||
79,1 | % de DOs de óbitos infantis com ≥90% de preenchimento do bloco IV | 75,7 | 62,7 | 53,5 | 74,0 | 59,3 | 62,0 | 44,4 | 53,3 | 60,2 | 50,0 | 55,8 | 68,2 | 66,8 |
% de DOs de óbitos gerais com ≥90% de preenchimento | 59,6 | 45,8 | 48,5 | 54,4 | 40,9 | 41,8 | 50,1 | 43,3 | 23,9 | 30,8 | 32,5 | 52,2 | 51,7 | |
% de óbitos com causa básica definida | 98,4 | 96,3 | 95,8 | 93,5 | 86,7 | 84,3 | 90,7 | 79,5 | 94,4 | 96,6 | 94,2 | 94,2 | 94,9 | |
Componente - Coleta | ||||||||||||||
80,7 | Razão entre óbitos captados pelo SIM e estimados | 98,3 | 103,0 | 97,9 | 99,7 | 105,6 | 105,9 | 96,4 | 92,9 | 104,7 | 99,8 | 97,7 | 102,0 | 100,0 |
% de municípios com ≥90% de cobertura do SIM | 95,0 | 75,0 | 81,8 | 75,0 | 90,0 | 92,3 | 42,9 | 85,7 | 81,8 | 83,3 | 70,0 | 100,0 | 82,1 | |
Componente - Processamento | ||||||||||||||
71,7 | % de municípios com, no mínimo, um (1) envio de arquivo de transferência por mês no período de análise | 97,1 | 93,3 | 91,7 | 95,3 | 95,4 | 91,0 | 97,6 | 94,0 | 93,9 | 87,5 | 98,3 | 97,5 | 94,3 |
% de DOs digitadas e enviadas no prazo oportuno, até 60 dias do mês de ocorrência | 90,0 | 86,1 | 82,4 | 92,1 | 87,3 | 88,7 | 94,0 | 91,9 | 98,6 | 91,5 | 92,2 | 89,0 | 90,1 | |
% de municípios com ≥80% das DOs digitadas e enviadas no prazo oportuno | 85,0 | 50,0 | 54,5 | 75,0 | 80,0 | 69,2 | 71,4 | 85,7 | 90,9 | 83,3 | 90,0 | 80,0 | 73,9 | |
% de óbitos de mulheres em idade fértil notificados ao SIM até 30 dias da ocorrência | 31,8 | 39,5 | 32,1 | 51,1 | 32,9 | 47,3 | 78,0 | 75,5 | 56,0 | 54,4 | 57,0 | 29,8 | 40,2 | |
% de óbitos maternos notificados ao SIM até 30 dias da ocorrência | 18,8 | NA | 22,2 | - | - | NA | 100,0 | 100,0 | 62,5 | NA | - | - | 26,2 | |
% de óbitos fetais notificados ao SIM até 30 dias da ocorrência | 33,1 | 36,0 | 37,6 | 66,7 | 24,7 | 61,5 | 90,6 | 92,1 | 51,6 | 66,7 | 82,9 | 42,2 | 48,1 | |
% de óbitos infantis notificados ao SIM até 30 dias da ocorrência | 25,5 | 23,2 | 26,8 | 50,2 | 22,2 | 48,8 | 80,9 | 89,2 | 62,5 | 27,5 | 64,9 | 19,7 | 38,6 | |
Componente - Análise e divulgação | ||||||||||||||
58,0 | % de municípios com perfil epidemiológico elaborado | 75,0 | 10,0 | 18,2 | 62,5 | 25,0 | 38,5 | 14,3 | 28,6 | 36,4 | 25,0 | 20,0 | 10,0 | 34,8 |
% de municípios com boletim epidemiológico elaborado | 50,0 | 10,0 | 13,6 | 50,0 | 15,0 | 38,5 | 14,3 | 57,1 | 36,4 | 33,3 | 30,0 | 30,0 | 31,5 | |
% de municípios que divulgam os perfis epidemiológicos elaborados | 55,0 | 10,0 | 18,2 | 59,4 | 25,0 | 30,8 | 14,3 | 28,6 | 36,4 | 25,0 | 20,0 | 10,0 | 31,5 | |
% de municípios que divulgam os boletins epidemiológicos elaborados | 45,0 | 10,0 | 13,6 | 46,9 | 15,0 | 30,8 | 14,3 | 57,1 | 36,4 | 33,3 | 30,0 | 30,0 | 29,9 |
Nota:
GI: grau de implantação.
NA: não se aplica.
O componente ‘processamento’ evidenciou 94,3% de municípios com transferência de dados mensal e 90,1% de DOs digitadas e enviadas no prazo oportuno, com resultados semelhantes entre as regiões. Os indicadores de notificação dos óbitos de mulheres em idade fértil, maternos, fetais e infantis em até 30 dias da ocorrência permaneceram abaixo de 50% no estado. Quatro regiões não notificaram o óbito materno oportunamente. Os indicadores de ‘análise e divulgação’ apresentaram proporção inferior a 40%, no estado e na maioria das regiões (Tabela 2).
Discussão
Em Pernambuco, o SIM mostrou-se parcialmente implantado, com variações entre os componentes do sistema segundo regiões de saúde, revelando coerência com os resultados encontrados: tanto melhores quanto maior seu grau de implantação. O atendimento incompleto dos objetivos do SIM provém de inadequações na distribuição, controle, análise e divulgação dos dados, apesar de o sistema ter se constituído há mais de 30 anos e do reconhecimento de sua relevância para a análise, monitoramento e avaliação da situação de saúde.1-3
A atualização do modelo lógico e a elaboração da matriz de indicadores do SIM pela gestão estadual, sem a participação da instância federal do sistema, pode condicionar uma transitoriedade nos critérios de julgamento e, assim, necessitar de revisões periódicas. Apesar da impossibilidade de os resultados do estudo serem extrapolados, a validade interna do modelo lógico do sistema é explicitada por meio de um constructo teórico que mostra as relações de interdependência entre os componentes e seus conteúdos, historicamente construídos, podendo ser replicado em outros contextos, com ajustes.12,13
Os componentes ‘distribuição e controle’ e ‘análise e divulgação’ mostraram reduzida adesão dos indicadores processuais às normas estabelecidas, apontando para um processo de trabalho pouco satisfatório. O achado, semelhante ao encontrado para o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) nos municípios mineiros,9 é oposto aos do Sinasc em Pernambuco, onde prevaleceram os problemas estruturais.6
A análise por componente identificou falhas, a exemplo de municípios com baixo controle das Declarações de Óbito distribuídas, utilizadas e canceladas, o que pode favorecer o uso indevido, extravio e desvio de fluxo. Esse controle insuficiente sobre os formulários não só aumenta o custo para produzir e suprir as necessidades do sistema, como também revela sua reduzida capacidade de gestão. Da mesma maneira, pesquisas de busca ativa sinalizam problemas de operacionalização dos sistemas de informações vitais, como fluxos inadequados e utilização de formulários não oficiais, reflexo de pouco conhecimento normativo, sinalizando necessidades de aperfeiçoamento dos profissionais responsáveis pela operacionalização desses sistemas.4,6,7,15
Ainda que se revelem diferenças intra e inter-regionais na cobertura do SIM nos municípios avaliados, a elevada captação do sistema aponta para um acentuado processo de trabalho de coleta dos dados. Este achado ratifica as evidências sobre a ampliação da cobertura do SIM no estado de Pernambuco, com repercussões na confiabilidade do uso de seus dados para o cálculo dos indicadores de mortalidade,16-18 possibilitando o adequado monitoramento de pactos nacionais e internacionais.19
Os melhores resultados encontrados para os indicadores de transferência de lotes e envio de dados com regularidade, vinculados à liberação de recursos, em detrimento da notificação oportuna dos óbitos de mulheres em idade fértil, maternos, fetais e infantis, expressam a preponderância da racionalidade financeira sobre a epidemiológica, no processamento do SIM. São achados similares ao de estudo anterior, focado em municípios de pequeno porte do estado do Rio Grande do Sul.20 O retardo no conhecimento de eventos notificáveis dificulta o desencadeamento da vigilância, a reorientação da assistência e dos serviços de saúde para responder às necessidades da população,21,22 limitando, com frequência, o escopo de ações municipais, inadequadamente direcionadas à coleta e transmissão de dados às demais esferas gestoras.23
A incompletude das DOs, a escassa disseminação das informações e a reduzida educação permanente observada nas regiões de saúde de Pernambuco, resultantes da supervalorização das rotinas de coleta e transmissão de dados, relacionam-se à insuficiência de equipes e de qualificação técnica, dificultando a consolidação do sistema.20,23 Como esperado, o melhor preenchimento das DOs, encontrado nas áreas mais desenvolvidas da região metropolitana do Recife, capital do estado, seus contíguos territoriais e municípios-polo do estado, contrastou com a completude no preenchimento do documento nas regiões e localidades de menor acesso aos serviços de saúde, às capacitações dos profissionais e à atuação da vigilância no resgate de variáveis.24-26
Os resultados dos componentes do SIM estadual, ‘emissão e preenchimento’, ‘coleta’ e ‘processamento’, concatenaram-se com a influência do grau de implantação obtido, refletindo a adesão dos municípios às rotinas operacionais do sistema. Inversamente, a menor coerência dos componentes ‘gestão’, ‘distribuição e controle’ e ‘análise e divulgação’ sinaliza restrições às atividades gerenciais, dada a insuficiente capacitação da equipe técnica, de planejamento e monitoramento das ações e disseminação da informação. Esses achados refletem a concepção centralizadora e fragmentada dos sistemas de informações em saúde, historicamente concebidos para estabelecer uma rede de produção local da informação que respondesse às políticas nacionais.1,27
Não obstante o papel executor das ações promover empoderamento da gestão municipal,23 essa descentralização não significa apenas desconcentração de atividades mas o compartilhamento de poder decisório, com a promoção de autonomia da gestão e do processo de trabalho.27 Conferir poder técnico e administrativo às regiões de saúde e municípios seria uma alternativa apropriada à consolidação do SIM. Esse procedimento, aliado à incorporação de novas rotinas, favoreceria a operacionalização do sistema, com redução de omissão, sobreposição ou execução parcial das ações.6,28
O SIM mostrou-se parcialmente implantado no estado de Pernambuco, em razão de inadequações na distribuição, controle, análise e divulgação de dados, influenciando desfavoravelmente os efeitos observados, enquanto a coleta e a emissão e preenchimento dos dados obtiveram os melhores escores. Os objetivos do SIM poderão ser alcançados a partir da reorganização de todo o processo de produção dos dados, particularmente no âmbito dos serviços, onde a assistência à saúde das pessoas é prestada, e onde os óbitos ocorrem. Para tanto, são necessários investimentos adicionais na infraestrutura dos serviços de saúde, no fortalecimento dos núcleos hospitalares de epidemiologia e no aperfeiçoamento do processo de trabalho. Tais iniciativas, aliadas a avaliações periódicas, são imprescindíveis para a qualificação dos sistemas de informações vitais e, por conseguinte, para a acurácia nas análises das condições de saúde da população.29