Introdução
A obesidade é uma doença que atinge proporções epidêmicas em nível global. Nas duas primeiras décadas do século XXI, o agravo já representa um dos maiores problemas de Saúde Pública, haja vista o aumento de sua prevalência em várias regiões do mundo.1
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2014 havia 600 milhões de obesos, ou 13% da população adulta do planeta; desse percentual, 11% eram homens e 15% mulheres.1 Entre os anos de 2006 e 2016, a prevalência de obesidade no Brasil aumentou 7,1 pontos percentuais, passando de 11,8 para 18,9% e atingindo 18,1% dos homens e 19,6% das mulheres.2
A obesidade é fator de risco para diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares e neoplasias, além de contribuir com o aumento do coeficiente de mortalidade.3 Todavia, poucos tratamentos convencionais para a obesidade de grau III ou obesidade grave são efetivos: a maior parte deles produz resultados insatisfatórios, com 95% dos pacientes recuperando seu peso inicial em dois anos.4
Devido à ausência de uma intervenção mais eficaz na condução clínica de obesos graves, a indicação da cirurgia bariátrica tem crescido.4 Trata-se de uma alternativa para o tratamento da obesidade grave, eficaz no controle de peso em longo prazo e na melhora e remissão das comorbidades.5
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), o Brasil é o segundo país onde mais se realiza cirurgias bariátricas, atrás apenas dos Estados Unidos. A quantidade dessas cirurgias entre brasileiros teve um crescimento de 72 mil em 2012 para 100 mil em 2016. Estima-se que o aumento no período de 2006 a 2015 tenha sido de 300%.6
O Sistema Único de Saúde (SUS) incluiu a gastroplastia, entre os procedimentos por ele cobertos, no ano de 1999. Atualmente, os critérios para a indicação da cirurgia com cobertura pela rede pública de saúde estão estabelecidos na Portaria GM/MS nº 424, de 19 de março de 2013: (i) os indivíduos que apresentem índice de massa corporal (IMC) >50kg/m²; (ii) os indivíduos que apresentem IMC >40kg/m², com ou sem comorbidades, sem sucesso no tratamento clínico longitudinal realizado na Atenção Básica e/ou Atenção Ambulatorial Especializada, por no mínimo dois anos e que tenham seguido protocolos clínicos; e (iii) os indivíduos que apresentem IMC >35kg/m² e com comorbidades, sem sucesso no tratamento clínico longitudinal realizado por no mínimo dois anos e que tenham seguido protocolos clínicos.7
Até o final de 2016, a cirurgia bariátrica no SUS era realizada tão somente pela via laparotômica. Porém, em 31 de janeiro de 2017, a Portaria GM/MS nº 5 incorporou a cirurgia bariátrica por videolaparoscopia no âmbito do sistema.8
O objetivo do presente estudo foi caracterizar as hospitalizações pelo SUS para realização de cirurgias bariátricas no Brasil, no período de 2010 a 2016.
Métodos
Estudo epidemiológico descritivo do tipo de série temporal, baseado em dados secundários. Buscou-se dar continuidade e sequência cronológica ao estudo de Kelles, Machado e Barreto,9 autores que compararam acesso, mortalidade intra-hospitalar, tempo de permanência e custos para pacientes submetidos a cirurgia bariátrica pelo SUS no Brasil ou por uma operadora da saúde suplementar em Belo Horizonte, no período de 2001 a 2010. Não foram localizados outros estudos semelhantes e que abrangessem dados nacionais do SUS pós-2010.
A população-alvo utilizada foi a projetada com 16 ou mais anos de idade, tendo em vista os critérios de indicação cirúrgica vigentes no período selecionado para o estudo. Tais critérios foram estabelecidos na Portaria GM/MS nº 425/2013, cujo cumprimento passou a contemplar jovens na faixa etária de 16-18 anos, mediante avaliação específica, e adultos acima de 65 anos após avaliação de risco-benefício.10
Foram consultados os arquivos públicos reduzidos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), correspondentes ao período entre janeiro de 2010 e dezembro de 2016, de acesso público pelo portal de informações do SUS (www.datasus.saude.gov.br).
A tabulação e as análises de consistência e completude dos dados obtidos nos arquivos-fonte foram realizadas por meio de duas ferramentas, disponibilizadas pelo Ministério da Saúde: o TabNet, que possibilita o cruzamento de variáveis básicas pré-estipuladas no próprio sítio eletrônico; e o TabWin, que permite detalhamento maior no cruzamento dos dados. O dicionário de dados original consistiu das Notas Técnicas disponibilizadas no próprio sítio eletrônico.
O SIH/SUS utiliza, como principal instrumento de coleta de dados, a Autorização de Internação Hospitalar (AIH-SUS). Esta apresenta dois modelos: (i) a AIH-1, ou do tipo ‘Inicial’, para dados de identificação do paciente e registro do conjunto de procedimentos médicos e de serviços de diagnose realizados; e (ii) a AIH-5, ou de ‘Longa Permanência’, para dados de pacientes crônicos ou psiquiátricos necessitados de continuidade do tratamento.11
Foram consideradas, para o dimensionamento físico ‘internações’ ou ‘hospitalizações’, as AIHs pagas do tipo Inicial (AIH-1). Entretanto, para o dimensionamento financeiro, foram incluídas as AIHs de Longa Permanência (AIH-5), uma vez que o gasto com o paciente já computado na AIH-1 prossegue.
A tabulação e a análise dos dados foram realizadas pelo aplicativo Microsoft Excel®. O plano de análise abordou todas as internações de usuários cujo diagnóstico principal no momento da internação no SUS foi o de ‘obesidade grave’ - previsto na 10ª Edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) com o código E66 - e que realizaram ao menos um dos seguintes procedimentos (códigos SUS): gastroplastia com derivação intestinal (04.07.01.017-3); gastrectomia com ou sem desvio duodenal (04.07.01.012-2); gastrectomia vertical, também conhecida como gastrectomia em manga ou de sleeve gástrico (04.07.01.036-0); e gastroplastia vertical com banda (04.07.01.018-1).
Foram calculados indicadores por tipo de cirurgia, sexo, região nacional de internação, utilização de unidade de tratamento intensivo (UTI), letalidade e gastos por internação. Os dados sobre as cirurgias estão disponíveis ao público, embora não sistematizados e expressos em indicadores que facilitem comparações.
O volume médio de internações no período foi apurado por sexo e faixa etária. Os coeficientes populacionais de internações (por 100 mil habitantes) foram calculados a partir das médias de internações realizadas no período de 2010 a 2016, divididas pela projeção populacional do ano situado no ponto médio (2013).
Do SIH/SUS também foi levantado o custo total, utilização de UTI, número de óbitos intra-hospitalares, além de sexo e faixa etária dos pacientes.
Os valores monetários foram obtidos em reais (R$); os totais anuais convertidos para dólares internacionais (Int$) segundo a cotação do ano, considerando-se a paridade do poder de compra (PPC).12
Em relação aos aspectos éticos, foram utilizados exclusivamente dados secundários de acesso público, sem possibilidade de identificação dos indivíduos, respeitando-se os princípios éticos previstos nas Resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS): CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012; e CNS no 510, de 7 de abril de 2016. O projeto do estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Compesq-Famed/UFRGS): Protocolo de Pesquisa nº 33.607, de 11 de agosto de 2017.
Resultados
Em todo o Brasil, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2016, foram observadas 46.035 hospitalizações para realização de cirurgia bariátrica pelo SUS: 6.576 internações/ano; ou 4,3/100 mil hab./ano. Dessas hospitalizações, 39.307 foram de pacientes do sexo feminino (85,4%; 7,2/100 mil hab./ano) e 6.728 do sexo masculino (14,6%; 1,3/100 mil hab./ano), com média de idade de 39,0 (desvio-padrão: 10,4) anos. A permanência hospitalar apresentou uma mediana de 3 dias e intervalo interquartil de 2 dias.
Na Tabela 1 encontra-se a distribuição das hospitalizações analisadas (2010 a 2016), por região nacional, sexo e faixa etária, considerando-se a necessidade ou não de UTI. A região Sul apresentou as maiores taxas populacionais por sexo e faixa etária, com ou sem utilização de UTI.
Região | Homens | Mulheres | Total | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
16-29 | Taxa | 30-49 | Taxa | 50+ | Taxa | 16-29 | Taxa | 30-49 | Taxa | 50+ | Taxa | ||
Sem UTI | |||||||||||||
Norte | 12 | 0,1 | 41 | 0,3 | 6 | 0,1 | 52 | 0,3 | 171 | 1,1 | 35 | 0,4 | 317 |
Nordeste | 95 | 0,2 | 267 | 0,5 | 69 | 0,2 | 347 | 0,7 | 1.240 | 2,2 | 300 | 0,8 | 2.318 |
Centro-Oeste | 35 | 0,2 | 56 | 0,4 | 11 | 0,1 | 123 | 0,9 | 367 | 2,3 | 74 | 0,7 | 666 |
Sudeste | 381 | 0,5 | 1.159 | 1,3 | 322 | 0,5 | 1.825 | 2,6 | 7.524 | 8,4 | 2.113 | 2,8 | 13.324 |
Sul | 303 | 1,2 | 692 | 2,4 | 211 | 0,9 | 2.477 | 10,1 | 7.042 | 23,8 | 1.762 | 6,7 | 12.487 |
Total | 826 | 0,5 | 2.215 | 1,1 | 619 | 0,5 | 4.824 | 2,7 | 16.344 | 7,9 | 4.284 | 2,7 | 29.112 |
Com UTI | |||||||||||||
Norte | 7 | - | 23 | 0,1 | 7 | 0,1 | 31 | 0,2 | 124 | 0,8 | 25 | 0,3 | 217 |
Nordeste | 55 | 0,1 | 177 | 0,3 | 35 | 0,1 | 191 | 0,4 | 638 | 1,1 | 181 | 0,5 | 1.277 |
Centro-Oeste | 12 | 0,1 | 16 | 0,1 | 10 | 0,1 | 16 | 0,1 | 46 | 0,3 | 14 | 0,1 | 114 |
Sudeste | 137 | 0,2 | 419 | 0,5 | 171 | 0,3 | 415 | 0,6 | 1.701 | 1,9 | 751 | 1,0 | 3.594 |
Sul | 506 | 2,0 | 1.156 | 3,9 | 337 | 1,5 | 2.067 | 8,4 | 5.812 | 19,6 | 1.843 | 7,0 | 11.721 |
Total | 717 | 0,4 | 1.791 | 0,9 | 560 | 0,4 | 2.720 | 1,5 | 8.321 | 4,0 | 2.814 | 1,8 | 16.923 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde -10ª Revisão (CID-10): E66.
Nota: população-alvo constituída de indivíduos na idade de 16 anos ou mais.
O procedimento cirúrgico bariátrico mais frequente foi a gastroplastia com derivação intestinal (94,2%; ou 43.370 cirurgias) (Tabela 2). Do total das internações para cirurgia bariátrica no período de 2010 a 2016, 41.155 (89,4%) foram realizadas em hospitais localizados nas regiões Sudeste e Sul (Tabela 3).
Período | Gastroplastia com derivação intestinal | Gastrectomia com ou sem desvio duodenal | Gastrectomia vertical (em manga; ou de sleeve gástrico) | Gastroplastia vertical com banda | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | N | |
2010 | 4.251 | 94,7 | 47 | 1,0 | - | - | 189 | 4,2 | 4.487 |
2011 | 5.026 | 93,6 | 143 | 2,7 | - | - | 201 | 3,7 | 5.370 |
2012 | 5.749 | 95,4 | 25 | 0,4 | - | - | 253 | 4,2 | 6.027 |
2013 | 6.470 | 95,1 | 31 | 0,5 | 148 | 2,2 | 151 | 2,2 | 6.800 |
2014 | 6.591 | 93,8 | 22 | 0,3 | 340 | 4,8 | 71 | 1,0 | 7.024 |
2015 | 6.880 | 91,4 | 34 | 0,5 | 549 | 7,3 | 68 | 0,9 | 7.531 |
2016 | 8.403 | 95,5 | 16 | 0,2 | 314 | 3,6 | 63 | 0,7 | 8.796 |
Total | 43.370 | 94,2 | 318 | 0,7 | 1.351 | 2,9 | 996 | 2,2 | 46.035 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): E66.
Nota: população-alvo constituída de indivíduos na idade de 16 anos ou mais.
Período | Norte | Nordeste | Centro-Oeste | Sudeste | Sul | Brasil | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | N | Taxa (por 100 mil hab.) | |
2003 | 58 | 3,3 | 208 | 11,7 | 158 | 8,9 | 812 | 45,7 | 542 | 30,5 | 1.778 | 1,0 |
2004 | 50 | 2,7 | 182 | 9,7 | 112 | 6,0 | 940 | 50,2 | 588 | 31,4 | 1.872 | 1,0 |
2005 | 66 | 2,9 | 285 | 12,6 | 131 | 5,8 | 944 | 41,7 | 840 | 37,1 | 2.266 | 1,2 |
2006 | 81 | 3,2 | 260 | 10,3 | 167 | 6,6 | 1.200 | 47,5 | 820 | 32,4 | 2.528 | 1,3 |
2007 | 105 | 3,5 | 253 | 8,5 | 146 | 4,9 | 1.379 | 46,3 | 1.095 | 36,8 | 2.978 | 1,6 |
2008 | 50 | 1,6 | 375 | 11,7 | 132 | 4,1 | 1.245 | 39,0 | 1.393 | 43,6 | 3.195 | 1,7 |
2009 | 62 | 1,7 | 437 | 11,7 | 176 | 4,7 | 1.284 | 34,4 | 1.772 | 47,5 | 3.731 | 1,9 |
Totalc | 472 | 2,6 | 2.000 | 10,9 | 1.022 | 5,6 | 7.804 | 42,5 | 7.050 | 38,4 | 18.348 | |
2010 | 40 | 0,9 | 413 | 9,2 | 161 | 3,6 | 1.496 | 33,3 | 2.377 | 53,0 | 4.487 | 2,3 |
2011 | 62 | 1,2 | 487 | 9,1 | 109 | 2,0 | 1.848 | 34,4 | 2.864 | 53,3 | 5.370 | 2,7 |
2012 | 91 | 1,5 | 583 | 9,7 | 82 | 1,4 | 2.111 | 35,0 | 3.160 | 52,4 | 6.027 | 3,0 |
2013 | 98 | 1,4 | 542 | 8,0 | 100 | 1,5 | 2.412 | 35,5 | 3.648 | 53,6 | 6.800 | 3,4 |
2014 | 63 | 0,9 | 487 | 6,9 | 122 | 1,7 | 2.639 | 37,6 | 3.713 | 52,9 | 7.024 | 3,5 |
2015 | 106 | 1,4 | 490 | 6,5 | 152 | 2,0 | 2.771 | 36,8 | 4.012 | 53,3 | 7.531 | 3,7 |
2016 | 65 | 0,7 | 585 | 6,7 | 42 | 0,5 | 3.192 | 36,3 | 4.912 | 55,8 | 8.796 | 4,3 |
Totald | 525 | 1,1 | 3.587 | 7,8 | 768 | 1,7 | 16.469 | 35,8 | 24.686 | 53,6 | 46.035 | |
Totale | 997 | 1,5 | 5.587 | 8,7 | 1.790 | 2,8 | 24.273 | 37,7 | 31.736 | 49,3 | 64.383 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): código E66.
b) Período analisado por Kelles, Machado e Barreto.9
c) Número total de cirurgias no período de 2003 a 2009 (7 anos).
d) Número total de cirurgias no período de 2010 a 2016 (7 anos).
e) Número total de cirurgias no período de 2003 a 2016 (14 anos).
Das 46.035 internações para realização de cirurgia bariátrica, 16.923 (36,8%) utilizaram a UTI, sendo 13.855 (81,9%) do sexo feminino (Tabela 1).
Em relação à letalidade, ocorreram 99 (0,2%) óbitos intra-hospitalares entre as internações pelo SUS no período 2010-2016: 65 (0,2%) no sexo feminino e 34 (0,5%) no masculino. A letalidade hospitalar variou de 0,1% na região Nordeste a 1,1% na região Centro-Oeste (Tabela 4).
Período | Região | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Norte | Nordeste | Centro-Oeste | Sudeste | Sul | Brasil | |||||||
Óbitos (n) | Letalidade (%) | Óbitos (n) | Letalidade (%) | Óbitos (n) | Letalidade (%) | Óbitos (n) | Letalidade (%) | Óbitos (n) | Letalidade (%) | Óbitos (n) | Letalidade (%) | |
2003 | 1 | 1,7 | - | - | 4 | 2,5 | 3 | 0,4 | 3 | 0,6 | 11 | 0,6 |
2004 | - | - | - | - | 3 | 2,7 | 7 | 0,7 | 7 | 1,2 | 17 | 0,9 |
2005 | 1 | 1,5 | 1 | 0,4 | 1 | 0,8 | 4 | 0,4 | 5 | 0,6 | 12 | 0,5 |
2006 | - | - | 1 | 0,4 | - | - | 5 | 0,4 | 11 | 1,3 | 17 | 0,7 |
2007 | - | - | - | - | 3 | 2,1 | 9 | 0,7 | 11 | 1,0 | 23 | 0,8 |
2008 | 1 | 2,0 | 2 | 0,5 | - | - | 2 | 0,2 | 10 | 0,7 | 15 | 0,5 |
2009 | - | - | - | - | 1 | 0,6 | 3 | 0,2 | 7 | 0,4 | 11 | 0,3 |
Totalc | 3 | 0,6 | 4 | 0,2 | 12 | 1,2 | 33 | 0,4 | 54 | 0,8 | 106 | 0,6 |
2010 | 1 | 2,5 | - | - | 2 | 1,2 | 6 | 0,4 | 8 | 0,3 | 17 | 0,4 |
2011 | - | - | - | - | - | - | 5 | 0,3 | 6 | 0,2 | 11 | 0,2 |
2012 | - | - | - | - | - | - | 6 | 0,3 | 5 | 0,2 | 11 | 0,2 |
2013 | 1 | 1,0 | - | - | 2 | 2,0 | 7 | 0,3 | 4 | 0,1 | 14 | 0,2 |
2014 | - | - | - | - | - | - | 6 | 0,2 | 9 | 0,2 | 15 | 0,2 |
2015 | 1 | 0,9 | - | - | 2 | 1,3 | 3 | 0,1 | 5 | 0,1 | 11 | 0,1 |
2016 | - | - | 1 | 0,2 | 1 | 2,4 | 9 | 0,3 | 9 | 0,2 | 20 | 0,2 |
Totald | 3 | 4,5 | 1 | 0 | 7 | 6,9 | 42 | 0,3 | 46 | 0,2 | 99 | 0,2 |
Totale | 6 | 0,6 | 5 | 0,1 | 19 | 1,1 | 75 | 0,3 | 100 | 0,3 | 205 | 0,3 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): código E66.
b) Período analisado por Kelles, Machado e Barreto.9
c) Número total de cirurgias no período de 2003 a 2009 (7 anos).
d) Número total de cirurgias no período de 2010 a 2016 (7 anos).
e) Número total de cirurgias no período de 2003 a 2016 (14 anos).
Entre 2010 e 2016, o gasto total das internações para o SUS com realização de procedimento cirúrgico bariátrico foi de R$ 275.876.435,56 (Int$ 162.846.360,22), ou R$ 39.410.919,37 (Int$ 23.263.765,75) por ano. Do valor total, R$ 40.756.124,76 (14,8%) referiram-se a procedimentos no sexo masculino e R$ 235.120.310,8 (85,2%) no sexo feminino. O gasto médio por internação atingiu R$ 5.992,75 (R$ 1.464,15/dia), com diferença de apenas 1,3% entre os sexos: R$ 6.057,69 para homens e R$ 5.981,64 para mulheres (Tabela 5). O gasto médio com hospitalizações sem UTI variou de R$ 5.536,05 na região Nordeste a R$ 5.740,46 na região Sudeste (média nacional: R$ 5.719,77), enquanto para as hospitalizações com UTI, oscilou de R$ 6.215,27 na região Norte a R$ 6.525,67 na região Nordeste (média nacional: R$ 6.462,36) (dados não apresentados em tabela).
Período | n | Valor médio por internação (R$) | Valor total (R$) | Valor total (Int$) |
---|---|---|---|---|
2003 | 1.778 | 3.211,30 | 5.709.691,40 | 5.876.915,27 |
2004 | 1.872 | 3.229,16 | 6.044.987,52 | 5.933.425,99 |
2005 | 2.266 | 3.272,35 | 7.415.145,10 | 6.992.449,10 |
2006 | 2.528 | 3.220,60 | 8.141.676,80 | 7.411.039,24 |
2007 | 2.978 | 3.448,65 | 10.270.079,70 | 9.015.837,53 |
2008 | 3.195 | 4.925,31 | 15.736.365,45 | 12.948.406,31 |
2009 | 3.731 | 5.446,52 | 20.320.966,12 | 15.699.572,73 |
Total c | 18.348 | 4.241,24 | 77.818.248,23 | 63.877.646,17 |
2010 | 4.487 | 5.468,28 | 24.536.171,50 | 17.699.232,84 |
2011 | 5.370 | 5.450,78 | 29.270.675,02 | 19.897.474,92 |
2012 | 6.027 | 5.431,91 | 32.738.091,85 | 20.999.143,20 |
2013 | 6.800 | 6.028,74 | 40.995.428,31 | 24.856.369,98 |
2014 | 7.024 | 6.340,68 | 44.536.960,52 | 25.489.387,10 |
2015 | 7.531 | 6.321,10 | 47.604.227,05 | 25.602.056,98 |
2016 | 8.796 | 6.388,69 | 56.194.881,41 | 28.302.695,20 |
Totald | 46.035 | 5.992,75 | 275.876.435,56 | 162.846.360,22 |
Totale | 64.383 | 5.493,60 | 353.694.683,79 | 226.724.006,39 |
a) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10): código E66.
b) Período analisado por Kelles, Machado e Barreto.9
c) Número total de cirurgias, valor médio por internação e valor total (R$ e Int$) do período de 2003 a 2009 (7 anos).
d) Número total de cirurgias, valor médio por internação e valor total (R$ e Int$) do período de 2010 a 2016 (7 anos).
e) Número total de cirurgias, valor médio por internação e valor total (R$ e Int$) do período de 2003 a 2016 (14 anos).
Discussão
As cirurgias bariátricas no período estudado caracterizaram-se pelo predomínio de pacientes do sexo feminino, adultos com cerca de 40 anos, do tipo de gastroplastia com derivação intestinal, concentradas nas regiões mais desenvolvidas do país, resultando em baixa letalidade, frequente utilização de UTI e valor médio semelhante entre os sexos - apesar do maior volume gasto com pacientes mulheres.
Ao longo dos sete anos analisados (2010-2016), a taxa de internações de 4,3/100 mil hab./ano representou um crescimento de 7 vezes, diante da observada por Kelles, Machado e Barreto para o ano de 2001 (0,6/100 mil hab.).9
De 2010 a 2016, houve um aumento de 96,0% no número de internações por obesidade grave seguidas de procedimentos cirúrgicos bariátricos, no âmbito do SUS. Comparando-se o período 2010-2016 com os sete anos imediatamente anteriores (2003-2009), o número de procedimentos cirúrgicos bariátricos realizados pelo sistema aumentou 2,5 vezes (Kelles, Machado e Barreto).9 Em 14 anos, o crescimento médio desse tipo de cirurgia foi de 12,7% ao ano. Este crescimento representa 4,9 vezes o observado sobre o número total de cirurgias realizadas pelo sistema público de saúde, e acompanha o aumento expressivo da prevalência de obesidade nos estados brasileiros.
Não obstante, a oferta de cirurgias bariátricas pelo SUS ainda é inferior à demanda: o período de espera na fila para a realização da operação pode variar de 1 a 4 anos.13 Enquanto na rede particular e no sistema de saúde suplementar, ocorrem mais de 100 mil procedimentos/ano, o SUS não atinge sequer 10% desse total.
O aumento na frequência de cirurgias bariátricas vem sendo observado em diversos países: nos Estados Unidos, um crescimento de 41,7% em 4 anos;14 na França, 400% em 10 anos;15 e na Inglaterra, um aumento de mais de 300% entre 2006 e 2011.16
A despeito de a prevalência de obesidade no país não apresentar diferenças significativas entre homens e mulheres - 18,1% versus 19,6% respectivamente -, a predominância das internações para cirurgia bariátrica no sexo feminino (85,4%) é compatível com outros estudos.9,17-21
Uma possível explicação para maiores frequências da cirurgia bariátrica entre a população feminina pode estar relacionada ao fato de as mulheres se preocuparem mais com a aparência física do que os homens. A motivação estética favorece a procura e a realização da cirurgia como forma de as usuárias se adequarem aos padrões de beleza impostos pela mídia e sociedade.22
Em relação à mediana e intervalo interquartil da permanência hospitalar, o fato de a abordagem do tema não ser usual na literatura impossibilitou comparações entre este e outros estudos.
O procedimento bariátrico mais realizado foi a gastroplastia com derivação intestinal (94,2%; ou 43.370 cirurgias), assim como concluíram outros estudos.20,21,23 Esses achados corroboram os dados divulgados pela SBCBM.24 Segundo a instituição, essa técnica se destaca como a mais utilizada no Brasil, correspondendo a 75% das cirurgias realizadas, considerada padrão ouro pelos cirurgiões. Cabe destacar que o código relativo a procedimentos cirúrgicos pela via laparoscópica, em contraposição à via laparotômica, foi introduzido no SUS somente após o período analisado neste estudo.
O percentual de internação em UTI, aqui observado, foi semelhante ao apresentado por um estudo realizado em hospital particular da cidade do Rio de Janeiro.25 Em contrapartida, estudos mais recentes, realizados em Santa Catarina18 e em municípios da região metropolitana de Porto Alegre,20 capital do Rio Grande do Sul, revelaram proporções de 1,5% e 18,2% de utilização de UTI, respectivamente.
Há indicação de que a internação em UTI atendeu à recomendação do protocolo, na maioria das ocorrências desse tipo de cirurgia. Entretanto, não há um consenso entre os cirurgiões acerca dos benefícios da internação em UTI no pós-operatório da cirurgia bariátrica. Sabe-se que a internação em UTI prolonga a recuperação e a permanência hospitalar, aumentando, consequentemente, os gastos para o SUS.26,27
De acordo com estudo citado no parágrafo anterior,25 segundo o qual a proporção de utilização de UTI (38,5%) em cirurgias bariátricas foi semelhante à deste, não se observou diferença significativa na taxa de complicações pós-operatórias entre pacientes admitidos ou não na unidade de tratamento intensivo, a despeito de a amostra ser pequena e representar apenas procedimentos bariátricos realizados em um único hospital da cidade do Rio de Janeiro.
A proporção de pacientes de cirurgias bariátricas internados em UTI foi 6 vezes superior à proporção-limite (4,8% a 6,2%) recomendada pelo Ministério da Saúde,28 por tipo de leito cirúrgico, entre pacientes na idade de 15 a 59 anos.
Diante da falta de evidências dos benefícios da internação rotineira em UTI pós-bariátrica e da quantidade insuficiente de leitos de UTI no Brasil, faz-se necessária uma análise mais criteriosa, com o intuito de reavaliar a real necessidade de cuidados intensivos entre pacientes bariátricos.
A letalidade hospitalar encontrada entre as internações para realização de cirurgia bariátrica, ao longo do período analisado (2010-2016), foi de 0,2%, semelhante à encontrada em diversos trabalhos.9,14,15,17,18,20 Comparando-se a letalidade hospitalar (0,2%) de 2010 a 2016, encontrada neste estudo, com a de 2003 a 2009 (0,6%), apresentada por Kelles, Machado e Barreto,9 pode-se afirmar que houve uma redução expressiva.
Em relação à distribuição das hospitalizações entre as regiões brasileiras, confrontados os períodos de 2010-2016 e 2003-2009, os procedimentos bariátricos realizados pelo SUS aumentaram 3,5 vezes nos estabelecimentos hospitalares da região Sul (250,2%), enquanto os da região Centro-Oeste tiveram uma queda de 24,9% entre um e outro período.
Sul e Sudeste concentraram 89,4% de todas as cirurgias realizadas no país, no período analisado; porém, foi nos hospitais da região Sul onde ocorreram mais da metade (53,6%) dos procedimentos. Este resultado se assemelha ao de estudo realizado com todas as regiões do país:23 58,0% das cirurgias concentraram-se na região Sul.
De acordo com o estudo já citado sobre os anos de 2001 a 2010, período mediatamente anterior,9 a região Sudeste foi a que apresentou a maior concentração de procedimentos bariátricos, demonstrando que, provavelmente, esse aumento das internações na região Sul tenha-se iniciado em 2010.
Comparando-se o gasto total (R$ 275.876.435,56) com as cirurgias realizadas no período de 2010 a 2016 com os gastos correspondentes aos anos de 2003 a 2009 (R$ 77.818.248,23), apresentados no estudo de Kelles, Machado e Barreto,9 observa-se um aumento de 3,5 vezes (254,5%) em reais e de 2,5 vezes (155,0%) em dólares internacionais.
O valor médio por internação para realização de cirurgia bariátrica no período de 2010 a 2016 foi de R$ 5.992,75, representando um crescimento de 41,3% em relação ao valor médio por internação no período de 2003 a 2009 (R$ 4.241,24).9 Ao longo desses 14 anos, observou-se um acréscimo médio de 6,0% ao ano e um aumento de 2,0 vezes, de R$ 3.211,3 (2003) para R$ 6.388,68 (2016), no gasto médio por internação.
No ano 2000, a OMS29 afirmou em seu relatório que a obesidade já seria responsável por 2,0 a 7,0% dos custos totais em saúde, com algumas diferenças entre países: na França, um percentual de gastos menor (2,0%), ao passo que nos Estados Unidos (7,8%) e na Austrália (10,0%), maior.
Sabe-se que a cirurgia bariátrica, além de proporcionar grande perda ponderal, mostra-se eficaz no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 e da dislipidemia, além da remissão da síndrome metabólica.5
Essas mudanças, por si, já representam economia, tanto nos gastos com medicamentos para diabetes e dislipidemias quanto na diminuição do número de visitas aos profissionais de saúde e exames realizados. Apesar de seu custo elevado, a cirurgia bariátrica é uma excelente opção, considerando-se os efeitos clínicos positivos e a redução no dispêndio do tratamento de longo prazo que ela implica.30
Entre as limitações deste trabalho, merecem destaque as decorrentes do uso de bases de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), elaboradas para funções administrativas. Reinternações e/ou manipulações são possíveis, dado o objetivo administrativo/contábil do sistema, bem como erros de codificação ou de diagnóstico.
Um grande passo foi dado para o tratamento da obesidade com a inclusão da cirurgia bariátrica entre os procedimentos cobertos pelo Sistema Único de Saúde, a partir do ano de 1999, ademais das modificações instituídas com a publicação das Portarias no 424 e no 425, de 2013,7,10 e sua incorporação por videolaparoscopia no SUS,8 em 2017. Não obstante os avanços alcançados na atenção à obesidade, faz-se necessária a ampliação do acesso aos serviços especializados no tratamento, como também da cobertura da cirurgia bariátrica no país.
Finalmente, cabe salientar que o tratamento cirúrgico constitui parte da abordagem integral da obesidade, cuja prioridade se encontra na promoção da saúde e no cuidado clínico longitudinal.10 Para tanto, o planejamento e o investimento em políticas públicas de prevenção, promoção, tratamento e recuperação da obesidade grave tornam-se essenciais.