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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.28 no.1 Brasília mar. 2019  Epub 18-Fev-2019

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742019000100005 

NOTA DE PESQUISA

Cobertura radiográfica odontológica pelo Sistema Único de Saúde na região Sul do Brasil em 2016: estudo ecológico

Cobertura radiográfica odontológica por el Sistema Único de Salud en la región Sur de Brasil en 2016: estudio ecológico

Luiz Alexandre Chisini (orcid: 0000-0002-3695-0361)1  , Alissa Schmidt San Martin (orcid: 0000-0002-2094-774X)1  , John Victor Júnior Batista Ferreira Silva (orcid: 0000-0003-1829-6594)1  , Nicole Brambatti (orcid: 0000-0002-9665-2411)1  , Fernanda Silva de Pietro (orcid: 0000-0001-9250-5820)1  , Marcus Cristian Muniz Conde (orcid: 0000-0003-2662-3305)2  , Marcos Britto Correa (orcid: 0000-0002-9808-2715)1 

1Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Odontologia, Pelotas, RS, Brasil

2Universidade do Vale do Taquari, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Lajeado, RS, Brasil

Resumo

Objetivo:

investigar a cobertura de equipamentos radiográficos odontológicos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios da região Sul do Brasil em 2016 e a realização de procedimentos radiográficos nos municípios que dispõem desses equipamentos.

Métodos:

foi realizado estudo ecológico com dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (unidades básicas de saúde com consultório odontológico, disponibilidade e funcionamento dos equipamentos radiográficos e realização de radiografias) e da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (população); foram realizados o teste do qui-quadrado e análise de variância.

Resultados:

984 equipamentos radiográficos odontológicos foram identificados em 479 dos 1.191 municípios analisados; 60% dos municípios não apresentaram equipamentos, 68% apresentaram cobertura menor que a recomendada e 52% dos municípios com equipamentos não realizaram nenhum exame radiográfico durante o ano de 2016.

Conclusão:

menos da metade dos municípios possuíam equipamentos radiográficos odontológicos; entre os que tinham esses equipamentos, metade não realizou nenhum procedimento.

Palavras-chave: Raios X; Sistemas de Informação em Radiologia; Radiologia; Sistema Único de Saúde; Estudos Ecológicos

Resumen

Objetivo:

investigar la cobertura de equipos radiográficos odontológicos puestos a disposición por el Sistema Único de Salud (SUS) en municipios de la región Sur de Brasil en 2016 e investigar la realización de procedimientos radiográficos en municipios que disponen de esos equipos.

Métodos:

se realizó un estudio ecológico con datos del Sistema de Información Ambulatoria del SUS (unidades básicas de salud con consultorio odontológico, disponibilidad/funcionamiento de los equipos radiográficos y realización de radiografías) y de la Fundación Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (población); se realizaron pruebas de Chi-cuadrado y análisis de varianza.

Resultados:

Se identificaron 984 equipos radiográficos odontológicos en 479 de los 1.191 municipios; 60% no presentaron equipamientos, 68% presentaron cobertura menor a la recomendada y el 52% con equipamiento no realizó ninguna radiografía durante el año de 2016.

Conclusión:

menos de la mitad de los municipios tenía equipos de rayos X; entre los que tenían esos equipos, la mitad no realizó ningún procedimiento.

Palabras clave: Rayos X; Sistemas de Información Radiológica; Radiología; Sistema Único de Salud de Brasil; Estudios Ecológicos

Introdução

Radiografias são os principais exames complementares utilizados na prática clínica do cirurgião-dentista1,2 e sua disponibilidade é indispensável para a realização de um correto diagnóstico.3-7 A indisponibilidade de tais exames complementares pode comprometer a realização do diagnóstico de enfermidades bucais nos usuários dos serviços de saúde. Em 2009, 84% dos equipamentos radiográficos odontológicos pertenciam à esfera privada, com pequena disponibilidade de equipamentos (16%) para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).8,9 Estes dados foram coletados logo após o início da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), implantada em 2004.

A implementação da PNSB demandou investimento inicial de US$ 2,6 bilhões,10 possibilitando a ampliação do acesso ao serviços de saúde bucal a partir do incremento do número de consultórios odontológicos e de cirurgiões-dentistas no SUS.10,11 Nesse contexto, não existem estudos demostrando que essa expansão tenha se traduzido na maior oferta e disponibilidade de equipamentos radiográficos odontológicos. Tampouco existem investigações consistentes demonstrando se os equipamentos estão sendo de fato utilizados.

O objetivo do presente estudo foi investigar: (i) a cobertura de equipamentos radiográficos odontológicos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde nos municípios da região Sul do Brasil em 2016; e (ii) a realização de procedimentos radiográficos nos municípios que dispõem desses equipamentos.

Métodos

Foi conduzido um estudo ecológico com dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS)/Departamento de Informática do SUS (Datasus) e da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corroborando propostas de estudos anteriores.12-14 Os dados, referentes ao ano de 2016, foram coletados em março de 2017.

As bases de dados (tabnet.datasus.gov.br) foram consultadas para identificar a quantidade de unidades básicas de saúde (UBS) dos três estados da região Sul do Brasil que possuíam consultórios odontológicos disponíveis, bem como o número de equipamentos radiográficos instalados em cada município. Foram incluídos somente os equipamentos radiográficos discriminados como ‘em funcionamento’ de acordo com o SIA/SUS. Desta forma, o estudo considerou os equipamentos que estavam tecnicamente disponíveis para utilização no serviço. Foi coletada a produção odontológica radiográfica interproximal e periapical de cada município no período de janeiro a dezembro de 2016.

Foram considerados elegíveis todos os municípios da região Sul do Brasil, estratificados por seus respectivos estados - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - e pelo porte populacional: até 20.000 habitantes; de 20.001 a 50.000; de 50.001 a 150.000; e mais de 150.000 habitantes.15

As variáveis analisadas e suas categorizações são apresentadas a seguir:

  1. Disponibilidade de equipamentos radiográficos - variável dicotomizada em: (i) disponibilidade de equipamentos radiográficos odontológicos (municípios com ao menos um equipamento radiográfico odontológico funcionando); e (ii) não disponibilidade desses equipamentos.

  2. Equipamentos radiográficos odontológicos por UBS - número de equipamentos radiográficos odontológicos por unidade básica de saúde.

  3. Cobertura radiográfica recomendada - cobertura recomendada (1 equipamento radiográfico odontológico para cada 25 mil hab., recomendado pela Portaria Interministerial MS/GM nº 1.101, de 12 de junho de 2002); e cobertura inferior à recomendada (menos de 1 equipamento para cada 25 mil hab.).16

  4. Realização de exames radiográficos - número absoluto de procedimentos para cada 10 mil hab., de acordo com a população estimada para 2016 de cada município.14

Os indicadores ‘disponibilidade de equipamentos radiográficos’ e ‘equipamentos radiográficos odontológicos por UBS’ foram construídos com dados do SIA/SUS. Estimou-se a cobertura radiográfica recomendada e a realização de exames radiográficos a partir de dados do SIA/SUS e do IBGE.14

Todos os dados foram extraídos de forma independente, por dois pesquisadores (San Martin AS; Silva JVJBF), objetivando-se minimizar erros na extração de dados. Eventuais inconsistências foram checadas por um terceiro pesquisador (Chisini LA).

Trata-se de um censo dos municípios do Sul do Brasil. Os dados levantados foram tabulados no software Tabnet e posteriormente exportados para o software Stata 12.0. Foram obtidas as frequências relativas e absolutas das variáveis, bem como as médias e desvios-padrão (DP) para variáveis numéricas.

Variáveis categóricas foram analisadas pelo teste do qui-quadrado de Pearson; variáveis contínuas foram analisadas pelo teste de análise de variância (ANOVA) e pelo teste de Bonferroni. Para a análise da variável ‘equipamentos radiográficos odontológicos por UBS’, foi realizada sua conversão à escala logarítmica. Tal conversão foi adotada devido à distribuição não normal. Adotou-se o nível de significância de 5% (p<0,05).

A pesquisa utilizou somente dados secundários, sendo dispensada a apreciação ética por Comitê de Ética em Pesquisa, em concordância com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510, de 7 de abril de 2016.

Resultados

No total, 984 equipamentos radiográficos odontológicos foram identificados nos três estados da região Sul do Brasil. No entanto, 60% dos municípios (n=712) não apresentaram ao menos um equipamento radiográfico odontológico. A quantidade de equipamentos radiográficos odontológicos disponíveis por UBS no estado do Rio Grande do Sul foi de 0,21 (DP=0,4), em Santa Catarina 0,29 (DP=0,4) e no Paraná 0,22 (DP=0,4; p<0,001). Municípios do Paraná com até 20 mil habitantes apresentaram, em média, 0,4 (DP=0,7) equipamento por município, enquanto no estado do Rio Grande do Sul, municípios do mesmo estrato populacional exibiram média de 0,3 (DP=0,7; p<0,001) (Figura 1). Municípios de grande porte populacional apresentaram maior disponibilidade, maior média de equipamentos radiográficos odontológicos e maior quantidade de equipamentos por UBS do que municípios com menor porte populacional, nos três estados analisados (p<0,001; Tabela 1).

Figura 1 - Média de equipamentos radiográficos odontológicos (N=984 equipamentos) de acordo com o estado de referência e o porte populacional dos municípios, região Sul do Brasil, 2016 

Tabela 1 - Análise das variáveis-desfecho de acordo com o estado de referência e o porte populacional dos municípios, região Sul do Brasil, 2016 

Estado/região Sul Porte populacional do município Valor de pa
Até 20.000 20.001 a 50.000 50.001 a 150.000 Mais de 150.000
Municípios com disponibilidade de equipamentos radiográficos (N=479 municípiosb)
Rio Grande do Sul 102 (25,7) 25 (43,1) 19 (63,3) 12 (100,0) <0,001
Santa Catarina 101 (43,2) 26 (76,5) 19 (100,0) 8 (100,0) <0,001
Paraná 106 (34,0) 30 (54,6) 22 (95,7) 9 (100,0) <0,001
Sul 309 (32,8) 81 (55,1) 60 (83,3) 29 (100,0) <0,001
Municípios que apresentaram a cobertura recomendada (N=376 municípios)a,c
Rio Grande do Sul 102 (25,7) 13 (22,4) 5 (16,7) 1 (8,3) 0,371
Santa Catarina 101 (43,2) 19 (55,6) 5 (26,3) 2 (25,0) 0,138
Paraná 106 (34,0) 13 (23,6) 8 (34,8) 1 (11,1) 0,240
Sul 309 (32,8) 45 (30,6) 18 (25,0) 4 (13,8) 0,095
Média e desvio-padrão de equipamentos radiográficos por UBSd (N=984 equipamentos)e
Rio Grande do Sul 0,3±0,5 1,3±0,7 1,6±0,9 1,7±0,6 0,005
Santa Catarina 0,6±0,7 1,4±0,7 1,7±0,9 1,6±0,7 0,006
Paraná 0,7±0,7 1,4±0,7 1,5±1,1 1,8±0,8 0,025
Sul 0,6±0,6 1,4±0,7 1,6±0,9 1,7±0,7 <0,001
Média e desvio-padrão dos procedimentos radiográficos por 10 mil hab. (N=370.698 procedimentos)e
Rio Grande do Sul 0,3±1,3 0,5±1,1 0,9±1,4 0,7±0,9 0,040
Santa Catarina 1,2±4,2 2,5±3,5 2,9±3,3 3,4±2,0 0,002
Paraná 0,1±0,7 0,7±1,5 1,4±2,3 2,2±1,3 <0,001
Sul 0,4±2,3 1,0±2,1 1,6±2,1 1,9±1,8 0,030

a) Teste do qui-quadrado de Pearson.

b) 712 municípios não dispunham de equipamentos radiográficos.

c) 815 municípios não apresentaram a cobertura recomendada de equipamentos radiográficos odontológicos por habitante.

d) UBS: unidade básica de saúde.

e) Teste de ANOVA de uma via e teste post hoc de Bonferroni.

Municípios com até 20 mil habitantes apresentaram a menor proporção de equipamentos por UBS (média=0,6; DP=0,6), padrão observado nos três estados. Verificou-se, também, que 68% dos municípios da região Sul do Brasil (n=815) apresentaram cobertura menor que a indicada: Santa Catarina apresentou 43%; Paraná, 31%; e Rio Grande do Sul, 24% de cobertura. A cobertura radiográfica recomendada não mostrou associação com o porte populacional (p=0,095).

Em mais da metade dos municípios (52%) com equipamentos radiográficos odontológicos, não se realizou nenhum exame radiográfico durante o ano de 2016. Municípios de Santa Cataria apresentaram o maior número de exames radiográficos realizados para cada 10 mil hab. (média=1,5; DP=4,1), seguidos pelos municípios do Rio Grande do Sul (média=0,4; DP=1,3) e do Paraná (média=0,3; DP=1,3; p<0,001).

Discussão

Menos da metade dos municípios da região Sul do Brasil apresentaram equipamentos radiográficos odontológicos aptos para utilização. Destes, mais da metade não foi utilizada para a realização de nenhuma tomada radiográfica em 2016. Portanto, a disponibilidade de equipamentos não implicou, obrigatoriamente, a execução de radiografias.

O SIA/SUS é um sistema de informações em saúde de abrangência nacional, alimentado com dados de procedimentos executados no nível de gestão local. Durante esse processo, é possível que tenham ocorrido subnotificações da realização de radiografias. Não obstante, considerando-se que os municípios devem manter esses dados atualizados, o sub-registro da realização de exames radiográficos, por si só, não seria capaz de explicar a subutilização dos equipamentos disponíveis e um consequente deficit na realização dos exames complementares.

Devido à baixa proporção de equipamentos radiográficos odontológicos para cada UBS na região Sul, cirurgiões-dentistas necessitam encaminhar os usuários às unidades onde há equipamentos disponíveis para execução de exames radiográficos. Além do baixo conhecimento dos profissionais,17 dificuldades na logística de encaminhamento10,18,19 e na realização desses procedimentos também poderiam explicar a não realização dos exames. São hipóteses possíveis de esclarecer - ainda que em parte - a baixa realização de radiografias observada, embora não a totalidade dos casos. No exercício da sua profissão, o cirurgião-dentista recebe adicional de insalubridade; outrossim, quando o profissional exerce contato não eventual com equipamentos que emitem radiação X, ele tem o direito de receber o adicional salarial de periculosidade,20 o que pode representar aumento de custos para a gestão.

Importantes diferenças foram observadas entre os estados investigados. Santa Catarina apresentou os melhores resultados na quantidade e disponibilidade de equipamentos radiográficos odontológicos, assim como na realização de radiografias odontológicas. Resultados discrepantes entre estados e regiões podem ser justificados por iniquidades sociais e políticas locorregionais. Nesse sentido, o SUS apresenta uma política de descentralização de suas ações, e o desenvolvimento de políticas públicas locais faz parte de suas diretrizes.19,21 No caso da saúde bucal, diferenças regionais e estaduais são observadas tanto na necessidade e alocação de Laboratórios Regionais de Prótese Dentária22 quanto na realização de procedimentos especializados.23

Ademais, encontrou-se maior concentração de equipamentos radiográficos odontológicos - e maior realização de radiografia - nas cidades com mais de 150 mil habitantes. Localidades de grande porte populacional servem de referência aos municípios menores circundantes, pois apresentam maior concentração de profissionais da saúde, UBS e hospitais, o que poderia explicar a maior quantidade de equipamentos e maior produção de exames radiográficos nesses municípios. Assim, destaca-se a importância do papel das políticas locais na consolidação e, consequentemente, no desempenho das atividades do SUS.10,19,24

O presente estudo revelou: (i) a baixa cobertura de equipamentos radiográficos odontológicos pelo SUS nos estados do Sul do Brasil; e (ii) a pequena realização de procedimentos radiográficos odontológicos em seus municípios que dispunham desses equipamentos. A disponibilidade de equipamentos radiográficos não implicou, necessariamente, a realização dos exames radiográficos, sendo necessárias ações de gestão e gerência para que tais tecnologias sejam efetivamente empregadas no cuidado da população. Municípios com maior porte populacional apresentaram maior disponibilidade de equipamentos radiográficos odontológicos, embora sua cobertura houvesse se mostrado inferior à recomendada.

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Recebido: 22 de Maio de 2018; Aceito: 25 de Outubro de 2018

Endereço para correspondência: Luiz Alexandre Chisini - Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Odontologia, Rua Gonçalves Chaves, no 457, Sala 501, Pelotas, RS, Brasil. CEP: 96015-560. E-mail: alexandrechisini@gmail.com

Contribuição dos autores

Chisini LA, San Martin AS, Silva JVJBF, Brambatti N, Pietro FS, Conde MCM e Corrêa MB contribuíram substancialmente na concepção e desenho do estudo, análise e interpretação dos dados e elaboração do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e se responsabilizam por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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