Introdução
O registro de eventos vitais serve tanto a fins legais quanto estatísticos, além de permitir pesquisas sobre a situação de saúde.1,2 No Brasil, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) foi implantado em 1975 e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) em 1990, ambos com o objetivo de consolidar informações sobre as estatísticas vitais no país e em todas as Unidades da Federação.1 O primeiro é alimentado pela Declaração de Óbito (DO), e o segundo, pela Declaração de Nascido Vivo (DN).1
O Sinasc e o SIM têm sido avaliados na área materno-infantil em nível nacional e local, segundo vários indicadores de qualidade, a exemplo de cobertura, completitude, confiabilidade e oportunidade desses sistemas, consistência e validade dos dados por eles disponibilizados.1-6
Considerando-se a dimensão de completude, os trabalhos sobre o Sinasc mostram preenchimento bom a excelente, com poucas exceções para algumas variáveis.4,6-9,10-14 As variáveis com pior completude identificadas nesses estudos foram: raça/cor da pele, paridade, escolaridade e ocupação materna, filhos vivos e filhos mortos. Deve-se ressaltar que estudos mais recentes têm revelado percentuais mais baixos de incompletude na DN, inferiores a 10% em sua maioria,10 mesmo para populações específicas de nascidos vivos de risco.8 Uma exceção foi o estado do Acre, onde houve piora do preenchimento para a maioria das variáveis, entre 2005 e 2010.15 Avaliações em nível nacional dos períodos 2006-2010 e 1996-2013 mostraram diferenças entre regiões e capitais.10,11 O Nordeste, por exemplo, apresentou o maior percentual de incompletude, principalmente para as variáveis ‘raça/cor da pele’ e ‘Apgar de 5º minuto’;10 para ‘escolaridade materna’, a região também referiu pior preenchimento da DN, embora tenha melhorado quanto a essa variável nos últimos anos; a região Sul apresentou o melhor desempenho.11
No que diz respeito ao SIM, a qualidade do preenchimento das variáveis é inferior à do Sinasc, principalmente das sociodemográficas.3,12-14,16-19 Há elevada proporção de incompletude no sistema, principalmente para as variáveis ‘raça/cor da pele’, ‘escolaridade’ materna, ‘filhos vivos’ e ‘filhos mortos’, ‘idade’ materna e ‘duração da gestação’. Mesmo o peso ao nascer, indicador relevante na área materno-infantil, apresenta um percentual regular de incompletude no preenchimento.14,17
Em 2011, as DNs e as DOs sofreram mudanças na forma de preenchimento de algumas variáveis, na perspectiva de aprimorar a informação dos dois sistemas, Sinasc e SIM, e torná-los mais comparáveis ao modelo utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).20,21
Para a DN,20 destacam-se a idade materna, que passou a ser aferida pela data de nascimento e não mais pela pergunta direta; e a raça/cor da pele, antes referente ao bebê e, a partir de 2011, autorreferida pela raça/cor da pele da mãe. Os dados da escolaridade materna passaram a considerar as categorias de ensino fundamental I, ensino fundamental II, nível médio e superior; e a série, descrita em anos de estudo. Os dados da idade gestacional (IG) passaram de categorias agrupadas ao número exato de semanas de gestação, além de se requerer a abordagem diagnóstica da IG, seja pela data da última menstruação, seja por outro método a ser adotado. Mais uma mudança relevante aconteceu para a variável número de filhos mortos, desde 2011 referida como ‘perdas fetais’, inserindo-se abortos e óbitos fetais em um novo campo da história reprodutiva da mãe.
Na DO, a variável escolaridade foi modificada da mesma forma que na DN.21 A idade gestacional, anteriormente estratificada em faixas, passou a registrar o número de semanas; e o campo número de filhos tidos também adotou a nomenclatura ‘perdas fetais/abortos’, em substituição à antiga ‘filhos mortos’.21
A avaliação da Coordenação-Geral de Informações e Análise Epidemiológica, do Ministério da Saúde, para o período de 2000 a 2011, detectou melhoras e desafios para o país, considerando-se o ano de 2011 como referência.20,21 Em síntese, persistem problemas na qualidade da informação, tão capazes de afetar os indicadores adotados para subsidiar políticas públicas2 como enviesar estudos epidemiológicos.18,19 Quanto às variáveis socioeconômicas, o mau preenchimento dificulta, principalmente, a identificação de desigualdades em vários desfechos de saúde da mulher e da criança, como o óbito infantil e o acesso aos serviços de saúde, representados pelo número de consultas de pré-natal e tipo de parto.3,18,19
É mister lembrar que a investigação do óbito infantil e fetal, obrigatória no Brasil desde 2010,22 consiste em mais uma estratégia para qualificar as informações da DO, aprimorando a notificação da causa básica de morte e permitindo identificar falhas na assistência prestada, além de possibilitar a adoção de medidas de prevenção e promoção da saúde.
A descentralização do SIM e do Sinasc levou à maior proximidade desses sistemas de informações com as fontes de captação dos eventos, no nível local, além de permitir um melhor monitoramento da coleta de dados. As mudanças dos campos em relação à escolaridade, idade e raça/cor da pele maternas permitiram a captação de informações mais precisas, detalhadas e qualificadas.20,21
No estado do Rio de Janeiro, a cobertura do Sinasc e do SIM é elevada, próxima de 100%;20,21 contudo, a produção científica sobre a qualidade das estatísticas vitais tem-se mostrado escassa, nos útimos 20 anos.16
Este trabalho teve por objetivo analisar a incompletude das variáveis do Sinasc e do SIM no estado do Rio de Janeiro, na série temporal de 1999 a 2014.
Métodos
Trata-se de um estudo de série temporal sobre a qualidade das estatísticas vitais do estado do Rio de Janeiro, no que tange à completude dos dados disponíveis nas bases do Sinasc e do SIM, consultadas via tabulador de dados - Tabnet - da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, para cada um dos sistemas: http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnet/tabcgi.exe?sinasc/nascido.def e http://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnet/deftohtm.exe?sim/infantis.def
Empregou-se a definição das dimensões de qualidade proposta por Lima et al.,5 segundo os autores a completude é traduzida pela proporção de campos preenchidos com valores não nulos. Somada a esta definição, utilizou-se como referência a de Romero & Cunha3 para campos nulos: campos ignorados ou não preenchidos, evidências da ‘incompletude’ de um sistema de informações. O grau de preenchimento de um campo de um sistema de informações foi estratificado pelos autores citados, como: excelente, quando há menos de 5% de incompletude; bom, de 5 a 10%; regular, de 10 a 20%; ruim, de 20 a 50%; e muito ruim, quando a incompletude supera os 50%.7
Este escore permanece como um dos mais utilizados nos estudos de completude publicados entre 2013 e 2017.7,9,13-17,19 Foram realizadas adaptações nos pontos de corte das categorias 'bom' e 'regular' da classificação, para evitar a superposição dos valores de incompletude (bom, de 5 a <10% e regular, de 10 a <20%).
A população do presente estudo constituiu-se de todos os nascidos vivos e óbitos neonatais notificados no estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2014. As variáveis selecionadas para análise no Sinasc foram:
a) Relacionadas ao recém-nascido
- sexo;
- peso ao nascer;
- Apgar de 5º minuto;
- anomalia congênita
b) Sociodemográficas maternas
- escolaridade
- ocupação habitual
- idade materna
- situação conjugal
- raça/cor da pele
c) Reprodutivas, relacionados à gravidez e ao parto
- número de filhos vivos
- número de filhos mortos
- duração da gestação
- consultas de pré-natal
- tipo de gravidez
- tipo de parto
Para a variável ‘raça/cor da pele’, também foram considerados os dados aplicados ao recém-nascido até o período de 1999 a 2010, inclusive, com o propósito de completar a série temporal. Optou-se por avaliar apenas o Apgar de 5º minuto, haja vista ser a variável mais relacionada com a mortalidade por asfixia neonatal.23
No SIM, as mesmas variáveis foram analisadas, exceto ‘anomalia congênita’, ‘consultas de pré-natal’, ‘estado civil’ e ‘Apgar do recém-nascido’, as quais não dispõem de campo correspondente na DO.
Para análise da tendência temporal, empregou-se o aplicativo Joinpoint Regression, cujo modelo ajusta uma série de linhas e seus pontos de junção em uma escala logarítmica, para demonstração das tendências anuais. Para o teste de significância, aplicou-se o Monte Carlo Permutation Method, que ajusta a melhor linha para cada segmento. Uma vez que esses segmentos são estabelecidos, os respectivos percentuais anuais de mudança (APC) são estimados e testados. Quando há um ponto de junção em que o sentido se inverte ou são observados diferentes padrões de tendência, os períodos são analisados separadamente. Nesta situação, o ano final de um período coincide com o ano inicial do próximo, e para cada variável, esses períodos podem ser diferentes em relação aos anos analisados, a depender do momento em que se detecta a mudança; caso não haja mudança, o período é analisado de forma integral.
Ademais, foram comparados os percentuais de incompletitude das variáveis do SIM para o ano de 2014, entre óbitos neonatais investigados e não investigados. O teste exato de Fisher foi utilizado para estimar as diferenças nos percentuais.
O presente estudo faz parte do projeto ‘Registro Integrado de Saúde: aplicação do modelo de cadeia de links em estudos em saúde da mulher e da criança (RIS-RJ)’, aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP/IESC/UFRJ): Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 07534512.9.0000.5286, de 3 de outubro de 2012. Cabe ressaltar que o artigo se baseou em dados de domínio público, sem qualquer identificação dos participantes.
Resultados
Na Tabela 1 são apresentados os percentuais de incompletude para as variáveis selecionadas do Sinasc e sua tendência temporal. No ano de 1999, as variáveis ‘situação conjugal’, ‘número de filhos mortos’ e ‘raça/cor da pele’ do bebê apresentavam os maiores percentuais de incompletude, superiores a 20%, seguidas das variáveis ‘número de filhos vivos’ (16,04%), ‘anomalia congênita’ (13,99%) e ‘ocupação habitual’ da mãe (10,20%). As demais variáveis apresentavam valores menores que 5%. Em 2014, todas as variáveis, à exceção de ‘duração da gestação’ e ‘ocupação habitual’, tiveram queda dos valores de incompletude; nenhuma delas ultrapassou 5% de incompletude, exceto, mais uma vez, a variável ‘ocupação habitual’, que subiu para 14,07%. As maiores mudanças ocorreram para a variável ‘situação conjugal’, que caiu abruptamente de 1999 para 2001, e para as variáveis reprodutivas ‘número de filhos vivos’ e ‘número de filhos mortos’, cujas quedas foram constantes e significativas, de mais de 20% ao ano no período 2010-2014. ‘Raça/cor da pele’ teve uma queda de 50,4% entre 1999 e 2000, e desde então, manteve-se em queda constante, de 8,5% ao ano, até chegar a menos de 2% de incompletude em 2014. Outras variáveis, não obstante os valores baixos observados em 1999, mantiveram diminuição da incompletude, atingindo níveis extremamente baixos - menores que 1% - em 2014. Porém, cinco variáveis tiveram piora do preenchimento: ocupação habitual, tipo de gravidez, duração da gestação, consultas de pré-natal e Apgar de 5º minuto.
Variáveis | 1999 (%) N=268.213 | 2014 (%) N=233.641 | Períodod | Mudança percentual anual (IC95% a) | Tendência |
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Neonatais | |||||
Sexo | 0,37 (excelente)c | 0,01 (excelente) | 1999-2004 2004-2007 2007-2014 | 2,0 (-14,5;12,3) -66,3c (-83,3; -32,1) 1,1 (-6,6;9,5) | Estabilidade Redução Estabilidade |
Peso ao nascer | 0,41 (excelente) | <0,01 (excelente) | 1999-2014 | -36,9c (-42,0;-31,3) | Redução |
Apgar de 5o minuto | 2,64 (excelente) | 2,07 (excelente) | 1999-2010 2010-2014 | -2,6c (-4,8;-0,5) 12,5c (0,4;26,1) | Redução Aumento |
Anomalia congênita | 13,99 (regular) | 2,74 (excelente) | 1999-2014 | -12,6c (-14,9;-12,3) | Redução |
Sociodemográficas maternas | |||||
Idade materna | 0,63 (excelente) | <0,01 (excelente) | 1999-2014 | -35,4c (-40,2;-30,4) | Redução |
Escolaridade | 3,93 (excelente) | 1,31 (excelente) | 1999-2014 | -5,4c (-8,3;-2,4) | Redução |
Ocupação habitualb | 10,20 (regular) | 14,07 (regular) | 2001-2014 | 4,9 (-1,7;12,0) | Estabilidade |
Situação conjugal | 37,40 (ruim) | 0,84 (excelente) | 1999-2001 2001-2014 | -79,2c (-91,1;-51,3) -2,5 (-7,5; 1,3) | Redução Estabilidade |
Raça/cor da pele (bebê/mãe) | 24,63 (ruim) | 1,67 (excelente) | 1999-2000 2000-2014 | -50,40c (-80,5;-26,4) -8,5c (-12,1;-4,7) | Redução Redução |
Reprodutivas/gravidez/parto | |||||
Número de filhos vivos | 16,04 (regular) | 3,03 (excelente) | 1999-2010 2010-2014 | -7,5c (-11,0;-3,8) -23,5c (-33,6;-11,9) | Redução Redução |
Número de filhos mortos | 31,30 (ruim) | 4,98 (excelente) | 1999-2010 2010-2014 | -8,5c (-12,2;-4,7) -25,0c (-35,7;-12,5) | Redução Redução |
Duração da gestação | 0,90 (excelente) | 2,41 (excelente) | 1999-2009 2009-2014 | -11,2c (-19,7;-1,7) 62,8c (21,2;118,8) | Redução Aumento |
Consultas de pré-natal | 4,48 (excelente) | 2,94 (excelente) | 1999-2004 2004-2009 2009-2014 | -1,4 (-11,3;9,3) -18,4c (-29,5;-5,6) 14,0c (2,5;26,7) | Estabilidade Redução Aumento |
Tipo de gravidez | 0,14 (excelente) | 0,13 excelente) | 1999-2010 2010-2014 | -6,7c (-9,8;-3,4) 25,2c (5,3;6;48,8) | Redução Aumento |
Tipo de parto | 0,19 (excelente) | 0,11 (excelente) | 1999-2014 | -5,0c (-8,3;-1,7) | Redução |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
b) A partir de 2001.
c) Mudança calculada por regressão logarítmica, de acordo com pontos de junção a cada período de mudança; p-valor <0,05 (Monte Carlo Permutation Method).
d) Na análise de série temporal do joinpoint, quando há mudança no padrão de tendência, os períodos são separados e o ano final de um período coincide com o ano inicial do período seguinte.
Nota: Classificação de Romero & Cunha para a incompletude no preenchimenbto de um campo de um sistema de informações: excelente, menos de 5% de incompletude; bom, de 5 a <10%; regular, 10 a <20%; ruim, 20 a 50%; e muito ruim, 50% ou mais. Foram redefinidos os pontos de corte das categorias 'bom' e 'regular' para evitar superposição entre os valores de incompletude.
Na Tabela 2, observam-se os percentuais de incompletude referentes às variáveis do SIM para os óbitos neonatais registrados no período de 1999 a 2014. Em 1999, a variável ‘número de filhos nascidos mortos’ ultrapassava 60% de incompletude, seguida das variáveis ‘escolaridade’ materna (36,6%), ‘ocupação habitual’ (29,6%), ‘número de filhos nascidos vivos’ (29,3%), ‘idade’ materna (28,2%) e ‘raça/cor da pele’ (27,4%). As demais variáveis - sexo e peso - apresentaram entre 10 e 20% de campos não preenchidos; apenas sexo tinha percentual de preenchimento excelente (0,59%). Até 2014, quase todas as variáveis analisadas decresceram de forma estatisticamente significante quanto ao não preenchimento, atingindo níveis bons a excelentes em sua maioria; a exceção coube ao número de filhos nascidos mortos e à escolaridade, que alcançaram nível regular em 2014. A variável ‘ocupação habitual’ (26,26%) da mãe não apresentou melhora significativa, mantendo um nível ruim de incompletude: acima de 20%.
Variáveis | 1999 (%) N=4.008 | 2014 (%) N=2.050 | Períodod | Mudança percentual anual (IC95% a) | Tendência |
---|---|---|---|---|---|
Neonatais | |||||
Sexo | 0,59 (excelente)c | 0,58 (excelente) | 1999-2014 | -4,0c (-7,4;-0,5) | Redução |
Raça/cor da pele | 27,42 (ruim) | 9,13 (bom) | 1999-2005 2005-2010 2010-2014 | 0,2 (-3,4;3,8) -21,3c (-26,7;-15,5) 3,4 (-3,8;11,1) | Estabilidade Redução Estabilidade |
Peso ao nascer | 11,15 (regular) | 5,46 (bom) | 1999-2003 2003-2007 2007-2014 | -15,4c (-20,0;-10,5) 10,6 c (0,8;21,5) -5,0c (-7,0;-2,9) | Redução Aumento Redução |
Sociodemográficas maternas | |||||
Idade materna | 28,21 (ruim) | 6,64 (bom) | 1999-2004 2004-2007 2007-2014 | -18,2c (-24,7;-11,1) 18,0 (-28,2;94,1) -7,9c (-12,2;-3,5) | Redução Estabilidade Redução |
Escolaridade | 36,60 (ruim) | 14,68 (regular) | 1999-2004 2004-2007 2007-2014 | -14,5c (-18,0;-10,8) -16,1c (-11,2;-51,8) -5,0c (-7,2;-2,7) | Redução Redução Redução |
Ocupação habitualb | 29,56 (ruim) | 26,26 (ruim) | 2001-2014 | 1,36 (-1,9;4,7) | Estabilidade |
Reprodutivas/gravidez/parto | |||||
Número de filhos nascidos vivos | 29,29 (ruim) | 8,25 (bom) | 1999-2003 2003-2007 2007-2014 | -9,8c (-14,1;-5,4) 5,8c (-2,3;14,6) -14,5c (-16,1;-12,8) | Redução Estabilidade Redução |
Número de filhos nascidos mortos | 62,62 (muito ruim) | 15,23 (regular) | 1999-2004 2004-2007 2007-2014 | -10,2c (-12,9;-7,4) 5,6c (-11,4;-25,8) -13,9c (-15,4;-12,4) | Redução Estabilidade Redução |
Duração da gestação | 16,81 (regular) | 8,74 (bom) | 1999-2004 2004-2014 | -17,8c (-30,8;-2,3) 8,0c (1,9;14,4) | Redução Aumento |
Tipo de gravidez | 15,11 (regular) | 3,85 (excelente) | 1999-2001 2001-2014 | -36,3c (-72,7;48,5) -1,0 (-3,6;1,8) | Estabilidade Estabilidade |
Tipo de parto | 14,52 (regular) | 4,29 (excelente) | 1999-2001 2001-2014 | -17,9c (-26,7; 8,0) -6,3c (-12,2; -0,1) | Redução Redução |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
b) A partir de 2001.
c) Mudança calculada por regressão logarítmica, de acordo com pontos de junção a cada período de mudança; p-valor <0,05 (Monte Carlo Permutation Method).
d) Na análise de série temporal do joinpoint, quando há mudança no padrão de tendência, os períodos são separados e o ano final de um período coincide com o ano inicial do período seguinte.
Nota: Classificação de Romero & Cunha para a incompletude no preenchimenbto de um campo de um sistema de informações: excelente, menos de 5% de incompletude; bom, de 5 a <10%; regular, 10 a <20%; ruim, 20 a 50%; e muito ruim, 50% ou mais. Foram redefinidos os pontos de corte das categorias 'bom' e 'regular' para evitar superposição entre os valores de incompletude.
Quanto à tendência temporal, predominou a redução da incompletude no período estudado, para a maioria das variáveis nos dois sistemas, embora essa redução tenha-se mostrado mais acentuada no Sinasc. Houve alguns momentos de estabilidade, diferentes padrões de tendência e intensidade de queda, entre as variáveis. No Sinasc, destacaram-se ‘raça/cor da pele’, ‘sexo’ e ‘situação conjugal’, cujas reduções foram iguais ou superiores a 50%; no SIM, as maiores reduções foram para ‘raça/cor da pele’, ‘tipo de parto’ e ‘tipo de gravidez’. Exceção foi a variável ‘duração da gestação’, que, após queda da incompletude (-17,8%), apresentou movimento inverso entre 2004 e 2014 (8,0%). Apesar da variação de tendência observada, o valor percentual de incompletude da variável mostrou-se menor em 2014, na comparação com 1999.
Considerando-se os dois sistemas de informações, os dados de incompletude encontrados foram superiores no SIM, tanto em 1999 quanto em 2014, para a maioria das variáveis. Em 2014, à exceção de ‘ocupação habitual’, nenhuma variável do Sinasc ultrapassou 5% de incompletude. Para o SIM, no mesmo ano, duas variáveis excederam 10%, ‘número de filhos mortos’ e ‘escolaridade’, e uma, ‘ocupação habitual’, se manteve acima dos 20% de incompletude.
Se, em 2006, a investigação dos óbitos neonatais no estado do Rio de Janeiro abrangia apenas 16% do total, em 2014, eram quase 60% de óbitos investigados (57,6%). Na Tabela 3, observa-se que, em 2014, os óbitos investigados tiveram menor percentual de incompletude que aqueles não investigados, com diferenças estatisticamente significantes, exceto para as variáveis ‘raça/cor da pele’ e ‘sexo’.
Variáveis | Óbitos investigados % (N=1.180) | Óbitos não investigados % (N=712) | Valor de pa |
---|---|---|---|
Neonatais | |||
Sexo | 0,51 (excelente) | 0,56 (excelente) | 0,557 |
Raça/cor da pele | 8,64 (bom) | 9,97 (bom) | 0,186 |
Peso ao nascer | 2,29 (excelente) | 10,53 (regular) | <0,001 |
Sociodemográficas maternas | |||
Idade materna | 3,98 (excelente) | 10,25 (regular) | <0,001 |
Escolaridade | 12,10 (regular) | 18,80 (regular) | <0,001 |
Ocupação habitual | 20,90 (ruim) | 31,18 (ruim) | <0,001 |
Reprodutivas/gravidez/parto | |||
Número de filhos nascidos vivos | 5,08 (bom) | 13,20 (regular) | <0,001 |
Número de filhos nascidos mortos | 11,44 (regular) | 22,19 (ruim) | <0,001 |
Duração da gestação | 5,51 (bom) | 13,62 (regular) | <0,001 |
Tipo de gravidez | 2,12 (excelente) | 6,32 (bom) | <0,001 |
Tipo de parto | 2,29 (excelente) | 6,74 (bom) | <0,001 |
a) Teste do qui-quadrado de Fisher.
Nota: Classificação de Romero & Cunha para a incompletude no preenchimenbto de um campo de um sistema de informações: excelente, menos de 5% de incompletude; bom, de 5 a <10%; regular, 10 a <20%; ruim, 20 a 50%; e muito ruim, 50% ou mais. Foram redefinidos os pontos de corte das categorias 'bom' e 'regular' para evitar superposição entre os valores de incompletude.
Discussão
O presente estudo analisou a tendência temporal da completude do preenchimento das variáveis do Sinasc e do SIM no estado do Rio de Janeiro, durante 15 anos, englobando o período de mudanças a partir de 2011, e identificou melhora em ambos os sistemas de informação. O achado representa uma tendência nacional,20,21 resultado do investimento em mudanças nos sistemas coadunado com a valorização da informação epidemiológica nas políticas de saúde.24 A descentralização dos sistemas de informações permitiu sua maior proximidade com as respectivas fontes de captação, facilitando o monitoramento e ampliando a qualidade dos dados.20,21,24
O Sinasc no estado do Rio de Janeiro apresentava, em 1999, três variáveis com preenchimento ruim e três com preenchimento regular; as demais se colocavam na categoria excelente; em 2014, a maioria das variáveis mostrou melhoria no preenchimento e, segundo o modelo de classificação de Romero & Cunha,4 todas alcançaram o nível de excelência, à exceção de ‘ocupação habitual’ materna.
Cumpre destacar que a duração da gestação, embora com incompletude baixa em 2014 (2,4%), acusou piora da informação, resultado também observado no relatório sobre as mudanças do Sinasc:20 aumento da incompletude em 2011, e 0,6% de resposta ignorada ou não preenchida para quase 4%. Outro destaque negativo se refere ao campo ‘consultas de pré-natal’, que no estado fluminense, no período de 2009 a 2014, teve piora da completude, talvez pela mudança da opção intervalar para a de variável contínua.
Comparando-se a qualidade do preenchimento no estado do Rio de Janeiro com a de outras localidades, regiões e Unidades da Federação brasileira,9,10,13,14 observa-se que tem ocorrido aumento da completude em nível nacional. A exceção foi o Acre,15 onde, de 15 variáveis analisadas, 11 mostraram aumento da incompletude entre 2005 e 2010. Ressalva-se que os estudos referidos, em sua maioria, avaliaram dados anteriores a 2011, o que dificulta a comparação.
As variáveis reprodutivas ainda necessitam de aprimoramento. No caso da variável ‘número de filhos mortos’, houve mudança na forma de preenchimento em 2011, com a inclusão de abortos prévios. Esta alteração poderia explicar o inusitado aumento do percentual de mulheres com um ou mais filhos mortos no período estudado, de 2010 a 2014 (de 9,5 a 18,2%), discordante da tendência à queda de óbitos fetais no Sudeste e no país como um todo, observada em estudo sobre baixo peso ao nascer.25
De forma semelhante aos dados do Sinasc, a completude do SIM, no que se refere aos óbitos neonatais do estado do Rio de Janeiro, teve melhora estatisticamente significante para as variáveis analisadas. Contudo, permanecem deficiências em algumas variáveis, com destaque para ‘ocupação habitual’ materna, todavia com preenchimento ruim. Na avaliação da completude do SIM nas capitais brasileiras, referente aos anos de 2011 e 2012,19 a ocupação materna foi a variável com pior preenchimento: o campo correspondente apresentou não só problemas de preenchimento, como também de consistência, com variações na classificação entre diferentes fontes, segundo Romero & Cunha.4 São resultados concordantes com os de avaliações de outros sistemas, a exemplo do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).26 Provavelmente, a condição da variável, dependente de consulta à Classificação Brasileira de Ocupações, e dificuldades quanto à interpretação das instruções dos manuais favorecem o mau preenchimento.4
Número de filhos mortos foi a variável com maior percentual de incompletude de acordo com o presente estudo, e outros.14,16,18 No estado do Rio de Janeiro, o valor dessa variável manteve-se elevado em 2014 (15,3%), enquanto no Recife, no período 2010-2012, foi de apenas 4,3%, demonstrando potencial para melhora do preenchimento.14
A tendência de diminuição da incompletude e melhoria na qualidade dos dados observada para o SIM, provavelmente, está relacionada ao trabalho dos Comitês de Prevenção do Óbito Infantil, haja vista a diferença encontrada para os óbitos investigados em quase todas as variáveis; fato igualmente relatado em Ribeirão Preto e Pernambuco, para óbitos infantis.12,17 Embora o objetivo principal dos comitês de investigação seja determinar a causa básica correta e o potencial de evitabilidade dos óbitos, a correção de informações dos registros vitais também está prevista no Manual de Vigilância do Óbito Infantil e Fetal.27 No presente estudo, destacaram-se as variáveis ‘peso ao nascer’ e ‘idade’ materna, que, entre os óbitos investigados, alcançaram a categoria excelente, tendo apresentado preenchimento regular apenas entre os óbitos não investigados.
A persistência do mau preenchimento de variáveis sociodemográficas, como raça/cor da pele, ocupação e escolaridade maternas, dificulta a análise de desigualdades sociais em vários desfechos da saúde da mulher e da criança, com destaque para a mortalidade neonatal.3,19 Estudo recente mostrou que o preenchimento da escolaridade materna no Sinasc melhorou no Brasil, de 1996 a 2013, ainda que necessite de algum esforço para alcançar a completude ideal;11 seus autores reforçam a importância da escolaridade materna no estudo da morbimortalidade infantil, no contexto das desigualdades em saúde.
Como os percentuais de não preenchimento do SIM são superiores aos do Sinasc para todas as variáveis, corrobora-se a superioridade dos dados de nascidos vivos.12-14,16,19 O procedimento de relacionamento dos bancos de ambos os sistemas deve ser incentivado, para aprimorar os estudos de mortalidade infantil no país, e por conseguinte, sempre que possível, os dados do Sinasc completarão ou corrigirão os dados do SIM.18,19
Outro aspecto a ser discutido, embora não se possa identificar nos sistemas de informações, é a formação do profissional de saúde responsável pelo preenchimento das DN e DO.28-30 Para a Declaração de Óbito, apenas o médico está autorizado, enquanto para a Declaração de Nascido Vivo outros profissionais podem realizar o preenchimento. Estudos têm demonstrado que os médicos não recebem treinamento suficiente e/ou não se atualizam quanto ao preenchimento adequado da DO.28,30 Os profissionais responsáveis pela DN, geralmente da enfermagem ou do setor administrativo, costumam incorporar essa rotina em sua prática diária, de maneira mais consistente.29 A colaboração entre diferentes profissionais de um mesmo serviço pode melhorar a qualidade desses documentos.30
Também foi descrita uma possível dificuldade dos profissionais de saúde em registrar eventos de cunho negativo;30 todavia, no presente trabalho, tanto variáveis desfavoráveis - filhos mortos - como favoráveis - filhos vivos -, e até variáveis neutras - a exemplo da ocupação materna -, apresentaram problemas de preenchimento. Trata-se de um aspecto relevante, a ser considerado em estudos futuros.
Apesar do tempo de implementação dos sistemas de informações sobre mortalidade e sobre nascidos vivos ser diferente, o que poderia interferir na qualidade da informação e limitar a comparação da completude das variáveis comuns, o Sinasc, desde sua implementação, tem apresentado um melhor preenchimento dos campos de dados quando comparado ao SIM.3,4,12
É oportuno comentar que o estudo de Oliveira et al.,10 sobre a qualidade do Sinasc no período de 2006 a 2010, utilizou uma classificação diferente para completude, considerando o ponto de corte de 90% para definir adequação.10 Porém, a grande maioria dos estudos continua a adotar a classificação e os pontos de corte propostos por Romero & Cunha,7,9,13-17,19 razão por que neste trabalho, optou-se por este escore para facilitar a comparabilidade entre os resultados.
A evolução temporal do preenchimento, tanto do Sinasc como do SIM, apresentou mudanças favoráveis, fortalecendo a utilização dessas bases de dados em estudos epidemiológicos. Contudo, mudanças no formato de algumas variáveis, realizadas em 2011, como ‘duração da gestação’ e ‘número de filhos mortos/perdas fetais’, podem ter repercutido em outras dimensões da qualidade dos dados.
Os resultados apresentados contribuirão para maior visibilidade da qualidade da informação das estatísticas vitais no estado do Rio de Janeiro. Complementarmente, novos estudos deverão explorar a confiabilidade e validade dessas informações, com o objetivo de tornar os sistemas de informações, objeto deste trabalho, ainda mais robustos e confiáveis no uso clínico e na pesquisa. Certamente o trabalho dos comitês de investigação dos óbitos tem sido fundamental na qualificação das informações sobre mortalidade. Como recomendação final dos autores, os esforços e procedimentos voltados à capacitação dos profissionais de saúde - neste caso, o preenchimento adequado dos dados disponíveis no Sinasc e no SIM - não apenas devem ser mantidos como aprimorados, visando à promoção e fortalecimento de sua completude.