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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.28 no.2 Brasília jun. 2019  Epub 29-Jul-2019

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742019000200008 

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas para o controle da esquistossomose mansônica em três municípios hiperendêmicos, Pernambuco, Brasil, 2014*

Evaluación del Programa de Afrontamiento de Enfermedades Desatendidas para el control de la esquistosomiasis mansoni en tres municipios hiperendémicos, Pernambuco, Brasil, 2014

Luciana Santos Dubeux (orcid: 0000-0002-7142-5191)1  , Renata Patrícia Freitas Soares de Jesus (orcid: 0000-0002-7106-2554)1  , Isabella Samico (orcid: 0000-0002-8338-7946)1  , Marina Ferreira de Medeiros Mendes (orcid: 0000-0002-5752-5217)1  , Flávia Silvestre Outtes Wanderley (orcid: 0000-0002-4609-6955)2  , Elaine Tomasi (orcid: 0000-0001-7328-6044)3  , Bruno Pereira Nunes (orcid: 0000-0002-4496-4122)4  , Luiz Augusto Facchini (orcid: 0000-0002-5746-5170)3 

1Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Grupo de Estudos de Gestão e Avaliação em Saúde, Recife, PE, Brasil

2Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde, Recife, PE, Brasil

3Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Medicina Social, Pelotas, RS, Brasil

4Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, Pelotas, RS, Brasil

Resumo

Objetivo:

avaliar a implantação das ações de controle da esquistossomose mansônica do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas em três municípios de Pernambuco, Brasil.

Métodos:

análise de implantação, realizada em 2014, considerando-se os componentes de gestão, vigilância epidemiológica, assistência ao paciente e apoio laboratorial, e educação em saúde; utilizaram-se observação direta e entrevistas com gestores e técnicos dos níveis estadual, regional e municipal.

Resultados:

verificou-se implantação parcial nos municípios A e B 69,7%; 62,2%, enquanto o município C classificou-se como implantado 79,5%; houve fragilidades de contexto relativas à comunicação entre instâncias gestoras, insuficiente autonomia técnico-gerencial dos níveis descentralizados e instabilidade profissional; como potencialidades, identificaram-se educação permanente, articulação política, conhecimento sobre o programa e avaliação de desempenho.

Conclusão:

categorias contextuais relacionadas com o desenvolvimento e implantação destacaram-se pela influência positiva no nível de implantação dos três municípios; recomenda-se intervir nas fragilidades observadas, para garantia da sustentabilidade e institucionalização do programa.

Palavras-chave: Esquistossomose; Vigilância em Saúde Pública; Planos e Programas de Saúde; Avaliação em Saúde

Resumen

Objetivo:

evaluar la implantación de las acciones de control de la esquistosomiasis mansoni del Programa de Afrontamiento de Enfermedades Desatendidas en tres municipios de Pernambuco, Brasil.

Métodos:

análisis de implantación, realizado en 2014, considerando los componentes gestión, vigilancia epidemiológica, asistencia al paciente y apoyo de laboratorio, y educación en salud; se utilizó la observación directa y entrevistas con gestores/técnicos de niveles estadual, regional y municipal.

Resultados:

implantación parcial en los municipios A y B 69,7%; 62,2%, mientras que el C se clasificó como implantado 79,5%; el contexto demostró fragilidades de comunicación entre instancias gestoras, insuficiente autonomía técnico-gerencial de los niveles descentralizados e inestabilidad profesional; como potencialidades, se identificaron educación permanente, articulación política, conocimiento del programa y evaluación de desempeño.

Conclusión:

las categorías contextuales relacionadas al desarrollo e implantación se destacaron por la influencia positiva a nivel de implantación de los tres municipios; se recomienda intervenir sobre las fragilidades observadas, para garantizar la sostenibilidad e institucionalización del programa.

Palabras clave: Esquistosomiasis; Vigilancia en Salud Pública; Planes y Programas de Salud; Evaluación en Salud

Introdução

A esquistossomose é uma doença negligenciada, relacionada com a pobreza. Entre as parasitoses, sua magnitude é maior devido às graves consequências quando manifestada em suas formas clínicas. Nas Américas, é no Brasil onde há maior concentração de casos registrados, distribuídos em 19 estados, e uma estimativa de 2 milhões de pessoas infectadas. Destas, 80% vivem na região Nordeste, com elevada prevalência ao longo da costa litorânea e no trajeto de bacias hidrográficas.1 Diante desse cenário, o Ministério da Saúde tem alertado para a identificação das condições sanitárias favoráveis à contaminação da água doce. O monitoramento dessas condições é importante para embasar as ações de controle e redução da prevalência da infecção, da ocorrência da forma hepatoesplênica e óbitos pela doença.2-5

Em 2016, a esquistossomose ainda foi considerada endêmica em 103 dos 185 municípios pernambucanos, com uma concentração na Zona da Mata Norte e Zona da Mata Sul, e na Região Metropolitana do Recife, capital de Pernambuco. Nessas três regiões, foram identificadas localidades com 10 a 50% de diagnóstico sorológico positivo. De 2008 a 2014, foram registradas 473 hospitalizações pela doença, sendo que, no período de 2009 a 2013, o número médio de óbitos no estado chegou a 171. Estes dados representam as maiores taxas de internações e de mortalidade pela doença entre os estados brasileiros, nos períodos citados.6,7

Sobre as estratégias padronizadas pelo governo brasileiro para o controle da doença, destacam-se: i a definição de caso de esquistossomose; ii a notificação; iii o adequado uso de um sistema informatizado específico e o fluxo de informações que ele favorece; iv a investigação epidemiológica; v o inquérito coproscópico; vi a classificação das áreas de transmissão; vii as ações de educação em saúde e viii o tratamento nas localidades endêmicas, com uso de praziquantel via oral.4

Em 2011, o governo do estado de Pernambuco lançou o Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas SANAR. Naquele momento, sete doenças transmissíveis foram selecionadas e incluídas em agenda internacional, entre elas a esquistossomose. Fundamentalmente, o programa SANAR se destaca das demais ações do Ministério da Saúde em dois eixos: i o fortalecimento das ações de tratamento seletivo, com envolvimento efetivo nas atividades de vigilância, diagnóstico e tratamento dos casos positivos por parte dos profissionais das equipes da Estratégia Saúde da Família, com estímulo à vigilância ativa semanal; e ii a adoção do tratamento coletivo com praziquantel para todos os indivíduos acima de 2 anos de idade, nas localidades com índice de positividade igual ou superior a 10%.8-10

Até o ano de 2014, o enfrentamento à esquistossomose pelo SANAR teve suas ações implantadas em 30 municípios considerados prioritários. No estado pernambucano, houve significativo impacto na morbidade e na mortalidade pela doença no mesmo período: a prevalência da esquistossomose, que em 2010 apresentava uma média de 17% nas localidades hiperendêmicas, caiu para 4,4% em 2014. Em 2010, foram registrados 10.889 casos positivos, representando 6,1% de positividade, e 205 óbitos; em 2014, esses números reduziram-se para 8.713 casos positivos, 3,4% de positividade e 175 óbitos.10

Considerando-se a importância de conhecer os dispositivos criados no âmbito do SANAR e a possibilidade de sua replicação em outros contextos com semelhante situação epidemiológica, este artigo teve como objetivo avaliar a implantação das ações de controle da esquistossomose mansônica pelo programa em três municípios de Pernambuco.

Métodos

Pesquisa avaliativa do tipo de análise de implantação,11 sobre a influência do contexto no grau de implantação das ações de controle da esquistossomose no âmbito do programa SANAR. A estratégia de investigação foi a de um estudo multinível, de casos múltiplos, desenvolvido em 2014.

O estudo foi realizado em três municípios aqui identificados pelas letras A, B e C do estado de Pernambuco, Brasil, enquadrados nos seguintes critérios de inclusão: ter condições socioambientais favoráveis à manutenção da endemia; realizar tratamento coletivo; e apresentar médias de positividade acima de 20%. O município A, localizado na Região Metropolitana do Recife, possui área territorial de 527,107km², densidade demográfica de 152,98 habitantes por km², população estimada de 94.533 hab. e índice de desenvolvimento humano municipal IDHM de 0,619. Os municípios B e C, situados na região da Zona da Mata Sul, apresentam, respectivamente: área territorial de 342,201km² e 160,477km²; densidade demográfica de 183,07 hab./km² e 86,87 hab./km²; população estimada de 68.281 e 15.683 hab.; e IDHM de 0,632 e 0,530.12

A avaliação foi desenvolvida em três etapas, delineadas a seguir:

Etapa 1 - Construção do modelo lógico e da matriz de julgamento das ações de controle da esquistossomose pelo programa SANAR

O modelo lógico foi elaborado para compreensão das correlações entre a estrutura, o processo e os resultados previstos para as ações de controle da esquistossomose, fundamentado em documentos institucionais relativos ao controle da infecção Figura 1. A partir do modelo lógico, construiu-se a matriz de julgamento: i os indicadores de estrutura e processo, ii os parâmetros adotados para o julgamento, iii as fontes de apuração para cada indicador e iv a pontuação para julgamento dos indicadores, cuja definição teve por base documentos institucionais ou disponíveis na literatura. A valoração de cada indicador selecionado considerou seu grau de importância, segundo uma escala de zero a quatro Figura 2. Para ampliação da validade de constructo, o modelo e a matriz foram submetidos à apreciação de especialistas, conforme recomendação de McLaughlin e Jordan.13

Legenda:

SANAR: Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas.

PCE: Programa de Controle da Esquistossomose.

eESF: equipe de Saúde da Família.

SISPCE: Sistema de Informação de Controle da Esquistossomose.

TC: tratamento coletivo.

SMS: Secretaria de Municipal de Saúde.

GERES: Gerências Regionais de Saúde.

Figura 1 - Modelo lógico das ações de controle da esquistossomose do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas, Pernambuco, 2014  

a PE: Pontuação esperada.

Legenda:

PCE: Programa de Controle da Esquistossomose.

SISPCE: Sistema de Informação de Controle da Esquistossomose.

USF: Unidade de Saúde da Família.

eESF: equipe de Saúde da Família.

TC: tratamento coletivo.

TS: tratamento seletivo.

SMS: Secretaria de Municipal de Saúde.

Figura 2 - Matriz de julgamento das ações de controle da esquistossomose do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas, Pernambuco, 2014 

Etapa 2 - Classificação do grau de implantação

Nesta etapa do estudo, os indicadores elencados na matriz foram utilizados na coleta de dados primários, mediante observação sistemática e aplicação de questionário estruturado junto aos coordenadores da Atenção Básica e do Programa de Controle da Esquistossomose PCE, profissionais das equipes de Saúde da Família eESF e agentes de endemias lotados nos três municípios.

Para análise do grau de implantação, utilizou-se um sistema de escores, atribuindo-se pontuações aos indicadores conforme a relação destes com a redução da prevalência da esquistossomose. O desenho desse sistema de contagem baseou-se em um documento de referência: Cadernos de Monitoramento do Programa SANAR - Esquistossomose.14 Logo, as pontuações obtidas foram somadas, divididas pela pontuação esperada e multiplicadas por 100. Essa proporção foi enquadrada em quartis, definindo-se o grau de implantação da seguinte maneira: implantado 75 a 100%; parcialmente implantado 50 a 74,9%; criticamente implantado 25 a 49,9%; e não implantado 0 a 25%.

Etapa 3 - Avaliação do contexto e da influência

Para avaliação do contexto, construiu-se uma matriz de análise, conforme o modelo político-contingente.15 Foram analisados atributos dos contextos político e estrutural, representados neste estudo pelas dimensões ‘Implantação e Desenvolvimento’ conhecimento e prioridade conferida ao programa, ‘Grau de Abertura’ diálogo e corresponsabilidade institucional e ‘Sustentabilidade’ estratégias de manutenção e sustentabilidade. A partir da conceituação dessas dimensões, foram elencadas categorias de análise, utilizadas como fonte de informação para a coleta de dados primários. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas com gestores da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco SES/PE, gestores e técnicos municipais da Atenção Básica e da Vigilância em Saúde; e com gerentes das Regionais de Saúde RS, sendo a RS1 correlacionada ao município A e a RS2 responsável pelos municípios B e C.

As entrevistas semiestruturadas e a apreciação documental foram submetidas a análise de conteúdo;16 e as informações, classificadas em três situações de identificação entre as fontes de evidência adaptadas da classificação de Alves et al., quais sejam:17

  • - convergência positiva C+ das fontes, beneficiando a implantação do programa;

  • - divergências D entre fontes, caracterizando situações de mudanças não consolidadas, embora potencialmente favoráveis à implantação; e

  • - convergência negativa C- entre as fontes, expressando situações desfavoráveis à implantação do programa.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Pelotas CEP/FAMED/UFPel: Parecer nº 772.632, de 30 de agosto de 2014. Previamente às entrevistas, solicitou-se aos sujeitos que assinassem Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo-lhes garantido o direito à não participação e à privacidade de seus dados individuais.

Resultados

A definição do grau de implantação contou com a participação dos três coordenadores municipais da Atenção Básica do Sistema Único de Saúde, três responsáveis pelo PCE, 56 profissionais das eESF e 85 agentes de endemias dos três municípios. Para a avaliação do contexto, foram abordados dois gestores estaduais secretário executivo de Vigilância em Saúde e coordenador do SANAR, dois gerentes das regionais de saúde, três coordenadores municipais da Atenção Básica e três da Vigilância em Saúde. Não houve perda ou recusa em colaborar com o estudo.

Apenas o município C foi classificado como implantado 79,5%. Na dimensão Estrutura, o componente ‘recursos materiais’ obteve melhor nível de implantação, também com destaque para o município C 95,6%. Quanto à dimensão Processo, o município A alcançou 100% de implantação no componente ‘gestão’, e as ações de ‘vigilância epidemiológica’ alcançaram melhores percentuais nos municípios B 75,1% e C 80,4% Tabela 1.

Tabela 1 - Grau de implantação dos componentes de controle da esquistossomose, por dimensão de estrutura e processo, em municípios prioritários do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas, Pernambuco, 2014 

Componentes, por dimensão Grau de implantação GI=%
Municípios
A B C
Estrutura
Recursos humanos 56,4 43,5 79,0
Recursos materiais 87,6 67,4 95,6
GI % 69,7 53,7 86,1
Processo
Gestão 100,0 73,9 73,9
Vigilância epidemiológica 51,0 75,1 80,4
Assistência ao paciente e apoio laboratorial 53,3 68,8 66,6
Educação em saúde 66,5 32,5 33,2
GI % 69,7 70,6 72,8
GI: Estrutura + Processo % 69,7 62,2 79,5

Nota: Classificação do grau de implantação do programa SANAR: implantado = 75 a 100%; parcialmente implantado = 50 < 75%; criticamente implantado = 25 < 50 %; e não implantado = 0 < 25%.

No componente ‘recursos humanos’, enquanto os indicadores relacionados com a existência de profissionais em cargos de gestão Atenção Básica e Vigilância Epidemiológica receberam pontuação máxima, a existência de assessores do PCE e do SANAR atuantes nas ações de controle da esquistossomose obteve pontuação máxima e nula, nos municípios A e B, respectivamente. Quanto aos ‘recursos materiais’, a disponibilidade de veículos e planilhas para ações de controle foi totalmente pontuada apenas no município C, e a disposição de medicação não obteve pontuação máxima no caso do município A. No componente ‘gestão’, apenas o município A obteve pontuação máxima nos indicadores de capacitação profissional. No componente ‘vigilância epidemiológica’, todos os municípios realizavam digitação periódica, apesar de não enviarem documentação após avaliação do tratamento coletivo. Ademais, o município A não realizava inquérito amostral. Já os indicadores de existência de rede de referência para os casos graves componente ‘assistência ao paciente e apoio ambulatorial’ e de atividades educativas voltadas à população mais vulnerável componente ‘educação em saúde’ receberam pontuação parcial nos três municípios Tabela 2.

Tabela 2 - Pontuação obtida e grau de implantação % dos indicadores e componentes, relativos às ações de controle da esquistossomose em municípios prioritários do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas, Pernambuco, 2014 

Indicador PE PO/GI %
Municípios
A B C
Estrutura
Recursos humanos
Existência de responsáveis pela Atenção Básica 3 3 3 3
Existência de responsáveis pela Vigilância Epidemiológica, Vigilância Ambiental e/ou Controle de Endemias 3 3 3 3
Existência de profissionais de laboratório 3 3 3 3
Existência de assessores do PCE e do SANAR atuantes nas ações de controle da esquistossomose 3 3 0 1,5
Existência de digitador do SISPCE 4 4 4 4
Proporção de profissionais de USF de localidades prioritárias para o TC no município capacitados em tratamento coletivo 4 0 0 4
Proporção de profissionais da eESF do município capacitados em tratamento seletivo 4 0 0 4
Proporção de profissionais da eESF do município capacitados em manejo clínico 2 0 0 2
Proporção de profissionais da eESF do município capacitados para a vigilância em saúde 2 0 0 0
Proporção de eESFs do município com equipe completa e em número adequado 2 0 0 0
Existência de arte educadores 2 1,5 0,5 0
Subtotal 32 17,5 13,5 24,5
GI % 56,4 43,5 79,0
Recursos materiais
Disponibilidade de planilhas utilizadas nas ações de controle da esquistossomose 2 1,5 1,5 2
Número de itens do kit de trabalho disponíveis aos profissionais da Atenção Básica 1 0,5 0,5 0,5
Disponibilidade de veículo 2 1,5 1,5 2
Disponibilidade de medicação Prazinquantel 4 2,6 4 4
Disponibilidade de potes coletores 4 4 4 4
Disponibilidade de balança de pé 4 4 2 4
Disponibilidade do material educativo 2 2 2 1,5
Instalações adequadas para leitura e preparação de lâminas 4 4 0 4
Subtotal 23 20,2 15,5 22
GI % 87,6 67,4 95,6
Processo
Recursos materiais
Gestão
Capacitação dos profissionais em TC realizada 4 4 4 4
Capacitação dos profissionais em TS realizada 4 4 4 4
Capacitação dos profissionais em manejo clínico realizada 3 3 1,5 1,5
Capacitação em diagnóstico laboratorial realizada 3,5 3,5 1,75 1,75
Atualização para uso do SISPCE realizada 2,5 2,5 1,25 1,25
Subtotal 17 17 12,5 12,5
GI % 100 74,0 73,9
Vigilância epidemiológica
TC nas áreas hiperendêmicas realizado 4 4 4 4
Proporção de localidades com TC realizado 3 1,5 3 3
Ações do TC acompanhadas 4 4 2,6 4
Envio de documentação oficial ao município após o TC 2 0 2 2
Realiza o inquérito amostral 4 0 4 4
Proporção de localidades que realizaram o inquérito amostral no prazo previsto 4 meses 3 0 0 0
Digitação periódica dos dados no SISPCE 3,5 3,5 3,5 3,5
Envio de documentação oficial ao município após a avaliação do TC 2 0 0 0
Subtotal 25,5 13 19,2 20,5
GI % 51 75,1 80,4
Assistência ao paciente e apoio laboratorial
Acompanhamento das ações do TS 4 2,66 4 2,66
Existência de rede de referência para casos graves de esquistossomose funcionando para o município 3,5 2,3 1,16 2,33
Subtotal 7,5 4,0 5,1 5,0
GI % 53,3 68,8 66,6
Educação em saúde
Apoio às SMS para realização de atividades educativas voltadas à população mais vulnerável 2 0,6 1,3 1,3
Elaboração de material educativo para ações de controle da esquistossomose 2 2 0 0
Subtotal 4 2,66 1,3 1,3
GI % 66,5 32,5 32,5

Legenda:

PCE: Programa de Controle da Esquistossomose.

SISPCE: Sistema de Informação de Controle da Esquistossomose.

USF: Unidade de Saúde da Família.

eESF: equipe de Saúde da Família.

TC: tratamento coletivo.

TS: tratamento seletivo.

SMS: Secretaria Municipal de Saúde.

PO: pontuação obtida.

GI: grau de implantação.

PE: pontuação esperada.

Nota: Classificação do grau de implantação do programa SANAR: implantado = 75 a 100%; parcialmente implantado = 50 < 75%; criticamente implantado = 25 < 50%; e não implantado = 0 < 25%.

Quanto ao contexto político-contingente, na dimensão Implantação e Desenvolvimento, os atores da SES/PE, da RS1 e do município A apresentaram formação profissional em Saúde Pública e tempo de atuação na gestão da Vigilância em Saúde entre um e cinco anos. Entretanto, todos os entrevistados reconheciam a relevância do programa e participavam do monitoramento e da avaliação dos indicadores mediante reuniões periódicas C+. O programa perdia prioridade, diante da carência de profissionais com dedicação exclusiva, do surgimento de surtos e, ao mesmo tempo, escassez de recursos materiais C-. Excepcionalmente, o município A dispunha de um profissional específico para o PCE, visando à ampliação das ações em áreas não endêmicas C+ Figura 3.

Legenda:

CIB: Comissão Intergestores Bipartite.

CES: Conselho Estadual de Saúde.

PES : Plano Estadual de Saúde.

PMS: Plano Municipal de Saúde.

LOA: Lei Orçamentário Anual.

SMS: Secretaria Municipal de Saúde.

SES/PE: Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco.

C+: convergência positiva das fontes de evidência em relação ao critério.

D: divergências das fontes de evidência em relação ao critério.

C-: convergência negativa das fontes de evidência em relação aos critérios.

Figura 3 - Análise do contexto político-contingente do Programa de Controle da Esquistossomose em municípios prioritários do Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas, Pernambuco, 2014 

Quanto à articulação política e ao grau de autonomia técnico-gerencial, a SES/PE considerava respeitar a independência das regionais e municípios e sua participação no planejamento local, na pactuação de metas e indicadores C+. Contudo, os demais níveis viam o programa verticalizado, sem conferir a eles a devida autonomia, considerando-se executores de ações planejadas pelo ente estadual C-. Entretanto, as regionais e os municípios promoviam articulações intermunicipais e intersetoriais educação, infraestrutura, ação social, instituições de ensino e pesquisa, para planejamento conjunto, realização de ações educativas, exames laboratoriais, avaliação e divulgação do programa C+.

O provimento de educação permanente pela SES/PE foi considerado a fortaleza do programa C+. Não havia recursos específicos, porém o financiamento estadual garantia o desenvolvimento dos planos de ação estabelecidos C+. Para os atores regionais e dos municípios A e B, havia carência estrutural, embora os recursos existentes contribuíssem para o desenvolvimento das ações D.

No que se refere à dimensão Grau de Abertura, os entrevistados reconheceram a fragilidade da coordenação da informação entre as instâncias envolvidas C-. A SES/PE estabeleceu um diagnóstico situacional, visando ao planejamento da intervenção a partir de um centro de referência em controle da esquistossomose; e divulgou o programa para outros entes governamentais, lideranças comunitárias e Conselhos de Saúde C+. Esse diálogo não foi vislumbrado pela RS1: esta o percebia apenas como “cobrança” do nível central, e destacava a articulação frágil entre a Vigilância em Saúde e a Atenção Básica nos municípios C-. A RS2 verificava a mesma situação, porém fomentava o diálogo mediante reuniões de planejamento com os municípios D. Os municípios percebiam a comunicação de setores de suas respectivas secretarias municipais de saúde com instituições como as câmaras de vereadores, e com centros de referência, para planejamento, divulgação de ações e realização de exames laboratoriais C+.

A corresponsabilidade no desenvolvimento das ações foi percebida pela SES/PE, mediante parcerias para o desenvolvimento de tecnologias, destacando-se a proposição de medicações para o tratamento da doença em crianças C+. A RS2 verificava a partilha de ações com o nível estadual, enquanto a corresponsabilidade com os municípios se encontrasse em processo de consolidação: nos municípios todavia descomprometidos, o apoiador institucional estadual realizava as ações para garantir a continuidade do trabalho D. Foi identificada corresponsabilidade da diretoria municipal de planejamento do município A com o programa; e entre a Vigilância em Saúde e a Atenção Básica do município C, na capacitação de agentes comunitários de saúde ACS. No compartilhamento de ações com a sociedade, a SES/PE e a RS1 relataram haver diálogo com os Conselhos de Saúde C+; contudo, apenas no município A foi relatada participação das associações de bairro no planejamento de ações e apresentação do programa SANAR à câmara de vereadores C+.

Como ações pela sustentabilidade, observou-se que o programa se encontrava nos organogramas da SES/PE e do município C. Nestes e também no município A, estava prevista dotação orçamentária para o programa nos Planos Estadual e Municipais de Saúde. O SANAR estava igualmente contemplado na Lei Orçamentária Anual, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco C+. A SES/PE ainda previu, como estratégias de manutenção do programa: captação de recursos; articulação com outros setores estaduais; monitoramento e avaliação; e desenvolvimento de estratégias de educação em saúde, diante do desafio das crenças populares existentes. Constatou-se, no município A, a inserção do geoprocessamento para mapeamento das áreas críticas, ademais de parcerias com outras secretarias do município para discussão da situação ambiental local C+.

Não obstante alguns esforços empreendidos em favor da estabilidade, rotatividade e motivação profissional, foram observadas situações desfavoráveis D: rotatividade de alguns profissionais, devido ao deslocamento de técnicos para exercer cargos políticos RS2; e desmotivação, dadas as dificuldades de infraestrutura município C. Especialmente sobre a motivação profissional, no município A, a garantia da equiparação salarial - até então, apenas 30% dispunham de estabilidade trabalhista - provocou ampla rotatividade de profissionais. Já a equipe estadual, a despeito da carência de profissionais, encontrava-se motivada pelo estímulo a sua qualificação, à realização de pesquisa, obtenção de prêmios e divulgação do programa em mídias de grande circulação.

A legitimidade das ações perante a sociedade foi vista como positiva pela gestão estadual, resultado de ações lúdicas realizadas nas localidades-alvo de tratamento coletivo, com adesão dos indivíduos da própria comunidade e de comunidades vizinhas C+. O município C indicou pouca legitimidade: as ações educativas locais não vinham acompanhadas de melhorias no saneamento C-.

Discussão

Evidenciou-se que a gestão estadual aponta para um contexto convergente à implantação do programa SANAR na maioria das categorias analíticas. Os demais atores assinalaram algumas contradições no discurso dos entrevistados na SES/PE, observando-se parcial coerência entre as respostas dos gestores regionais e as dos municípios localizados nas respectivas regiões. Técnicos e gestores entrevistados reconheciam a relevância do programa, suas atividades e prioridades. Outrossim, os resultados observados nos municípios e nas regionais de saúde foram semelhantes aos de estudos realizados tanto em Pernambuco18 como em âmbito nacional,19 no que toca à carência de profissionais capacitados e dedicados à busca pela qualidade da informação, suficiência de insumos e veículos disponíveis. Apesar dos entraves, o investimento estadual em educação continuada foi amplamente verificado, convergindo positivamente para a implantação das ações de formação - e valorização - do profissional de saúde na divisão de responsabilidades da instituição SANAR.19

O investimento financeiro para realização das ações programáticas apresentou contexto favorável, segundo os entrevistados da SES/PE e do município C, refletindo a classificação ‘implantado’ do componente de vigilância epidemiológica nesse município. Nas demais localidades, A e B, a realização parcial de inquéritos amostrais e a ausência do envio da documentação oficial após a avaliação do tratamento coletivo guardam semelhança com achados de outras pesquisas desenvolvidas nos contextos pernambucano20,21 e mineiro.22 Diferentemente, a subnotificação não foi verificada nos três municípios, que realizavam a digitação periódica dos casos no Sistema de Informação do Programa de Controle da Esquistossomose.

O monitoramento das ações apresentou-se como contexto favorável à implantação do programa, resultado também pontuado por outra pesquisa envolvendo dois municípios da Zona da Mata de Pernambuco.20 Tal achado guarda coerência com a prioridade da gestão estadual, que utiliza metodologia participativa nas práticas de monitoramento, envolvendo os atores estaduais e municipais na implementação de Painéis de Monitoramento. A ação reúne potencial para conferir autonomia municipal:

[...] além de subsidiar a tomada de decisão, o monitoramento é entendido enquanto prática reflexiva capaz de promover o aprendizado pessoal e institucional, melhoria contínua dos processos de gestão, maior transparência e responsabilização.23

Apesar disso, alguns gestores regionais e municipais percebiam o monitoramento como “prestação de contas” e possivelmente seja este um dos motivos da incipiente autonomia técnico-gerencial por eles relatada.

Entretanto, configura-se a existência de alguma autonomia, na medida em que os gestores municipais dialogam com outros setores, aspecto favorável à implantação do programa. Essa articulação intersetorial ganha destaque, dado o potencial de influência positiva da diversidade de abordagens sobre os determinantes sociais da doença. Nesse sentido, merece destaque uma pesquisa publicada em 2015,24 realizada em áreas hiperendêmicas eleitas pelo SANAR - incluindo áreas dos municípios abordados neste estudo -, em que se observou a existência parcial ou nula de água encanada, instalação sanitária, fossa séptica e coleta de tratamento de esgoto. Tal realidade poderia ser diferente, caso houvesse uma articulação intersetorial mais consolidada.19

A interação com instituições de pesquisa, desenvolvida principalmente pela SES/PE e pelo município A, foi alvo de consultoria realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em parceria com a Fundação Instituto Oswaldo Cruz, e que contou com incentivos de órgãos de fomento à realização de estudos sobre as doenças negligenciadas; além de expedições para educação continuada realizadas, entre outros estados, em Pernambuco.25

Já a comunicação intrassetorial entre a Vigilância em Saúde e a Atenção Básica foi vista como um contexto desfavorável, assemelhando-se aos achados de Albuquerque, Mota e Felisberto.18 Associa-se a esse fato a incipiente organização da rede de referência, assim vista pelos três municípios. O planejamento de hospitais de urgência para assistência aos casos graves, acessíveis às áreas endêmicas, favoreceria a integralidade assistencial sem afetar a continuidade de políticas de saúde mais amplas, como o SANAR.26

Lideranças comunitárias devem ter sua participação política garantida nos Conselhos Municipais de Saúde, no planejamento de ações de controle e conscientização sobre o impacto da doença.22 Entretanto, o controle social foi visto de forma tímida na maioria das instâncias abordadas pelo estudo, corroborando, ainda que parcialmente, os achados de Westphal et al.27 quando estes observaram a participação da sociedade na pactuação de agendas de promoção da saúde na região Sudeste do país - apesar de as decisões serem centralizadas pelo poder público. Igualmente relacionadas com a participação comunitária, além de contribuírem para a sustentabilidade do programa devido ao potencial de agregar legitimidade, as ações educativas foram avaliadas pelos três municípios como insatisfatórias. Reforça-se, mais uma vez, a fragilidade da educação em saúde direcionada à esquistossomose, haja vista os erros de grafia, inadequações de nomenclaturas, ilustrações e recomendações, além de incorreções na descrição do ciclo da doença pela maioria dos materiais educativos avaliados por Massara et al.,28 destinados à abordagem de um doença definida pelos mesmos autores como ‘silenciosa e desprezada’.

A avaliação da sustentabilidade apresentou situações convergentes à implantação da intervenção, principalmente nos contextos observados pela SES/PE e pelo município C. Entretanto, a insuficiência e a rotatividade de profissionais foram relevantes enquanto dificuldades nesse sentido. Quanto à rotatividade, Stancato e Zilli29 avaliam a questão como reflexo das condições insatisfatórias de trabalho, da insegurança física, social e emocional, e da desmotivação do profissional. No presente estudo, também houve menção às condições físicas inadequadas; porém, os técnicos e gestores mostraram-se motivados para atuar nas ações de controle da esquistossomose previstas no programa SANAR.

Ressalta-se que esta avaliação é passível de replicação em outros cenários, ademais de poder-se adaptar às doenças negligenciadas em geral: seu delineamento mostra-se adequado à estrutura e composição do Programa de Controle da Esquistossomose PCE como também às diretrizes gerais para controle das demais doenças previstas no Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas - SANAR.

Por fim, cabem considerações sobre alguns discursos contraditórios entre os informantes dos diversos níveis de gestão. Além disso, embora o enfoque do artigo tenha se limitado ao ano de 2014 como período de estudo, pesquisas avaliativas de corte transversal podem sofrer a influência do desempenho do programa em anos anteriores.

É evidente que o estudo trouxe informações explicativas sobre as fragilidades e fortalezas das ações de controle da esquistossomose. Dado o reconhecido pioneirismo de o SANAR no Brasil, chama a atenção a possibilidade do presente estudo contribuir para a instituição de políticas públicas brasileiras sustentáveis de enfrentamento das doenças negligenciadas, sobretudo nos serviços de saúde em âmbito municipal.

Referências

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*O estudo contou com apoio financeiro do Convênio nº 781259/2012, firmado entre a Universidade Federal de Pelotas e o Ministério da Saúde

Recebido: 15 de Maio de 2018; Aceito: 17 de Fevereiro de 2019

Endereço para correspondência: Luciana Santos Dubeux - Rua Samuel Campelo, no 380, Apto. 601, Recife, PE, Brasil. CEP: 52050-042 E-mail: lucianadubeux@imip.org.br

Contribuição dos autores

Dubeux LS, Jesus RPFS, Samico I, Mendes MFM, Wanderley FSO, Tomasi E, Nunes BP e Facchini LA participaram da concepção do trabalho, análise e interpretação dos dados, revisão crítica de importante conteúdo intelectual e redação final do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e se declaram responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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