Introdução
A mortalidade infantil representa a condição de vida e saúde de uma determinada população.1 Segundo estimativas do Ministério da Saúde,2 em 2000, o coeficiente de mortalidade infantil (CMI) no país era de 26,1/mil nascidos vivos, que foi reduzido para 12,4/mil nascidos vivos em 2015. No Espírito Santo, evidenciou-se um CMI de 18,1/mil nascidos vivos em 2000, enquanto, em 2015, o CMI passou a ser o menor do Brasil, com 9,2 óbitos/mil nascidos vivos.3
Esse expressivo declínio da mortalidade infantil deveu-se, principalmente, às melhorias nas condições de vida da população, incluindo-se a expansão da rede de abastecimento de água, o aumento da escolaridade e a redução da fecundidade, além da adoção de políticas públicas direcionadas às ações específicas, como campanhas de vacinação, programas de aleitamento materno, a introdução da vacina contra rotavírus e a terapia de reidratação oral na atenção básica.4
Entretanto, apesar do declínio considerável ao longo dos anos, em 2016, o Brasil apresentou um aumento no CMI pela primeira vez desde 1990.2 Isto sugere que os óbitos infantis persistem elevados e a maioria pode ser considerada evitável em virtude do avanço tecnológico e dos conhecimentos existentes, os quais permitem intervenções eficazes para combater suas causas.5 Nesse sentido, a partir de 1950, alguns sistemas de classificação do óbito infantil foram propostos para que se pudessem refletir sobre as possíveis causas da mortalidade infantil no âmbito internacional, tais como os métodos Taucher,6 Wigglesworth7,8 e International Colaborative Effort (ICE) on Infant Mortality.9 No âmbito nacional, foram propostas as seguintes classificações: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade)10 e Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil.11
Essas classificações de evitabilidade têm como objetivo a redução das mortes e uma avaliação fidedigna da efetividade dos serviços de assistência à gestante e ao recém-nascido, mesmo diante dos seus diferentes critérios para classificar os óbitos em evitáveis e não evitáveis.12 Contudo, a seleção de uma classificação depara-se com as informações limitadas da declaração de óbito,13 o que, por sua vez, é um fator complicador.
Desse modo, para discernir acerca da evitabilidade dessas mortes, é imprescindível investigar as causas, o que é atribuição dos profissionais que integram a vigilância de óbitos no município de residência da mãe. Ao final da investigação da causa do óbito, a equipe de vigilância deve fomentar discussões com os demais profissionais envolvidos na assistência à criança, com o intuito de analisar o caso e concluir sobre a evitabilidade do óbito para, assim, se prevenirem futuras mortes por causas similares.14 Além disso, os comitês de prevenção do óbito infantil e fetal representam uma estratégia de melhoria da assistência de saúde, para a redução das mortes evitáveis, bem como de melhoria dos registros sobre a mortalidade.14
Apesar dos esforços direcionados à prevenção do óbito infantil, verifica-se a necessidade de analisar a distribuição geográfica desse fenômeno, dada a sua vinculação com as desigualdades territoriais. Ademais, a análise espacial tem sido um método importante nos estudos epidemiológicos em saúde, por permitir evidenciar as áreas de maior risco para a ocorrência de doenças e óbitos.15,16
Diante disso, o objetivo deste estudo foi analisar a distribuição espacial dos óbitos infantis evitáveis, de 2006 a 2013, no Espírito Santo, Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico dos óbitos infantis ocorridos no Espírito Santo, de 2006 a 2013, segundo o município de residência da mãe. O Espírito Santo é constituído por 78 municípios em uma área equivalente a 46.096,925 km², sendo o município de Vitória sua capital. Em 2010, o estado, que possuía 3.514.952 habitantes, apresentava produto interno bruto (PIB) per capita de 0,558 e índice de Gini de 0,4928.3
Para realização deste estudo, foi selecionado o período de 2006 a 2013, devido à disponibilidade dos dados e, portanto, foram incluídos todos os óbitos em menores de 1 ano notificados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Foram excluídos aqueles óbitos ocorridos no período gestacional abaixo de 22 semanas e com peso inferior a 500 gramas. Ademais, foi utilizado o banco de dados do SIM fornecido pela Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (SESA-ES) para extração da causa básica dos óbitos, das variáveis de interesse, e para o cálculo das taxas de óbitos. Também se utilizou o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) para o cálculo das taxas de óbitos evitáveis.
Inicialmente, as causas básicas dos óbitos, codificadas conforme a 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10), foram classificadas em evitáveis e não evitáveis, de acordo com o método de evitabilidade ICE,9 dado que este apresentou maior capacidade de discriminar as causas dos óbitos em evitáveis e não evitáveis.12 Nesse método foram propostos oito grupamentos de causas de óbitos infantis evitáveis, a saber: congênita; asfixia; imaturidade; infecção; morte súbita infantil (sudden infant death syndrome - SIDS); causas externas; condições específicas; e demais causas.9 Diante disso, todas as causas dos óbitos infantis foram classificadas em evitáveis e não evitáveis, segundo esses grupos. Mais informações sobre o ICE podem ser encontradas em publicação prévia.12
Após a classificação dos óbitos infantis em evitáveis e não evitáveis, foram estimadas as frequências absolutas e relativas para as seguintes variáveis de interesse: ano de ocorrência do óbito infantil; tipo do óbito (neonatal ou pós-neonatal); sexo da criança; raça/cor da pele (branca, preta, parda, amarela, indígena); tipo de parto (vaginal, cesáreo); peso da criança ao nascer (500-2.499g, 2.500-2.999g, 3.000-3.999g, ≥4.000g); e município de moradia da mãe.
Sequencialmente, as taxas de óbitos evitáveis foram calculadas somando-se os óbitos evitáveis ocorridos ao longo dos anos por município, divididos pela soma dos nascidos vivos por município e no mesmo período, multiplicados por 1.000.
Para análise dos dados espaciais, foram aplicados os estimadores bayesianos globais e locais, com o objetivo de corrigir as taxas dos óbitos infantis evitáveis. Esses métodos são conhecidos como métodos de suavização espacial, uma vez que são úteis para evitar as flutuações aleatórias que podem resultar em interpretações espúrias. Portanto, a comparação das taxas entre os municípios por meio destes dois métodos foi importante para entender o comportamento das taxas de óbitos evitáveis. Enquanto o Estimador Bayesiano Empírico Global (GEBayes) busca uma aproximação da taxa média do conjunto dos municípios, o Estimador Bayesiano Empírico Local (LEBayes) trabalha com a média de incidência encontrada na vizinhança do município, dado que regiões vizinhas tendem a apresentar taxas mais similares do que regiões distantes.17
Desse modo, o estimador local de Bayes empírico é uma taxa ajustada como:
Na equação, wi é o peso entre 0 e 1, que depende do tamanho da população na área i, ti é a taxa de risco na área e m é a taxa global para o estado do Espírito Santo. Quanto maior a população na área i, mais perto é wi, o que significa que, em áreas onde a população é maior, a estimativa empírica de Bayes é muito próxima de ti. Em áreas com uma pequena população, o valor de bi será intermediário entre ti e m.17
O Índice de Moran Local também foi calculado para verificar se a distribuição das taxas de óbitos infantis evitáveis no espaço ocorre de forma aleatória ou segue algum padrão de ocorrência. Para isso, considerou-se o nível de significância de 5%, quando havia delimitação de áreas em que existiam estruturas espaciais locais a influenciar nessas taxas.18
O resultado deste índice varia de -1 a +1, ou seja, os valores positivos indicam uma dependência espacial, enquanto os valores negativos apontam para uma correlação inversa. Ademais, quando o valor está próximo de 0 indica uma falta de correlação espacial nos dados.18
Os cálculos de evitabilidade dos óbitos infantis foram processados pelo software Microsoft Excel, versão 2010. Para o georreferenciamento das informações e a realização da análise espacial, utilizou-se o sistema de referência SIRGAS 2000, elipsoide GRS80, sistema de projeção de coordenadas geográficas, além da malha digital do estado do Espírito Santo do ano 2010, disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todas as análises foram realizadas utilizando-se o software TerraView, versão 4.2.2.
O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), sendo aprovado em 25/03/2015, sob o parecer no 999.562. Além disso, foi obtida a autorização formal da SESA-ES para utilização dos dados, mediante o sigilo das informações dos sujeitos listados no banco de dados.
Resultados
No período de 2006 a 2013, ocorreram 5.089 óbitos em crianças menores de 1 ano; destes, foram classificados 4.805 óbitos, conforme o método ICE, em evitáveis (77,2%) e não evitáveis (22,8%). Entre os óbitos evitáveis, observou-se uma redução de 28,7% entre os anos de 2006 e 2007 para 22,9% entre 2012 e 2013 (Tabela 1).
Variáveis | Não evitável n (%) | Evitável n (%) | Amostrab n (%) |
---|---|---|---|
Ano do óbito | |||
2006-2007 | 307 (28,0) | 1.066 (28,7) | 1.373 (28,6) |
2008-2009 | 290 (26,5) | 949 (25,6) | 1.239 (25,8) |
2010-2011 | 290 (26,5) | 844 (22,7) | 1.134 (23,6) |
2012-2013 | 208 (19,0) | 851 (22,9) | 1.059 (22,0) |
Tipo de óbito | |||
Neonatal | 831 (75,9) | 2.587 (69,7) | 3.418 (71,1) |
Pós-neonatal | 264 (24,1) | 1.123 (30,3) | 1.387 (28,9) |
Sexo | |||
Masculino | 574 (53,3) | 2.093 (57,0) | 2.667 (56,2) |
Feminino | 503 (46,7) | 1.578 (43,0) | 2.081 (43,8) |
Raça/cor da pele | |||
Branca | 382 (43,2) | 1.271 (43,0) | 1.653 (43,1) |
Preta | 25 (2,8) | 97 (3,3) | 122 (3,2) |
Parda | 467 (53,8) | 1.578 (53,5) | 2.045 (53,3) |
Amarela | 4 (0,4) | 0 (0,0) | 4 (0,1) |
Indígena | 6 (0,7) | 5 (0,2) | 11 (0,3) |
Tipo de parto | |||
Vaginal | 389 (42,9) | 1.469 (47,4) | 1.858 (46,4) |
Cesáreo | 518 (57,1) | 1.627 (52,6) | 2.145 (53,6) |
Faixas de peso | |||
< 2.500g | 615 (69,3) | 1.925 (63,8) | 2.540 (65,0) |
2.500-2.999g | 128 (14,4) | 381 (12,6) | 509 (13,0) |
3.000-3.999g | 129 (14,5) | 628 (20,8) | 757 (19,5) |
≥ 4.000g | 16 (1,8) | 83 (2,8) | 99 (2,5) |
a) Conforme classificação pelo método International Colaborative Effort (ICE).
b) Diferenças no total da amostra devido a missing data.
A distribuição dos óbitos infantis evitáveis ocorreu com maior frequência no período neonatal (69,7%). Em relação às características individuais, evidenciou-se um predomínio do sexo masculino (57%) e da raça/cor da pele parda (53,6%). Quanto ao tipo de parto mais frequente entre essas mortes, destacou-se o parto cesáreo (52,6%), e a maioria dos óbitos ocorreu na faixa de peso abaixo de 2.500gramas (63,8%) (Tabela 1).
Considerando-se as taxas de evitabilidade do óbito infantil, evidencia-se que, dentre os 78 municípios do Espírito Santo, João Neiva apresentou a menor taxa (4,40 mortes evitáveis/mil nascidos vivos), enquanto Jerônimo Monteiro apresentou a maior taxa (20,10 mortes evitáveis/mil nascidos vivos).
A média bruta das taxas de óbitos evitáveis foi de 9,68/mil nascidos vivos, contudo, verificou-se uma redução da taxa para 8,96/mil nascidos vivos, quando corrigida pelos métodos de suavização (Tabela 2).
Taxa brutaa | LEBayesb | GEBayesc | |
---|---|---|---|
Média | 9,68 | 9,52 | 8,96 |
Mediana | 8,94 | 9,36 | 8,90 |
Desvio-padrão | 2,63 | 1,20 | 0,44 |
Mínimo | 4,43 | 7,04 | 7,98 |
Máximo | 20,10 | 12,27 | 10,16 |
a) Taxa bruta dos óbitos infantis evitáveis/mil nascidos vivos.
b) LEBayes: Estimador Bayesiano Empírico Local - média de incidência encontrada na vizinhança do município, utilizando-se um efeito espacial.
c) GEBayes: Estimador Bayesiano Empírico Global - média ponderada entre a taxa bruta da localidade e a taxa global da região.
Entre os 78 municípios que constituem o Espírito Santo, observou-se que 19 apresentaram taxa menor que 8 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos. Em contrapartida, 21 municípios apresentaram taxas brutas entre 11,00 e 20,10 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos (Figura 1A).
Legenda:
A = Taxa bruta de mortes evitáveis.
B = Estimador Bayesiano Empírico Local (LEBayes).
C = Estimador Bayesiano Empírico global (GEBayes).
A partir do cálculo do LEBayes, evidenciou-se uma suavização das taxas brutas, indicando uma suavização no efeito das flutuações aleatórias. Dos municípios que anteriormente apresentaram taxas entre 11,00 e 20,10 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos, somente nove deles mantiveram taxas nesse intervalo (Figura 1B). Observa-se, também, que o GEBayes seguiu o mesmo padrão, porém reduzindo ainda mais o efeito de flutuações aleatórias. Nesse sentindo, nota-se que nenhum município permaneceu com taxas entre 11,00 a 20,10 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos (Figura 1C).
A Figura 2 apresenta os gráficos de dispersão referentes aos métodos de suavização espacial. Observam-se valores discrepantes entre as taxas de óbitos evitáveis em alguns municípios. De acordo com LEBayes, os municípios de João Neiva, Vila Pavão e Dores do Rio Preto tiveram as suas taxas suavizadas. Em contrapartida, tanto para o LEBayes quanto para o GEBayes, os municípios de Atílio Vivacqua e Jerônimo Monteiro tiveram aumento de suas taxas. Em ambas as figuras, evidencia-se uma dispersão dos municípios em relação à linha de regressão.
Além disso, a autocorrelação espacial calculada pelo Índice de Moran Local (LISA) foi de 0,197 (p = 0,02), indicando assim a existência de correlação espacial significativa entre os óbitos evitáveis, todavia, uma correlação fraca para o Espírito Santo. Contudo, esse método evidenciou geograficamente um conglomerado de municípios na região mais central do estado, incluindo os municípios de Aracruz, Ibiraçu, Santa Teresa, com nível de significância menor que 0,10%; em São Roque do Canaã, Santa Leopoldina e Afonso Claudio, o nível de significância foi menor que 5% na correlação espacial. Outro conglomerado de municípios destacou-se no Sul do estado, envolvendo os municípios de Mimoso do Sul, Muqui e Cachoeiro do Itapemirim (p<0,001) e Alegre (p< 0,05).
Discussão
As análises da distribuição espacial dos óbitos infantis evitáveis ocorridos no Espírito Santo, de 2006 a 2013, evidenciaram que a maioria dos municípios do estado (75%) apresentou taxas de óbitos infantis evitáveis inferiores a 12/mil nascidos vivos. A distribuição dessas taxas em nível local predominou no Sul do estado, o que ocorreu de modo semelhante para a distribuição global, porém com menor intensidade no espaço geográfico.
Estudos conduzidos no Sul19 e no Nordeste20 do Brasil também revelaram altos percentuais desses óbitos infantis - 76,4% e 76%, respectivamente. Isso reforça o quanto os óbitos evitáveis ainda persistem elevados no Brasil, porém, distribuindo-se diferentemente de acordo com a região do país.
É importante ressaltar que os óbitos infantis evitáveis resultam de falhas nos serviços ou na atenção à saúde, e podem ser entendidos como eventos que não deveriam ocorrer, em virtude das tecnologias disponíveis para o cuidado em saúde. Desse modo, são denominados eventos sentinelas, uma vez que são importantes para se avaliar a qualidade da assistência materno-infantil.5
Inicialmente, o presente estudo evidenciou um coeficiente médio bruto de 9,68 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos, contudo, após os métodos de suavização (GEBayes) esse coeficiente passou para 8,96 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos, variando entre 7,98/mil nascidos vivos a 10,16/mil nascidos vivos, no período analisado. Para o Brasil, Boing e Boing21 encontraram uma média de 11,28 óbitos evitáveis/mil nascidos vivos. Já, Nascimento et al.20 identificaram um coeficiente médio de 10,30/mil nascidos vivos, porém direcionado para a mortalidade neonatal evitável.
Destaca-se que a suavização dos coeficientes aplicada a este estudo viabilizou a elaboração de mapas mais fidedignos, uma vez que se trata de um processo que reduz a influência da flutuação aleatória das medidas22 e permite melhor estimação dos coeficientes de mortes infantis evitáveis, e, consequentemente, a identificação de áreas de alto risco para ocorrência dessas mortes.
Nesse sentido, o mapeamento dos óbitos infantis evitáveis mostrou que as áreas mais distantes do centro urbano da cidade e com maior carência de serviços apresentaram as maiores taxas de mortalidade evitável, o que indicaria, possivelmente, uma desigualdade na oferta e investimentos nos serviços de saúde. Almeida e Szwarcwald,23 ao analisarem o acesso geográfico ao parto nos municípios brasileiros, identificaram que, quanto maior o deslocamento geográfico para a internação para o parto, maiores os coeficientes de mortalidade infantil.
Apesar da expansão da atenção básica e do aumento da cobertura do pré-natal em áreas remotas, esse fenômeno sugere uma distribuição desigual dos serviços de saúde no Espírito Santo, mesmo que essa desigualdade geográfica não seja extremamente discrepante. Portanto, a distância dessas áreas em relação aos serviços de saúde, que estão concentrados na Região Metropolitana da Grande Vitória, especialmente os de alta complexidade, aponta para possíveis carências de serviços especializados no atendimento imediato ao recém-nascido, o que constitui num elemento fundamental na sobrevida das crianças menores de 1 ano. Esse fato corrobora estudos anteriores conduzidos em outros estados brasileiros, os quais apontaram essa desigualdade intrarregional evidenciada pelo grande fluxo de gestantes em direção aos municípios localizados em zonas urbanas com melhores graus de desenvolvimento socioeconômico.24,25,26
Este cenário é preocupante, uma vez que, no Brasil, há uma grande proporção de estabelecimentos sem os equipamentos mínimos necessários para o atendimento de emergência à mulher e ao recém-nascido, e sem profissionais especializados,24 o que pode aumentar ainda mais as taxas de óbito infantil. Estudo realizado no Espírito Santo acerca das classificações de evitabilidade dos óbitos verificou que grande parte dos óbitos infantis evitáveis ocorreu por causas relacionadas à imaturidade,12 o que pode estar relacionado às falhas no manejo obstétrico e/ou deficiências no atendimento ao recém-nascido em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais do estado.
As taxas de óbitos evitáveis persistem elevadas em todo o Brasil, o que também pode estar relacionado às altas frequências de óbitos neonatais evitáveis, que por sua vez são responsáveis pela permanência dos altos coeficientes de mortalidade infantil, dada a sua vinculação com as condições do período gestacional e do parto.
Apesar dos limites inerentes ao estudo, sobretudo aqueles relacionados ao detalhamento das causas de óbito, os resultados aqui apresentados sublinham que os óbitos por causas evitáveis estão ocorrendo, principalmente, pela baixa qualidade na assistência ofertada à mulher e à criança durante o pré-natal, parto, nascimento e puerpério, uma vez que a classificação ICE leva em consideração as causas de morte advindas desses períodos.12
Este estudo também identificou uma correlação espacial significativa entre os óbitos evitáveis, todavia, uma correlação fraca em contexto estadual. Isso indica que as regiões vizinhas tendem a manifestar taxas mais similares em relação às áreas mais distantes, e também compartilhar de características demográficas e socioeconômicas semelhantes.27 Sabe-se que a mortalidade infantil está aliada às desigualdades sociais, portanto as populações mais vulneráveis apresentam maior dificuldade no acesso aos serviços de saúde.
A influência das características sociais e organizacionais do contexto determina a ocorrência dos óbitos infantis evitáveis. Lapa et al.,28 ao analisarem a distribuição espacial da mortalidade infantil no Espírito Santo, observaram que a condição socioeconômica e o esgotamento sanitário constituem fatores inerentes ao risco de morrer. Desse modo, a mortalidade infantil está fortemente aliada às desigualdades sociais, ou seja, as populações mais vulneráveis apresentam maior dificuldade no acesso aos serviços de saúde.1,21,25,29 Porém, quando se analisam as taxas de óbitos evitáveis, há um refinamento metodológico, indicando-se apenas os óbitos passíveis de intervenção.
A fim de se compreenderem os padrões de mortalidade e a sua distribuição no tempo e no espaço, os sistemas de informações geográficas e a localização espacial vêm se tornando ferramentas fundamentais na saúde pública, especialmente na representação espacial dos eventos.30 Nesse sentido, os achados do presente estudo revelam que a incorporação dos métodos de análise espacial permite a detecção de áreas em situações de risco, assegurando o redirecionamento de políticas públicas e intervenções dirigidas a grupos populacionais prioritários.
Ressalta-se que o estudo também apresenta limitações, visto que a fonte de dados dispõe de falhas no preenchimento das declarações de óbitos, o que pode comprometer os resultados das análises em nível local. Todavia, isso não anula os resultados alcançados, levando-se em conta a dimensão da amostra utilizada no periodo do estudo. Ademais, o período de tempo selecionado (oito anos) foi suficiente para a análise a que essa investigação se propôs, visto que o óbito infantil em pequenas populações - a exemplo do que acontece nos municípios do Espírito Santo - é um evento que ocorre em pequenas proporções e, portanto, pode gerar grande variabilidade, quando as taxas são calculadas.17,18
Em conclusão, foram evidenciadas diferenças nas taxas de óbitos infantis evitáveis entre os municípios do Espírito Santo, o que aponta para a necessidade de se desenvolver um monitoramento adequado nas áreas com maior risco de morte, além de se aperfeiçoar a integração das ações desenvolvidas pela atenção básica e o modelo de assistência materno-infantil do sistema municipal. Ademais, este estudo leva a refletir acerca da necessidade de melhorar as condições de vida da população, dado que os fatores socioeconômicos são determinantes para a ocorrência de óbitos infantis por causas evitáveis.