Introdução
No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) organiza a política nacional de vacinação da população brasileira. Sua principal missão resume-se ao controle e erradicação de doenças imunopreveníveis. Na esfera federal, o PNI está sob responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, atuando junto às secretarias de estado e municipais de saúde.1
O avanço do programa trouxe benefícios incontestáveis, não obstante ainda conviver com problemas como perdas de vacinas, sejam essas perdas técnicas e/ou físicas.2 Algum nível de perda é inevitável,3 há perdas aceitáveis e justificadas.2 A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em cerca de 50% as perdas de vacinas em todo o mundo,4 e recomenda taxas máximas de 25% e 5% para vacinas multidoses e monodose respectivamente.5
A OMS define perdas de vacina por uso, deterioração, erosão, vazamento ou desperdício.6 A perda física é entendida como perda em frascos fechados, e as perdas técnicas, como doses de frascos abertos não aplicadas.7 As perdas de doses em frascos abertos podem-se dever a: (i) doses descartadas no final da sessão de vacinação; (ii) rótulo da vacina sem identificação do número de doses; (iii) práticas precárias de reconstituição da vacina; (iv) submersão do frasco aberto na água do degelo; (v) suspeita de contaminação; e (vi) práticas inadequadas de administração de vacinas. Já o desperdício em frascos fechados pode ocorrer por: (i) vacina exposta ao calor; (ii) vacina exposta ao congelamento; (iii) inventário ausente; (iv) quebra; (e) roubo; e (v) prazo de validade expirado.7-9
O acompanhamento das perdas de vacinas é importante para gerenciar de forma adequada os programas de imunizações,1 visando diminuir essas perdas e otimizar o planejamento de aquisição e distribuição dos imunobiológicos.
O monitoramento das perdas de vacinas inexiste em vários países. Segundo um estudo de 2010, dos 72 países elegíveis da Aliança Global para Vacinas e Imunizações (GAVI), apenas 19 tinham informações sobre taxas de perdas.10
No Brasil, esse monitoramento é possível no âmbito municipal, por meio do módulo Apuração dos Imunobiológicos Utilizados e Perdas (AIU) do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), que contém informações de perdas técnicas, perdas físicas e por outros motivos.1
O objetivo deste estudo foi estimar as taxas de utilização e de perda de doses de vacinas na Região Metropolitana de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período de 2015 a 2017.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo, baseado em dados secundários, sobre o triênio de 2015 a 2017. Foram considerados os 34 municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), a área mais densamente povoada do Rio Grande do Sul, onde se concentram mais de 4 milhões de habitantes, 37,7% da população total do estado.12
O Brasil dispõe de um programa de imunizações apto a disponibilizar, de forma gratuita e universal, um grande número de vacinas que diferem em sua composição, via de aplicação, frasco de apresentação/quantidade de doses, bem como nos diferentes tempos de uso após abertura do frasco (Figura 1). Considerando-se a necessidade de identificação e de apresentação/quantidade de doses, doses distribuídas, aplicadas e perdidas, foi necessário coletar dados de dois bancos de informações diferentes, acessados a partir de sistemas oficiais do Ministério da Saúde. O substrato de pesquisa constituiu-se de relatórios gerenciais de estoques do Sistema de Informações de Insumos Estratégicos de Saúde (SIES) e dados do SI-PNI.
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação, 2014.
Nota: Monodose corresponde a uma dose.
O SI-PNI acompanha os registros de cobertura vacinal, agregando-os por faixa etária, período e área geográfica determinados. Trata-se de um sistema de informações nominal, com entrada de dados individual e por procedência, que permite o acompanhamento do vacinado em vários lugares do Brasil, bem como a localização da pessoa a ser vacinada mediante seus dados cadastrais.1,13 O SIES, por sua vez, é um sistema logístico que atende às três esferas governamentais, focado no controle de estoque e emissão de relatórios gerenciais.
Para a coleta de dados deste estudo, realizada em março de 2018, foi criada uma planilha no software Microsoft Excel®, com as informações dos dois sistemas, SIES e SI-PNI. O banco de dados foi composto por diferentes abas, cada uma correspondendo a um dos 11 imunobiológicos específicos: (i) vacina do bacilo de Calmette-Guérin (BCG); (ii) vacina contra hepatite B (recombinante); (iii) vacina contra febre amarela (atenuada); (iv) vacina adsorvida contra difteria e tétano/adulto(dT); (v) vacina adsorvida contra difteria, tétano e pertússis (DTP); (vi) vacina contra influenza tetravalente (fragmentada, inativada); (vii) vacina adsorvida contra difteria, tétano, pertússis, hepatite B (recombinante) e Haemophilus influenzae B (conjugada); (viii) vacina adsorvida contra hepatite A (inativada); (ix) vacina contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela (atenuada); (x) vacina adsorvida contra difteria, tétano e pertússis (acelular)/adulto (dTpa); e (xi) vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (atenuada).
Algumas vacinas, dada sua familiaridade entre os profissionais de saúde e população geral, recebem uma denominação popular, como é exemplo a vacina adsorvida contra difteria, tétano, pertússis, hepatite B e Haemophilus influenzae B, vulgarmente conhecida como pentavalente, a vacina contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela, conhecida também como tetraviral, e a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola, esta denominada tríplice viral.
Cada aba da planilha, correspondente a um imunobiológico específico, contemplou as seguintes variáveis: (i) município; (ii) ano de referência; (iii) doses no início do período selecionado; (iv) valor das doses no início do período; (v) doses recebidas no período; (vi) valor das doses recebidas no período; (vii) saídas de doses no período; (viii) valor das doses saídas no período; (ix) estoque final de doses no período; (x) valor do estoque final de doses no período; e (xi) doses aplicadas no período.
Os softwares adotados no tratamento dos dados foram o Microsoft Excel® e o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®). Quanto aos procedimentos estatísticos, todos os intervalos de confiança foram de 95% (IC95%). Para cálculo da taxa de utilização e da taxa de perda, as fórmulas utilizadas basearam-se nas orientações da OMS:5
Taxa de utilização (TU)
Onde
A: nº de doses administradas
B: nº de doses utilizáveis no início do período
C: nº de doses utilizáveis recebidas durante o período
D: nº de doses utilizáveis em estoque no final do período
Taxa de perdas (TP)
Onde
A: nº de doses utilizáveis no início do período
B: nº de doses utilizáveis recebidas durante o período
C: nº de doses utilizáveis em estoque no final do período
D: nº de doses administradas
Foram calculadas as taxas de utilização e de perda das vacinas segundo a apresentação dos frascos, além da comparação entre o total de doses aplicadas e as perdas estimadas e aceitáveis, conforme parâmetros da OMS.5 Para análise, foram consolidados, em um arquivo principal, 12.342 registros (11 variáveis vezes 34 municípios vezes 3 anos vezes 11 tipos de vacinas), sendo calculada a taxa de utilização e a taxa de perda de doses de vacinas de frasco monodose (hepatite A, pentavalente e tetraviral), frasco multidoses (BCG, dT, DPT, febre amarela e hepatite B) e frasco em ambas as apresentações (tríplice viral). Do total de registros, 2.244 (18,2%), referentes às vacinas contra influenza e dTpa, foram excluídos da análise por inconsistência de informações em mais de 25% dos dados.
Quanto aos aspectos éticos, o estudo baseou-se em relatórios gerenciais de controle de estoques, gerados a partir de dados secundários, sem a utilização de informações que permitissem a identificação de indivíduos em ambos os sistemas, SIES e SI-PNI. Os dados brutos utilizados foram, em sua maioria, de domínio público, disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) em meio eletrônico; o acesso aos demais dados necessários ao estudo foi possível mediante solicitação de relatórios específicos junto a níveis gerenciais da área de Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul. O estudo atende às Resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/2012 e no 510/2016.
Resultados
As Tabelas 1, 2 e 3 apresentam as taxas de utilização e perda para cada vacina, segundo a quantidade de doses (monodose e/ou multidoses).
Vacina | 2015 | 2016 | 2017 | Taxa média (IC95% a) |
---|---|---|---|---|
Hepatite A | ||||
Taxa de utilização | 67,9 | 75,0 | 77,6 | 73,5 (72,4;74,6) |
Taxa de perda | 32,1 | 25,0 | 22,4 | 26,5 (25,4;27,6) |
Pentavalente | ||||
Taxa de utilização | 59,9 | 75,8 | 87,4 | 74,4 (71,3;77,5) |
Taxa de perda | 40,1 | 24,2 | 12,6 | 25,6 (22,5;28,7) |
Tetraviral | ||||
Taxa de utilização | 52,4 | 80,0 | 75,9 | 69,4 (66,3;72,6) |
Taxa de perda | 47,6 | 20,0 | 24,1 | 30,6 (27,4;33,7) |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Vacina | 2015 | 2016 | 2017 | Taxa média (IC 95% a) |
---|---|---|---|---|
Vacina do bacilo de Calmette-Guérin (BCG) | ||||
Taxa de utilização | 19,1 | 30,8 | 45,9 | 32,9 (29,3;34,6) |
Taxa de perda | 80,1 | 69,2 | 54,1 | 68,1 (65,4;70,7) |
Vacina absorvida contra difteria e tétano/adulto (dT) | ||||
Taxa de utilização | 52,7 | 62,9 | 71,2 | 62,2 (60,3;64,2) |
Taxa de perda | 47,3 | 37,1 | 28,8 | 37,8 (35,8;39,7) |
Vacina absorvida contra difteria, tétano e pertússis (DTP) | ||||
Taxa de utilização | 53.8 | 77.8 | 64.9 | 62,1 (58,6;65,6) |
Taxa de perda | 46,2 | 22,2 | 35.1 | 37,9 (34,4;41,4) |
Febre amarela | ||||
Taxa de utilização | 23,2 | 41,1 | 68,0 | 44,1 (39,6;48,6) |
Taxa de perda | 76,8 | 58,9 | 32,0 | 55,9 (51,4;60,4) |
Hepatite B | ||||
Taxa de utilização | 31,7 | 36,3 | 63,0 | 43,6 (40,3;47,0) |
Taxa de perda | 68,3 | 63,7 | 37,0 | 56,4 (53,0;59,7) |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Vacina | 2015 | 2016 | 2017 | Taxa média (IC95% a) |
---|---|---|---|---|
Tríplice viral | ||||
Taxa de utilização | 18,9 | 33,3 | 41,4 | 31,2 (28,9;33,5) |
Taxa de perda | 81,1 | 66,7 | 58,6 | 68,8 (66,5;71,1) |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Do ano de 2015 para 2016, todas as vacinas apresentaram diminuição da taxa de perdas de doses. O mesmo fenômeno ocorreu entre 2016 e 2017, exceto para as vacinas tetraviral e DTP.
No ano de 2015, a taxa mais elevada de perdas de doses foi a da vacina tríplice viral (81,1%), seguida da BCG (80,1%). Em contrapartida, as vacinas com menores taxas de perdas foram a hepatite A (32,1%) e a pentavalente (40,1%).
Em 2016, apesar da redução nas taxas de perdas, a tríplice viral (66,7%) e a BCG (69,2%) permaneceram como as vacinas com maiores taxas de desperdício. Por sua vez, a tetraviral (20,0%) e a DTP (22,2%) referiram as menores perdas em 2016.
Já em 2017, houve uma redução ainda maior das taxas de perdas da tríplice viral (58,6%) e da BCG (54,1%), embora continuassem a ser as vacinas com as maiores perdas. A vacina pentavalente (12,6%) e a da hepatite A (22,4%) obtiveram as menores taxas de perdas naquele ano.
A febre amarela foi a vacina com maior variação na taxa de perdas no período considerado: de 76,8% (2015) para 32,0% (2017). Já a vacina contra a hepatite A foi a que obteve menor variação na taxa de perdas: de 32,1% (2015) a 22,4% (2017).
No triênio selecionado, a taxa média de perda das nove vacinas na RMPA foi de 45,8% (IC95% 39,5;51,7), enquanto a taxa média de utilização foi de 54,2% (IC95% 48,3;60,5).
Quando observada a taxa média de perdas por imunobiológico, as vacinas com maiores taxas foram a tríplice viral (68,8% - IC95% 66,5;71,1), a BCG (68,1% - IC95% 65,4;70,7), a da hepatite B (56,4% - IC95% 53,0;59,7) e a vacina contra a febre amarela (55,9% - IC95% 51,4;60,4), todas de apresentação multidoses. As vacinas monodose da hepatite A (26,5% - IC95% 25,4;27,6), pentavalente (25,6% - IC95% 22,5;28,7) e tetraviral (30,6% - IC95% 27,4;33,7) obtiveram menores taxas de perdas.
A perda referente a cada vacina foi avaliada frente ao limite aceitável de perda definido pela OMS (Tabela 4). O quantitativo de perdas de doses (2.247.631) foi maior que o de doses aplicadas (2.141.809). O total aceitável de perdas para o triênio em estudo, de acordo com os parâmetros da OMS, seria de apenas 410.610 doses.
Vacina | Doses aplicadas | Doses perdidas | ||
---|---|---|---|---|
No estimado | No aceitável (OMSa) | |||
Bacilo de Calmette-Guérin (BCG) | 159.736 | 417.614 | 39.934 | |
Vacina absorvida contra difteria e tétano/adulto (dT) | 406.621 | 247.769 | 101.655 | |
Vacina absorvida contra difteria, tétano e pertússis (DTP) | 218.614 | 169.336 | 54.653 | |
Febre amarela | 330.986 | 539.785 | 82.746 | |
Hepatite B | 401.654 | 616.116 | 100.413 | |
Total multidoses | 1.517.611 | 1.990.620 (56,7%) | 379.401 (25%) | |
Hepatite A | 126.727 | 47.882 | 6.336 | |
Pentavalente | 389.843 | 156.377 | 19.492 | |
Tetraviral | 107.628 | 52.752 | 5.381 | |
Total monodose | 624.198 | 257.011 (29,1%) | 31.209 (5%) | |
TOTAL | 2.141.809 (48,8%) | 2.247.631(51,2%) | 410.610 |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Em relação a perdas de doses, a vacina com maior perda foi a da hepatite B (616.116 doses), seguida da BCG (417.614 doses), ambas de frasco multidoses. Cumpre destacar o quantitativo elevado de doses perdidas da vacina pentavalente (156.377), que possui apresentação monodose.
A perda para vacinas multidoses foi de 56,7% (1.990.620), enquanto o quantitativo aceitável de doses perdidas é de até 25% (379.401); para vacinas monodose, a perda foi 29,1% (257.011 doses), quando o limite previsto é de até 5% (31.209 doses) tão somente.
Discussão
Apesar da redução de perdas de doses da maioria das vacinas, todas as taxas anuais médias de perdas excederam o limite recomendado pela OMS.4 Ao considerarem as orientações da GAVI, os dados de perdas seriam ainda mais alarmantes, pois as taxas de perda deveriam ser reduzidas gradativamente, até alcançar 15% para frascos multidoses.4
Normalmente, os frascos são abertos e as vacinas devem ser administradas em questão de horas. No entanto, a baixa demanda ou a falta de gestão das necessidades resulta, no longo prazo, em altas taxas de perdas de vacinas.14,15
Estudos desenvolvidos na Índia, embora mais frequentes, apresentam grandes variações nas taxas de perdas nos períodos de 2015-2016,3 2004,8 1996,16 2012-2013,17 201218 e 2009-2010.19 No Brasil, os poucos estudos encontrados apresentaram taxas de perdas mais elevadas entre 2007 e 2010,2 em 200820 e 2013,21 ao serem comparados a estudos internacionais.
A perda de vacinas é inevitável, sendo algumas aceitáveis e justificadas. Entretanto, determinadas perdas são questionáveis, como a observada neste estudo para a vacina da hepatite B. Trata-se de uma vacina com prazo de validade de 15 a 28 dias (a depender do fabricante), e sua taxa de perda foi superior a 50,0%, aproximando-se do resultado de outro estudo brasileiro.2 Porém, ela foi muito maior que a do estudo norte-americano (1,1%),9 assim como das taxas conclusivas dos estudos realizados na Índia: 5,3%, 21,0% e 10,5%, referentes aos períodos de 2012-2013,17 2012,18 e 2015-2016,3 respectivamente. Vale ressaltar que, em todos esses estudos, a vacina era disponibilizada no frasco multidoses (dez doses).
No presente estudo, a tríplice viral foi o imunobiológico com maior perda, 68,8%, próxima à apresentada por um estudo realizado em quatro estados brasileiros (Amazonas, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina), de 64,1%, referente a 2008, quando para cada dose aplicada dessa vacina, cerca de 3 foram perdidas.20 Em outro estudo, este realizado no ano de 2013, na região Sudeste do Brasil, o achado foi ainda maior: 74,27%.21 Tais resultados divergem daqueles de outros estudos internacionais desenvolvidos nos períodos de 2012-201317 e 1994-1999:9 baixa taxa de perda para essa vacina, de 1,4% para frasco monodose17 e de 1,3%9 (este último estudo não detalha o quantitativo de doses por frasco).
Na Índia, a tríplice viral foi a vacina com a menor taxa de perda, utilizada em frascos de cinco doses no ano de 2008.20 A diferença pode-se dever à apresentação do frasco, o qual, no Brasil, contava com variações de uma, cinco e dez doses, havendo necessidade, portanto, de análise complementar com o objetivo de identificar qual formato de frasco concentra maior perda.
A taxa de perda para BCG (68,1%) foi semelhante à obtida em alguns estudos internacionais, de 70,9%, 66,8%, e 64,6% sobre os períodos de 2009-2010,19 2016-201722 e 2013-2017,16 respectivamente. Outras pesquisas encontraram taxas menores: 45%18 e 20,7%.3 Entretanto, um estudo desenvolvido na Ásia8 identificou uma taxa de perda para BCG maior (84,0 a 85,0%) do que a encontrada para a RMPA; também para outros estudos brasileiros, as taxas foram maiores (por exemplo, 75,1%20), destacando-se um percentual de 93,3% em perdas observadas em salas de vacinação de Juiz de Fora, município do Sudeste brasileiro.21 Em todos os estudos, o frasco foi de apresentação multidoses (dez doses), revelando-se, entre os imunobiológicos estudados, a maior taxa de perdas para a vacina BCG. A exceção foi o atual estudo, em que essa vacina assumiu a segunda posição em perdas.
Para a vacina DTP, a perda foi de 37,9%, uma das menores taxas ao se considerar os frascos de apresentação multidoses (dez doses). Essa taxa é elevada, se comparada às apresentadas por outros estudos sobre os períodos de 2012, 2016-2017 e 2015-2016, cujas taxas foram de 16,0%,18 24,9%22 e 15,6%3 respectivamente; porém, outro estudo realizado no Brasil encontrou uma taxa ainda mais elevada, de 60,0%.2 Já para a vacina dT, a taxa de perda foi de 37,8% (frasco de dez doses), abaixo da encontrada nos estudos que analisaram esse imunobiológico.2,19
Quanto às vacinas de apresentação monodose, apesar de as taxas serem menores para os frascos multidoses, permanecem acima dos parâmetros aceitáveis pela OMS. Como exemplo, cita-se a taxa de perda para a vacina pentavalente (25,6%), relativamente alta quando comparada às encontradas por outros estudos: taxa zero (2012-2013)17 e de 5,2% (2015-2016)3 para frasco de dez doses. No contexto rural da Índia central, observou-se uma taxa de 33,1%,22 próxima à do presente estudo; contudo, o formato do frasco era de 20 doses. Neste trabalho, não se pode atribuir a perda à apresentação multidoses, pois se trata de uma vacina monodose, cuja perda excedeu em nada menos que 136.885 doses o limite aceitável.
Taxas elevadas de perdas em vacinas monodose foram encontradas, por exemplo, para a vacina da hepatite A (26,5%) e a tetraviral (30,6%), ainda que haja escassez de dados comparativos na literatura. A situação pode indicar que os estudos estão focados em perdas de apresentação multidoses. Contudo, os resultados também revelaram taxas de perda importantes para as vacinas monodose.
A ultrapassagem do limite de perdas aceito pela OMS é uma realidade constatada em mais dois estudos, um brasileiro21 e outro indiano.19 Destacam-se também dois estudos,2,22 ambos da Índia, em que todas as taxas de perdas de vacinas estavam de acordo com o preconizado pela OMS.
Conhecer a taxa de perdas é imprescindível para avaliar a situação e direcionar esforços. Na ausência dessas informações, o país pode enfrentar escassez de vacinas ou ser incapaz de consumir o que recebeu.17,18
Nos serviços de saúde do SUS, o abastecimento de vacinas baseia-se no cálculo de percentual de reserva técnica, medida destinada a prevenir eventuais perdas de imunobiológicos. Para vacinas de frascos com dez doses, essa reserva é de 20,0%, em frascos de cinco doses, 10,0%, e em monodose, a reserva é zero.20 No contexto deste estudo, em que as perdas foram maiores que os percentuais de reserva técnica, pode-se questionar se o abastecimento de vacinas no SUS foi insuficiente (se faltou vacina), ou se a cobertura vacinal foi menor do que a esperada.
Embora seja fundamental o conhecimento sobre a perda de vacinas, a literatura demonstra que essa informação está aquém da análise necessária. A despeito da orientação da OMS, o monitoramento e o controle da perda de vacinas são insuficientes.5,10
O Brasil avançou na ampliação e no aperfeiçoamento dos Sistemas de Informações em Saúde, do que é uma evidência o SI-PNI.23 Entretanto, permanecem algumas limitações identificadas neste estudo. O SI-PNI de base nacional (acesso público) não possibilita a análise direta da perda de vacinas, tornando necessário o cruzamento de informações com outra base de dados, o SIES (acesso relativamente restrito). Há fragilidades nesse cruzamento: por exemplo, relativamente à vacina tríplice viral, fornecida tanto na apresentação monodose como multidose, o que impossibilitou identificar se a perda foi maior em frascos de um, cinco ou dez doses.
Outra fragilidade verificada a partir do cruzamento das informações dos dois sistemas foi a inconsistência de dados de alguns imunobiológicos que, quando superior a 25%, obrigou à exclusão do estudo. Assim, sugere-se uma qualificação dos dados do SIES, acrescentando-se a informação ‘dose proveniente de frasco monodose’ e/ou, se multidoses, o ‘quantitativo de doses em cada frasco’. Outrossim, estes autores sugerem que, nos registros do SI-PNI, as perdas de vacinas sejam qualificadas quanto à ampliação da disponibilidade dessa informação - atualmente restrita ao município -, para possibilitar análises pelos diferentes níveis de gestão.
A escassez de dados na literatura pode ser um dos motivos para o pouco monitoramento dessas informações. Desconhece-se, tanto na esfera federal como na estadual, estudos sobre perdas/desperdício de vacinas, à exceção de algumas iniciativas em cenários pontuais. É preciso avançar na qualificação dos sistemas de informações e na disponibilidade de dados sobre perdas de vacinas. Para tanto, recomenda-se o fortalecimento do SI-PNI e, no âmbito dos serviços de saúde, maior valorização e promoção do monitoramento da perda de vacinas.
O presente estudo quantificou as perdas de vacinas na Região Metropolitana de Porto Alegre. Suas conclusões podem ajudar a repensar as políticas e as práticas de imunização, e direcionar esforços para a otimização dos recursos em saúde, redução de gastos desnecessários e maior eficiência no uso de recursos públicos.7,8,11 Assim, evidencia-se o protagonismo do SUS na imunização da população. Entretanto, a possível oneração dos custos para o sistema público de saúde, resultante das análises - considere-se os custos passíveis de serem minimizados -, é uma questão que se faz necessário analisar.