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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.1 Brasília  2020  Epub 30-Jan-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000100008 

ARTIGO ORIGINAL

Pré-natal no Brasil: estudo transversal do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, 2014

Prenatal en Brasil: estudio transversal del Programa de mejora del acceso y la calidad de la Atención Primaria, 2014

Rosália Garcia Neves (orcid: 0000-0001-6798-9130)1  , Maria Del Pilar Flores-Quispe (orcid: 0000-0003-1472-7350)1  , Luiz Augusto Facchini (orcid: 0000-0002-5746-5170)1  , Anaclaudia Gastal Fassa (orcid: 0000-0001-6070-6214)1  , Elaine Tomasi (orcid: 0000-0001-7328-6044)1 

1Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

Resumo

Objetivo:

descrever a adequação da estrutura das unidades básicas de saúde (UBS), solicitação de exames pelas equipes e atenção ao pré-natal referida pelas usuárias, no âmbito do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ).

Métodos:

estudo transversal, com dados do Ciclo II do PMAQ, em 2014.

Resultados:

foram incluídos dados de 9.909 unidades, 9.905 equipes e 9.945 usuárias; apresentaram estrutura adequada 70,1% (IC95% 69,2;71,0) das UBS; 88,0% (IC95% 87,4;88,7) das equipes solicitaram todos os exames; entre as usuárias, 59,8% (IC95% 58,8;60,8) afirmaram ter recebido todas as orientações e 23,4% (IC95% 22,5;24,2) receberam todos os procedimentos de exame físico; equipes participantes dos Ciclos I e II apresentaram melhores resultados.

Conclusão:

não obstante as deficiências na estrutura e no processo de trabalho da Atenção Básica no Brasil, o PMAQ parece afetar positivamente a atenção pré-natal.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Cuidado Pré-Natal; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo:

describir la adecuación de las estructuras en las Unidades Básicas de Salud (UBS), solicitud de exámenes y atención al prenatal referida por los usuarios, en el marco del Programa para Mejorar el Acceso y la Calidad de la Atención Básica (PMAQ) en Brasil.

Métodos:

estudio transversal, con datos del Ciclo II del PMAQ, en 2014.

Resultados:

se incluyeron datos de 9,909 unidades, 9,905 equipos y 9,945 usuarias; presentaron una estructura adecuada 70,1% (IC95% 69,2;71,0) de las UBS; 88,0% (IC95% IC 87,4;88,7) de los equipos solicitaron todos los exámenes; entre las usuarias, 59,8% (IC95% 58.8;60.8) informó haber recibido todas las orientaciones y el 23,4% (IC95% 22,5;24,2) de ellas recibió todos los procedimientos de examen físico; los equipos participantes en los Ciclos I y II presentaron mejores resultados.

Conclusión:

a pesar de las deficiencias en la estructura y el proceso de trabajo de la Atención Primaria en Brasil, el PMAQ parece afectar positivamente la atención prenatal.

Palabras clave: Atención Primaria de Salud; Atención Prenatal; Investigación sobre Servicios de Salud; Calidad de la Atención de Salud; Estudios Transversales

Introdução

O acompanhamento pré-natal, quando realizado nos padrões recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS),1 deve assegurar o desenvolvimento da gestação e oferecer apoio efetivo, visando diminuir o risco de intercorrências no parto e pós-parto e impactando positivamente a saúde materna e do recém-nascido.1,2

Estudo brasileiro evidenciou que entre 1986 e 2013, houve um aumento de 78,7% para 97,4% no percentual de mulheres grávidas que realizaram uma ou mais consultas de pré-natal, e de 59,1% para 84,3% nas que realizaram a primeira consulta de pré-natal no primeiro trimestre da gestação.3 Segundo revisão sistemática sobre a utilização do serviço de atenção ao pré-natal, a frequência de consultas de pré-natal abaixo da recomendada ou seu início após os seis meses da gestação esteve associado a mulheres com menor nível socioeconômico, desempregadas, com baixa escolaridade.4 No Brasil, em 2013, a proporção de mulheres com seis ou mais consultas de pré-natal foi maior entre aquelas com mais idade, de raça/cor da pele branca, com renda mais alta, residentes na região Sul e em municípios de menor porte.5

Para todo cidadão brasileiro, e para a mulher grávida especialmente, a porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) é a Atenção Primária à Saúde (APS), no acolhimento de suas necessidades, com acompanhamento longitudinal e continuado, procurando prevenir possíveis complicações da gravidez.2,6 No intuito de garantir uma atenção ao pré-natal integral e efetiva à gestante na APS, o Ministério da Saúde preconiza que as unidades básicas de saúde (UBS) disponham da estrutura necessária, e que os profissionais de saúde realizem procedimentos, exames e forneçam orientações para promover sua saúde.2

A avaliação da qualidade da atenção à saúde é importante, sobretudo em um contexto de desigualdades sociais e regionais como do Brasil.7 Donabedian8,9 desenvolveu um modelo para avaliação da qualidade dos serviços, baseado em uma tríade: estrutura; processo de trabalho; resultado. De acordo com aquele autor, melhores estruturas aumentam a probabilidade de um melhor processo de trabalho, e isto, por sua vez, determina os resultados, o que significa melhora no estado de saúde dos usuários e populações.8,9

O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), implantado em 2011 pelo Ministério da Saúde, tem como objetivo induzir a ampliação do acesso e da qualidade da APS, por meio de incentivo financeiro oferecido conforme o desempenho das equipes de Atenção Básica participantes.10 Até o momento, foram realizados três ciclos do PMAQ: Ciclo I, em 2012; Ciclo II, em 2014; e Ciclo III, em 2017. Na fase de avaliação de cada ciclo do PMAQ, foram coletados dados sobre o acesso ao serviço e a qualidade da atenção dispensada, incluindo indicadores de atenção ao pré-natal. A avaliação da qualidade da atenção à saúde oferecida na rede básica, com amostras nacionais, é escassa no Brasil. No que tange à atenção ao pré-natal, grande parte dos estudos foram realizados com menores amostras e em nível local.11

O presente estudo tem uma abordagem nacional e se aproxima da proposta de avaliação de qualidade de Donabedian,8,9 na investigação dos três pilares do serviço: estrutura; processo de trabalho, referido pelas equipes; e qualidade da atenção oferecida, na avaliação das usuárias.

O objetivo do estudo foi descrever a adequação da estrutura das unidades, a solicitação de exames pelas equipes e a atenção ao pré-natal referida pelas usuárias, no âmbito do PMAQ, e comparar esses desfechos entre as equipes que participaram somente do Ciclo II e aquelas que participaram dos Ciclos I e II do PMAQ.

Métodos

Trata-se de um estudo com delineamento transversal, cujos dados são oriundos da avaliação externa do Ciclo II do PMAQ, liderada por seis instituições de ensino superior (Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal de Minas Gerais e Fundação Instituto Oswaldo Cruz [Fiocruz]) junto a equipes de Atenção Básica em todo o território nacional, no período de dezembro de 2013 a março de 2014. O PMAQ incluiu as equipes indicadas pela gestão municipal e suas respectivas UBS, além de amostra de usuários presentes nos serviços de saúde no dia da avaliação.

Este artigo representa um recorte amostral, com os dados de mulheres na idade de 18 anos ou mais vinculadas às equipes de saúde e UBS, presentes na unidade por ocasião da avaliação e que responderam às seguintes perguntas:

“A Sra. tem filhos menores de 2 anos?”

Se a resposta foi ‘Sim’, perguntou-se:

“A Sra. fez pré-natal na última gravidez?”

Se a segunda resposta também foi ‘Sim’, perguntou-se:

“O pré-natal foi realizado nesta unidade de saúde?”

Os dados foram coletados desde três formas/pontos de vista: (i) observação do entrevistador, sobre as condições de estrutura do serviço; (ii) organização e processo de trabalho da equipe, na entrevista com profissional de saúde; e (iii) atenção ao pré-natal, segundo a percepção da usuária.

Quando o serviço dispunha de balança antropométrica (150kg), esfigmomanômetro, estetoscópio adulto, espéculo descartável, fita métrica, foco de luz, mesa para exame ginecológico, Pinard ou sonar, definiu-se que sua estrutura era ‘adequada’.

Quando as mulheres referiram a solicitação dos exames de toxoplasmose, qualitativo de urina, hepatite B, HIV, hemoglobina/hematócrito, sífilis e glicemia de jejum, a solicitação de exames foi considerada ‘adequada’. Outrossim, considerou-se que as orientações foram igualmente adequadas quando as entrevistadas relataram ter recebido, durante a gestação, orientações sobre a importância do exame preventivo de câncer do colo do útero (Papanicolau), os cuidados com o bebê, a alimentação e o ganho de peso e a amamentação exclusiva. Os procedimentos também foram considerados adequados quando as usuárias relataram que, durante a consulta de pré-natal, foi-lhes aferida a altura uterina e a pressão arterial, realizados exame ginecológico, exame das mamas e exame da cavidade oral.

Como variáveis independentes, examinou-se (i) a região geopolítica (Norte; Nordeste; Centro-Oeste; Sudeste; Sul), (ii) o porte do município12 (em habitantes: até 10.000; 10.001 a 30.000; 30.001 a 100.000; 100.001 a 300.000; mais de 300.000), (iii) o índice de desenvolvimento humano municipal13 (ou IDH, classificado em quartis: 0,467-0,642; 0,643-0,730; 0,731-0,787; 0,788-0,919), (iv) a cobertura municipal da Estratégia Saúde da Família 14 (ou ESF, em percentual de população coberta: até 50%; 50,1 a 75%; 75,1 a 99,9%; 100%) e (v) a participação no Ciclo I do PMAQ (sim; não).

Os dados foram coletados em formulários eletrônicos, instalados em tablets para registro e envio automatizado ao servidor central no Ministério da Saúde. A resolução das inconsistências e as críticas aos dados ficaram sob responsabilidade de cada uma das instituições que lideraram o processo de avaliação externa do PMAQ no Ciclo II. Mais detalhes sobre a metodologia do PMAQ encontram-se em documento publicado pelo Ministério da Saúde.10 As análises foram realizadas com o uso do pacote estatístico Stata versão 12.1.15 Descreveu-se cada desfecho separadamente, de acordo com as variáveis independentes. Para o exame das diferenças, foram comparadas as proporções e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Todas as análises levaram em conta a população total (Ciclo II), a estratificação das equipes que participaram dos Ciclos I e II, e daquelas que participaram somente do Ciclo II.

O projeto do estudo do PMAQ foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (CEP/FAMED/UFPel): Protocolo no 487.055/2013. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Um total de 24.055 UBS, 29.778 equipes de saúde e 91.203 usuários foram avaliados no Ciclo II do PMAQ. Para o presente estudo, foram utilizados dados de 9.909 UBS (5.471 participantes dos Ciclos I e II; e 4.427 participantes somente do Ciclo II) e 9.905 equipes de saúde (5.474 participantes dos Ciclos I e II; e 4.431 participantes somente do Ciclo II) vinculadas a 9.945 usuárias (5.474 usuárias atendidas por equipes participantes dos Ciclos I e II; e 4.431 atendidas por equipes participantes somente do Ciclo II) que realizaram o pré-natal da última gravidez na UBS onde foram entrevistadas.

Em relação à estrutura das UBS, cada item dos materiais foi encontrado em mais de 80% das unidades. Nas UBS participantes dos Ciclos I e II do PMAQ, foram encontradas melhores estruturas: 71,9% (IC95% 70,7;73,1) das unidades apresentaram todos os materiais avaliados, enquanto nas UBS que participaram somente do Ciclo II, 67,9% (IC95% 66,5;69,3) apresentaram todos os itens (Tabela 1).

Tabela 1 - Prevalências e intervalos de confiança de 95% dos indicadores de estrutura da unidade básica de saúde, solicitação de exames e resultado para atenção ao pré-natal, estratificadas pelas equipes participantes dos Ciclos I e II, Ciclo II e total da amostra, no âmbito do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), Brasil, 2014 

Variáveis Ciclos I e II Somente Ciclo II Total da amostra
% (IC95%)a % (IC95%)a % (IC95%)a
Estrutura da UBSb (Módulo I) n=(5.471)c (n=4.427)c (n=9.909)
Balança antropométrica (150kg) 84,0 (83,0;85,0) 84,1 (83,1;85,2) 84,1 (83,3;84,8)
Esfigmomanômetro 99,6 (99,4;99,8) 99,0 (98,7;99,3) 99,3 (99,1;99,5)
Espéculo descartável 92,0 (91,3;92,7) 90,6 (89,8;91,5) 91,4 (90,8;91,9)
Estetoscópio adulto 99,2 (99,0;99,4) 98,3 (97,9;98,7) 98,8 (98,6;99,0)
Fita métrica 97,7 (97,3;98,1) 96,3 (95,7;96,9) 97,0 (96,7;97,4)
Foco de luz 97,2 (96,8;97,7) 95,2 (94,6;95,9) 96,3 (96,0;96,7)
Mesa para exame ginecológico 96,5 (96,0;97,0) 94,0 (93,3;94,7) 95,4 (94,9;95,8)
Pinard ou sonar 98,2 (97,9;98,6) 96,9 (96,4;97,4) 97,6 (97,3;97,9)
Todos os materiais 71,9 (70,7;73,1) 67,9 (66,5;69,3) 70,1 (69,2;71,0)
Solicitação de exames (Módulo II) (n=5.474)c (n=4.431)c (n=9.905)
Glicemia de jejum 99,3 (99,0;99,5) 98,8 (98,5;99,1) 99,1 (98,9;99,2)
Hemoglobina/hematócrito 98,2 (97,8;98,5) 97,0 (96,5;97,5) 97,7 (97,4;98,0)
Hepatite B 96,9 (96,4;97,3) 94,3 (93,7;95,0) 95,7 (95,3;96,1)
HIVd 98,0 (97,7;98,4) 96,6 (96,0;97,1) 97,4 (97,1;97,7)
Sífilis 98,7 (98,4;99,0) 98,1 (97,7;98,5) 98,4 (98,2;98,7)
Urina 96,3 (95,8;96,8) 94,5 (93,8;95,2) 95,5 (95,1;95,9)
Toxoplasmose 95,0 (94,4;95,6) 91,6 (90,8;92,4) 93,5 (93,0;93,9)
Todos os exames 90,0 (89,2;90,8) 85,5 (84,5;86,6) 88,0 (87,4;88,7)
Atenção às usuárias (Módulo III) (n=5.474)c (n=4.431)c (n=9.945)
Alimentação e ganho de peso 88,6 (87,7;89,4) 87,2 (86,2;88,2) 87,9 (87,3;88,6)
Amamentação exclusiva 91,2 (90,5;92,0) 90,3 (89,4;91,1) 90,8 (90,2;91,3)
Cuidados com o recém-nascido 85,6 (84,7;86,5) 84,8 (83,7;85,8) 85,2 (84,5;85,9)
Importância do exame Papanicolau 67,1 (65,9;68,3) 63,3 (61,8;64,7) 65,3 (64,4;66,3)
Todas as orientações 61,3 (60,0;62,6) 58,1 (56,6;59,5) 59,8 (58,8;60,8)
Aferição de altura uterina 97,3 (96,9;97,7) 96,0 (95,4;96,6) 96,7 (96,4;97,1)
Aferição de pressão arterial 99,1 (98,9;99,4) 98,5 (98,1;98,8) 98,8 (98,6;99,1)
Exame da cavidade oral 50,9 (49,6;52,3) 47,1 (45,6;48,6) 49,2 (48,3;50,2)
Exame ginecológico 43,5 (42,2;44,8) 38,9 (37,4;40,3) 41,4 (40,5;42,4)
Exame das mamas 57,8 (56,5;59,1) 54,5 (53,1;56,0) 56,3 (55,3;57,2)
Todos os procedimentos 24,6 (23,5,25,8) 21,8 (20,6;23,1) 23,4 (22,5;24,2)

a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

b) UBS: unidade básica de saúde.

c) n com missing de acordo com variável de participação dos Ciclos I e II.

d) HIV: vírus da imunodeficiência humana (human immunodeficiency virus).

Na amostra total, no que se refere aos exames solicitados pelos profissionais de saúde, a totalidade dos exames foi solicitada por 88,0% das equipes. Entre as equipes de saúde participantes dos Ciclos I e II, 90,0% (IC95% 89,2;90,8) solicitaram todos os exames, e entre as participantes apenas do Ciclo II, essa prevalência foi de 85,5% (IC95% 84,5;86,6) (Tabela 1).

Mais de 80% das usuárias referiram ter recebido orientações para alimentação e ganho de peso do bebê, amamentação exclusiva e cuidados com o recém-nascido. Entretanto, a orientação sobre a importância do exame preventivo de câncer do colo do útero (exame Papanicolau) foi referida por menos de 70% das usuárias, o que resultou em 59,8% (IC95% 58,8;60,8) das entrevistadas (amostra total) terem recebido orientações adequadas. Entre as usuárias cujas equipes participaram dos Ciclos I e II, 61,3% (IC95% 60,0;62,6) referiram ter recebido todas as orientações; já entre aquelas vinculadas às equipes que participaram somente do Ciclo II, 58,1% (IC95% 56,6;59,5) receberam orientações adequadas (Tabela 1).

Mais de 95% das mulheres afirmaram que a altura uterina e a pressão arterial foram aferidas em suas consultas de pré-natal. Entretanto, menos de 60% das entrevistadas referiram realização de exame ginecológico, exame da cavidade oral e exame de mamas, o que implicou apenas 23,4% (IC95% 22,5;24,2) das entrevistadas (amostra total) terem recebido os procedimentos de exame físico adequados. Entre as usuárias cujas equipes participaram dos Ciclos I e II, essa proporção foi de 24,6% (IC95% 23,5;25,8); já entre aquelas vinculadas às equipes que participaram somente do Ciclo II, a proporção foi de 21,8% (IC95% 20,6; 23,1) (Tabela 1).

Na amostra total, a região Norte apresentou menor prevalência de UBS com estrutura adequada (59,6%). Não foram encontradas diferenças significativas quanto ao porte populacional, IDH e cobertura da ESF. Em relação às prevalências encontradas entre as UBS das equipes que participaram dos Ciclos I e II, comparadas às equipes participantes somente do Ciclo II, foram melhores as estruturas de UBS dos Ciclos I e II na região Nordeste, em municípios com porte populacional entre 10.001 e 30.000 habitantes, com IDH situado nos quartis Q1 ou Q2, com coberturas da ESF até 50% (Tabela 2).

Tabela 2 - Prevalências e intervalos de confiança de 95% de unidades básicas de saúde com estrutura adequada para atenção ao pré-natal, de acordo com variáveis contextuais dos municípios, estratificadas pelas equipes participantes dos Ciclos I e II, Ciclo II e total da amostra, no âmbito do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), Brasil, 2014 

Variáveis Estrutura adequada das UBSa
Todos os materiais
Ciclos I e II Somente Ciclo II Total da amostra
(n=5.471)a (n=4.427)a (n=9.909)
% (IC95%)b % (IC95%)b % (IC95%)b
Região nacional
Norte 60,6 (55,6;65,6) 59,0 (54,7;63,2) 59,6 (56,4;62,8)
Nordeste 73,7 (71,7;75,7) 67,5 (65,4;69,6) 70,5 (69,1;72,0)
Centro-Oeste 71,0 (66,8;75,1) 70,4 (66,1;74,6) 70,6 (67,6;73,5)
Sudeste 73,4 (71,5;75,2) 71,0 (68,4;73,5) 72,5 (71,0;74,0)
Sul 68,8 (65,2;72,5) 69,4 (64,3;74,6) 69,0 (66,0;71,9)
Porte populacional (habitantes)
Até 10.000 71,6 (68,4;74,9) 70,9 (67,2;74,7) 71,3 (68,9;73,8)
10.001 a 30.000 73,4 (71,2;75,6) 67,6 (65,0;70,1) 70,7 (69,1;72,4)
30.001 a 100.000 72,2 (69,7;74,7) 67,0 (64,3;69,8) 69,7 (67,8;71,5)
100.001 a 300.000 74,6 (71,4;77,9) 68,7 (65,0;72,4) 71,9 (69,4;74,3)
Mais de 300.000 68,3 (65,7;70,9) 66,7 (63,4;70,0) 67,7 (65,6;69,7)
IDHc (quartis)
Q1 (0,467-0,642) 73,8 (71,7;75,8) 68,2 (66,0;70,3) 70,9 (69,4;72,4)
Q2 (0,643-0,730) 72,8 (70,7;74,9) 66,4 (64,0;68,9) 69,9 (68,3;71,5)
Q3 (0,731-0,787) 70,1 (67,5;72,8) 68,6 (65,5;71,8) 69,4 (67,4;71,5)
Q4 (0,788-0,919) 68,6 (65,4;71,7) 70,7 (65,7;75,7) 69,2 (66,5;71,8)
Cobertura da ESFd
Até 50% 72,7 (70,3;75,0) 66,8 (64,3;69,4) 69,9 (68,2;71,6)
50,1 a 75% 68,9 (66,4;71,4) 67,7 (64,7;70,7) 68,4 (66,5;70,3)
75,1 a 99,9% 71,6 (69,0;74,2) 66,4 (63,4;69,4) 69,2 (67,3;71,2)
100% 74,0 (71,8;76,2) 70,2 (67,7;72,8) 72,3 (70,6;74,0)

a) n com missing de acordo com variável de participação dos Ciclos I e II.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) IDH: índice de desenvolvimento humano.

d) ESF: Estratégia Saúde da Família.

Maiores prevalências de adequação na solicitação de exames foram encontradas na região Sul (96,7%), em municípios com mais de 300.000 habitantes (95,3%), com maior IDH (96,6%) e menor cobertura da ESF (92,2%) (amostra total). As equipes de saúde que participaram dos Ciclos I e II do PMAQ apresentaram maiores prevalências de adequação na solicitação de exames, em relação às participantes somente do Ciclo II. Essas diferenças foram identificadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em municípios com 10.001 a 100.000 habitantes, observadas especialmente nos quartis Q1 e Q2 do IDH (no Q3, essa diferença não tem significância estatística) e em todos os estratos de cobertura da ESF (Tabela 3).

Tabela 3 - Prevalências e intervalos de confiança de 95% de equipes de saúde com solicitação de exames adequada para atenção ao pré-natal, de acordo com variáveis contextuais dos municípios, estratificadas pelas equipes participantes dos Ciclos I e II, Ciclo II e total da amostra, no âmbito do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), Brasil, 2014 

Variáveis Solicitação de exames adequada pelas equipes de saúde
Todos os exames
Ciclos I e II Somente Ciclo II Total da amostra
(n=5.474)a (n=4.431)a (n=9.905)
% (IC95%)b % (IC95%)b % (IC95%)b
Região nacional
Norte 77,2 (72,9;81,5) 66,3 (62,2;70,4) 70,8 (67,8;73,8)
Nordeste 87,8 (86,3;89,2) 84,6 (83,0;86,2) 86,2 (85,1;87,3)
Centro-Oeste 85,8 (82,6;89,0) 81,5 (77,9;85,1) 83,7 (81,3;86,1)
Sudeste 93,2 (92,1;94,2) 93,8 (92,4;95,2) 93,4 (92,5;94,2)
Sul 96,5 (95,1;97,9) 97,1 (95,3;99,0) 96,7 (95,6;97,9)
Porte populacional (habitantes)
Até 10.000 88,7 (86,4;91,0) 85,5 (82,6;88,4) 87,3 (85,5;89,1)
10.001 a 30.000 86,6 (84,9;88,2) 80,2 (78,1;82,4) 83,7 (82,3;85,0)
30.001 a 100.000 87,3 (85,4;89,1) 82,8 (80,6;85,0) 85,1 (83,7;86,5)
100.001 a 300.000 94,2 (92,5;96,0) 90,2 (87,9;92,5) 92,3 (90,9;93,8)
Mais de 300.000 95,7 (94,5;96,8) 94,6 (93,1;96,2) 95,3 (94,3;96,2)
IDHc (quartis)
Q1 (0,467-0,642) 84,4 (82,6;86,1) 79,1 (77,2;80,9) 81,6 (80,4;82,9)
Q2 (0,643-0,730) 89,3 (87,8;90,7) 85,7 (83,9;87,5) 87,7 (86,5;88,8)
Q3 (0,731-0,787) 95,1 (93,8;96,3) 94,8 (93,3;96,3) 95,0 (94,0;95,9)
Q4 (0,788-0,919) 96,4 (95,2;97,7) 97,2 (95,4;99,0) 96,6 (95,6;97,7)
Cobertura da ESFd
Até 50% 94,4 (93,2;95,6) 89,7 (88,1;91,4) 92,2 (91,2;93,2)
50,1 a 75% 88,5 (86,7;90,2) 82,8 (80,4;85,2) 86,1 (84,7;87,5)
75,1 a 99,9% 88,2 (86,4;90,1) 83,6 (81,2;86,0) 86,2 (84,7;87,7)
100% 88,6 (87,0;90,2) 84,8 (82,8;86,7) 86,9 (85,6;88,1)

a) n com missing de acordo com variável de participação dos Ciclos I e II.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) IDH: índice de desenvolvimento humano.

d) ESF: Estratégia Saúde da Família.

No que se refere à atenção referida pelas usuárias, na amostra total, as maiores prevalências do recebimento de todas as orientações foram encontradas na região Sul (64,6%), em municípios com até 10.000 e com mais de 300.000 habitantes, de maior IDH, com cobertura da ESF de até 50% e de 100% da população. Na comparação entre as usuárias das equipes participantes dos Ciclos I e II e as usuárias das equipes participantes somente do Ciclo II, foram encontradas maiores prevalências do recebimento de todas as orientações nas participantes dos Ciclos I e II, nas regiões Nordeste e Sul, e nas localidades com menor IDH (Tabela 4).

Tabela 4 - Prevalências e intervalos de confiança de 95% de usuárias com atenção ao pré-natal adequada referida pelas usuárias, de acordo com variáveis contextuais dos municípios, estratificadas pelas equipes participantes dos Ciclos I e II, Ciclo II e total da amostra, no âmbito do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), Brasil, 2014 

Variáveis Atenção adequada referida pelas usuárias das unidades básicas de saúde
Todas as orientações Todos os procedimentos
Ciclos I e II Somente Ciclo II Total da amostra Ciclos I e II Somente Ciclo II Total da amostra
(n=5.474)a (n=4.431)a (n=9.945) (n=5.474)a (n=4.431)a (n=9.945)
% (IC95% b) % (IC95% b) % (IC95% b) % (IC95% b) % (IC95% b) % (IC95% b)
Região nacional
Norte 53,9 (48,8;59,0) 54,8 (50,5;59,1) 54,4 (51,2;57,7) 16,7 (12,8;20,6) 16,9 (13,6;20,1) 16,7 (14,2;19,2)
Nordeste 64,8 (62,6;67,0) 59,0 (56,8;61,2) 61,8 (60,2;63,3) 23,9 (22,0;25,9) 22,7 (20,8;24,6) 23,3 (21,9;24,6)
Centro-Oeste 47,1 (42,5;51,7) 45,4 (40,8;50,1) 46,3 (43,1;49,5) 14,0 (10,8;17,2) 15,0 (11,7;18,4) 14,6 (12,3;16,8)
Sudeste 61,4 (59,3;63,4) 61,5 (58,7;64,2) 61,3 (59,7;63,0) 28,1 (26,2;30,0) 23,8 (21,4;26,3) 26,6 (25,1;28,1)
Sul 65,5 (61,8;69,2) 63,1 (57,7;68,4) 64,6 (61,6;67,7) 27,5 (23,8;31,1) 27,2 (22,0;32,3) 27,5 (24,5;30,4)
Porte populacional (habitantes)
Até 10.000 63,6 (60,1;67,0) 61,3 (57,3;65,3) 62,5 (59,9;65,1) 23,0 (20,0;26,1) 21,1 (17,8;24,5) 22,2 (19,9;24,4)
10.001 a 30.000 61,0 (58,6;63,4) 56,4 (53,7;59,2) 59,0 (57,1;60,8) 24,1 (22,0;26,3) 20,8 (18,6;23,0) 22,6 (21,1;24,2)
30.001 a 100.000 59,1 (56,4;61,8) 58,1 (55,2;60,9) 58,6 (56,7;60,6) 21,3 (19,0;23,6) 19,5 (17,2;21,8) 20,5 (18,9;22,1)
100.001 a 300.000 62,1 (58,5;65,7) 54,7 (50,8;58,7) 58,6 (55,9;61,2) 23,5 (20,2;26,8) 21,4 (18,1;24,7) 22,5 (20,1;24,8)
Mais de 300.000 62,1 (59,3;64,8) 61,1 (57,7;64,5) 61,7 (59,6;63,8) 30,4 (27,7;33,0) 28,1 (24,8;31,3) 29,5 (27,4;31,5)
IDHc (quartis)
Q1 (0,467-0,642) 63,8 (61,5;66,0) 57,9 (55,6;60,1) 60,7 (59,1;62,3) 24,2 (22,2;26,2) 21,1 (19,2;23,0) 22,6 (21,2;24,0)
Q2 (0,643-0,730) 58,6 (56,3;60,9) 56,3 (53,7;58,9) 57,5 (55,8;59,3) 20,3 (18,4;22,2) 19,7 (17,6;21,8) 20,0 (18,6;21,4)
Q3 (0,731-0,787) 60,3 (57,5;63,1) 57,8 (54,4;61,1) 59,2 (57,1;61,4) 25,1 (22,6;27,7) 22,8 (19,9;25,7) 24,2 (22,3;26,1)
Q4 (0,788-0,919) 63,1 (59,8;66,4) 68,2 (63,1;73,3) 64,5 (61,8;67,3) 34,4 (31,0;37,7) 33,3 (28,0;38,6) 34,1 (31,2;36,9)
Cobertura da ESFd
Até 50% 61,5 (59,0;64,0) 58,7 (56,0;61,4) 60,2 (58,3;62,0) 24,9 (22,6;27,2) 24,0 (21,6;26,4) 24,5 (22,8;26,1)
50,1 a 75% 60,1 (57,4;62,7) 55,9 (52,7;59,0) 58,3 (56,2;60,3) 24,7 (22,4;27,1) 21,0 (18,4;23,7) 23,1 (21,4;24,9)
75,1 a 99,9% 59,4 (56,6;62,2) 57,0 (53,9;60,2) 58,4 (56,3;60,5) 22,8 (20,4;25,2) 20,4 (17,8;23,1) 21,9 (20,1;23,6)
100% 63,6 (61,2;66,0) 59,9 (57,2;62,7) 62,0 (60,2;63,8) 25,7 (23,5;27,9) 21,3 (19,0;23,6) 23,7 (22,1;25,3)

a) n com missing de acordo com variável de participação dos Ciclos I e II.

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

c) IDH: índice de desenvolvimento humano.

d) ESF: Estratégia Saúde da Família.

No total da amostra, o recebimento de todos os procedimentos foi mais prevalente nas regiões Sudeste e Sul, em municípios com mais de 300.000 habitantes e maior IDH. Ao se compararem as prevalências do recebimento de todos os procedimentos das equipes participantes dos Ciclos I e II com as mesmas prevalências referidas para as equipes participantes somente do Ciclo I, não foram encontradas diferenças significativas entre regiões, porte populacional, IDH e cobertura da ESF (Tabela 4).

Discussão

Os achados do presente estudo evidenciaram que a atenção ao pré-natal na rede básica de saúde do Brasil, quanto à estrutura das unidades básicas, orientações e procedimentos ofertados às usuárias, esteve abaixo de 80%. Já a solicitação de exames mostrou-se adequada na maioria das equipes.

No que diz respeito à estrutura das unidades básicas, cerca de sete em cada dez UBS tiveram a presença de todos os itens constatada. Um estudo publicado em 200116 encontrou resultado semelhante, de 70% de unidades com estrutura ideal, embora tenha-se realizado em uma única cidade, de médio porte, localizada na região Sul do país.

Ao se avaliar a qualidade da solicitação de exames, foi observado que a cada dez equipes de saúde, nove solicitaram, durante o pré-natal, todos os exames avaliados. Este achado pode indicar o sucesso das políticas voltadas para a atenção à saúde da mulher implementadas nos últimos 15 anos. Um exemplo dessas políticas bem-sucedidas é a Rede Cegonha: uma relevante estratégia do Ministério da Saúde; uma rede de cuidados estruturada e organizada para a atenção à saúde materno-infantil no país, assegurando às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério.2

Em contrapartida, somente 60% das usuárias referiram ter recebido todas as orientações no pré-natal, resultado semelhante ao encontrado por Tomasi et al.5 em seu estudo, pautado exclusivamente nos dados do Ciclo I do PMAQ referentes a 2012, indicando que não houve melhora nesse quesito. As orientações não implicam custo para o sistema,17,18 mas, ainda assim, não têm atingido todas as gestantes. Durante o pré-natal, os profissionais de saúde dispõem de muitas oportunidades para orientar as gestantes, haja vista o número de consultas realizadas.2,5,19 O cenário ideal - e possível - seria o de oferta dessas orientações a 100% das mulheres na condição de gravidez.

Menos de um quarto das usuárias relataram ter todos os procedimentos realizados no pré-natal na UBS, um achado também acorde com o de Tomasi et al.5 Os exames da cavidade oral, ginecológico e das mamas foram realizados em menos de 60% das usuárias. Ao se compararem os dados do Ciclo I apresentados pelo estudo citado com os do presente trabalho, observou-se um pequeno aumento na prevalência de realização de exame da cavidade oral (de 45 para 49%) e uma diminuição na realização de exame ginecológico (de 45 para 41%).5

As UBS e equipes de saúde das regiões Sudeste e Sul apresentaram melhor estrutura, solicitação de exames e atenção referida pelas usuárias, possivelmente por contarem com maiores investimentos disponibilizados para a Saúde,20 situação compatível com os melhores resultados alcançados pelos serviços da Atenção Básica em municípios com melhor IDH, observados neste estudo.

De acordo com as variáveis ‘porte populacional’ e ‘cobertura da ESF’, os achados foram controversos: a estrutura mostrou-se melhor em municípios menores e com cobertura da ESF de 100%. Uma possível explicação para esse resultado é a de que, normalmente, o foco dos municípios pequenos se volta à Atenção Básica; municípios de médio e grande porte, além da atenção primária, arcam com estruturas de média e alta complexidade do sistema de saúde, sendo frequentemente reconhecidos como referências regionais. A solicitação de exames adequada foi maior nos municípios maiores e com menor cobertura da ESF. Possivelmente, o fato de atuarem em grandes centros faz com que profissionais de saúde tenham maior acesso a atividades de educação permanente, nas quais esses aspectos seriam trabalhados. A atenção adequada, referida pelas usuárias, não apresentou um padrão definido para as variáveis ‘orientações’ e ‘procedimentos’.

De maneira geral, as UBS com equipes participantes dos Ciclos I e II apresentaram melhores resultados de estrutura, solicitação de exames e atenção à saúde das mulheres entrevistadas. Uma das hipóteses atribuídas para o alcance desses resultados estaria no incentivo financeiro, recebido pelas equipes e unidades participantes do PMAQ entre 2012 e 2014. De fato, trata-se de um curto intervalo de tempo, durante o qual esse incentivo foi a única intervenção com foco no aprimoramento da Atenção Básica. Os resultados desta pesquisa devem ser interpretados com cautela. Não se trata de um estudo de intervenção controlado e com ajuste para outras variáveis capazes de influenciá-lo. Os achados apoiam a continuidade do programa. Porém, é mister que a hipótese do incentivo financeiro, como fator determinante do aprimoramento da Atenção Básica, seja confirmada em futuras análises que considerem um período mais extenso e um número maior de avaliações, o que será possível com a disponibilização dos dados do terceiro ciclo do PMAQ.

Ao se pensar nas limitações do estudo, não se pode descartar o viés de seleção, tendo em vista que a adesão das equipes ao PMAQ é voluntária. A adesão ao Ciclo II foi numerosa, com a adesão de equipes de todo o país: mais de 70% das UBS participaram. No Ciclo I, a adesão foi de cerca de 30%, concentrados nas melhores equipes e UBS. Por este motivo, recomenda-se cautela ao generalizar seus resultados para todas as UBS do país. A situação da atenção ao pré-natal no Brasil pode ser ainda mais precária do que se revela, pois UBS e equipes em condições mais deficitárias não participaram da avaliação. O Ciclo III, realizado em 2017, conta com adesão quase universal e, portanto, futuras análises poderão contribuir para o maior controle desse viés.

Também como meio de avaliar o processo de trabalho das equipes, foram utilizadas variáveis proxy. Sabe-se que a avaliação do processo de trabalho dos profissionais de saúde é muito mais complexa; entretanto, a abordagem utilizada no presente estudo foi limitada pela disponibilidade de variáveis nos instrumentos e, ademais, não foram exploradas diferenças em nível individual das usuárias, o que poderia revelar iniquidades do ponto de vista do cuidado.

Entre os pontos positivos do estudo, destaca-se seu ineditismo: realizado na rede de Atenção Básica do SUS, utilizou-se de amostra abrangente de UBS de todo o país. Além disso, o instrumento de avaliação externa do PMAQ foi construído com base em três pilares - estrutura das UBS, processo de trabalho das equipes e atenção recebida pelas usuárias -, permitindo uma abordagem mais ampla de avaliação da atenção ao pré-natal. A maior parte dos estudos realizados no Brasil com o objetivo de avaliar a qualidade da atenção ao pré-natal utilizou apenas um ou dois desses pilares de avaliação.16,18,21,22

Vale destacar mais um resultado positivo desta avaliação: o aumento em torno de 5% de UBS com estrutura adequada, considerando-se o curto período de tempo, de apenas dois anos entre os Ciclos I e II. Se for possível estimar um total, ainda que aproximado, de 40.000 UBS implantadas no país, esse incremento de 5%, quando extrapolado para números absolutos, representará 2.000 UBS com melhores estruturas, caso aderirem ao PMAQ.

A atenção ao pré-natal na rede básica de saúde do Brasil necessita de melhorias, todavia. Orientações sobre a importância da realização do exame preventivo de câncer do colo do útero, realização de exame da cavidade oral, ginecológico e de mamas devem ser mais bem exploradas pelos profissionais de saúde, no acompanhamento das gestantes. Para tanto, eles e suas equipes nas unidades básicas de saúde devem se integrar a processos de educação permanente. Recomenda-se, com base nos dados dos Ciclos I, II e III do PMAQ, a realização de futuros estudos de avaliação da consistência destes achados, como também da efetividade do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica no alcance de seus objetivos.

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Recebido: 19 de Fevereiro de 2019; Aceito: 10 de Setembro de 2019

Endereço para correspondência: Rosália Garcia Neves - Av. Ferreira Viana, no 3010, Apto. 156, Bairro Areal, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. CEP: 96085-000. E-mail: rosaliagarcianeves@gmail.com

Contribuição dos autores

Neves RG, Flores-Quispe MP e Tomasi E contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação da primeira versão do manuscrito. Facchini LA e Fassa AG contribuíram na análise e interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

Editor associado: Bruno Pereira Nunes - orcid.org/0000-0002-4496-4122

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