Introdução
O enfrentamento ao HIV/aids e às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) constitui desafio à sociedade, no estabelecimento de medidas de controle das suscetibilidades ligadas aos aspectos individuais e contextuais.1,2 No cenário brasileiro, houve esforços de autoridades governamentais e sociedade civil organizada para ampliar o conhecimento e a utilização de tecnologias que possam melhorar a qualidade de vida dos indivíduos com ISTs ou HIV/aids. Somado a isso, há investimentos nas medidas de prevenção e controle, como a detecção de novos casos de infecção por HIV.2
O aconselhamento constitui tecnologia leve, e prática imprescindível para redução da transmissão das ISTs/HIV/aids. O atendimento tem o potencial de reduzir situações de risco de exposição às ISTs, ao permitir uma relação direta e personalizada com os usuários do serviço de saúde.3
No combate à epidemia de ISTs/HIV/aids, o aconselhamento de alta qualidade e a testagem são vitais, pois reduzem o comportamento de risco e impedem novas infecções.4 Partindo dessas premissas e da evolução da epidemia de HIV/aids no Brasil, no final da década de 1990, promoveu-se a descentralização das ações dos Centros de Aconselhamento e Testagem (CTA) para a atenção primária à saúde (APS), visando ao diagnóstico precoce do HIV. A APS tem como função a realização de ações de caráter individual e coletivo, por exemplo, na questão abordada neste estudo, a prevenção da transmissão das ISTs.5,6
Para tanto, destaca-se como imprescindível a realização do aconselhamento em ISTs/HIV/aids, permitindo a aproximação e compartilhamento de saberes e ideias entre profissional de saúde e usuário.7
No Brasil, ao se consultar a literatura nacional, constata-se a escassez de pesquisas dedicadas ao monitoramento regular do aconselhamento em ISTs/HIV/aids na APS, a ponto de desconhecer-se como se encontra essa prática em muitas regiões do país. Sob essa perspectiva, o presente estudo objetivou investigar a prática autorreferida dos profissionais da APS sobre aconselhamento em ISTs/HIV/aids.
Métodos
Estudo transversal realizado em Montes Claros, estado de Minas Gerais, Brasil. Trata-se de município de grande porte, com população estimada em mais de 390 mil habitantes, sendo o maior centro urbano da região setentrional do estado. Sua área de influência se estende do norte de Minas Gerais ao sudoeste da Bahia.
O estudo foi conduzido no âmbito da APS, representada pelas equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) atuantes na zona urbana do município. À época da coleta de dados, Montes Claros contava com 95 equipes da ESF.
O quantitativo de profissionais lotados nas unidades básicas de saúde (UBS) locais foi obtido da Secretaria Municipal de Saúde. Realizou-se um censo, o qual levantou uma população de 180 profissionais entre enfermeiros e médicos das UBS urbanas qualificados a participar do estudo (Figura 1). Desses profissionais, foram excluídos aqueles com menos de três meses de tempo de serviço (dada a possibilidade de um profissional recém-admitido não haver realizado o aconselhamento e ter sua prática avaliada), e os que não se encontravam em atividade no período do estudo (em férias ou sob licença de saúde). A coleta de dados aconteceu em um único momento. As perdas foram consideradas somente entre os elegíveis que não aceitaram participar da pesquisa. Por fim, foram incluídos na pesquisa 168 profissionais.

a) ESF: Estratégia Saúde da Família.
b) APS: atenção primária à saúde.
Figura 1 - Diagrama de seleção dos médicos e enfermeiros da atenção primária à saúde participantes do estudo, Montes Claros, Minas Gerais, 2015-2016
Os dados foram coletados mediante aplicação de questionário no período de 2015 e 2016. O pesquisador encarregado da tarefa procurou pelos profissionais, apresentou-lhes a proposta do estudo e convidou-os a participar dele. A lista de questões foi entregue a cada médico e enfermeiro para ser respondida na própria UBS, na presença do pesquisador, em horário convencional de trabalho. Entretanto, alguns profissionais afirmaram estarem tão atarefados a ponto de não poderem responder ao questionário naquele momento. Nesses casos, agendou-se dia e horário de sua devolução, dois dias, em média. Para tanto, o pesquisador utilizou-se da estratégia de ligação prévia e confirmação da entrega do instrumento preenchido.
As questões propostas dividiam-se em duas partes. A primeira parte contemplava questões sociodemográficas e relativas à formação dos profissionais:
sexo (masculino; feminino);
idade (em anos);
estado civil (casado ou em união estável; solteiro(a); separado(a); ou viúvo(a);
se pratica alguma religião (sim; não);
nacionalidade (brasileira; outra);
categoria profissional (médico; enfermeiro);
caráter da instituição de graduação (privada; pública);
tempo de graduação (em anos);
tempo de atuação na APS (em meses); e
qualificação em Saúde da Família (sim/não).
A qualificação em Saúde da Família considerada na pesquisa foi verificada pela realização da ‘Residência’ (médica ou multiprofissional) em Saúde da Família e o título de Medicina de Família e Comunidade.
A segunda parte do questionário constituía-se de 27 itens relativos à prática autorreferida do aconselhamento, todos redigidos com base na atuação prevista para os profissionais da APS, recomendada nos manuais ‘Aconselhamento em DST/HIV/aids para a Atenção Básica’,5 ‘Oficina de Aconselhamento em DST/HIV/AIDS para a Atenção Básica’6 e ‘Cadernos de Atenção Básica: HIV/Aids, hepatites e outras DST’,7 todos elaborados e publicados pelo Ministério da Saúde do Brasil. De acordo com as recomendações desses manuais, os itens foram divididos em quatro unidades temáticas, a saber:
Realização do aconselhamento’ (7 itens)
Medidas de prevenção (6 itens)
Avaliação do comportamento de risco e vulnerabilidade (10 itens)
Testagem sorológica (4 itens)
Antes de sua aplicação pela pesquisa, as questões foram submetidas à análise de dois médicos infectologistas, um médico especialista em APS, um médico especialista em APS e ISTs, um enfermeiro especialista em APS e dois enfermeiros especialistas em ISTs, para validação de conteúdo. O questionário foi avaliado quanto à presença ou ausência dos seguintes critérios: abrangência, objetividade, clareza e relevância.8 Após sua avaliação, esses profissionais solicitaram a alteração-reformulação de quatro itens e foram atendidos. Em seguida, o material passou por nova avaliação, quando os especialistas não viram mais necessidade de mudanças.
Os itens do questionário seguiram a escala Likert, com a definição de cinco opções de resposta para cada item, propondo-se ao respondente escolher, entre elas, a que melhor representasse sua prática relacionada ao aconselhamento em ISTs/HIV/aids. Foram atribuídos valores a cada uma das opções da escala adotada: (i) sempre (valor=5); (ii) frequentemente (valor=4); (iii) às vezes (valor=3); (iv) raramente (valor=2); (v) nunca (valor=1). Para o item ‘não sei/recusou responder’ (NS/RR), decidiu-se não atribuir valor, assim como para os itens deixados em branco (missing), ambas as situações sendo tratadas de forma semelhante, para fins estatísticos. O item 25 teve seus valores na escala invertidos, dada sua natureza: ‘sempre’ passou a representar a pior situação, enquanto ‘nunca’ a pior.
Como um teste prévio à aplicação do questionário, realizou-se estudo-piloto com dez profissionais lotados em uma UBS da zona rural, que, pelo contexto geográfico de seu trabalho, não foram considerados na pesquisa. Os profissionais consultados nesse estudo-piloto não relataram qualquer dificuldade ou dúvida para o preenchimento do questionário proposto, aprovado e mantido inalterado para o estudo principal.
As análises dos dados coletados foram processadas com a utilização do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS)® versão 17.0. Inicialmente, realizaram-se análises descritivas de todas as variáveis. Para análise descritiva dos itens relativos à prática do aconselhamento, as respostas obtidas pela escala Likert foram agrupadas em três categorias: (i) sempre/frequentemente; (ii) às vezes; (iii) raramente/nunca. Para avaliar a consistência interna das respostas, calculou-se o alfa (α) de Cronbach para cada unidade temática, bem como para o conjunto dos 27 itens (escala global), adotando-se valores ≥0,60, indicativos de boa consistência interna da escala adotada.9
Sobre cada unidade temática, foram calculados escores, mediante a soma do valor correspondente à resposta do indivíduo a cada item do domínio, dividida pelo número de itens componentes do mesmo domínio. O escore obtido foi transformado em uma escala contínua, de 0 a 10, em valores ajustados, com o objetivo de evitar a superestimação dos valores da prática autorreferida, conforme análise de outro instrumento, Primary Care Assesment Tool (PCATool-Brasil),10 adotado em estudo anterior que também se utilizou da escala de Likert.11 Para tanto, adotou-se a seguinte fórmula:
O escore máximo considerado no estudo foi de 5 (sempre) e o mínimo de 1 (nunca). Para abordagem ou tratamento das respostas de tipo NS/RR, adotou-se o procedimento de substituição das respostas, ou imputação. O critério de imputação consistiu na substituição das respostas NS/RR e em branco pela média das respostas observadas (medida de tendência central) para a unidade temática, desde que houvesse menos de 50% de respostas - NS/RR e em branco - registradas.12 No estudo em tela, 11 casos foram submetidos a esse procedimento estatístico. Por sua vez, os casos em que a soma de respostas em branco (missing) com respostas NS/RR atingiu 50% ou mais do total de itens de uma unidade temática foram excluídos, para análise posterior de escore.10,12
Em cada unidade temática calculada, os valores de escore ajustado foram dicotomizados: quando ≥7,5 pontos, como prática autorreferida adequada (valores de 4 ou mais na escala de Likert); e quando <7,5 pontos, prática autorreferida inadequada (valor igual ou menor que 3, na escala Likert). O ponto de corte de 7,5 foi adotado com base no melhor nível de resposta da prática referida pelos profissionais, qual seja, entre as opções ‘sempre’ e ‘frequentemente’, o que representa resposta maior ou igual a 4 na escala de Likert aplicada, haja vista ser essa a recomendação do Ministério da Saúde para profissionais da APS.6,7
O cálculo do escore geral, representativo da prática global de aconselhamento, considerou as quatro unidades temáticas conjuntamente, para estimar a média dos escores ajustados obtidos em cada domínio. E novamente dicotomizou-se a prática autorreferida, em adequada ou inadequada, pelo mesmo ponto de corte de 7,5. Foram considerados missing os indivíduos para os quais duas ou mais unidades temáticas não foram calculadas.
Em seguida, foram conduzidas análises bivariadas pelo teste do qui-quadrado (χ2) de Pearson ou teste exato de Fisher, para avaliação da associação entre (i) a prática autorreferida global e temática do aconselhamento em ISTs/HIV/aids adequada/inadequada (variável dependente) e (ii) as variáveis sociodemográficas e de formação profissional. O nível de significância adotado foi de 5%.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (CEP/Unimontes), mediante Parecer (consubstanciado) nº 890.235. Os aspectos éticos exigidos foram respeitados. Para a participação no estudo, os profissionais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo-lhes garantido total anonimato. Os resultados obtidos foram disponibilizados à Secretaria Municipal de Saúde de Montes Claros, para que pudessem subsidiar o planejamento de ações condizentes com a realidade observada.
Resultados
Dos 168 profissionais elegíveis para o estudo, 146 concordaram dele participar, caracterizando percentual de resposta de 87,0%. Destes, 58,9% eram enfermeiros (Tabela 1). Do total de médicos, 18,3% eram cubanos. A distribuição dos profissionais segundo a frequência com que cumpriam os itens relativos à prática autorreferida de aconselhamento encontra-se apresentada na Tabela 2. Os valores obtidos do alfa de Cronbach global foram de 0,88 e, por unidade temática, os seguintes: realização do aconselhamento, 0,65; avaliação do comportamento de risco/vulnerabilidade, 0,85; medidas de prevenção, 0,71; e testagem sorológica, 0,60.
Tabela 1 - Características sociodemográficas e de formação profissional de médicos e enfermeiros da atenção primária à saúde, Montes Claros, Minas Gerais, 2015-2016
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 103 | 70,5 |
Masculino | 43 | 29,5 |
Idade (em anos) | ||
≥30 | 79 | 54,1 |
<30 | 67 | 45,9 |
Estado civil | ||
Casado ou em união estável | 68 | 46,6 |
Solteiro | 69 | 47,3 |
Separado ou viúvo | 9 | 6,1 |
Se pratica alguma religião | ||
Sim | 133 | 91,1 |
Não | 13 | 8,9 |
Nacionalidade | ||
Brasileira | 135 | 92,5 |
Outra | 11 | 7,5 |
Categoria profissional | ||
Médico | 60 | 41,1 |
Enfermeiro | 86 | 58,9 |
Caráter da instituição de graduação | ||
Privada | 83 | 56,8 |
Pública | 63 | 43,2 |
Tempo de graduação | ||
0 a 3 anos | 61 | 41,8 |
4 a 10 anos | 66 | 45,2 |
Acima de 10 anos | 19 | 13,0 |
Tempo de atuação na APSa | ||
≥31 meses | 73 | 50,0 |
<31 meses | 73 | 50,0 |
Qualificação em Saúde da Família | ||
Sim | 37 | 25,3 |
Não | 109 | 74,7 |
a) APS: atenção primária à saúde.
Tabela 2 - Distribuição de médicos e enfermeiros da atenção primária à saúde, segundo a frequência com que realizam os itens relativos à prática autorreferida de aconselhamento em infecções sexualmente transmissíveis, vírus da imunodeficiência humana e aids, Montes Claros, Minas Gerais, 2015-2016
Itens avaliados | Sempre/ frequentemente | Às vezes | Raramente/ nunca | NS/RR |
---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |
Unidade temática 1: realização do aconselhamento | ||||
1. Eu realizo o aconselhamento individual em ISTs/HIV/aids em local reservado com os usuários. | 116 (79,5) | 11 (7,6) | 13 (8,7) | 6 (4,2) |
2. Eu realizo o agendamento dos usuários que necessitam de aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 79 (54,0) | 25 (17,1) | 35 (24,0) | 7 (4,9) |
3. Eu gasto tempo suficiente para prestar um aconselhamento de qualidade para os usuários atendidos por mim. | 85 (58,1) | 38 (26,0) | 15 (10,3) | 8 (5,6) |
4. Eu insiro na rotina da equipe os usuários que possuem demanda relacionada a IST. | 71 (48,5) | 32 (21,9) | 33 (22,6) | 10 (7,0) |
5. No aconselhamento, eu estou à vontade para discutir questões relacionadas a sexo com os usuários. | 102 (69,9) | 34 (23,3) | 6 (4,0) | 4 (2,8) |
6. Eu realizo visitas domiciliares aos usuários com demanda relacionada a ISTs/HIV/aids. | 29 (19,8) | 34 (23,3) | 77 (52,7) | 6 (4,2) |
7. Eu realizo mais de um aconselhamento em ISTs/HIV/aids com o usuário quando é necessário. | 73 (50,0) | 43 (29,3) | 19 (13,0) | 11 (7,7) |
Unidade temática 2: medidas de prevenção | ||||
8. Eu discuto práticas sexuais seguras com todos os usuários no aconselhamento. | 102 (69,9) | 32 (21,9) | 9 (6,1) | 3 (2,1) |
9. Eu discuto a importância da prevenção das ISTs/aids na pré-concepção, para mulheres em idade fértil. | 101 (69,2) | 29 (19,8) | 16 (11,0) | - |
10. Eu discuto sobre medidas preventivas relacionadas às ISTs/HIV/aids durante o aconselhamento. | 116 (79,5) | 24 (16,4) | 02 (1,4) | 4 (2,8) |
11. Eu discuto a importância do uso do preservativo com cada usuário atendido por mim. | 101 (69,2) | 32 (21,9) | 12 (8,2) | 1 (0,7) |
12. Eu forneço informações sobre os preservativos masculino e feminino. | 108 (74,0) | 31 (21,2) | 6 (4,1) | 1 (0,7) |
13. Eu ofereço preservativo para os usuários atendidos no aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 111 (76,0) | 14 (9,6) | 15 (10,3) | 6 (4,1) |
Unidade temática 3: avaliação do comportamento de risco e vulnerabilidade | ||||
14. Eu discuto a relação entre o uso de drogas injetáveis e não injetáveis e o risco de transmitir alguma IST com os usuários que fazem uso delas. | 67 (45,8) | 36 (24,7) | 37 (25,3) | 6 (4,2) |
15. Eu discuto a relação entre o uso de drogas injetáveis e não injetáveis e o risco de contrair alguma IST com os usuários que fazem uso delas. | 69 (47,3) | 37 (25,4) | 32 (21,9) | 8 (5,4) |
16. Eu abordo as diferenças de vulnerabilidades relacionadas às ISTs/aids. | 50 (34,2) | 50 (34,2) | 38 (26,1) | 8 (5,5) |
17. Eu discuto os riscos de adquirir IST, incluindo a infecção pelo HIV, com cada usuário no aconselhamento. | 109 (74,7) | 27 (18,3) | 4 (2,8) | 6 (4,2) |
18. Eu discuto os riscos de transmissão das ISTs e da infecção pelo HIV com cada usuário no aconselhamento. | 107 (73,2) | 30 (20,5) | 5 (3,5) | 4 (2,8) |
19. Eu discuto o risco da transmissão de mãe para filho das ISTs e da infecção pelo HIV com cada gestante na consulta pré-natal. | 110 (75,3) | 20 (13,7) | 16 (11,0) | - |
20. Eu discuto sobre a história prévia de IST com cada usuário durante o aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 73 (50,0) | 41 (28,1) | 30 (20,5) | 2 (1,4) |
21. Eu pergunto sobre o número atual e passado de parcerias sexuais de cada usuário durante o aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 88 (60,3) | 38 (26,0) | 18 (12,3) | 2 (1,4) |
22. Eu pergunto sobre a orientação sexual dos usuários em cada aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 62 (42,4) | 37 (25,4) | 45 (30,8) | 2 (1,4) |
23. Eu discuto sobre práticas sexuais (sexo oral, vaginal e anal) com cada usuário durante o aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 53 (36,3) | 47 (32,2) | 43 (29,4) | 3 (2,1) |
Unidade temática 4: testagem sorológica | ||||
24. Eu solicito a autorização/consentimento para testagem anti-HIV e de outras ISTs no aconselhamento em ISTs/HIV/aids. | 100 (68,5) | 13 (8,9) | 28 (19,2) | 5 (3,4) |
25. Eu já omiti diagnóstico de IST para não causar transtorno no relacionamento dos usuários. | 10 (6,8) | 04 (2,7) | 128 (87,7) | 4 (2,8) |
26. Eu solicito o teste anti-HIV e de outras ISTs mediante o aconselhamento. | 84 (57,5) | 34 (23,2) | 17 (11,6) | 11 (7,7) |
27. Eu indico o teste anti-HIV a todo usuário que atendo na unidade de saúde, independentemente do motivo original do atendimento. | 17 (11,6) | 27 (18,4) | 96 (65,8) | 6 (4,2) |
Legenda:
NS/RR= não sabe/recusou responder.
IST: infecção sexualmente transmissível.
HIV: vírus da imunodeficiência humana (HIV; human immunodeficiency vírus).
aids: síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS: acquired immunodeficiency syndrome).
Na unidade temática ‘Realização do aconselhamento’, a maioria dos profissionais (79,5%) referiu realizar sempre/frequentemente o aconselhamento individual em ISTs/HIV/aids em local reservado com o usuário. Em ‘Medidas de prevenção’, a proporção dos profissionais que discutem sempre/frequentemente sobre medidas preventivas relacionadas às ISTs/HIV/aids durante o aconselhamento foi, igualmente, de 79,5%. Quanto à ‘Avaliação do comportamento de risco e vulnerabilidade’, o percentual dos profissionais que sempre/frequentemente aborda a transmissão vertical de ISTs e HIV com cada gestante na consulta pré-natal foi de 75,3%. Sobre a ‘Testagem sorológica’, 87,7% dos profissionais participantes do estudo raramente/nunca omitem um diagnóstico de IST, enquanto apenas 11,6% indicam o teste a todo usuário atendido por eles na UBS.
Em relação à proporção de profissionais que apresentam prática autorreferida adequada em cada domínio, observou-se 31,9% para a unidade temática ‘Realização do aconselhamento’, 28,2% para a ‘Avaliação de comportamento de risco/vulnerabilidade’, 64,1% para ‘Medidas de prevenção’ e 40,1% para ‘Testagem sorológica’. Ao se considerar a prática global, 25,7% dos profissionais apresentaram práticas autorreferidas adequadas, enquanto 74,3% inadequadas.
A Tabela 3 apresenta análise bivariada da prática global adequada dos profissionais da APS, considerando-se variáveis sociodemográficas e de formação profissional. A única variável a mostrar associação com a prática adequada de aconselhamento foi a categoria profissional (p=0,002): médicos apresentaram maiores chances de realizar práticas adequadas, quando comparados aos enfermeiros (OR=3,48 - IC95% 1,57;7,70). Partindo desse resultado, conduziu-se análise por domínio para a variável ‘categoria profissional’. ‘Testagem sorológica’ foi a única unidade temática a revelar diferença significativa entre as duas categorias profissionais investigadas, com maiores chances de práticas adequadas entre médicos do que entre enfermeiros (p=0,001) (Tabela 4).
Tabela 3 - Análise bivariada entre prática autorreferida global adequada/inadequada de aconselhamento em infecções sexualmente transmissíveis, vírus da imunodeficiência humana e aids entre médicos e enfermeiros da atenção primária à saúde e variáveis sociodemográficas e de formação profissional, Montes Claros, Minas Gerais, 2015-2016
Variáveis | Prática autorreferida Adequadaa | Prática autorreferida Inadequada | ORb (IC95%)c | Valor de pd |
---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | |||
Sexo | 0,076 | |||
Masculino | 15 (41,7) | 28 (26,9) | 1,93 (0,87;4,27) | |
Feminino | 21 (58,3) | 76 (73,1) | 1,0 | |
Idade (em anos) | 0,244 | |||
≤30 | 17 (47,2) | 58 (55,8) | 0,71 (0,33;1,51) | |
>30 | 19 (52,8) | 46 (44,2) | 1,0 | |
Estado civil | 0,458 | |||
Casado ou em união estável | 18 (50,0) | 49 (47,1) | 1,12 (0,52;2,39) | |
Solteiro ou separado | 18 (50,0) | 55 (52,9) | 1,0 | |
Pratica alguma religião | 0,223 | |||
Sim | 29 (80,6) | 91 (87,5) | 0,59 (0,21;1,62) | |
Não | 7 (19,4) | 13 (12,5) | 1,0 | |
Categoria profissional | 0,002 | |||
Médico | 23 (63,9) | 35 (33,7) | 3,48 (1,57;7,70) | |
Enfermeiro | 13 (43,5) | 69 (61,5) | 1,0 | |
Tempo de formado | 0,562 | |||
0 a 3 anos | 15 (41,7) | 43 (41,3) | 1,01 (0,47;2,18) | |
4 anos ou mais | 21 (58,3) | 61 (58,7) | 1,0 | |
Instituição de ensino de graduação | 0,115 | |||
Pública | 19 (52,8) | 41 (39,4) | 1,71 (0,80;3,68) | |
Privada | 17 (47,2) | 63 (60,6) | 1,0 | |
Qualificação em Saúde da Família | 0,447 | |||
Sim | 20 (55,6) | 61 (58,7) | 0,88 (0,41;1,89) | |
Não | 16 (44,4) | 43 (41,3) | 1,0 | |
Nacionalidade | 0,302 | |||
Brasileira | 32 (88,9) | 97 (93,3) | 0,57 (0,15;2,10) | |
Cubana | 4 (11,1) | 7 (6,7) | 1,0 | |
Treinamento prévio em aconselhamento em ISTs/HIV/aidse | 0,504 | |||
Sim | 9 (25,0) | 28 (26,9) | 0,90 (0,37;2,16) | |
Não | 27 (75,0) | 76 (73,1) | 1,0 | |
Você faz o aconselhamento em ISTs/HIV/aids? | 0,499 | |||
Sim | 33 (91,7) | 97 (93,3) | 0,79 (0,19;3,24) | |
Não | 3 (8,3) | 7 (6,7) | 1,0 | |
Tempo de serviço na APSf | 0,193 | |||
≥31 meses | 21 (58,3) | 50 (48,1) | 1,51 (0,70;3,25) | |
<31 meses | 15 (41,7) | 54 (51,9) | 1,0 |
a) Categoria de referência da variável dependente.
b) OR: odds ratio (razão de chances).
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
d) Teste do qui-quadrado de Pearson.
e) ISTs/HIV/aids: infecções sexualmente transmissíveis/vírus da imunodeficiência humana (HIV: human immunodeficiency virus)/síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS: acquired immunodeficiency syndrome).
f) APS: atenção primária à saúde.
Tabela 4 - Análise bivariada entre a categoria profissional e as unidades temáticas da prática autorreferida de aconselhamento em infecções sexualmente transmissíveis, vírus da imunodeficiência humana e aids na atenção primária à saúde, Montes Claros, Minas Gerais
Unidade temática | Enfermeiro | Médico | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Realização do aconselhamento | 0,232 | ||||
Adequada | 24 | 28,9 | 21 | 36,2 | |
Inadequada | 59 | 71,1 | 37 | 63,8 | |
Avaliação de comportamento de risco/vulnerabilidade | 0,058 | ||||
Adequada | 19 | 22,6 | 21 | 36,2 | |
Inadequada | 65 | 77,4 | 37 | 63,8 | |
Medidas de prevenção | 0,364 | ||||
Adequada | 56 | 65,9 | 37 | 61,7 | |
Inadequada | 29 | 34,1 | 23 | 38,3 | |
Testagem sorológica | 0,001 | ||||
Adequada | 23 | 28,0 | 34 | 56,7 | |
Inadequada | 59 | 72,0 | 26 | 43,3 | |
Prática global | 0,002 | ||||
Adequada | 23 | 63,9 | 35 | 33,7 | |
Inadequada | 13 | 43,5 | 69 | 61,5 |
Discussão
Estes resultados indicaram que, na APS investigada, as práticas de aconselhamento em ISTs/HIV/aids estão abaixo do padrão ideal recomendado pelo Ministério da Saúde. O fato é preocupante, podendo indicar a não realização de importantes ações do aconselhamento no cotidiano de trabalho desses profissionais na UBS. Os itens analisados basearam-se nas recomendações dos manuais assinados pelo então Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, atual Departamento de Doenças Transmissíveis de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, o que, em hipótese, implica os participantes não terem recebido orientação ou capacitação pela unidade de APS onde trabalham. Ressalte-se que a APS constitui cenário propício à realização do aconselhamento em ISTs/HIV/aids, dado seu caráter preventivo e de articulação com a prática assistencial e a comunidade à qual serve.13
Neste estudo, constatou-se baixa proporção de médicos e enfermeiros qualificados em Saúde da Família, o que também pode contribuir para práticas autorreferidas inadequadas no aconselhamento. O aconselhamento é uma atividade a ser desenvolvida por profissional de saúde devidamente capacitado, não se limitando ao encaminhamento para teste de sorologia anti-HIV.5 É imprescindível inserir o aconselhamento em ISTs/HIV/aids na formação desses profissionais, seja pelos programas de pós-graduação da academia, seja por ações de iniciativa do Ministério da Saúde, sempre com o objetivo de antecipar a oportunidade de detecção dessas doenças e a melhora da qualidade da abordagem do usuário pelos serviços de APS.
Estudo realizado na Espanha14 em 2013 aponta que a formação e preparo para o trabalho com prevenção e aconselhamento é uma forma de permitir uma atuação direcionada e efetiva, adequada às necessidades do indivíduo e fundamentada em uma atenção holística do ser. Aproximados 80,0% dos profissionais participantes dessa investigação referiram a importância de uma capacitação contínua para realizar melhor aconselhamento e abordagem do resultado da testagem sorológica para HIV, trazendo maior confiança e resolutividade ao profissional.
A presença de profissionais capacitados também foi observada em investigação localizada no Zimbábue, África,15 no ano de 2012, e tem sido associada à maior resolutividade dos casos, diagnóstico precoce de infecção pelo HIV e menores complicações nos casos de IST, produzindo resposta mais efetiva no combate às ISTs/aids. Pesquisa realizada na França em 2015, com 407 profissionais da APS daquele país europeu, verificou que apenas 8% foram capacitados a cumprir as recomendações para realização da testagem no aconselhamento.16
Revisão sistemática de publicações na Europa, selecionadas entre 2006 e 2017, encontrou que os profissionais atuantes na APS têm necessidades específicas de capacitação relacionadas à epidemiologia e prevenção do HIV, bem como os benefícios do tratamento da infecção, do diagnóstico precoce e do manejo do vírus imediatamente ao diagnóstico.17Essas necessidades de qualificação não se mostraram associadas com o tempo de formação, ambiente de trabalho ou especialidade no atendimento à saúde, tampouco com o grau de confiança dos profissionais nos resultados da testagem sorológica, segundo o mesmo estudo espanhol citado aqui.14
Na ‘Realização do aconselhamento’, ressalta-se que grande parte dos profissionais investigados referiram realizar o aconselhamento individual em ISTs/HIV/aids em local reservado nas dependências da UBS. É provável que este fato reflita a preocupação do profissional em preservar o direito do usuário à confidencialidade das informações geradas no atendimento, possivelmente atribuída ao estigma e discriminação persistentes em torno das ISTs/aids. As medidas de proteção à confidencialidade dos que buscam os serviços de atenção primária devem ser garantidas, como meio de reduzir as chances de não retorno, eventuais complicações provocadas pelas ISTs e por um diagnóstico tardio de infecção pelo HIV.18 Investigação conduzida na APS da Índia, no ano de 2018, apontou que a falta de local adequado para o aconselhamento pode comprometer a confidencialidade e provocar menor adesão ao atendimento. A confidencialidade das informações do usuário é questão de direito consolidada, a ser requerida pelo indivíduo à equipe de saúde quando da avaliação do serviço prestado.19
A unidade temática ‘Medidas de prevenção’ apresentou o maior percentual de prática autorreferida adequada. A prática adequada dessas ações pode revelar a sensibilização dos profissionais para o trabalho de prevenção, manifesta em sua disposição para apresentar e discutir com o usuário práticas sexuais seguras, informações sobre as ISTs e o uso de preservativo. Contudo, é importante destacar que as atividades de prevenção das ISTs/aids são altamente suscetíveis às variações contextuais, geográficas, sociais, econômicas e culturais. As diretrizes nacionais sobre aconselhamento preconizam ações específicas, visando orientar os profissionais na atuação direcionada a cada caso atendido.6.7,20 Isto implica a importância de propor ações de educação permanente voltadas aos profissionais da APS. Estudo longitudinal com duração de 12 meses, realizado nos Estados Unidos, constatou que profissionais capacitados aumentaram em 12,0% a chance de oferecer aconselhamento de rotina, como forma de prevenir que indivíduos sob maior risco de infecção transmitissem o HIV/aids ou demais ISTs a outras pessoas.21
Na ‘Avaliação do comportamento de risco e vulnerabilidade’, identificou-se o menor percentual de prática autorreferida adequada. Essa unidade temática do aconselhamento requer atenção, pois constitui o momento em que o profissional conduz sua palavra e ações para que o usuário compreenda e avalie os próprios riscos, evitando práticas sexuais inseguras de maneira a se expor/expor outros indivíduos a infecções. Trabalhos apontam que a avaliação profissional do risco para contrair o HIV e outras ISTs depende de treinamento, confiança e habilidades específicas aplicadas ao aconselhamento.22,23 Todavia destacou-se a prática da abordagem da transmissão vertical do HIV durante as consultas de pré-natal, autorreferida pela maioria dos participantes, indicativa do grau de comprometimento dos profissionais com a redução de intercorrências na gestação e na mortalidade materna.24
Finalmente, sobre a ‘Testagem sorológica’, constatou-se prática adequada na APS em menos da metade dos participantes. Este achado corrobora resultados de investigações realizadas em países desenvolvidos, inclusive.14,25 Na APS da Bélgica, por exemplo, durante a prática do aconselhamento profissional, a maioria dos testes de HIV era solicitada por iniciativa do paciente: a solicitação no aconselhamento pré-teste raramente era realizada pelo profissional, enquanto no atendimento pós-teste, como norma a cumprir, encaminhavam-se para nova testagem, de caráter confirmatório, os pacientes diagnosticados com HIV. No estudo com profissionais belgas, identificou-se que as principais barreiras para fornecer teste rápido de HIV foram o medo de ofender o paciente, o conhecimento limitado dos benefícios do diagnóstico de HIV, conceitos errôneos sobre riscos de HIV, falta de diretrizes e de tempo para sua aplicação.25 Lembrando a investigação realizada com médicos da APS da Espanha, lá também se encontrou, entre as principais causas de não solicitação do teste rápido de HIV, a falta de treinamento sobre esse tipo de teste (56,4%) e a falta de tempo para sua realização, tanto no pré como no pós-aconselhamento (49,4%).14
De acordo com o presente estudo, no aconselhamento prestado aos usuários do serviço na UBS, médicos e enfermeiros raramente ou nunca omitiam um diagnóstico de IST. Esse dado tem efeito positivo para a APS, em seu objetivo de captar novos casos de indivíduos portadores de IST ou HIV, e assim evitar complicações futuras. A revelação do diagnóstico na APS mostra-se essencial à elaboração, planejamento e seguimento dos casos, para se alcançarem maiores chances de evolução favorável e/ou recuperação da saúde. Diferentemente do propósito deste trabalho, estudos têm identificado elementos inibidores dessa tarefa: o medo do preconceito, da discriminação e da reação do indivíduo; o desconforto pela exposição à família ou parceiros(as); e o temor, trazido à consciência, das responsabilidades por assumir.26,27
É preocupante que apenas 11,6% dos profissionais solicitem o teste a todo usuário que chega à UBS. Este percentual representa perda de oportunidades na realização do teste e aconselhamento. Em 2017, estudo qualitativo desenvolvido nos Países Baixos28 mostrou que os médicos solicitam a testagem para HIV apenas quando percebem algum risco de infecção. Pesquisa na França,29 datada de 2016, mostra que as principais razões para a indicação do teste de HIV na APS foram a solicitação do paciente (91,0%) e o risco dessa infecção (62,0%), não sendo aproveitadas outras oportunidades para o mesmo procedimento, diante de outros usuários.
Os médicos mostraram maior chance de prática global de aconselhamento classificada como adequada, consequência do melhor desempenho relatado na unidade temática ‘Testagem sorológica’. Sugere-se que os médicos solicitem o teste anti-HIV, seja na rotina do atendimento pré-natal, seja em ocasiões fora dessa consulta; para os enfermeiros, tal solicitação fica restrita ao pré-natal. Outrossim, as diferenças no tipo de formação entre esses profissionais se traduzem na oferta do exame anti-HIV: a profissionalização dos médicos inclui, preferencialmente, condutas voltadas ao diagnóstico de doenças, enquanto enfermeiros são orientados para a prevenção e o cuidado do paciente. No município de Montes Claros, ressalta-se a existência de protocolo de atenção à saúde na rede municipal, que respalda o enfermeiro para solicitação desse exame fora do pré-natal na APS.30 Deste fato pressupõe-se duas situações excludentes entre si: a falta de orientação desses profissionais, de parte da instituição, teria contribuído para o desconhecimento do protocolo e as consequência previsíveis; ou, apesar do conhecimento do protocolo autorizando-os a essa prática, os enfermeiros não a aplicariam no cotidiano de seu trabalho. É fundamental capacitar e sensibilizar os enfermeiros para solicitação do teste anti-HIV no aconselhamento dispensado fora do contexto do pré-natal, conforme recomenda o protocolo.
O estudo apresenta limitações pertinentes ao delineamento transversal, que impedem os resultados apresentados de serem tomados como causa e efeito, por conta da não aferição da variável ‘temporalidade’. Além disso, o instrumento de coleta de dados utilizado, embora totalmente fiel aos protocolos definidos pelo Ministério da Saúde, é original, e contou apenas com a validação de conteúdo. A principal limitação da pesquisa, porém, remete à avaliação das práticas com base no autorrelato. Sabe-se que esse tipo de coleta de dados é passível de viés, mediante surpervalorização de práticas consideradas “politicamente corretas” (viés de desejo). A prevalência de práticas inadequadas no âmbito da APS pode ser ainda maior do que a revelada nos resultados aqui apresentados.
A despeito das limitações apresentadas, acredita-se que o panorama desvelado é útil, permite reconhecer a magnitude e a natureza dos pontos frágeis do aconselhamento em ISTs/HIV/aids, no âmbito da APS, e generalização de seus resultados. Tal reconhecimento poderá contribuir para o planejamento de estratégias, adequadamente direcionadas aos problemas identificados, além de abrir caminho a investigações futuras.
O estudo descreveu a prática autorreferida de aconselhamento em ISTs/HIV/aids no âmbito da APS, caracterizada por seus autores como inadequada. A unidade temática com maior proporção de prática autorreferida inadequada foi a de ‘Avaliação de comportamento de risco e vulnerabilidade’. Verificou-se que as práticas de aconselhamento em ISTs/HIV/aids na APS, na medida em que ainda não alcançaram o cenário almejado, podem comprometer a qualidade do atendimento às demandas de ISTs/aids dos usuários. Os resultados encontrados enfatizam a necessidade de educação permanente e sensibilização dos profissionais da atenção primária à saúde, capacitando-os a cumprir, com efetividade, os propósitos do Sistema Único de Saúde - (SUS).