Introdução
A violência sofrida pelo professor na escola e a inserção deste profissional em ambiente insalubre podem levar a situações de estresse constante e a um grande descontentamento com sua atividade laboral.1 O professor vítima de atos violentos muda seu comportamento devido ao desgaste emocional, e não consegue ministrar aulas de maneira eficiente. São comuns os problemas emocionais e psiquiátricos entre os docentes que sofrem agressões, pois estes se sentem constantemente inseguros na sala de aula.2
Superlotação das salas de aula e despreparo do professor para atuar em situações de conflito contribuem para a vulnerabilidade do docente.3 Além disso, a violência pode estar relacionada à responsabilidade do professor em avaliar o desempenho do aluno, à insatisfação deste com o processo e o resultado avaliativo, bem como ao acesso dos alunos a armas de fogo ou objetos perfurocortantes.4
Cerca de 80% de 3 mil docentes entrevistados em inquérito nacional por telefone nos Estados Unidos, em 2010, relataram ter sofrido algum tipo de violência, e 44% afirmaram ter sido vítimas de agressões físicas.5 Na Coreia do Sul, em 2010, um terço de mil professores entrevistados sofreram ameaça verbal, agressividade ou abuso por alunos nos dois anos anteriores. As vítimas de violência apresentaram dificuldades em seus relacionamentos pessoais e com os alunos, baixa autoestima e medo.6
Revisão sistemática, com 24 estudos quantitativos brasileiros realizados de 2002 a 2013, constatou que as formas de violência contra professores mais relatadas foram insultos verbais, assédio sexual e violência patrimonial.7 A violência física foi relatada por um em cada 12 professores de educação física do Paraná, em 2013.8
As agressões e infrações ocorridas nas escolas são de difícil monitoramento epidemiológico, o que pode ser justificado pela baixa adesão das instituições de ensino aos instrumentos de notificação e denúncia e pelo não reconhecimento dessas infrações como atos violentos que devam ser notificados.9
Apesar do reconhecimento da violência escolar como um dos problemas mais recorrentes dentro das escolas, os estudos a respeito desse assunto ainda são restritos e, em sua maioria, abordam a temática do bullying. As pesquisas com docentes geralmente investigam a percepção do professor diante de situação de conflito e violência,7,8,10-12 mas ainda são escassas as pesquisas sobre os atos violentos que os docentes sofrem ao exercer seu trabalho. É necessário ampliar o estudo sobre a violência no cotidiano escolar e estudar as diversas formas e atores envolvidos no processo, de forma a se fornecerem subsídios para o estabelecimento de estratégias de enfrentamento da violência na escola.
Diante da relevância do tema para a saúde pública e do impacto dos casos de agressões e crimes no espaço escolar para alunos e docentes, a presente pesquisa teve o objetivo de analisar a prevalência de violência contra professores do ensino médio e fatores associados em Teresina, Piauí.
Métodos
Delineamento
Trata-se de estudo transversal com dados de inquérito de base escolar realizado no primeiro semestre de 2016, em escolas públicas e particulares de ensino médio de Teresina, Piauí. A pesquisa é parte do projeto Saúde na escola: diagnóstico situacional no ensino médio.13
Contexto
Teresina é a capital do Piauí, estado localizado na região Nordeste do Brasil. No ano de 2016, o município contava com uma população de 847.430 pessoas. Segundo o Censo Escolar de 2014, havia 40.136 alunos matriculados no ensino médio, em escolas públicas e particulares. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), na dimensão educação, era de 0,707, e menos de 50% da população de 18 a 20 anos possuía ensino médio completo. A proporção de pessoas com 10 anos ou mais alfabetizadas alcançava 91,5%. No ano de 2015, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), nos anos finais da rede estadual, foi de 3,8, valor abaixo da meta, que era de 4,0.14
No período da pesquisa, havia 155 escolas públicas e 163 escolas particulares responsáveis pela oferta de vagas no ensino médio, profissionalizante e de educação de jovens e adultos em Teresina. Destas, algumas ofereciam apenas ensino médio, enquanto outras ofereciam ensino médio e profissionalizante concomitantemente.14
As escolas públicas de Teresina são agrupadas geograficamente em quatro regionais de ensino, conforme especificado a seguir.
Centro/Norte: região central, de maior desenvolvimento urbano e comercial14 e com menor índice de crimes violentos na cidade.15
Sul: região periférica, composta por muitos conjuntos residenciais populares,14 e com maiores índices de violência, principalmente nos bairros mais afastados.15
Leste: área geográfica de intenso desenvolvimento urbano e comercial,14 que se encontra em terceiro lugar entre as regiões com maiores taxas de mortes ocorridas por crimes violentos.15
Sudeste: região de muitos conjuntos residenciais populares e intenso desenvolvimento comercial.14 Apresenta um dos menores índices de crimes violentos da cidade.15
Para a pesquisa, as escolas particulares foram distribuídas geograficamente de acordo com a territorialização predeterminada para as escolas públicas.
Participantes
A população do estudo foi composta por todos os professores do ensino médio das redes pública e particular de Teresina, Piauí, os quais se encontravam em atividade laboral no período da coleta de dados, nas escolas selecionadas.
As escolas foram selecionadas por meio de amostragem probabilística estratificada. Foi realizado sorteio de uma escola pública e uma particular de cada porte (pequeno: até 115 alunos; médio: 116-215 alunos; e grande: mais de 215 alunos, conforme tercis de distribuição do número de alunos matriculados)13 e de cada uma das quatro áreas geográficas de Teresina; desse modo, todas as escolas tinham a mesma chance de participar do estudo. Foram sorteadas 12 escolas públicas e 12 escolas particulares, com representatividade de todas as escolas do ensino médio da zona urbana de Teresina.
Todos os professores presentes nas escolas, durante as visitas dos pesquisadores, foram convidados a participar da pesquisa. Em cada escola, os pesquisadores compareceram nos turnos manhã, tarde e noite, nos dias de segunda a sexta-feira, para abordar todos os professores presentes individualmente. Após a abordagem inicial, foram feitas até cinco visitas para se recolherem os questionários preenchidos, visto que alguns professores não preencheram o questionário no momento da abordagem inicial e optaram por devolvê-lo em outra data. As visitas dos pesquisadores foram feitas com base na distribuição de horários dos professores em cada escola. A amostragem se deu por conveniência, composta pelos professores que concordaram em participar da pesquisa e devolveram os questionários preenchidos.
Variáveis
As variáveis dependentes relacionadas ao relato de violência foram as seguintes:
ocorrência de violência (resposta positiva a pelo menos um dos tipos de violência: física; verbal; assédio sexual; intimidação);
violência física (sim; não);
violência verbal (sim; não);
assédio sexual (sim; não);
intimidação (sim; não).
Analisaram-se as seguintes variáveis independentes relacionadas aos aspectos sociodemográficos e profissionais:
sexo (feminino, masculino);
faixa etária (até 40 anos; acima de 40 anos);
administração escolar (pública; particular);
gerência regional de ensino (Sul; Sudeste; Centro/Norte; Leste);
possui pós-graduação (sim; não);
tempo de docência (até 13 anos; acima de 13 anos); e
quantidade de escolas em que trabalha (uma escola; mais de uma escola).
Fonte de dados e mensuração
Utilizou-se questionário autoaplicável, semiestruturado e codificado, com questões sobre aspectos sociodemográficos, profissionais e relatos de violência. As perguntas relacionadas à violência contra os professores foram baseadas em um questionário aplicado em estudo realizado com professores no Paraná.4 Algumas perguntas foram adaptadas de acordo com os objetivos do estudo. As respostas foram dicotomizadas. Os dados foram coletados com a participação de alunos dos cursos de graduação e pós-graduação de uma universidade pública. Realizou-se estudo piloto, no qual houve a oportunidade de teste sistemático de execução da pesquisa e treinamento dos entrevistadores na abordagem aos professores.
O relato de ocorrência de violência foi obtido por meio de resposta positiva dos professores a pelo menos uma das seguintes questões: Nos últimos 12 meses, você vivenciou algum ato de violência no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você recebeu insultos verbais de seus alunos no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você recebeu insultos verbais de colegas de trabalho no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você foi vítima de violência física por alunos no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você foi vítima de violência física por colegas de trabalho no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você já foi intimidado(a) por algum aluno que portava arma de fogo ou branca no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você já foi intimidado(a) por algum colega de trabalho que portava arma de fogo ou branca no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você se sentiu pressionado(a) a favorecer, contra sua vontade, algum aluno a passar de ano ou facilitar seu desempenho escolar? Nos últimos 12 meses, você se sentiu pressionado(a) por um colega de trabalho a favorecer, contra sua vontade, algum aluno a passar de ano ou facilitar seu desempenho escolar? Nos últimos 12 meses, você se sentiu assediado(a) sexualmente por alunos no ambiente escolar? Nos últimos 12 meses, você se sentiu assediado(a) sexualmente por colegas de trabalho no ambiente escolar?4
Em visita inicial às escolas, nos três turnos de funcionamento, de segunda a sexta-feira, os professores foram orientados quanto aos aspectos metodológicos e éticos da pesquisa. Caso concordassem em participar do estudo, os docentes recebiam o questionário, que poderia ser preenchido no momento ou devolvido aos pesquisadores em uma das cinco visitas subsequentes às escolas. O questionário era anônimo, sem se permitir a identificação dos professores.
Controle de viés
Para evitar o viés de informação, permitiu-se que os professores levassem o questionário para casa, a fim de obstar qualquer constrangimento relacionado à temática da violência no ambiente de trabalho. Além disso, foram realizadas até cinco visitas em cada escola, com o objetivo de se obter o maior número possível de questionários preenchidos pelos docentes.
Tamanho do estudo
Todos os docentes vinculados às escolas participantes que não estavam de licença, férias ou ausentes em uma das visitas às unidades de ensino, e que devolveram os questionários preenchidos, participaram do estudo.
Métodos estatísticos
Foram calculadas frequências relativas e absolutas para a caracterização dos indivíduos e, para se verificar a associação entre a ocorrência de violência e as variáveis independentes, foi utilizado o teste de Wald, com nível de significância de 5%. Calcularam-se razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus intervalos de confiança de 95% (IC95%), segundo modelo de regressão de Poisson com variância robusta. As análises foram realizadas com auxílio do software Statistical Package for the Social Science versão 20.
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), por meio do parecer nº 1.495.975, no dia 13/04/2016. A autorização para realização do estudo foi concedida pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Piauí (Seduc/PI) e pelos diretores das escolas particulares. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
Do total de 500 professores vinculados às 24 escolas sorteadas, 279 (55,8%) aceitaram participar da pesquisa e devolveram os questionários preenchidos. A maioria dos professores era do sexo masculino (58,1%), tinha até 40 anos de idade (58,5%), atuava em escolas da regional Centro/Norte (43,0%), trabalhava em mais de uma escola (75,9%), concluiu o ensino superior em instituições públicas (97,5%) e possuía pós-graduação (69,1%). Os professores tinham, em média, 13,1±7,8 anos de docência (Tabela 1).
Características | n | % |
---|---|---|
Sexo (n= 279) | ||
Feminino | 162 | 58,1 |
Masculino | 117 | 41,9 |
Faixa etária (n=224)a | ||
Até 40 anos | 131 | 58,5 |
Acima de 40 anos | 93 | 41,5 |
Administração escolar (n= 279) | ||
Particular | 140 | 50,2 |
Pública | 139 | 49,8 |
Regional de ensino (n=279) | ||
Centro/Norte | 120 | 43,0 |
Leste | 46 | 16,5 |
Sudeste | 46 | 16,5 |
Sul | 67 | 24,0 |
Local da graduação (n= 278)a | ||
Universidade pública | 271 | 97,5 |
Universidade particular | 7 | 2,5 |
Pós-graduação (n=275)a | ||
Sim | 190 | 69,1 |
Não | 85 | 30,9 |
Tempo de atuação na docência (n= 241)a | ||
Até 13 anos | 124 | 51,5 |
Acima de 13 anos | 117 | 48,5 |
Atuação em mais de uma escola (n= 274)a | ||
Sim | 208 | 75,9 |
Não | 66 | 24,1 |
a) Perdas devidas a questionários incompletos nessa variável.
A violência no espaço escolar foi relatada por 54,8% (IC95% 48,8;60,7) dos professores. Insultos verbais foram os mais frequentes (39,4%; IC95% 33,7;45,4), seguidos de pressão para favorecer algum aluno contra a sua vontade (26,9%; IC95% 21,8;32,6), assédio sexual (15,4%; IC95% 11,5;20,3), intimidação com arma de fogo ou branca (2,2%; (IC95% 0,8;4,8) e violência física (1,4%; IC95% 0,5;3,9); (Figura 1).
Escolas localizadas nas regionais Leste (RP=1,65; IC95% 1,14;2,39) ou Sul (RP=1,48; IC95% 1,05;2,08) apresentaram associação positiva com violência, em comparação às escolas da regional Centro/Norte (Tabela 2). Ter sido alvo de insultos verbais foi associado positivamente ao trabalho em escolas de administração pública (RP=1,45; IC95% 1,00;2,11) e com aquelas das regionais Leste (RP=1,85; IC95% 1,17;2,93) e Sul (RP=1,59; IC95% 1,05;2,41; Tabela 3), em comparação com as escolas do Centro/Norte. Trabalhar em uma única escola foi associado negativamente ao assédio sexual (RP=0,93; IC95% 0,86;0,99; Tabela 4).
Variáveis | Algum tipo de violência | RPa bruta | RPa ajustada | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | IC95% b | p-valorc | IC95% b | p-valorc | |
Sexo | 0,969 | 0,430 | ||||
Masculino | 89 | 54,9 | 1,00 (0,80;1,24) | 0,89 (0,67;1,18) | ||
Feminino | 64 | 54,7 | 1 | 1 | ||
Faixa etária | 0,596 | 0,341 | ||||
Acima de 40 anos | 53 | 57,0 | 1,06 (0,84;1,35) | 1,17 (0,84;1,62) | ||
Até 40 anos | 70 | 53,4 | 1 | 1 | ||
Administração escolar | 0,252 | 0,794 | ||||
Pública | 81 | 58,3 | 1,13 (0,91;1,40) | 1,03 (0,78;1,38) | ||
Particular | 72 | 51,4 | 1 | 1 | ||
Regional de ensino | 0,035 | 0,021 | ||||
Leste | 31 | 67,4 | 1,47 (1,11;1,94) | 1,65 (1,14;2,39) | ||
Sul | 42 | 62,4 | 1,36 (1,04;1,78) | 1,48 (1,05;2,08) | ||
Sudeste | 25 | 54,3 | 1,18 (0,85;1,64) | 1,14 (0,74;1,76) | ||
Centro/Norte | 55 | 45,8 | 1 | 1 | ||
Pós-graduação | 0,939 | 0,809 | ||||
Sim | 106 | 55,8 | 1,00 (0,80;1,26) | 0,96 (0,71;1,30) | ||
Não | 47 | 55,3 | 1 | 1 | ||
Tempo de atuação na docência | 0,445 | 0,309 | ||||
Acima de 13 anos | 68 | 58,1 | 1,09 (0,87;1,36) | 1,19 (0,84;1,67) | ||
Até 13 anos | 66 | 53,2 | 1 | 1 | ||
Atuação em mais de uma escola | 0,916 | 0,643 | ||||
Sim | 115 | 55,3 | 1,01 (0,78;1,30) | 0,92 (0,65;1,29) | ||
Não | 36 | 54,6 | 1 | 1 |
a) Razão de prevalência.
b) Intervalo de confiança de 95%.
c) Teste de Wald.
Variáveis | Insultos verbais | RPa bruta | RPa ajustada | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | IC95% b | p-valorc | IC95% b | p-valorc | |
Sexo | 0,143 | 0,650 | ||||
Feminino | 52 | 44,4 | 1,24 (0,93;1,65) | 1,08 (0,77;1,51) | ||
Masculino | 58 | 35,8 | 1 | 1 | ||
Faixa etária | 0,736 | 0,114 | ||||
Acima de 40 anos | 39 | 41,9 | 1,05 (0,76;1,45) | 1,37 (0,92;2,02) | ||
Até 40 anos | 52 | 39,7 | 1 | 1 | ||
Administração escolar | 0,014 | 0,048 | ||||
Pública | 65 | 46,8 | 1,45 (1,07;1,96) | 1,45 (1,00;2,11) | ||
Particular | 45 | 32,1 | 1 | 1 | ||
Regional de ensino | 0,032 | 0,033 | ||||
Leste | 25 | 54,4 | 1,76 (1,20;2,56) | 1,85 (1,17;2,93) | ||
Sul | 29 | 43,3 | 1,40 (0,95;2,06) | 1,59 (1,05;2,41) | ||
Sudeste | 19 | 41,3 | 1,34 (0,86;2,07) | 1,22 (0,73;2,05) | ||
Centro/Norte | 37 | 30,8 | 1 | 1 | ||
Possui pós-graduação | 0,060 | 0,226 | ||||
Sim | 82 | 43,2 | 1,41 (0,98;2,02) | 1,27 (0,86;1,89) | ||
Não | 26 | 30,6 | 1 | 1 | ||
Tempo de atuação na docência | 0,494 | 0,096 | ||||
Até 13 anos | 52 | 41,9 | 1,11 (0,81;1,52) | 1,41 (0,94;2,13) | ||
Acima de 13 anos | 44 | 37,6 | 1 | 1 | ||
Atuação em mais de uma escola | 0,264 | 0,882 | ||||
Sim | 86 | 41,4 | 1,24 (0,85;1,81) | 1,04 (0,65;1,64) | ||
Não | 22 | 33,3 | 1 | 1 |
a) Razão de prevalência.
b) Intervalo de confiança de 95%.
c) Teste de Wald.
Variáveis | Assédio sexual | RPa bruta | RPa ajustada | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | IC95% b | p-valorc | IC95% b | p-valorc | |
Sexo | 0,004 | 0,367 | ||||
Feminino | 10 | 8,6 | 1 | 1 | ||
Masculino | 33 | 20,4 | 2,38 (2,02;2,71) | 1,03 (0,96;1,10) | ||
Faixa etária | 0,120 | 0,198 | ||||
Até 40 anos | 27 | 20,6 | 1 | 1 | ||
Acima de 40 anos | 12 | 12,9 | 0,63 (0,81;1,03) | 0,95 (0,87;1,03) | ||
Administração escolar | 0,236 | 0,168 | ||||
Particular | 18 | 12,9 | 1 | 1 | ||
Pública | 25 | 18,0 | 1,40 (0,96;1,17) | 1,05 (0,98;1,13) | ||
Regional de ensino | 0,113 | 0,203 | ||||
Sudeste | 5 | 10,9 | 1 | 1 | ||
Leste | 10 | 21,7 | 2,00 (1,81;2,12) | 1,07 (0,99;1,16) | ||
Sul | 5 | 7,5 | 0,69 (0,51;1,07) | 0,99 (0,80;1,10) | ||
Centro/Norte | 23 | 19,2 | 1,76 (0,98;1,91) | 1,07 (0,99;1,16) | ||
Pós-graduação | 0,353 | 0,452 | ||||
Sim | 27 | 14,2 | 1 | 1 | ||
Não | 16 | 18,8 | 1,32 (0,97;1,08) | 1,03 (0,95;1,11) | ||
Tempo de atuação na docência | 0,730 | 0,712 | ||||
Até 13 anos | 20 | 16,1 | 1 | 1 | ||
Acima de 13 anos | 17 | 14,5 | 0,90 (0,84;1,19) | 0,98 (0,89;1,08) | ||
Atuação em mais de uma escola | 0,323 | 0,033 | ||||
Sim | 35 | 16,8 | 1 | 1 | ||
Não | 8 | 12,1 | 0,72 (0,63;1,06) | 0,93 (0,86;0,99) |
a) Razão de prevalência.
b) Intervalo de confiança de 95%.
c) Teste de Wald.
Discussão
A violência no espaço escolar foi relatada por mais da metade dos professores do ensino médio de Teresina em 2016, sendo mais frequentes os insultos verbais. Trabalhar em escolas públicas favoreceu a ocorrência de insultos verbais, e ser homem foi associado positivamente ao assédio sexual. Professores que trabalhavam em escolas localizadas nas regiões centrais da cidade e que atuavam em apenas uma unidade de ensino foram menos expostos às situações de assédio sexual no ambiente da escola.
A baixa adesão dos professores à pesquisa compromete a validade externa dos achados. Apesar de terem sido feitas cinco visitas em cada unidade de ensino, a forma de coleta dos dados, com a possibilidade de preenchimento em domicílio, pode ter causado perda de participantes e viés de seleção. Os resultados também estão sujeitos a viés de informação, devido à complexidade do tema e ao possível temor por retaliações no ambiente de trabalho, ao se manifestarem os participantes sobre situações passíveis de denúncia.
Constatou-se prevalência de violência inferior àquela observada em estudos prévios, o que pode ser atribuído aos possíveis vieses de seleção e informação. Além disso, pesquisas anônimas mostram taxas maiores de violência escolar, principalmente quando os professores temem por alguma retaliação ou julgamento.5 Nos Estados Unidos, em um estudo nacional, realizado em 2009, 80% de professores relataram algum tipo de vitimização na escola, seja por aluno, pai ou outros profissionais no ambiente escolar.5 Estudo transversal realizado em Pernambuco, em 2013, com 525 docentes da rede municipal, revelou prevalência de 42,9% de ameaças verbais e 22,9% de agressões físicas, perpetradas principalmente por alunos.2
Os insultos verbais foram o tipo de violência mais relatada pelos docentes, principalmente entre aqueles de escolas públicas. Essa ocorrência foi a mais frequente em estudo descritivo, realizado em 2012, na Coreia do Sul,6 e em estudo transversal realizado no Brasil em 2013, no qual os autores destacaram que docentes atribuem as agressões verbais à desvalorização do profissional na sala de aula.8 Os jovens utilizam palavras de baixo calão com frequência e, em um cenário de desvalorização do professor e desrespeito ao seu papel na sala de aula, os alunos podem usar esse recurso para ofender o profissional.4 A violência verbal também pode estar relacionada ao clima constante de conflitos gerado por uma rotina escolar que não possibilita aos alunos e professores uma escuta democrática.12
O assédio sexual foi mais frequente em docentes do sexo masculino. Em uma pesquisa nacional dos Estados Unidos, que avaliou dados nacionais da educação básica (elementary school), ensino fundamental (middle school) e ensino médio (high school), o assédio sexual foi mais comum em professores do sexo masculino na maioria dos anos em que o estudo foi realizado.16 De um modo geral, professores do sexo masculino se envolvem mais em situações de conflitos entre estudantes, o que os torna mais vulneráveis a situações de violência; além disso, as mulheres se sentem mais intimidadas ou temem ser julgadas ao relatarem casos de assédio.5
Lecionar em uma única escola associou-se negativamente ao assédio sexual. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos nacionais, realizados nos anos de 20114 e 20138 no estado do Paraná. No primeiro estudo, a violência física foi associada ao fato de o professor trabalhar em duas escolas, e no segundo, foi encontrada associação entre o fato de o professor se sentir inseguro em algum espaço da escola e trabalhar em mais de uma instituição de ensino. Cargas horárias extensas, múltiplos locais de trabalho e contratos temporários deixam o professor mais vulnerável às situações de violência, pois diminuem seu vínculo com a instituição e o seu poder de decisão.4,8
Professores de até 40 anos e com menor tempo de docência representaram o grupo etário mais vitimizado, fatos que corroboram estudo realizado no Brasil, em 2013, no qual professores com até 40 anos sofreram mais violência, o que não se observou para outros com mais idade e mais experiência na sala de aula.8 Profissionais da educação mais novos estão geralmente mais dispostos a encarar condições precárias de trabalho até conseguirem uma carreira estável e com melhores salários, além de atuarem em um número maior de escolas, e, assim, estão mais expostos à violência. Acredita-se que professores com mais idade e mais experiência consigam lidar melhor com as situações de conflito.8,17
Encontrou-se menor frequência de violência em regiões centrais da cidade e com menores taxas de criminalidade. A sensação de insegurança percebida no bairro está diretamente relacionada àquela percebida na escola. Regiões e comunidades violentas também possuem altas prevalências de violência escolar.8,18 Além disso, escolas localizadas em regiões afastadas, de difícil acesso e com altos índices de violência geralmente ofertam vagas de trabalho com frequência, e são opção para aqueles professores que desejam um segundo turno de trabalho para aumentar sua renda.8 Em Teresina, as escolas que apresentaram menores indicadores de violência contra o professor localizam-se nas regiões Centro/Norte e Sudeste, as quais possuem intenso comércio e menores índices de crimes violentos. A região com maior frequência de violência contra os professores foi a mesma região que apresentou aumento nos índices de violência urbana entre os anos de 2006 e 2016.19
Os achados deste estudo podem ser úteis para direcionar ações e políticas de saúde voltadas à prevenção da violência contra professores no ambiente escolar. Tais iniciativas deveriam alcançar professores que trabalham em regiões urbanas periféricas ou com maiores indicadores de violência, em escolas públicas, que lecionam em mais de uma escola e que são do sexo masculino.