Introdução
O Ministério da Saúde do Brasil recomenda que a amamentação seja iniciada na primeira hora de vida e exclusiva, até os 6 meses, sendo continuada após esse período, pelo menos até os 2 anos de idade, com a introdução da alimentação complementar adequada e oportuna.1
A amamentação, além de constituir a estratégia que, de forma isolada, mais previne a mortalidade infantil, influencia positivamente a saúde física e mental da díade mãe-bebê.2 Além dos reconhecidos benefícios e vantagens, estudo de revisão apresentado em 2016 observou que a escolha pessoal influencia a decisão materna de amamentar: experiências de amamentação bem-sucedidas consistiram em precedentes positivos na intenção materna de amamentar (IMA) por mais tempo e exclusivamente.3
Porém, dados mais recentes, representativos para toda a população no que se refere à prática da amamentação, colhidos da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 20064 e da II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal,2 revelaram uma mediana de duração do aleitamento materno exclusivo de 2,2 meses, enquanto a mediana de duração da amamentação foi de 14,0 meses, segundo a PNDS 2006, e de 11,2 meses (intervalo de confiança [IC]: 10,9 a 11,6), de acordo com a citada pesquisa realizada nas capitais e Distrito Federal; ambos os resultados estão aquém do preconizado pelo Ministério da Saúde.5 Um estudo publicado em 2019, realizado na cidade de Pelotas, RS, com dados de quatro coortes de nascimento (1982, 1993, 2004 e 2015), observou variação positiva na duração do aleitamento materno no decorrer do primeiro ao último ano do período compreendido entre as quatro datas, quando a prevalência de amamentação no primeiro ano de vida aumentou de 16,0 para 41,0%.6
Entre os fatores do sucesso da amamentação, encontra-se a IMA e seu poder de associação com a menor idade e escolaridade maternas e com o desejo de amamentar manifestado pela mulher durante a gravidez.7 Tal preditor foi relatado em estudo também realizado na cidade de Pelotas, onde mães sem a intenção (durante a gestação) de amamentar apresentaram um risco cerca de duas vezes maior (RR=2,31 - IC: 1,44 a 3,70) de desmamar precocemente - antes de a criança completar os primeiros três meses de vida -, quando comparadas às mães com intenção de amamentar.8
A literatura apresenta diferentes motivações maternas para o desmame, variando conforme a idade do(a) lactente. Nos primeiros meses de vida, são descritos com maior frequência problemas específicos da lactação, como produção insuficiente de leite e problemas na mama.9 Já no quarto ou quinto mês de vida, o retorno ao trabalho é apontado como um dos principais motivos para o desmame.10
O presente estudo teve como objetivo estimar a prevalência de IMA, observar a prática do aleitamento materno até os 24 meses de idade e descrever os motivos para o desmame durante o primeiro ano de vida de bebês nascidos no município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, sobre dados de participantes brasileiros integrantes da primeira fase do Multi-Centre Body Composition Study (MBCS), realizado em Pelotas, RS, Brasil, com o objetivo de descrever a composição corporal de crianças com até 2 anos de idade, utilizando técnicas de isótopos estáveis (óxido de deutério). O MBCS ocorreu em mais quatro países (África do Sul, Paquistão, Quênia e Sri Lanka), concomitantemente. As crianças foram recrutadas ao nascer e, posteriormente, acompanhadas aos 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses, momentos quando foram coletadas informações maternas e paternas, e sobre a saúde e nutrição da criança, em entrevistas presenciais com a profissional médica clínica nas instalações do Centro de Pesquisas em Saúde Amílcar Gigante/Universidade Federal de Pelotas, ou, mediante solicitação da mãe, em sua residência.
Conforme cálculo de tamanho de amostra, realizado para atender ao principal objetivo do estudo MBCS, ou seja, estimar a massa gorda e a massa livre de gordura de meninos e meninas, o estudo necessitava recrutar ao menos 150 crianças em cada país, número a ser acrescido de 10% para possíveis perdas e recusas. Em Pelotas, o recrutamento dos recém-nascidos ocorreu entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015, nas quatro maternidades da cidade.
Para fazer parte do estudo, as mães e recém-nascidos necessitavam atender aos seguintes critérios: família residente na cidade de Pelotas; mãe com idade igual ou superior a 18 anos; parto único; nascimento a termo (idade gestacional ≥37 semanas e <42 semanas); ausência de patologia perinatal importante; renda familiar de pelo menos três salários mínimos; mãe não fumante ou fumante em menos de três dias por semana, durante a gestação e após o parto; e intenção de amamentar exclusivamente até os 6 meses e prolongar a amamentação até pelo menos os 12 meses de idade. O atendimento desses critérios foi conferido a partir de entrevistas com as mães e verificação dos prontuários hospitalares. Segundo esses critérios, as crianças teriam condições de atingir seu máximo potencial genético de crescimento. Das 1.377 duplas mãe-bebê rastreadas nas quatro maternidades de Pelotas, 235 foram classificadas como elegíveis e destas, 168 (71%) aceitaram participar do estudo multicêntrico (Figura 1).

Legenda
IMA: Intenção Materna de Amamentar
Figura 1 - Fluxograma do Multi-Centre Body Composition Study, município de Pelotas, Rio Grande do Sul
A duração da amamentação foi mensurada nas entrevistas presenciais; ou por contato telefônico, no caso das mães que não compareceram às visitas. As causas do desmame foram investigadas nas entrevistas presenciais e também em um subestudo, realizado por telefone ou no domicílio da criança, conforme a disponibilidade da mãe, assim que o desmame foi identificado. Para as mães que pararam de amamentar antes dos 12 meses, foi aplicado um questionário de 11 perguntas sobre os motivos de desmame, com alternativas de resposta dicotômica (sim; não). Esse questionário foi elaborado pela equipe do estudo multicêntrico, tendo sido previamente testado no contexto local, na forma de um estudo-piloto realizado no Ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, com 16 mães de crianças menores de 1 ano de idade recrutadas na sala de espera para atendimentos. Os motivos para desmame questionados foram: falta de tempo, preferência pessoal, nova gravidez, criança com idade suficiente, retorno ao trabalho/escola, suporte social inadequado, recusa do bebê, fazer a criança comer outros alimentos, leite insuficiente, problemas de saúde e choro do bebê. Também foi proposta uma pergunta aberta, sobre ‘outros motivos’ para o desmame não contemplados no questionário.
As variáveis independentes investigadas foram:
escolaridade materna (ensino fundamental/médio/técnico; ensino superior);
ocupação materna (dona de casa/estudante; trabalho manual qualificado/trabalho manual não qualificado; gerencial/profissional/técnico; apoio administrativo/vendas ou outras);
situação conjugal (sem companheiro; com companheiro);
paridade (em número de filhos: primípara; multípara);
sexo do bebê (masculino; feminino);
peso ao nascer (em quilogramas: <2,500; 2,500-3,499; ≥3,500), sendo consideradas com baixo peso ao nascer (BPN) as crianças nascidas com menos de 2,500kg;
estado nutricional do bebê aos 3 meses de vida, de acordo com os índices de peso/idade (baixo peso; peso adequado), estatura/idade (baixa estatura; estatura adequada) e peso/estatura (magreza acentuada; magreza; eutrofia; risco de sobrepeso; sobrepeso);11 e
hospitalizações até os 3 meses de vida, após a alta do parto (sim; não).
As variáveis da amostra foram descritas em frequências absolutas, respectivas médias e desvios-padrão ou proporções, conforme as variáveis de interesse. As prevalências de intenção de amamentar até os 6 meses, exclusivamente, e prolongar a amamentação por pelo menos 12 meses, e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), foram calculadas tendo como denominador o total de mães rastreadas. Para a análise da duração da amamentação, foram consideradas somente as mães e bebês que atenderam aos critérios de elegibilidade e aceitaram participar do estudo. Foi construída uma tábua de vida, contendo as informações do número de crianças amamentadas, perdas de informação e cálculos de probabilidade de risco de desmame e de manutenção do aleitamento materno, para cada período de acompanhamento do estudo. A mediana e o intervalo interquartil (IIQ) da duração do aleitamento materno foram apresentados conforme as variáveis independentes e a significância estatística da associação, esta avaliada pelo teste de Wilcoxon, para exposições dicotômicas, e teste de Kruskal Wallis, para exposições politômicas. Analisou-se a frequência de desmame antes dos 12 meses de vida da criança, de acordo com variáveis sociodemográficas maternas (escolaridade, ocupação, situação conjugal e paridade) e do bebê (sexo, peso ao nascer, estado nutricional aos 3 meses de idade e hospitalizações até os 3 meses de idade). As associações foram observadas pelo teste do qui-quadrado de Pearson e, quando necessário, pelo teste exato de Fisher. Os motivos para desmame antes dos 6 meses e entre 6 e 12 meses foram apresentados em frequências relativas. O nível de significância assumido nas análises foi de 5%. Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Stata 12.1.
O projeto do estudo foi aprovado em 2014, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (CEP/FAMED/UFPel) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (CONEP/CNS): Parecer nº 1.199.651. Como pré-requisito à participação no estudo e coleta de informações, as mães assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução do CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012.12
Resultados
Das 1.377 duplas mãe-bebê rastreadas nas quatro maternidades da cidade de Pelotas, 235 eram elegíveis e destas, 168 (71,0%) aceitaram participar do estudo multicêntrico (Figura 1). Em relação às características dos pares mãe-bebê participantes (N=168), conforme os dados apresentados na Tabela 1, cerca da metade das mães tinha curso superior (46,5%) e a quase totalidade (95,8%) vivia com companheiro, além de a maioria (60,7%) ser primípara. No que diz respeito aos recém-nascidos, 4,8% apresentaram BPN (<2,500kg). Aos 3 meses de vida, a maioria apresentou peso adequado para a idade (97,9%), enquanto 4,2% e 5,2% apresentaram, respectivamente, baixa estatura e baixo peso para estatura. Apenas 7,9% dos bebês foram hospitalizados antes dos 3 meses.
Tabela 1 - Características sociodemográficas das mães e dos bebês participantes do Multi-Centre Body Composition Study, município de Pelotas, Rio Grande do Sul, 2017
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Características perinatais (N=168) | ||
Escolaridade materna | ||
Ensino fundamental/médio/técnico | 90 | 53,5 |
Ensino superior | 78 | 46,5 |
Ocupação materna | ||
Dona de casa/estudante | 36 | 21,4 |
Trabalho manual qualificado/trabalho manual não qualificado | 13 | 7,8 |
Gerencial/profissional/técnico | 65 | 38,7 |
Apoio administrativo/vendas ou outras | 54 | 32,1 |
Situação conjugal | ||
Sem companheiro | 7 | 4,2 |
Com companheiro | 161 | 95,8 |
Paridade | ||
Primípara | 102 | 60,7 |
Multípara | 66 | 39,3 |
Sexo do bebê | ||
Feminino | 84 | 50.0 |
Masculino | 84 | 50.0 |
Peso ao nascer (em kg) | ||
<2,500 | 8 | 4,8 |
2,500 a 3,499 | 128 | 76,6 |
≥3,500 | 31 | 18,6 |
Características aos 3 meses de vida (N=140) | ||
Peso para idade | ||
Baixo peso | 2 | 2,1 |
Peso adequado | 94 | 97,9 |
Estatura para idade | ||
Baixa estatura | 4 | 4,2 |
Estatura adequada | 92 | 95,8 |
Peso para estatura | ||
Magreza acentuada | 2 | 2,1 |
Magreza | 3 | 3,1 |
Eutrofia | 66 | 68,8 |
Risco de sobrepeso | 22 | 22,9 |
Sobrepeso | 3 | 3,1 |
Hospitalizações (até os três meses) | ||
Sim | 11 | 7,9 |
Não | 129 | 92,1 |
Entre as 1.377 mães rastreadas, a IMA exclusivamente até o sexto mês foi de 74,3% (IC95%72,1;76,5) e a IMA por pelo menos 12 meses foi de 91,1% (IC95%89,5;92,7). Entre as 130 crianças com informação de duração do aleitamento materno até os 12 meses, 77% da amostra inicial (Figura 1), foi encontrada mediana de duração da amamentação de 10,8 meses (IIQ: 5,8 a 23,0), cabendo salientar que os acompanhamentos do estudo finalizaram aos 24 meses.
A Figura 2 mostra a duração do aleitamento materno a cada acompanhamento, durante os dois anos do estudo. Para 32 crianças que permaneciam sendo amamentadas no último acompanhamento (aos 24 meses de vida), não foi possível observar a idade exata do desmame, possivelmente superior aos 24 meses. A probabilidade de interrupção da amamentação antes do terceiro mês foi de 9,4% (IC95%5,2;15,3), ao passo que, no intervalo de tempo entre o terceiro e o sexto mês, essa probabilidade foi de 16,4% (IC95%10,2;24,4). Três em cada quatro crianças foram amamentadas até os 5,9 meses de vida, enquanto a metade foi desmamada após os 8 meses.

a) Número de crianças recebendo amamentação no início do período menos a metade do número de crianças censuradas - (2) - (4)/2 -, assumindo-se que, em média, essas perdas ocorreram no meio do mês.
b) (3)/(5).
c) 1 - (6).
d) (8 mês anterior) x (7).
e) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
f) O último acompanhamento aconteceu aos 24 meses.
Figura 2 - Tábua de vida mostrando a duração da amamentação entre 168 crianças participantes do Multi-Centre Body Composition Study desde o nascimento, município de Pelotas, Rio Grande do Sul
A Tabela 2 apresenta a mediana e o intervalo interquartil da duração da amamentação, conforme características maternas e das crianças, ao nascer e aos 3 meses de vida. A mediana de duração do aleitamento materno foi menor entre as mães com menor escolaridade, as que exerciam trabalho manual (qualificado ou não) e as primíparas. Crianças nascidas com baixo peso, com peso e estatura adequados para a idade, sem risco de sobrepeso e que não hospitalizaram foram amamentadas por menos tempo. As diferenças entre essas crianças e seus pares não foram estatisticamente significativas.
Tabela 2 - Mediana e intervalo interquartil (IIQ) da duração da amamentação e proporção de crianças desmamadas até os 12 meses (N=130), segundo variáveis maternas e da criança ao nascer e aos três meses de idade, município de Pelotas, Rio Grande do Sul
Variáveis | Duração da amamentação (em meses) | Desmame <12 meses | |||
---|---|---|---|---|---|
Mediana | IIQa | p-valor | n (%) | p-valor b | |
Características maternas | |||||
Escolaridade | 0,114c | 0,015 | |||
Ensino fundamental/médio/técnico | 8,5 | 5,0;22,0 | 43 (61,4) | ||
Ensino superior | 13,3 | 6,0;23,5 | 24 (40,0) | ||
Ocupação | 0,067d | 0, 068 | |||
Dona de casa/estudante | 12,0 | 5,0;19,0 | 12 (46,2) | ||
Trabalho manual qualificado/ Trabalho manual não qualificado | 6,0 | 4,0;7,0 | 9 (90,0) | ||
Gerencial/profissional/técnico | 12,0 | 7,0;20,0 | 24 (45,3) | ||
Apoio administrativo/vendas ou outros | 10,5 | 4,0;24,0 | 22 (53,7) | ||
Situação conjugal | 0,286c | 0,142 | |||
Sem companheiro | 18,0 | 12,0;24,0 | 0 (0,0) | ||
Com companheiro | 10,3 | 5,6;22,5 | 67 (52,3) | ||
Paridade | 0,398c | 0,650 | |||
Primípara | 9,5 | 5,8;22,0 | 43 (53,1) | ||
Multípara | 12,0 | 6,0;24,0 | 24 (49,0) | ||
Características da criança ao nascer | |||||
Sexo | 0,844c | 0,599 | |||
Feminino | 12,0 | 5,0;23,0 | 32 (49,2) | ||
Masculino | 10,0 | 6,0;22,0 | 35 (53,9) | ||
Peso ao nascer (kg) | 0,726d | 0,714 | |||
<2,500 | 6,5 | 5,0;15,0 | 4 (66,7) | ||
2,500 a 3,499 | 11,0 | 6,0;24,0 | 50 (51,6) | ||
≥3,500 | 12,0 | 4,5;23,0 | 13 (48,2) | ||
Características da criança aos 3 meses de vida | |||||
Peso para idade | 0,647c | 0,511 | |||
Baixo peso | 15,0 | 15,0;15,0 | 0 (0) | ||
Peso adequado | 12,0 | 6,0;24,0 | 38 (41,8) | ||
Estatura para idade | 0,414c | 0,267 | |||
Baixa estatura | 15,0 | 12,0;24,0 | 0 (0) | ||
Estatura adequada | 12,0 | 6,0;24,0 | 38 (42,2) | ||
Peso para estatura | 0,730d | 0,923 | |||
Magreza | 12,0 | 4,5;19,0 | 2 (40,0) | ||
Eutrofia | 12,0 | 6,5;24,0 | 27 (42,2) | ||
Risco de sobrepeso/sobrepeso | 13,5 | 6,8;24,0 | 9 (37,5) | ||
Hospitalizações (até os 3 meses) | 0,312c | 0,561 | |||
Sim | 11,0 | 6,0;23,0 | 6 (60,0) | ||
Não | 8,0 | 3,0;18,0 | 59 (50,4) |
a) IIQ: intervalo interquartil.
b) Teste do qui-quadrado de Pearson.
c) Teste de Wilcoxon.
d) Teste de Kruskal Wallis.
Ainda na Tabela 2, são apresentadas as frequências relativas de desmame antes dos 12 meses de vida. Houve diferença significativa apenas para a variável ‘escolaridade materna’, sendo o desmame antes dos 12 meses mais frequente entre mães com ensino fundamental/médio/técnico (61,4%), frente às mães com ensino superior (40,0%) (p=0,015).
Sobre os motivos para o desmame, as 62 mães cujos bebês foram desmamados antes dos 12 meses citaram o leite insuficiente (57,3%), retorno ao trabalho/escola (45,5%) e recusa inexplicável do bebê (40,1%) como as principais dificuldades encontradas para prolongar o aleitamento pelo período pretendido logo após o parto. Na Figura 3, é possível visualizar a variação na frequência dos motivos mais importantes para o desmame, comparando-se os 6 primeiros meses com o período de 6 a 12 meses de vida. Para o desmame de crianças antes dos seis meses de vida, os motivos mais frequentes foram leite insuficiente (69,0%), recusa inexplicável do bebê (37,9%) e retorno ao trabalho/escola (24,1%) (Figura 3-A), enquanto para aquelas com 6 a 12 meses, os motivos mais frequentes foram retorno ao trabalho/escola (63,6%), leite insuficiente (45,5%) e recusa inexplicável da criança (42,4%) (Figura 3-B).
Discussão
O presente estudo descreveu, entre mães e bebês da cidade de Pelotas participantes do Multi-Centre Body Composition Study, a proporção de mães que, por ocasião do parto, tinham intenção de amamentar, a proporção de crianças exclusivamente amamentadas aos 6 meses, a duração do aleitamento materno e os motivos para o desmame. Chama a atenção a elevada prevalência de mães na cidade de Pelotas com intenção de amamentar exclusivamente até os 6 meses (74%) e de estender a amamentação por pelo menos 12 meses (91%). Para elegibilidade no estudo, as mães e bebês deveriam pertencer a famílias de um determinado nível econômico: mínimo de três salários mínimos de renda familiar mensal. A despeito dessa condição, metade dos recém-nascidos do estudo foram desmamados antes de 1 ano de vida. Além de a mediana de aleitamento materno (11 meses) não refletir a intenção materna relatada no pós-parto imediato, ressalta-se que o leite insuficiente, retorno ao trabalho/escola e recusa inexplicável da criança foram os motivos mais frequentes para o desmame precoce.
Quanto à IMA, os achados do presente estudo foram mais satisfatórios que os encontrados na investigação conduzida em uma localidade na Malásia, no ano de 2012, com gestantes atendidas em serviços de saúde público: uma prevalência de IMA exclusivamente até 6 meses de apenas 43%.13 A mesma pesquisa também constatou que, quando questionadas durante a gestação, 50% das mães tinham intenção de amamentar exclusivamente por no mínimo 4 meses; entretanto, a mediana da intenção de amamentar exclusivamente reduziu-se para apenas 1 mês, quando as mães foram entrevistadas após o parto. Cabe salientar a diferença entre as leis trabalhistas de ambos os países: na Malásia, são garantidas por Lei apenas 8,5 semanas de licença-maternidade,14 sendo a intenção de amamentar condicionada à atividade laboral materna.
Ainda sobre a IMA, nos Estados Unidos, um estudo observou que 28,8% das mães não conseguiram cumprir sua intenção de amamentar por pelo menos 3 meses, e que a probabilidade de não atingir a duração da amamentação pretendida durante a gestação foi maior entre as mães que retornaram ao trabalho em tempo integral antes dos 3 meses pós-parto.15 Este resultado corrobora os de outros estudos realizados no mesmo país norte-americano, ao mencionarem o trabalho materno como motivo para interrupção da amamentação, uma vez que a licença-maternidade nos Estados Unidos consiste em apenas 12 semanas, enquanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda que a licença-maternidade remunerada seja de ao menos 14 semanas.14 Por sua vez, estudo realizado em 2010, com puérperas também de Pelotas, observou que as mães pretendiam amamentar exclusivamente por tempo médio de 5,5 meses, sendo que a intenção de amamentar por mais tempo esteve associada a maior escolaridade, menor idade materna, não trabalhar fora do lar e ter recebido informações sobre amamentação durante as consultas de pré-natal.16
Sobre características da amostra que influenciariam positivamente os resultados, quase 50% das mães apresentavam ensino superior completo e destas, cerca de 40% dos bebês foram desmamados antes dos 12 meses, comparados a mais de 60% dos bebês filhos de mães sem ensino superior. Este achado corrobora o de Hauck et al., conclusivo de uma associação entre o menor nível de escolaridade materna e a interrupção precoce do aleitamento materno entre mães australianas.17
A ausência de associação entre duração do aleitamento materno e ocupação materna pode ser afetada pelo tamanho da amostra. Porém, entre as mães que realizavam trabalhos manuais, 90% dos bebês foram desmamados antes dos 12 meses, e a categoria a apresentar menor frequência de desmame foi a ‘gerencial/profissional/técnico’ da variável ‘ocupação materna’ (p=0,068). Este achado é consistente com um estudo australiano, segundo o qual as mães ocupantes de cargos gerenciais ou profissionais ou autônomas têm maior probabilidade de amamentar por mais tempo.18 O ‘trabalho materno’ é uma variável bastante utilizada nos estudos, embora poucos associem o tipo de ocupação com a duração da amamentação. As pesquisas existentes avaliam o trabalho fora do lar, o tipo de vínculo empregatício (formal ou informal),19 se de turno parcial ou integral.20
O aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e o curto período de licença-maternidade, ainda que se trate de um direito assegurado por muitos países,14 faz com que o retorno ao trabalho esteja entre os principais motivos para o desmame entre o 6° e o 12° meses de vida da criança, período coincidente com o término da licença-maternidade em todos os setores. Entretanto, cabe ressaltar que o Brasil é um dos países onde se dispõe de uma licença-maternidade com duração superior à recomendada pela OIT, além de garantir pausas reservadas à amamentação no ambiente de trabalho para as mães que precisam retornar ao trabalho quando os filhos se encontram em idade inferior a 6 meses.21 Nesse sentido, estudo realizado nas capitais brasileiras constatou que a licença-maternidade favoreceu o aumento da prevalência de aleitamento materno exclusivo, reforçando a necessidade de ampliação desse benefício para até os 6 meses de idade do bebê em todos os setores.22
A hospitalização do bebê até os 3 meses de vida não se associou com desmame antes dos 12 meses, diferentemente do resultado de um estudo realizado em Salvador, BA, onde a amamentação exclusiva foi interrompida em 35,4% dos casos de internações hospitalares.23 São escassos, entretanto, estudos avaliativos da associação entre internação hospitalar do lactente e prática do aleitamento materno.
Cerca de um quarto dos bebês teve a amamentação interrompida após os 24 meses de vida. A mediana de amamentação observada foi inferior à mesma mediana encontrada na II Pesquisa de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e no Distrito Federal2 - 12,9 meses - e na PNDS 20064 - 14 meses.
No que diz respeito aos motivos para as mães desmamarem seus filhos, os resultados observados não diferiram dos achados de estudos internacionais, em que o leite insuficiente e o retorno ao trabalho/escola foram as principais dificuldades maternas para se prosseguir com o aleitamento pelo tempo anteriormente pretendido.24 Outro estudo com a população de mães de Pelotas, anterior a este, apresentou a diminuição da produção do leite e a recusa da criança para mamar como motivos relatados para o desmame.25
Neste estudo, entre os motivos mais alegados pelas mães para a interrupção precoce da amamentação, especialmente nos primeiros 6 meses de vida do bebê, destaca-se, com uma frequência acentuadamente maior, a produção insuficiente de leite. Porém, a literatura existente refere esse fenômeno como bastante raro entre as nutrizes,26 podendo tal alegação estar associada à insegurança materna diante das dificuldades da amamentação: por exemplo, quando elas, erroneamente, pensam que seu leite é fraco ou insuficiente para saciar o bebê.27 Trata-se de um equívoco, que pode ser minimizado com um manejo clínico adequado, informativo e encorajador, uma vez que, de acordo com o relato de pesquisa de Olang et al., a produção insuficiente de leite está associada a fatores psicológicos maternos.28
Diversas intervenções dirigidas à promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno estão sendo implementadas, como o incentivo ao aleitamento materno na Atenção Básica, por meio da Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil,29 e na atenção hospitalar, com a Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Qaunto à proteção legal ao aleitamento materno, o país conta com a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL),30 além da extensão opcional da licença-maternidade e de ações de defesa da amamentação nos locais de trabalho, com a reserva de Salas de Apoio à Amamentação nas empresas. A adesão a esta iniciativa, todavia incipiente no Brasil, objetiva proteger a amamentação após a licença-maternidade.29
No que se refere às limitações do estudo em tela, primeiramente, cabe mencionar um possível erro de fundo recordatório: a resposta das mães sobre os motivos para o desmame quando a criança já contava mais de um ano de idade. Outrossim, sabe-se que os resultados desta pesquisa não são generalizáveis a toda a população, devido aos critérios de inclusão do estudo maior no qual estava aninhado: apenas crianças com maior probabilidade de atingirem seu potencial de crescimento. Não obstante, o estudo mostrou que, mesmo entre mães e bebês situados em um cenário econômico, comportamental e de saúde mais favorável, é possível identificar um expressivo número de crianças desmamadas precocemente.
Alguns aspectos fortalecem os resultados aqui apresentados: (i) o rigor na coleta de dados; (ii) o uso de um instrumento-padrão, especialmente desenhado para um estudo aplicado em mais quatro países além do Brasil, sob a chancela de experts em nutrição infantil; (iii) a execução de estudo-piloto, para verificar se o instrumento sobre motivos para o desmame, desenvolvido internacionalmente, seria aplicável à realidade de Pelotas; e (iv) a supervisão constante, de parte dos pesquisadores.
Embora o estudo tenha observado elevada prevalência de intenção materna de amamentar - IMA -, a duração da amamentação na amostra analisada mostrou-se aquém da recomendação do Ministério da Saúde. Os motivos relatados pelas mães para o desmame precoce indicam a necessidade de ampliação de políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, atentas à realidade das mães trabalhadoras. Assim, mostram-se necessárias novas pesquisas, focadas na efetividade das políticas, programas e ações existentes no mundo, para remover barreiras estruturais e sociais capazes de interferir no sucesso da amamentação.