Introdução
A influenza é uma infecção viral das vias aéreas superiores e inferiores, sendo causada pelos RNA vírus da família Orthomixoviridae , subdivididos em tipos A, B ou C. O vírus do tipo A é o mais mutagênico e importante na infecção humana, e seus subtipos predominantes no Brasil são A(H1N1)pdm09 e A(H3N2).1
Seus principais reservatórios são os seres humanos, animais mamíferos e aves.2 A suscetibilidade é geral, e a transmissão ocorre por contato com secreções ou aerossóis respiratórios, principalmente no período mais frio (outono e inverno), e nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A incubação em humanos dura entre um e quatro dias, e a transmissibilidade ocorre entre 24 horas do início dos sintomas até o quinto dia. Os principais sinais e sintomas são: febre, tosse, dor de garganta, calafrios, mal-estar, cefaleia, mialgia, artralgia, prostração, rinorreia, dor torácica, diarreia, vômito, fadiga, rouquidão, hiperemia conjuntival e, nos casos mais graves, dispneia (falta de ar).4
Os principais fatores e grupos de risco associados a infecção e complicações clínicas são: gravidez, puerpério, imunossupressão, ambientes fechados ou semifechados (tipo domicílio, escolas e creches), idade <5 anos ou ≥60 anos, indígena aldeado, e portador de doença crônica.7
Como medidas preventivas para infecção por influenza, citam-se o isolamento respiratório do infectado, o uso de equipamentos de proteção individual pelos profissionais de saúde, a vacinação dos grupos prioritários de risco e o tratamento medicamentoso oportuno do indivíduo (até 48 horas do início dos sintomas).7
Em 120 anos, de 1889 a 2009, o Brasil enfrentou seis importantes epidemias de influenza, que contribuíram na estruturação e aprimoramento do sistema nacional de vigilância epidemiológica.1 Um desses componentes estruturados é a vigilância universal da síndrome respiratória aguda grave (SRAG), iniciada em 2009, após a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional frente aos casos humanos de influenza A(H1N1)pdm09. O novo sistema visou identificar o perfil dos casos e óbitos por influenza pandêmica a partir do quadro clínico de SRAG, sendo esta sua manifestação mais grave. Por sua vez, para o registro dos dados epidemiológicos, também em 2009 foi estabelecido o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) Influenza Web, responsável por armazenar os dados dos casos notificados.4
A vigilância universal da SRAG também preconiza a coleta e análise, em relação a todos os hospitalizados por SRAG, de amostras de secreção nasofaríngea ou material post mortem para identificação do vírus infectante. Os principais métodos diagnósticos utilizados são a reação em cadeia de polimerase em tempo real (RT-PCR) e o método de imunofluorescência indireta (IFI).1
Desde sua implementação, o sistema passou por ajustes de variáveis e mudanças nas definições de caso, porém ainda não havia sido submetido a um processo avaliativo da qualidade de seus atributos e de sua utilidade.1
Assim, este estudo teve como objetivo avaliar os atributos do sistema de vigilância da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil, no período 2014-2016.
Métodos
Realizou-se estudo de avaliação do sistema de informação Sinan Influenza Web, pautado nas diretrizes do Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos (CDC), constantes no Updated guidelines for evaluating public health surveillance systems: recommendations from the guidelines working group ,18 que preconiza análise dos atributos quantitativos e qualitativos pertinentes a um sistema de vigilância, a partir de referências e critérios (escores) avaliativos de cada atributo. Neste estudo, foram avaliados os atributos simplicidade, completude, inconsistência, oportunidade, aceitabilidade, representatividade, valor preditivo positivo (VPP) e utilidade do sistema.
Foram estudados os indivíduos que manifestaram sintomas de SRAG no Brasil e foram notificados no Sinan Influenza Web, considerando-se o Brasil como local de estudo, uma vez que a SRAG é um agravo de notificação compulsória em todo o território nacional desde o ano de 2011.12 Foram analisados os casos com início dos sintomas entre 1º de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2016.
Na descrição do sistema, analisaram-se protocolos pertinentes à estrutura da vigilância, com seus componentes específicos. Para a avaliação dos atributos do sistema, foram utilizadas as variáveis obrigatórias e essenciais do banco de dados do Sinan Influenza Web, com recorte segundo o período de análise supracitado. Também foram consultados profissionais de saúde externos à vigilância da SRAG, mas com experiência em trabalhos de avaliação de sistemas de saúde, para revisão das referências e escores avaliativos utilizados no estudo.
Descrição do sistema
Uma vez internado, o caso pode evoluir ou não a óbito num prazo de 24 horas. Evoluindo, a coleta de amostras post mortem é feita, e a ficha é encerrada por critério laboratorial a partir dos resultados das amostras. Não havendo coleta post mortem , o caso é investigado para critérios clínico-epidemiológicos de confirmação ( Figura 1 ).3
Quando a notificação é de caso internado com SRAG, as amostras laboratoriais da nasofaringe são coletadas. Se não for possível a coleta, dados clínico-epidemiológicos de contatos são investigados para a confirmação e encerramento ( Figura 1 ).3
O sistema de informação Sinan Influenza Web possui uma ficha de notificação com variáveis obrigatórias e não obrigatórias para preenchimento, pautadas em aspectos socioeconômicos, antecedentes e dados clínicos de saúde, resultados laboratoriais e classificação final do caso pós-investigação. A ficha é de preenchimento on-line , com subida de dados imediata para o banco nacional após o encerramento.3
Referências e critérios de análise dos atributos
Simplicidade
Utilizaram-se como referências de avaliação do atributo simplicidade a descrição do fluxograma de manejo, a notificação e a investigação dos casos de SRAG em âmbito nacional.
Como critério de avaliação, o sistema de vigilância do SRAG deveria possuir:
Um fluxograma de atendimento desenhado, bem definido e com suas interconexões adequadamente descritas;
Poucas esferas institucionais envolvidas na notificação e confirmação dos casos. No caso, uma instituição notificadora/investigadora do caso, e uma instituição de referência para as análises laboratoriais;
Pequena quantidade de exames laboratoriais a serem realizados e analisados para a confirmação/descarte do caso (no máximo, dois exames confirmatórios).
Preenchendo os critérios avaliativos descritos acima, o sistema seria considerado simples.18
Completude
A referência foi a porcentagem de preenchimento de cinco variáveis essenciais obrigatórias:
Unidade de identificação do caso (presente ou não na ficha);
Data do início dos sintomas (presente ou não na ficha);
Data de nascimento (presente ou não na ficha);
Sexo (masculino/feminino/ignorado);
Data de encerramento (presente ou não na ficha).
E seis não obrigatórias:
Vacinação contra gripe (sim/não);
Uso de antiviral (sim/não);
Evolução para internação (sim/não);
Realização de raio-X torácico (sim/não);
Uso de ventilação mecânica (sim/não);
Coleta de amostra (sim/não).
As variáveis obrigatórias foram escolhidas por serem variáveis que não permitem que o preenchimento da ficha seja concluído caso não estejam preenchidas, e também porque trazem informações importantes para caracterização social e demográfica do indivíduo. As variáveis não obrigatórias foram escolhidas por trazerem uma visão global do atendimento do paciente com SRAG.
Como critério avaliativo, para as variáveis obrigatórias, foi considerado satisfatório o preenchimento de 100% dos campos no período analisado. Para as variáveis não obrigatórias, foi considerado satisfatório o percentual de preenchimento dos campos acima de 70%, sendo este o mínimo capaz de permitir uma descrição adequada da variável.19
Inconsistência
A referência de inconsistência foi dada pela análise do percentual de amostras coletadas antes do início dos sintomas (data de coleta da amostra anterior à data de início dos sintomas). Como critério avaliativo, se o percentual for igual ou menor que 20%, a inconsistência dos dados será considerada aceitável.18
Oportunidade
Foram tomados por referências de oportunidade os seguintes tópicos:
Oportunidade de atendimento: diferença em dias entre a data de início dos sintomas de SRAG e a data de internação. Foram considerados oportunos os atendimentos realizados em até um dia do início dos sintomas;
Oportunidade de notificação: diferença em dias entre a data de internação e a data de notificação. Foram consideradas oportunas as notificações realizadas em até um dia de internação;
Oportunidade de tratamento: diferença, em dias, entre a data de internação e a data de início do tratamento medicamentoso para quem fez o devido tratamento. Foram considerados oportunos os tratamentos realizados em até dois dias do início da internação;
Oportunidade de coleta de amostra: diferença, em dias, entre a data de internação e a data da coleta da amostra para os que realizaram coleta. Foram consideradas oportunas as coletas de amostra até sete dias de internação;
Oportunidade de encerramento da investigação: diferença, em dias, entre a data da notificação e a data de encerramento da investigação na ficha para os que efetivamente encerraram a investigação. Foram considerados oportunos os encerramentos de investigações no prazo máximo de 60 dias da data de notificação.
Cada referência apresentou um percentual de oportunidade, e, como critério avaliativo, a oportunidade do sistema foi considerada satisfatória caso a média simples dos percentuais em todo o período de estudo fosse superior ou igual a 70%.18
Aceitabilidade
A aceitabilidade do sistema de informação foi avaliada indiretamente pelos atributos oportunidade de notificação e coleta de amostras. Como critério, sendo a média simples das oportunidades igual ou superior a 80%, o sistema foi considerado de aceitabilidade satisfatória.18
Representatividade
A representatividade foi analisada pela capacidade do sistema de vigilância em identificar, no período de estudo determinado, os casos de SRAG por vírus respiratório circulante no Brasil, e as regiões (variável Unidade Federada de residência) e faixas etárias (variáveis categóricas: 0 a 4 anos, 5 a 9 anos, 10 a 19 anos,“20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos e ≥60 anos) mais acometidas pelo SRAG. Como critério, sendo o sistema de vigilância capaz de descrever o comportamento do SRAG no Brasil, este sistema será considerado representativo.18
VPP
Para a avaliação do VPP da definição de caso de SRAG no sistema para detecção de infecções virais, foram determinadas as referências a seguir.
1. Indivíduos com investigação concluída (variável “data de encerramento” preenchida) que atenderam à definição de caso de SRAG pelos sinais e sintomas registrados:
Variável “febre = sim”;
Seguido de “tosse = sim” ou “dor de garganta = sim”;
Seguidos de “cefaleia = sim”, ou “mialgia = sim”, ou “artralgia = sim”;
Seguido de “dispneia = sim” ou “saturação de O2 <95% = sim”.
2. Indivíduos confirmados no Sistema para infecção por vírus respiratório:
Indivíduos que atenderam à definição de caso de SRAG pelos sinais e sintomas, somados a
Variável “diagnóstico etiológico = 1- positivo”;
Seguido de “influenza A = positivo”, ou “influenza B = positivo”, ou “outros vírus respiratórios = positivo”.
Assim, a proporção de indivíduos confirmados com infecção viral frente aos que apenas atenderam à definição de caso de SRAG seria considerado o VPP da definição de caso do sistema de vigilância. Como, segundo a literatura, em torno de 20 a 30% dos casos de SRAG notificados constituem-se de infecções virais,1 se neste estudo o valor encontrado for superior a 20%, o VPP será considerado satisfatório.18
Utilidade
A utilidade do sistema de vigilância universal da SRAG teve como referência o cumprimento dos seus objetivos estipulados em protocolo nacional.20 Constam como objetivos do sistema de vigilância universal da SRAG no Brasil: monitorar os vírus respiratórios circulantes no país; acompanhar a tendência da morbidade e da mortalidade associadas à doença; identificar grupos de risco associados à doença; detectar e oferecer resposta rápida à circulação de novos subtipos; e produzir e disseminar informações epidemiológicas.
Como critério, tendo sido atendidos os objetivos do sistema de vigilância, o sistema de vigilância será considerado útil.*18
Os dados foram analisados a partir de medidas de frequência absoluta, frequência relativa, tendência central e dispersão. Os softwares utilizados no processamento de dados foram o Epi Info™ 7.2.3.1 e o Microsoft Office Excel® 2016.
Ressalta-se também que os campos com preenchimento “ignorado” foram considerados como campos preenchidos, e somente os dados faltantes ( missing values ) foram considerados como campos não preenchidos.
Resultados
Foram analisados 89.954 registros de SRAG com início dos sintomas entre 1º de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2016.
Na análise do atributo simplicidade, observou-se que o sistema de vigilância universal da SRAG assim se apresenta: com um fluxograma de atendimento/notificação desenhado e descrito em documentos oficiais, que descreve desde a notificação como SRAG, sua evolução, os exames coletados e os respectivos resultados, e a classificação final do caso ( Figura 1 ); uma instituição notificadora/investigadora que é a própria unidade sentinela de atendimento do caso, e uma referência laboratorial local que é o próprio Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) do território da unidade sentinela; e dois métodos diagnósticos distintos implantados na vigilância para confirmação dos casos – o RT-PCR e o IFI.
Assim, como o sistema de vigilância da SRAG atingiu escores avaliativos do atributo em estudo, este foi classificado como simples.
Para o atributo completude, das variáveis obrigatórias, foram consideradas satisfatórias o preenchimento do “início dos sintomas” do “sexo” e da “data de encerramento”. Em contrapartida, as variáveis “unidade de identificação do caso” e “data de nascimento” não apresentaram completude de 100,0% nas suas variáveis. Para as variáveis não obrigatórias, todas foram satisfatórias, com um preenchimento acima de 95,0% ( Tabela 1 ).
Variáveis obrigatórias | 2014 (N=19.289) | 2015 (N=14.936) | 2016 (N=55.729) | Total (N=89.954) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Unidade do caso | 19.268 | 99,9 | 14.934 | 99,9 | 55.722 | 99,9 | 89.924 | 99,9 |
Sintomas | 19.289 | 100,0 | 14.936 | 100,0 | 55.729 | 100,0 | 89.954 | 100,0 |
Nascimento | 19.254 | 99,8 | 14.914 | 99,8 | 55.557 | 99,7 | 89.725 | 99,7 |
Sexo | 19.289 | 100,0 | 14.936 | 100,0 | 55.729 | 100,0 | 89.954 | 100,0 |
Data de encerramento | 19.289 | 100,0 | 14.936 | 100,0 | 55.729 | 100,0 | 89.954 | 100,0 |
| ||||||||
Variáveis não obrigatórias | ||||||||
| ||||||||
Vacinação | 18.809 | 97,5 | 14.626 | 97,9 | 54.507 | 97,8 | 87.942 | 97,8 |
Antiviral | 18.881 | 97,9 | 14.530 | 97,3 | 54.871 | 98,5 | 88.282 | 98,1 |
Internação | 19.189 | 99,5 | 14.806 | 99,1 | 55.473 | 99,5 | 89.468 | 99,5 |
Raio-X | 18.401 | 95,4 | 14.233 | 95,3 | 53.500 | 96,0 | 86.134 | 95,7 |
Ventilação | 18.738 | 97,1 | 14.503 | 97,1 | 54.468 | 97,7 | 87.709 | 97,5 |
Amostra | 19.159 | 99,3 | 14.745 | 98,7 | 55.284 | 99,2 | 89.188 | 99,1 |
| ||||||||
Inconsistência | 2014 (N=17.290) | 2015 (N=13.522) | 2016 (N=50.042) | Total (N=80.854) | ||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |
| ||||||||
Coletas antes dos sintomas | 574 | 3,3 | 462 | 3,4 | 1.551 | 3,1 | 2.587 | 3,2 |
| ||||||||
Oportunidade | 2014 (N= 19.289) | 2015 (N=14.936) | 2016 (N=55.729) | Total (N=89.954) | ||||
Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | |
| ||||||||
Atendimento | 6.327 | 32,8 | 4.993 | 33,4 | 18.001 | 32,3 | 29.321 | 32,6 |
Notificação | 10.997 | 57,0 | 8.123 | 54,4 | 34.461 | 61,8 | 53.581 | 59,6 |
2014 (N= 11.212) | 2015 (N=6.898) | 2016 (N=39.665) | Total (N=57.775) | |||||
Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | |
Tratamento | 9.361 | 83,5 | 5.625 | 81,5 | 33.494 | 84,4 | 48.480 | 83,9 |
2014 (N=17.160) | 2015 (N=13.331) | 2016 (N=49.597) | Total (N=80.088) | |||||
Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | |
Coleta | 13.429 | 78,2 | 10.614 | 79,6 | 41.048 | 82,8 | 65.091 | 81,3 |
2014 (N=17.909) | 2015 (N=13.864) | 2016 (N=51.632) | Total (N=83.405) | |||||
Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | Oportunos | % | |
Encerramento | 16.708 | 93,3 | 12.411 | 89,5 | 40.709 | 78,8 | 69.828 | 83,7 |
Nesse sentido, constatou-se que 9 das 11 variáveis estudadas (81,8%) apresentaram completude satisfatória para os critérios estipulados, e assim o sistema de vigilância da SRAG foi classificado como de completude satisfatória.
Em relação ao atributo inconsistência, para um total de 80.854 registros com coleta de amostra confirmada, a inconsistência dos dados ficou em torno de 3,2%, sendo assim considerada aceitável na análise ( Tabela 1 ).
Na análise do atributo oportunidade, as oportunidades de atendimento e notificação foram avaliadas num total de 89.954 registros, com resultado de 32,6% de atendimentos oportunos e 59,6% de notificações oportunas. A oportunidade de tratamento foi avaliada para 57.775 registros que efetivamente realizaram tratamento antiviral, dos quais 83,9% foram oportunos. Para a oportunidade de coleta de amostras laboratoriais, do total de 80.088 registros que realizaram coleta de material para laboratório, 81,3% das coletas foram oportunas. E para a oportunidade de encerramento, num total de 83.405 casos encerrados no período analisado, foram oportunos 83,7% dos registros ( Tabela 1 ).
A média simples das oportunidades avaliadas em todo o período resultou em 68,2% de oportunidade geral. Assim, pelos critérios avaliativos, o sistema de vigilância universal da SRAG foi considerado não oportuno.
Para a avaliação indireta do atributo aceitabilidade, por meio das análises de oportunidade, contatou-se que, para o período de estudo analisado, a oportunidade de notificação foi de 59,6% e a oportunidade de coleta de amostras laboratoriais foi de 81,3% ( Tabela 1 ), com média simples calculada em 70,4%, o que classifica como não satisfatória a aceitabilidade dos profissionais de saúde frente à vigilância da SRAG.
Em relação ao atributo representatividade, os casos de SRAG foram notificados em todo o Brasil ao longo do período analisado (2014-2016), com registro de maior notificação em 2016, principalmente por influenza. Os registros de casos aumentaram também nos períodos mais frios do ano no Brasil, que compreendem os meses de março a agosto ( Figura 2 ). Os estados da região Sul brasileira, somados aos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, foram os que mais notificaram casos de SRAG neste estudo ( Tabela 2 ).
Região/Unidade da Federação | 2014 | 2015 | 2016 | Total |
---|---|---|---|---|
Norte | 591 | 335 | 1.648 | 2.574 |
| ||||
Rondônia | 85 | 54 | 198 | 337 |
Acre | 153 | 118 | 384 | 655 |
Amazonas | 1 | 4 | 26 | 31 |
Roraima | 38 | 9 | 30 | 77 |
Pará | 182 | 93 | 775 | 1.050 |
Amapá | 88 | 42 | 154 | 284 |
Tocantins | 44 | 15 | 81 | 140 |
| ||||
Nordeste | 2.208 | 1.872 | 4.470 | 8.550 |
| ||||
Maranhão | 77 | 34 | 69 | 180 |
Piauí | 82 | 28 | 185 | 295 |
Ceará | 178 | 296 | 536 | 1.010 |
Rio Grande do Norte | 209 | 166 | 352 | 727 |
Paraíba | 25 | 12 | 288 | 325 |
Pernambuco | 1.151 | 1.044 | 1.613 | 3.808 |
Alagoas | 19 | 2 | 134 | 155 |
Sergipe | 0 | 4 | 122 | 126 |
Bahia | 467 | 286 | 1.171 | 1.924 |
| ||||
Sudeste | 8.919 | 5.760 | 29.753 | 44.432 |
| ||||
Minas Gerais | 2.778 | 1.370 | 5.097 | 9.245 |
Espírito Santo | 87 | 75 | 978 | 1.140 |
Rio de Janeiro | 659 | 532 | 2.543 | 3.734 |
São Paulo | 5.395 | 3.783 | 21.135 | 30.313 |
| ||||
Sul | 6.147 | 5.493 | 15.109 | 26.749 |
| ||||
Paraná | 2.868 | 2.455 | 6.696 | 12.019 |
Santa Catarina | 1.333 | 726 | 2.787 | 4.846 |
Rio Grande do Sul | 1.946 | 2.312 | 5.626 | 9.884 |
| ||||
Centro-Oeste | 1.359 | 849 | 4.034 | 6.242 |
| ||||
Mato Grosso do Sul | 577 | 286 | 1.702 | 2.565 |
Mato Grosso | 243 | 97 | 571 | 911 |
Goiás | 387 | 364 | 1.192 | 1.943 |
Distrito Federal | 152 | 102 | 569 | 823 |
| ||||
Ignorados/em branco | 65 | 627 | 715 | 1.407 |
| ||||
Total | 19.289 | 14.936 | 55.729 | 89.954 |
Menores de 5 anos e pessoas com 60 anos ou mais foram as faixas etárias mais acometidas por SRAG no Brasil. Pode-se também observar maior frequência de influenza nas faixas etárias de 60 anos ou mais, e de outros vírus respiratórios em crianças menores de 5 anos. Também se pode observar que, em 71,0% (63.901/89.954) dos casos notificados, não foi identificado o agente etiológico da SRAG ( Tabela 3 ).
Faixa etária (anos) | SRAG Influenza | SRAG Outros vírus | SRAG Outras etiologias | SRAG Não identificado | Total geral | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
0 a 4 | 3.002 | 19,5 | 7.745 | 78,8 | 315 | 38,5 | 25.917 | 40,6 | 36.979 | 41,1 |
5 a 9 | 758 | 4,9 | 285 | 2,9 | 18 | 2,2 | 2.803 | 4,4 | 3.864 | 4,3 |
10 a 19 | 820 | 5,3 | 218 | 2,2 | 65 | 7,9 | 3.140 | 4,9 | 4.243 | 4,7 |
20 a 29 | 1.331 | 8,6 | 222 | 2,3 | 78 | 9,5 | 4.383 | 6,9 | 6.014 | 6,7 |
30 a 39 | 1.884 | 12,2 | 211 | 2,1 | 86 | 10,5 | 5.118 | 8,0 | 7.299 | 8,1 |
40 a 49 | 2.017 | 13,1 | 202 | 2,0 | 69 | 8,4 | 4.798 | 7,5 | 7.086 | 7,9 |
50 a 59 | 2.409 | 15,6 | 230 | 2,3 | 67 | 8,2 | 5.489 | 8,6 | 8.195 | 9,1 |
≥60 | 3.183 | 20,7 | 717 | 7,3 | 121 | 14,8 | 12.253 | 19,2 | 16.274 | 18,1 |
| ||||||||||
Total | 15.404 | 100,0 | 9.830 | 100,0 | 819 | 100,0 | 63.901 | 100,0 | 89.954 | 100,0 |
Como o sistema de vigilância da SRAG é capaz de descrever o comportamento da SRAG no Brasil em tempo, lugar e pessoa, com os devidos destaques para as principais faixas etárias acometidas (menores de 5 anos e maiores de 60 anos) e para as principais Unidades Federadas em que se registraram casos (regiões Sul e Sudeste), este foi considerado representativo.
Na análise do VPP da definição de caso, para um total de 64.214 registros que tinham a investigação concluída e atenderam à definição de caso de SRAG, 18.714 registros apresentaram resultados laboratoriais positivos para vírus respiratório, calculando-se um VPP de 29,1%. Este VPP teve valor satisfatório, segundo os critérios avaliativos.
Quanto à utilidade, temos que o sistema de vigilância da SRAG foi capaz de cumprir a função de monitoramento dos vírus respiratórios, e também foi capaz de identificá-los por critérios laboratoriais e critérios clínico-epidemiológicos. O sistema também apresentou capacidade de demonstrar a distribuição e tendência da síndrome ao longo dos anos estudados ( Figura 2 ) e ( Tabela 2 ).
Ademais, o sistema identificou grupos etários com maior risco para SRAG, e em caráter específico para influenza ou demais vírus respiratórios, confirmando também a adequação dos métodos de IFI e RT-PCR na identificação de novos subtipos virais ( Tabela 3 ).
Desse modo, a vigilância da SRAG foi capaz de atender aos objetivos preconizados de monitoramento dos vírus respiratórios, descrição da situação epidemiológica, identificação de tendências e especificação de grupos de risco, tendo sido o sistema classificado como útil.
Discussão
O sistema de vigilância universal da SRAG foi avaliado como de fluxograma simples, boa completude de dados, baixa inconsistência, não oportuno para manejo clínico e notificação, de aceitabilidade baixa pelos profissionais, representativo do território, de VPP satisfatório para vírus respiratórios, e útil para análises epidemiológicas.
Sistemas de vigilância epidemiológica simples são preferíveis por serem mais aceitos pelos profissionais e por terem baixos custos, apesar de apresentarem problemas com incorporação de novas tecnologias.18 Esta dificuldade de incorporação não foi observada para o sistema estudado, muito devido ao manuseio do sistema ocorrer por vias digitais.3
A boa completude e a baixa inconsistência permitiram à vigilância estudada contar com análises epidemiológicas qualificadas, captando casos em todo o território brasileiro, com informações fidedignas.21
Os sistemas disponibilizados na internet também facilitam a incorporação de novas variáveis com pouco custo. Como a SRAG pode apresentar novas nuances pela diversidade dos agentes etiológicos, sugere-se que o sistema deva ser capaz de adaptar-se às novas definições de caso criadas, para o que o sistema denota potencial.4
A não oportunidade do sistema, afetada pelas oportunidades de atendimento e notificação, pode ter sido influenciada por quatro motivos: (i) demora do indivíduo na busca por tratamento; (ii) demora no acesso aos serviços de internação; (iii) falta de capacitação dos profissionais frente a casos de SRAG; e (iv) presença de comorbidades crônicas nos internados como fator de confundimento clínico.23 Quanto às comorbidades crônicas, o confundimento clínico tem sido cada vez mais relatado em literatura especializada, a qual induz os profissionais de saúde a valorizar o tratamento da doença crônica em detrimento do tratamento do quadro infeccioso.26
A aceitabilidade foi observada no estudo como um reflexo da oportunidade do serviço; assim, se pauta não apenas na avaliação dos profissionais envolvidos, mas também na gestão e organização das instituições para melhor prestação deste tipo de atendimento.18
A notificação imediata de casos suspeitos no sistema de informação contribuiu com a representatividade do sistema, aumentando a gama de casos captados em todo o território nacional. Porém, os problemas relacionados ao baixo registro de casos em alguns estados podem não estar relacionados à vigilância em si, mas ao sistema de saúde vigente, como falta de acesso aos serviços assistenciais. Outros fatores que contribuem para a boa representatividade também foram a boa completude e a baixa inconsistência, que tornam os dados avaliados mais fidedignos e qualificados.1
O VPP satisfatório para casos com identificação de vírus respiratórios se reflete no fato de a vigilância universal do SRAG ser pautada na identificação de um quadro clínico passível de ser provocado por diversos agentes etiológicos respiratórios: vírus, bactérias, doenças crônicas e outros. Assim, a detecção desses vírus está pautada como um dos elementos de identificação de agentes causadores de SRAG, aumentando o poder do sistema de vigilância de identificar casos específicos via detecção laboratorial ou por critério clínico-epidemiológico. Em contrapartida, a magnitude dos casos de SRAG provocados por outros agentes etiológicos fica desconhecida, pela não ampliação do painel analítico laboratorial.18
Como limitação ao estudo, temos referências subjetivas de mensuração dos atributos, que contribuem para um possível viés de informação, do tipo viés confirmatório. Procurou-se minimizar esse efeito convidando profissionais externos à vigilância para participarem da validação das referências e dos critérios avaliativos.
Por fim, conclui-se que o sistema de vigilância da SRAG é útil, pois possui alta capacidade de captação de casos pela sua definição de caso, e possibilita uma boa representatividade de casos identificados na população brasileira. Além disso, os dados apresentam boa qualidade analítica, devido aos poucos dados errados ou faltantes.14
Assim, recomenda-se à gestão federal do sistema: capacitar corpo clínico para diagnóstico de SRAG, manejo adequado (isolamento respiratório e tratamento de casos graves) e administração oportuna do tratamento; capacitar parceiros estaduais e municipais para investigação imediata da SRAG, com coleta amostral; trabalhar junto aos profissionais a importância do tratamento medicamentoso na SRAG, principalmente para suspeitos de SRAG por influenza (maior gravidade); e agilizar a entrega das análises laboratoriais à vigilância epidemiológica.