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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.3 Brasília jun. 2020  Epub 08-Jun-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000300016 

Artigo original

Caracterização dos casos confirmados de dengue por meio da técnica de linkage de bancos de dados, para avaliar a circulação viral em Belo Horizonte, 2009-2014*

Características de los casos confirmados de dengue utilizando la técnica de enlace de bases de datos, para evaluar la circulación viral en la ciudad de Belo Horizonte, Brasil, 2009-2014

Ana Carolina Lemos Rabelo (orcid: 0000-0002-5247-9266)1  , Frederico Figueiredo Amâncio (orcid: 0000-0002-5732-7173)2  , Carla Sayuri Fogaça Oiko (orcid: 0000-0001-6556-7989)3  , Marcela Lencine Ferraz (orcid: 0000-0003-1560-5777)4  , Mariângela Carneiro (orcid: 0000-0002-9390-7714)5 

1Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Belo Horizonte, MG, Brasil

2Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Hospital João XXIII, Belo Horizonte, MG, Brasil

3Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Gerência de Zoonoses Norte, Belo Horizonte, MG, Brasil

4Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Superintendência de Vigilância Epidemiológica, Belo Horizonte, MG, Brasil

5Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Parasitologia, Belo Horizonte, MG, Brasil

Resumo

Objetivo

descrever a circulação viral de dengue em Belo Horizonte, Brasil, de 2009 a 2014.

Métodos

trata-se de estudo de série de casos de dengue infectados por diferentes sorotipos do vírus, identificados por isolamento viral ou RT-PCR; foi realizado linkage das bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e do Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL).

Resultados

foram relacionados 91,1% dos registros (n=775); entre os casos (n=851), 60,4% (n=514) foram confirmados como DENV-1, 22,1% (n=188) como DENV-4, 9,8% (n=83) como DENV-2 e 7,7% (n=66) como DENV-3; DENV-2 apresentou maior percentual de casos graves (4,5%).

Conclusão

DENV-1 prevaleceu e circulou em todos os anos avaliados.

Palavras-Chave: Dengue; Vírus da Dengue; Monitoramento Epidemiológico; Base de Dados

Resumen

Objetivo

describir la circulación viral del dengue en Belo Horizonte, Brasil, de 2009 a 2014.

Métodos

se trata de estudio de una serie de casos de dengue infectados por diferentes serotipos del virus, identificados por aislamiento viral o RT-PCR; se realizó una conexión con las bases de datos del Sistema de Información para Enfermedades de Notificación (Sinan), el Sistema del Información Hospitalaria del Sistema Único de Salud (SIH/SUS) y el Gestor de Ambiente de Laboratorio (GAL).

Resultados

fueron relacionados 91,1% de los registros (n=775); entre los casos (n=851), el 60,4% (n=514) fue confirmado como DENV-1, 22,1% (n=188) como DENV-4, 9,8% (n=83) como DENV-2 y 7,7% (n=66) como DENV-3; DENV-2 tuvo un mayor porcentaje de casos graves (4,5%).

Conclusión

DENV-1 prevaleció y circuló en todos los años evaluados.

Palabras-clave: Dengue; Virus del Dengue; Monitoreo Epidemiológico; Base de Datos

Introdução

A dengue é uma doença febril aguda, com espectro clínico variável desde formas assintomáticas e oligossintomáticas até quadros graves, podendo evoluir para óbito,1 sendo considerada uma das arboviroses de maior importância global.2 O vírus da dengue (DENV) é transmitido ao homem por mosquitos do gênero Aedes sp. e possui quatro sorotipos distintos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.1 No Brasil, desde 2010, os quatro sorotipos se encontram em circulação.1

No país, registra-se a ocorrência de dengue desde 1846, com a primeira epidemia documentada em 1981-1982 (Boa Vista, Roraima).1 Em Belo Horizonte, os primeiros casos foram registrados em 1996.3 A introdução dos quatro sorotipos deu-se de forma progressiva,4 e, de 2009 a 2014, todos os sorotipos circularam no município.5 Em Belo Horizonte, a identificação viral é realizada pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) – laboratório de referência de Minas Gerais –, por técnicas de isolamento viral e transcrição reversa seguida da reação em cadeia da polimerase (RT-PCR). Os resultados laboratoriais são inseridos no Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL).

No Brasil, todo caso suspeito de dengue deve ser registrado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).1 Os casos que exigem internação são registrados no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).1 Estes sistemas não possuem um campo identificador unívoco, impossibilitando a identificação direta dos registros de um mesmo caso entre suas bases distintas.

A técnica de relacionamento, conhecida como linkage de bancos de dados, tem sido utilizada nas análises de Saúde Pública para detectar e excluir registros duplicados, integrar e agregar informações dos diferentes sistemas.6 Dessa forma, é possível identificar e resgatar informações presentes em um sistema e ausentes ou incompletas em outro,8 construindo um banco de dados único e mais completo.6

As epidemias de dengue ocasionam importante carga aos serviços de saúde e à economia. O controle da doença e a redução da densidade do vetor permanecem como desafios. A gravidade dos sintomas, assim como o risco de epidemias, pode depender do sorotipo em circulação, sendo assim importante avaliar e descrever a dinâmica das infecções causadas pelo DENV.

Este estudo teve por objetivo descrever a circulação viral de dengue em Belo Horizonte, no período de 2009 a 2014.

Métodos

Trata-se de estudo de série de casos de dengue.

Belo Horizonte é a capital do estado de Minas Gerais, localizado na região Sudeste do Brasil. Em 2010, o município contava uma população de 2.375.151 habitantes,10 dividida em nove regiões administrativas (Barreiro, Centro Sul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste, Pampulha e Venda Nova) coincidentes com os territórios de Diretorias Regionais de Saúde. As Diretorias Regionais de Saúde se subdividem em 152 áreas de abrangência dos Centros de Saúde.

Foram incluídos todos os casos de dengue que apresentaram amostras positivas para DENV, analisadas por meio de RT-PCR e/ou isolamento viral, no período de 2009 a 2014, em Belo Horizonte.

Para a identificação do sorotipo – por RT-PCR e/ou isolamento viral –, foram coletadas amostras de sangue até o 5º dia de início dos sintomas, encaminhadas à Funed.

Também foram avaliados a sorologia e o teste rápido de pesquisa do antígeno NS1 (NS: do inglês non structural) como métodos de diagnóstico laboratorial. Tais métodos não permitem a identificação do sorotipo e foram avaliados como variáveis de interesse, não sendo utilizados como critério de inclusão. A sorologia é realizada após o 6º dia de início de sintomas e a pesquisa por NS1 até o 5º dia. Em Belo Horizonte, o teste rápido NS1 é utilizado como triagem de amostras para isolamento viral. As amostras positivas e 10% das amostras negativas são encaminhadas à Funed, com cota máxima de 90 amostras/mês.

Foi realizado linkage das bases de dados do Sinan, do SIH/SUS e do GAL. As três bases de dados analisadas referiam-se ao período de 1o de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2014, sendo o total de registros: 263.995 (Sinan), 4.215 (SIH/SUS) e 4.392 (GAL).

Foi realizada preparação manual prévia dos bancos, quanto à padronização e codificação dos campos. Foram aplicadas as mesmas codificações para os campos de ‘sexo’ e o mesmo formato de datas. Os campos ‘raça/cor da pele’, ‘metodologia’ e ‘sorotipo’ foram transformados em caracteres numéricos.

Os bancos foram importados para o Sistema Gerenciador de Banco de Dados MySQL (versão 5.7), utilizando-se ferramenta Front 5.2. As bases utilizadas possuíam alguns identificadores comuns e, nessa fase, foi criada chave com as variáveis ‘nome da pessoa’, ‘nome da mãe’ e ‘data de nascimento’.

Considerando-se o tamanho das bases de dados empregadas, a acurácia das técnicas de relacionamento8e a utilização da revisão manual para complementar a estratégia, decidiu-se pelo uso do linkage determinístico (baseado na concordância exata).

Foi realizado INNER JOIN entre as bases, na sequência GAL ↔Sinan e GAL ↔ SIH/SUS, para junção das bases e identificação dos registros comuns.11 Para os nomes não pareados, considerando-se que havia valores faltantes ou mal preenchidos, e na tentativa de novo pareamento, reduziu-se a integridade da chave desprezando-se variáveis, na seguinte ordem: (i) Ano do nascimento; (ii) Mês do nascimento; (iii) Dia do nascimento; (iv) 3º Sobrenome da mãe; (v) 3º Sobrenome da pessoa; (vi) 2º Sobrenome da mãe; (vii) 2º Sobrenome da pessoa; (viii) Nome da mãe; e (ix) Nome da pessoa.

Os registros não relacionados foram revisados manualmente, por um pesquisador (ACLR), para tentativa de pareamento.

Os dados de monitoramento viral foram extraídos do GAL; os de internação, do SIH/SUS; e os demais (sociodemográficos, classificação final, diagnóstico laboratorial, encerramento, evolução, manifestações clínicas e outros), do Sinan.

As variáveis estudadas e suas categorias foram:

  1. sexo (masculino; feminino);

  2. faixa etária (em anos: ≤10; 11-20; 21-30; 31-40; 41-50; >50);

  3. raça/cor da pele (branca; preta; parda; amarela);

  4. escolaridade (analfabeto; ensino fundamental incompleto/completo; ensino médio incompleto/completo; ensino superior incompleto/completo);

  5. sorotipo (DENV-1; DENV-2; DENV-3; DENV-4);

  6. técnica de identificação do vírus (isolamento viral; RT-PCR);

  7. classificação final (dengue clássico; dengue com complicações; febre hemorrágica da dengue; dengue; dengue com sinais de alarme; descartado);

  8. critério de encerramento do caso (laboratorial; clínico-epidemiológico);

  9. revolução (cura; óbito por dengue; óbito por outras causas);

  10. resultado da sorologia e do teste rápido NS1 (reagente; não reagente; inconclusivo);

  11. internação (sim; não);

  12. tempo entre início de sintomas e internação; e

  13. dias de permanência em internação (média; desvio-padrão [DP]; mediana).

Foram utilizadas medidas-resumo (média; mediana; DP) para variáveis quantitativas. Aplicou-se o teste do qui-quadrado de Pearson (X2) para verificar associação entre as variáveis ‘sexo’ e ‘faixa etária’ com os sorotipos do vírus, com nível de significância de 5%.

No período do estudo, ocorreu mudança na classificação de caso de dengue adotada pelo Ministério da Saúde. Para solucionar essa questão, a população do estudo foi dividida em dois momentos: entre 2009 e 2013, os casos eram classificados como dengue clássico (DC), dengue com complicações (DCC), febre hemorrágica da dengue (FHD) e síndrome do choque da dengue (SCD); a partir de 2014, os casos foram classificados como dengue (D), dengue com sinais de alarme (DcSA) e dengue grave (DG). Para a análise da dinâmica da circulação viral em Belo Horizonte, os casos de DC e D foram agrupados como ‘dengue clássico’ e os casos de DCC, FHD, SCD, DcSA e DG foram agrupados como ‘dengue não clássico’.

Os bancos de dados foram armazenados e analisados com uso do software SPSS™ versão 20.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CEP/UFMG), Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 62191116.1.0000.5149, em 7 de dezembro de 2016. Os dados nominais foram utilizados somente para o relacionamento das bases de dados, preservando-se a privacidade dos participantes.

Resultados

Entre 2009 e 2014, foram notificados no Sinan 250.632 casos suspeitos de dengue em Belo Horizonte; confirmados 163.947 casos; as maiores notificações foram observadas em 2010 (51.755) e 2013 (96.121). No mesmo período, foram enviadas à Funed 4.376 amostras de sangue para tentativa de identificação do DENV.

Foram incluídos no estudo 851 casos confirmados por isolamento viral e/ou RT-PCR, 796 (93,5%) deles registrados no Sinan. Todos os 47 casos registrados no SIH/SUS também estavam registrados no Sinan. O fluxograma de seleção dos casos está representado na Figura 1. A Tabela 1 apresenta as principais características sociodemográficas desses casos. Destaca-se que 52,6% dos casos eram do sexo feminino; 5,8% dos casos apresentavam idade menor ou igual a 10 anos, 72,2% tinham de 11 a 50 anos e 19,6% idade superior a 50 anos, resultando em uma idade média dos casos de 34,8 anos (desvio-padrão: 17,8 anos).

Figura 1 – Relacionamento de bancos de dados, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009-2014a) Sinan: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.b) DENV: vírus da dengue.c) GAL: Gerenciador de Ambiente Laboratorial.d) SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. 

Tabela 1 – Características sociodemográficas dos casos confirmados de dengue por isolamento viral e RT-PCR,a Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009-2014 

Característica n = 851 %
Sexo    
Feminino 448 52,6
Masculino 403 47,4
Idade (variável contínua)    
Média ± desvio-padrão 34,8 ± 17,8
Mediana (intervalos interquartis) 31,6 (21,6;47,1)
Idade (em anos – variável categórica)    
≤10 49 5,8
11-20 155 18,2
21-30 197 23,1
31-40 151 17,7
41-50 112 13,2
>50 167 19,6
Ignorado/branco 20 2,4
Raça/cor da pele    
Branca 214 25,2
Preta 52 6,1
Parda 190 22,3
Amarela 6 0,7
Ignorada/em branco 389 45,7
Escolaridade    
Analfabeto 80 9,4
Ensino fundamental incompleto 113 13,3
Ensino fundamental completo 45 5,3
Ensino médio incompleto 51 6,0
Ensino médio completo 103 12,2
Ensino superior incompleto 22 2,6
Ensino superior completo 24 2,8
Ignorada/em branco 413 48,5
Monitoramento viral – sorotipo    
DENV-1b 514 60,4
DENV-2b 83 9,8
DENV-3b 66 7,7
DENV-4b 188 22,1
Técnica de identificação do vírus    
Isolamento viral 572 67,2
RT-PCRa 170 20,0
Ignorado/em branco 109 12,8
Classificação final    
Dengue clássico 590 69,3
Dengue com complicações 6 0,7
Febre hemorrágica da dengue 3 0,4
Dengue 128 15,0
Dengue com sinais de alarme 1 0,1
Descartado 49 5,8
Ignorada/em branco 74 8,7
Critério de encerramento    
Laboratório 693 81,4
Clínico-epidemiológico 85 10,0
Ignorado/em branco 73 8,6
Evolução    
Cura 662 77,8
Óbito por dengue 6 0,7
Óbito por outras causas 1 0,1
Ignorada/em branco 182 21,4
Sorologia    
Reagente 302 35,5
Não reagente 32 3,8
Inconclusivo 1 0,1
Ignorada/em branco 516 60,6
Teste rápido NS1c    
Reagente 369 43,4
Não reagente 17 2,0
Ignorado/em branco 465 54,6
Internação    
Sim 47 5,5
Não 804 94,5

a) RT-PCR: reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia da polimerase.

b) Sorotipos do vírus da dengue: 1, 2, 3 e 4.

c) Pesquisa do antígeno NS1.

O sorotipo DENV-1 foi identificado em 514 casos (60,4%); o DENV-4, em 188 (22,1%); o DENV-2, em 83 (9,8%); e o DENV-3, em 66 (7,7%). Do total de amostras positivas, 67,2% foram confirmadas por isolamento viral. Nos anos de 2009 e 2010, circularam três sorotipos em Belo Horizonte: DENV-1, DENV-2 e DENV-3. Em 2011, somente o sorotipo DENV-1 foi isolado. No período de 2012 a 2014, foram isolados os sorotipos DENV-1 e DENV-4 (Figura 2). Em 2010 e 2013, anos epidêmicos, identificou-se a circulação de três e dois sorotipos, respectivamente.

Figura 2 – Percentual dos sorotipos do vírus da dengue segundo o ano de início de sintomas, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009-2014a) Sorotipos do vírus da dengue – 1, 2, 3 e 4. 

Entre os casos identificados com os sorotipos DENV-1 e DENV-3, a faixa etária mais frequente foi a de 11 a 30 anos (DENV-1, 44,9%; DENV-3, 43,8%). DENV-2 foi mais identificado em pessoas com 11 a 30 anos (41,5%), enquanto o sorotipo DENV-4, na faixa etária de 31 a 50 anos (36,0%). Não houve diferença estatisticamente significativa em relação a ‘sexo’ e ‘faixa etária’ e o sorotipo circulante (Tabela 2).

Tabela 2 – Classificação e caracterização por sexo e idade dos casos confirmados por sorotipo do vírus da dengue, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009-2014 

Classificação e características Sorotipos n (%) Totalb p-valorc
DENV-1a DENV-2a DENV-3a DENV-4a
Classificação dos casos            
Dengue clássico 442 (99,1) 64 (95,5) 52 (98,1) 160 (98,8) 718 (98,6)
Dengue ‘não clássico’ 4 (0,9) 3 (4,5) 1 (1,9) 2 (1,2) 10 (1,4)
Sexo
Feminino 266 (51,8) 46 (55,4) 30 (45,5) 106 (56,4) 448 0,416
Masculino 248 (48,2) 37 (44,6) 36 (54,5) 82 (43,6) 403
Faixa etária (em anos)
≤10 31 (6,2) 4 (4,9) 5 (7,8) 9 (4,8) 49 0,261
11-30 224 (44,9) 34 (41,5) 28 (43,8) 66 (35,5)  
31-50 148 (29,7) 24 (29,3) 24 (37,5) 67 (36,0) 263
>50 96 (19,2) 20 (24,4) 7 (10,9) 44 (23,7) 167

a) Sorotipos do vírus da dengue – 1, 2, 3 e 4.

b) Totais variáveis devido à falta de informação da referida variável na fonte de informação.

c) Teste do qui-quadrado de Pearson.

Em 2009, o sorotipo DENV-3 foi predominante em pessoas com idade inferior a 10 anos, entre 21-30 anos e entre 41-50 anos. Nas faixas etárias de 11 a 20 anos e acima de 50 anos, predominou o DENV-2. Em 2010, em todas as faixas etárias, o maior percentual de sorotipo identificado foi o DENV-1. Em 2011, o sorotipo viral só foi identificado em pessoas com idade entre 11 e 50 anos, com isolamento apenas do DENV-1. Em 2012, na faixa de idade igual ou inferior a 10 anos, o sorotipo identificado foi o DENV-4, e nas faixas etárias acima dos 11 anos, o sorotipo predominante foi o DENV-1. Em 2013, na faixa de idade menor que 30 anos, predominou o sorotipo DENV-1, e na maior que 31 anos, o sorotipo predominante foi o DENV-4. No último ano avaliado, 2014, o sorotipo predominante em todas as idades foi o DENV-1 (Figura 3).

Figura 3 – Distribuição dos sorotipos do vírus da dengue por faixa etária e ano de início de sintomas, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009-2014a) Sorotipos do vírus da dengue – 1, 2, 3 e 4. 

Entre 2009 e 2014, 718 casos (98,6%) foram classificados como dengue clássico e 10 (1,4%) como dengue com complicações, febre hemorrágica da dengue e dengue com sinais de alarme, agrupados como dengue não clássico (Tabela 2). Quanto a outros métodos de diagnóstico laboratorial, 335 (39,4%) casos também realizaram a sorologia para dengue (Tabela 1), sendo que 302 (35,5%) apresentaram resultado reagente, 32 (3,8%) não reagente e um (0,1%) foi inconclusivo. Em 386 casos também foi realizado o teste rápido NS1, sendo que para 369 (43,4%) o teste foi reagente.

O DENV-4 foi o sorotipo identificado no maior percentual de casos negativos para o teste rápido NS1 (10,6%) e sorologia (12,1%). Os sorotipos DENV-2 e DENV-3 não foram avaliados quanto ao NS1, porque, nos anos quando estes circularam no município de Belo Horizonte, o teste rápido não era utilizado todavia.

Entre os casos que realizaram isolamento viral e/ou RT-PCR, nove (1,1%) se enquadravam nas classificações de casos graves. Destes, sete apresentaram manifestações hemorrágicas, dois apresentaram hematúria, e um, sangramento gastrointestinal.

Quanto à proporção de casos graves (não clássicos) e casos clássicos, o maior percentual de casos graves (casos não clássicos) foi identificado com o sorotipo DENV-2 (6,0%); e com o sorotipo DENV-4 (98,8%), foi identificado maior percentual de casos clássicos da doença.

Do total de casos do estudo, 47 (5,5%) foram internados e três (6,4%) necessitaram de cuidados em unidade de terapia intensiva (UTI). Do total de internados, 61,7% (n=29) foram do sexo feminino e 66,0% (n=18) apresentaram idade entre 11 e 50 anos. A média do tempo decorrido entre o início dos sintomas e a internação foi de 5 dias (DP ±5), sendo a mediana de 4 dias (intervalos interquartis [IQ] 3;6). A média de dias de permanência de internação foi de 3,8 dias (DP ±2,3), sendo a mediana de 3,0 dias (IQ 2,0;5,0).

Entre os casos internados, em 61,7% (n=29) foi identificado o sorotipo DENV-1; em 25,5% (N=12), o DENV-4; em 10,6% (n=5), o DENV-2; e em 2,1% (n=1), o DENV-3. Em relação ao uso de UTI, o maior percentual foi de casos com o DENV-4: 66,7% (n=2).

Quanto ao encerramento dos casos, 693 (89,1%) foram encerrados por critério laboratorial e 85 por critério clínico-epidemiológico (10,9%), apesar de o exame de identificação viral ter resultado positivo. Do total de casos que apresentaram o campo ‘evolução’ preenchido, 662 (99,0%) evoluíram para cura, seis (0,9%) foram a óbito por dengue e um (0,1%) evoluiu a óbito por outras causas. O maior número absoluto de óbitos por dengue (n=4) ocorreu em pessoas com o sorotipo DENV-1. Um caso com o sorotipo DENV-3 evoluiu a óbito por dengue e outro com o sorotipo DENV-4 evoluiu a óbito por outras causas.

Discussão

O presente estudo, conduzido em Belo Horizonte, identificou, entre os casos de dengue notificados entre 2009 a 2014 e confirmados por isolamento viral e/ou RT-PCR, predominância do sorotipo DENV-1, circulante em todo o período avaliado, seguido por DENV-4, DENV-2 e DENV-3.

O padrão de sorotipos de dengue circulantes acompanhou o padrão nacional,12 e a positividade da identificação viral em Belo Horizonte mostrou-se abaixo da média nacional. No Brasil, em 2014, o percentual de positividade da identificação viral nas amostras enviadas para os laboratórios de referência foi de 36,8%,13 e em 2015, de 39,2%.14 Neste estudo, entre as amostras testadas, o maior percentual de soropositivos foi de 28,0% em 2013, ano epidêmico, com circulação de DENV-1 e DENV-4. Estudo conduzido em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, de 2010 a 2014, também observou baixo percentual de positividades sendo 2012 o ano com o maior percentual de casos positivos (23,1%).15

No presente estudo, o sexo feminino foi predominante em todos os sorotipos, em concordância com os achados encontrados por Martins et al. para Salvador, capital do estado da Bahia, no período de 2007 a 2014.16

Ao agrupar todos os casos em casos clássicos e casos não clássicos, observou-se que o percentual de casos classificados como não clássicos (DCC, FHD, SCD, DSCA e DG) supera em quase cinco vezes o observado no Sinan municipal para o mesmo período, quando 0,3% dos casos foram não clássicos. Estudo realizado em hospital público do Rio de Janeiro, RJ, no ano de 2008, durante uma das maiores epidemias registradas no município, encontrou o percentual de 6,7% de casos não clássicos.17

O DENV-2 foi o sorotipo com maior percentual de casos graves, neste estudo. Nos sorotipos DENV-4 e DENV-2; foram identificados maiores percentuais de casos internados. Estes achados corroboram os de Burattini et al.,18 em pesquisa de abrangência nacional, ao observarem maior proporção de hospitalização relacionada à infecção pelo sorotipo DENV-2.

A distribuição das internações quanto ao sexo e faixa etária deu-se de maneira similar aos casos reportados em outras localidades e períodos. Entre 1997 e 2002, em Belo Horizonte, foi reportado maior percentual de internação de casos suspeitos de dengue entre pessoas do sexo feminino (53,0%).19 Os achados do trabalho em tela corroboram os desse estudo anterior, segundo o qual 60,4% dos casos internados eram de sexo feminino. Quanto à faixa etária, entre 1997 e 2002, em Belo Horizonte, a maior proporção de internação por dengue deu-se entre 19 e 59 anos (65,0%),19 enquanto na capital do estado de Goiás, Goiânia, na epidemia de 2013, o maior percentual de internações foi de pessoas com idade entre 21 e 50 anos (45,8%) ou mais velhas (27,1%)– a principal faixa etária internada foi acima de 50 anos (37,5%).20

Campos,21 em estudo sobre Minas Gerais, observou que a internação ocorreu, em média, após quatro dias do início dos sintomas nas crianças e idosos, e após cinco dias do início da doença nos jovens e adultos. Os achados apresentados assemelham-se aos de Campos, segundo quem a média de dias de internação (dois dias)21foi quase a metade da observada neste estudo (3,8 dias de internação).

Destaca-se que nos anos avaliados, segundo dados do SIH/SUS, o percentual geral de internação por dengue em Belo Horizonte foi de 2,2%, ao passo que, segundo o presente estudo, foi de 5,5%. O fato de o teste rápido NS1, utilizado na triagem de amostras para identificação viral, estar disponível em unidades de pronto atendimento (UPA) e hospitais, normalmente dedicados a atender casos mais graves, pode explicar o maior percentual de internação dos casos positivos para isolamento viral e/ou RT-PCR.

Em relação aos óbitos por dengue registrados no Sinan, no período e local estudados, o percentual de casos de dengue que evoluíram para óbito é de 0,02%. O presente estudo encontrou um percentual 4,5 vezes maior (0,9%), entre os casos com a variável ‘evolução’ preenchida. Tal resultado também pode ser explicado pela coleta de amostras para identificação viral em casos graves.

Quanto ao diagnóstico laboratorial realizado por outros métodos, do total de casos com isolamento viral e/ou RT-PCR positivo que também realizaram o NS1, 95,5% apresentaram resultado positivo no teste rápido. O maior percentual de testes NS1 negativos correspondeu aos casos infectados pelo sorotipo DENV-4. Há relatos na literatura de que diferenças nas sensibilidades entre os sorotipos demonstram que o NS1 é menos sensível em detectar casos de DENV-4.22

No período de 2009 a 2014, o preenchimento das manifestações clínicas não era obrigatório para os casos clássicos de dengue. Pressupõe-se que os casos clássicos, em sua maioria, apresentam a sintomatologia clássica da doença (febre de início súbito, acompanhada de pelo menos dois dos seguintes sinais e sintomas: náusea/vômitos; exantema; mialgia/artralgia; cefaleia/dor retro-orbital; petéquias/prova do laço positiva; leucopenia)1. Além do que, em anos epidêmicos, há grande dificuldade de preenchimento de fichas de notificação com número elevado de variáveis.24 Portanto, não foi possível analisar associações referentes às manifestações clínicas das pessoas e os diferentes sorotipos.

Entre os casos infectados pelo sorotipo DENV-1, 1,2% apresentaram NS1 negativo, e entre os infectados pelo DENV-4, 10,6% apresentaram o resultado desse exame igualmente negativo. Tal resultado enfatiza a importância do envio de percentual de amostras negativas pelo NS1 para tentativa de isolamento do vírus. Atualmente, o município de Belo Horizonte envia 10,0% de amostras negativas, percentual semelhante ao encontrado quando avaliado o sorotipo DENV-4.

A técnica de linkage de dados possibilitou a utilização de informações complementares de diferentes bancos de dados, otimizando o tempo de trabalho e mostrando-se viável do ponto de vista operacional. O linkage determinístico apresenta maior especificidade; contudo, essa técnica pode “descartar” registros com potencial de pareamento, por apresentarem inconsistências ou erros de digitação.25 Já o linkage probabilístico aumenta a chance de pareamento, porém gera maior número de pares para revisão manual, sendo este seu principal problema descrito em outros trabalhos.26 Dada sua maior acurácia, foi definida a utilização do tipo determinístico neste estudo.

Como limitações desta investigação, ressalta-se a utilização de dados secundários, oriundos de bancos de dados com potencial de perdas, omissões e/ou registros incorretos. A técnica de linkage permitiu revisar essas bases, avaliar a completude das informações e analisar a dinâmica da circulação viral em Belo Horizonte. Ademais, para a realização dos exames de identificação do vírus, pode ocorrer viés de seleção, haja vista o teste utilizado para triagem de amostras estar disponível em UPAs e hospitais que costumam prestar assistência a casos mais graves. Outrossim, a técnica de isolamento viral é realizada até o 5º dia depois do início de sintomas, o que reduz o número de pessoas com amostra adequada para tal teste, considerando-se aqueles que demoram a buscar o serviço de saúde. O acondicionamento da amostra também interfere na possibilidade de realização de tal exame.29

O preenchimento correto e com qualidade das notificações é essencial para estudos na área da Saúde, favorecendo a tomada de decisões. A falta de informações básicas referentes às manifestações clínicas na ficha de notificação impossibilita a análise mais aprofundada das características das infecções por diferentes sorotipos do DEN-V. Entretanto, conforme já foi comentado, em anos epidêmicos, o preenchimento de extensas fichas de notificação é praticamente inviável.24

Os achados do presente estudo ressaltam a importância das boas práticas de coleta, conservação e transporte das amostras, associadas à seleção adequada de casos em tempo oportuno, atendendo aos critérios para identificação viral. São ações viáveis para implementação, de potencial impacto positivo na identificação do sorotipo e acompanhamento da dinâmica da dengue.

Reitera-se a importância de analisar e descrever características das infecções pelos diferentes sorotipos do DENV. A história recente de dengue em Belo Horizonte e os cenários epidemiológicos/entomológicos atuais determinam maior susceptibilidade da ocorrência de novas epidemias, destacando ser fundamental aprofundar o conhecimento da doença e fornecer informações que possam auxiliar o desenho de políticas de Saúde Pública mais efetivas.

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Editora associada: Luciana Guerra Gallo – orcid.org/0000-0001-8344-9951

*Artigo derivado da dissertação intitulada ‘Linkage de bancos de dados e análise descritiva dos casos confirmados de dengue por isolamento viral e reação em cadeia da polimerase no município de Belo Horizonte, 2009-2014’, defendida por Ana Carolina Lemos Rabelo junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Área de Concentração, Infectologia e Medicina Tropical da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2018.

Recebido: 10 de Dezembro de 2019; Aceito: 24 de Abril de 2020

Endereço para correspondência: Ana Carolina Lemos Rabelo – Instituto Oswaldo Cruz, Instituto René Rachou, World Mosquito Program, Av. Augusto de Lima, no 1715, Anexo 31, Barro Preto, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30190-002 E-mail: aclrabelo@gmail.com

Contribuição dos autores

Amâncio FF, Ferraz ML, Carneiro M e Oiko CSF contribuíram na concepção e delineamento do artigo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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