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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.3 Brasília jun. 2020  Epub 15-Jun-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000300015 

Artigo original

Consumo alimentar e multimorbidade entre idosos não institucionalizados de Pelotas, 2014: estudo transversal *

Consumo de alimentos y multimorbilidad entre ancianos no institucionalizados de Pelotas, dur de Brasil 2014: estudio transversal

Bruna Padilha Pereira (orcid: 0000-0001-6842-7332)1  , Caroline Cardozo Bortolotto (orcid: 0000-0003-3318-7900)2  , Elaine Tomasi (orcid: 0000-0001-7328-6044)2  , Maria Cristina Gonzalez (orcid: 0000-0002-3901-8182)3  , Ana Paula Gomes (orcid: 0000-0003-2842-7340)4  , Helen Gonçalves (orcid: 0000-0001-6470-3352)2  , Renata Moraes Bielemann (orcid: 0000-0003-0202-3735)2 

1 Universidade Federal de Pelotas , Faculdade de Nutrição , Pelotas , RS , Brasil

2 Universidade Federal de Pelotas , Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia , Pelotas , RS , Brasil

3 Universidade Católica de Pelotas , Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento , Pelotas , RS , Brasil

4 Secretaria Municipal de Saúde , Prefeitura Municipal de Pelotas , Pelotas , RS , Brasil

Resumo

Objetivo

analisar a associação entre qualidade da dieta e multimorbidade entre idosos.

Métodos

estudo transversal com idosos (≥60 anos) de Pelotas, RS, Brasil, 2014; consumo alimentar avaliado por Questionário de Frequência Alimentar reduzido, qualidade da dieta calculada pelo índice de qualidade da dieta (IQD-I) e pela pontuação atribuída aos alimentos; multimorbidade (≥5 doenças) autorrelatada; utilizou-se regressão de Poisson para obter razões de prevalência e intervalos de confiança (IC 95% ) brutos e ajustados.

Resultados

foram incluídos 1.426 idosos; homens que consumiram alimentos integrais (1 a 6 dias) tiveram maior probabilidade (RP=1,64 IC 95% 1,21;2,23) de multimorbidade; idosos que consumiram carne ao menos semanalmente apresentaram menor probabilidade de multimorbidade (RP homens =0,68 IC 95% 0,51;0,92; RP mulheres =0,70 IC 95% 0,61;0,81); não houve associação entre IQD-I e multimorbidade.

Conclusão

embora o consumo da maioria dos alimentos não se tenha associado à multimorbidade, os resultados geram reflexões sobre atuais hábitos alimentares e multimorbidade em idosos, pertinentes de discussão pelos gestores de saúde.

Palavras-Chave: Consumo de Alimentos; Doenças Crônicas; Idoso; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo

analizar la asociación entre la calidad de la dieta (ICD-I) y la multimorbilidad entre adultos mayores.

Métodos

estudio transversal en ancianos (≥60 años) de Pelotas, RS, Brasil, 2014; consumo de alimentos evaluado por Cuestionario de Frecuencia Alimentaria reducida; calidad de la dieta calculada por el índice de calidad de la dieta (IQD-I) y por la puntuación atribuida a los alimentos; multimorbilidad (≥5 enfermedades) autoinformada; se usó la regresión de Poisson para obtener relaciones de prevalencia e intervalos de confianza (IC95%), brutos y ajustados.

Resultados

se incluyeron 1.426 ancianos; los hombres que consumieron alimentos integrales (1 a 6 días) tuvieron mayor probabilidad de multimorbilidad (RP=1,64 IC95%1,21;2,23]); los ancianos, que consumieron carne por lo menos semanalmente presentaron menor probabilidad de multimorbilidad (RPhombres=0,68 IC95%0,51;0,92; RPmujeres=0,70 IC95%0,61;0,81); no hubo asociación entre ICD-I y multimorbilidad.

Conclusión

aunque el consumo de la mayoría de los alimentos no se ha asociado con la multimorbilidad, los resultados generan reflexiones sobre los hábitos alimenticios actuales y la multimorbilidad en los adultos mayores, pertinentes de ser discutidos por los administradores de salud.

Palabras-clave: Consumo de Alimentos; Enfermedad Crónica; Anciano; Estudios Transversales

Introdução

O envelhecimento é caracterizado como um processo dinâmico e progressivo de alterações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas. Entre essas alterações, a perda progressiva da capacidade de adaptação ao meio ambiente acarreta maior vulnerabilidade e ocorrência de doenças, como as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). 1

A ocorrência mútua de DCNT em um mesmo indivíduo, conceituada como multimorbidade, tem se tornado relevante em razão do envelhecimento populacional, do aumento da prevalência das DCNT e da importância de fatores associados modificáveis, como a alimentação. 2 Todavia não está claro se a ocorrência de uma doença influencia no aparecimento de outras doenças (comorbidades), ou se todas as morbidades representam a expressão clínica do processo de envelhecimento. 4 Dessa forma, para o diagnóstico de multimorbidade, têm-se considerado apenas o número de doenças coexistentes. 5

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a presença de multimorbidade é mais frequente em indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos 6 e se relaciona com o desenvolvimento de deficiências ou excessos nutricionais. 7 Por isso, é indispensável avaliar e monitorar os padrões alimentares dos idosos em relação ao diagnóstico geral de saúde e à incidência de comorbidades, 3 visto que a alimentação saudável é um dos principais determinantes do envelhecimento saudável e, portanto, capaz de prolongar a sobrevivência e proporcionar melhor qualidade de vida. 9

Levando-se em consideração a situação da saúde de cada indivíduo, sabe-se que existem características inerentes ao processo de envelhecimento que dificultam uma boa alimentação, como a disfagia, xerostomia, perda dentária, incapacidade funcional e depressão. 10 Tais alterações podem ocasionar a diminuição do consumo de alguns alimentos, como carnes, frutas, verduras e legumes crus, resultando em uma inadequada ingestão de fibras, vitaminas e minerais 13 e, consequentemente, em pior qualidade da alimentação.

O presente estudo teve como objetivo analisar a associação da qualidade da dieta com a ocorrência de multimorbidade entre idosos comunitários, não institucionalizados, residentes na zona urbana do município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, em 2014.

Métodos

Estudo transversal de base populacional com amostra representativa de idosos, residentes na zona urbana de Pelotas, RS, município com 365.696 residentes. 14 O produto interno bruto (PIB) do município é estimado em R$ 17.353,15 per capita ; e seu índice de desenvolvimento humano (IDH-M), de 0,739. 14 Em 2010, 14% da população de Pelotas era composta por idosos: 46.099 indivíduos com 60 anos ou mais de idade. 14 Os dados utilizados neste estudo são oriundos do Consórcio de Mestrado Orientado para a Valorização da Atenção ao Idoso (estudo ‘COMO VAI?’), realizado entre janeiro e agosto de 2014.

Foram elegíveis idosos moradores da zona urbana de Pelotas. Excluíram-se os idosos institucionalizados (internos de hospitais, instituições de longa permanência e prisões) e os que apresentavam incapacidade mental ou cognitiva para responder ao questionário, na ausência de um familiar ou cuidador responsável. Também foram excluídos idosos em nutrição enteral ou parenteral. As entrevistas foram realizadas nos próprios domicílios, por entrevistadoras treinadas em medição-padrão da antropometria, utilizando-se de notebooks para registrar as informações coletadas.

O cálculo de tamanho amostral do estudo ‘COMO VAI?’ estimou que seria necessário entrevistar 1.649 idosos, aos quais se somariam 10% para compensar possíveis perdas e recusas. Estimou-se o tamanho de amostra para uma prevalência de 50% do desfecho (correspondente à variabilidade máxima), nível de confiança de 95%, erro amostral de 4 pontos percentuais e efeito de delineamento de 1,5. Após o acréscimo de 10% para perdas e recusas, estimou-se que seria necessário estudar, no mínimo, 990 idosos.

O processo de amostragem ocorreu em dois estágios. Primeiramente, de acordo com o plano disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2012, 14 foram listados os 488 setores censitários da zona urbana de Pelotas, ordenados conforme a renda média de cada habitante. A segunda fase desse processo consistiu na seleção dos domicílios. O número total de domicílios do município, de 107.152, dividido pelo número definido de setores, cumprindo uma estratégia sistemática, apresentou o quociente de 806 domicílios. Foram selecionados, sistematicamente, 133 setores e logo, 31 domicílios por setor, possibilitando identificar aproximadamente 12 idosos em cada setor (a partir da estimativa de 0,4 idoso por domicílio), resultando em 4.123 domicílios a serem visitados.

A presença de multimorbidade (desfecho) foi avaliada a partir do autorrelato de diagnóstico médico, alguma vez na vida, de cinco ou mais dos seguintes problemas de saúde: hipertensão arterial, diabetes, problemas cardíacos, insuficiência cardíaca, asma, bronquite, enfisema, artrite, doença de Parkinson, insuficiência renal, hipercolesterolemia, convulsões, úlcera de estômago, osteoporose, incontinência urinária, constipação, incontinência fecal, depressão, glaucoma, surdez, dificuldade em engolir, insônia, desmaios, rinite, dificuldade para falar, acidente vascular cerebral, transtornos mentais e câncer. A multimorbidade foi definida como a presença de cinco ou mais doenças, com base em estudo já realizado com a mesma população-alvo deste. 15 Salienta-se que, em nível mundial, não há uniformização na avaliação da multimorbidade e que, atualmente, recomenda-se a utilização de uma lista de pelo menos 12 doenças nessa avaliação. 1

Foi avaliado, ainda, o estado nutricional a partir do índice de massa corporal (IMC), sendo o sobrepeso e a obesidade considerados componentes da multimorbidade e assim definidos: ≥25kg/m 2 e ≥30kg/m 2 , respectivamente. 16 Para verificação do peso, utilizou-se balança digital TANITA modelo UM-080, com capacidade de 150kg e precisão de 100g. A altura do joelho foi obtida com estadiômetro de madeira infantil, com medida máxima de 100cm e precisão de 0,1cm, da marca Indaiá; por meio de equação sugerida por Chumlea 17 (método mais recomendado para idosos), estimou-se a altura do idoso. 18

O consumo alimentar nos últimos sete dias foi obtido por meio de Questionário de Frequência Alimentar (QFA) reduzido, 19 elaborado conforme recomendações descritas na versão do Guia Alimentar para a População Brasileira vigente à época de planejamento do estudo (2013). 20 Foi questionado o consumo dos seguintes alimentos: arroz com feijão; alimentos integrais (pão integral, bolacha integral, arroz integral ou aveia); legumes e verduras; frutas; carnes; leite e derivados; doces, refrigerantes e sucos industrializados; frituras; conservas, embutidos e enlatados; congelados; e lanches (fast-foods) . A frequência de consumo de cada alimento ou grupo foi classificada em quatro categorias, relativas a uma semana: não comeu; comeu 1 a 3 dias; comeu 4 a 6 dias; comeu todos os dias da semana. Para congelados, lanches (fast-foods) e carnes, as informações foram dicotomizadas (não comeu; comeu) considerando-se a distribuição da proporção de consumo da própria amostra.

Além da observação da frequência de consumo dos alimentos ou grupos isoladamente, foi também avaliada a qualidade da dieta dos idosos por meio do índice de qualidade da dieta de idosos (IQD-I), conforme descrito em publicação prévia. 19 A pontuação variou de 0 a 33, sendo uma maior pontuação indicativa de maior frequência de consumo de alimentos mais saudáveis e menor frequência de consumo de alimentos não saudáveis. Para tanto, inicialmente foi atribuída pontuação que variou de 0 a 3. Cada um dos alimentos considerados saudáveis foi pontuado de forma crescente: não consumiu = 0 pontos; consumiu de 1 a 3 dias = 1 ponto; consumiu de 4 a 6 dias = 2 pontos; consumiu todos os dias da semana = 3 pontos. Os alimentos considerados não saudáveis, por sua vez, foram pontuados segundo a mesma escala, porém na ordem inversa decrescente: não consumiu = 3 pontos; consumiu de 1 a 3 dias = 2 pontos; consumiu de 4 a 6 dias = 1 ponto; consumiu todos os dias da semana = 0 ponto. Em seguida, a pontuação total do conjunto de idosos avaliados pelo IQD-I foi dividida em tercis, denominados da seguinte forma: 1º tercil – baixa qualidade, pontuação entre 11 e 22 –; 2º tercil – qualidade média, pontuação entre 23 e 26 –; e 3º tercil – alta qualidade, pontuação entre 27 e 33. O IQD-I também foi demonstrado na amostra total e estratificado por sexo, pelas médias e desvios-padrão.

As covariáveis utilizadas no estudo foram:

  1. sexo (masculino; feminino);

  2. idade (em anos: 60 a 69; 70 a 79; 80 ou mais);

  3. raça/cor da pele (branca; outras);

  4. classificação econômica (A; B; C; D; E);

  5. escolaridade (em anos de estudo: <8; ≥8);

  6. situação conjugal (casado/mora com companheiro; solteiro/sem companheiro; separado; viúvo);

  7. consumo de álcool no mês anterior à entrevista (sim; não); e

  8. tabagismo atual (sim; não).

O sexo e a raça/cor da pele (branca; preta, parda, amarela ou indígena) foram observados e registrados pelas entrevistadoras. A classificação econômica foi determinada segundo os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), 21 mediante proposição de questões referentes a bens de consumo, presença de empregada doméstica e escolaridade do chefe da família. De acordo com esse escore, a categoria A é considerada a mais rica e, no extremo oposto, a categoria E a mais pobre. A escolaridade foi autorrelatada. O consumo de álcool foi estimado a partir do relato de pelo menos uma dose de bebida alcoólica nos últimos 30 dias, e foram definidos como tabagistas aqueles que consumiram pelo menos um cigarro por dia durante os últimos 30 dias.

As análises estatísticas foram realizadas com uso do programa Stata (14.0). Todas as variáveis foram descritas em frequências absolutas e relativas, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95% ), enquanto o IQD-I foi apresentado, como já foi dito, em médias e desvios-padrão.

Foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson para verificar a diferença entre consumo dos alimentos e presença de multimorbidade, sem ajuste para possíveis fatores de confusão. Da mesma forma, investigou-se a associação entre os tercis de IQD-I e o número de doenças (<2; 2 a 4; 5 a 6; 7 ou mais). Nas análises ajustadas, obteve-se razões de prevalência e respectivos IC 95% por regressão de Poisson com ajuste para variância robusta. O modelo de análise utilizado foi o de caixa preta com limite de significância de p<0,05. O comando survey (svy) foi utilizado nas análises, em consideração ao procedimento de amostragem complexa.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (CEP/FAMED/UFPel): Parecer n o 472.357/2013, emitido em 28 de novembro de 2013. Os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

O processo de amostragem localizou 1.844 idosos; houve 21,3% de perdas e recusas (n=393), resultando em 1.451 entrevistados (78,7%). Estatisticamente, as maiores perdas foram observadas entre mulheres (59,3%) e indivíduos de 60 a 69 anos de idade (59,5%). Especificamente para este estudo, foram utilizados os dados dos 1.426 indivíduos (98,3%) que forneceram informações completas. A amostra foi composta, majoritariamente, por mulheres (63,0%) e indivíduos com idade entre 60 e 69 anos (52,1%). O excesso de peso (IMC ≥25,0kg/m 2 ) foi de 65,6% nos homens e 68,5% nas mulheres. A prevalência de multimorbidade (cinco ou mais morbidades) foi de 60,0% em toda a amostra, maior nas mulheres (66,9%) do que nos homens (47,5%) ( Tabela 1 ), sendo as mais prevalentes: hipertensão arterial sistêmica (66,7%), dislipidemia (40,7%), depressão (35,7%), prisão de ventre (32,0%), surdez (31,3%), dificuldade de segurar a urina (30,1%) e diabetes (23,5%). Entre 25,3% de idosos com autorrelato de diagnóstico médico de osteoporose, 88,5% eram mulheres (p<0,001); e entre 41,3% de idosos que referiram diagnóstico de artrite, 79,3% eram mulheres (p<0,001).

Tabela 1 – Idosos avaliados pelo estudo ‘COMO VAI?’ conforme características demográficas, socioeconômicas, de saúde e estilo de vida, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Características Total N (%) Homens N (%) Mulheres N (%)
Idade (em anos completos)

60-69 756 (52,1) 289 (53,8) 467 (51,1)
70-79 460 (31,7) 172 (32,0) 288 (31,5)
≥80 Sem informação 230 (15,9) 5 (0,3) 175 (14,0) 1 (0,2) 155 (17,0) 4 (0,4)

Raça/cor da pele

Branca 1.211 (83,4) 454 (84,6) 757 (82,8)
Outras 236 (16,3) 82 (15,3) 154 (16,9)
Sem informação 4(0,3) 1 (0,2) 3 (0,3)

Escolaridade (em anos de estudo completos)

Nenhuma 196 (13,5) 58 (10,8) 138 (15,1)
<8 782 (53,9) 316 (58,9) 466 (51,0)
≥8 459 (31,6) 159 (29,6) 300 (32,8)
Sem informação 14 (1,0) 4 (0,7) 10 (1,1)

Classe econômica a

A-B 483 (33,3) 200 (37,2) 283 (31,0)
C 720 (49,6) 248 (46,2) 472 (51,6)
D-E 169 (11,7) 60 (11,2) 109 (11,9)
Sem informação 79 (5,4) 29 (5,4) 50 (5,5)

Situação conjugal

Casado/mora com companheiro 763 (52,6) 408 (76,0) 355 (38,8)
Solteiro/sem companheiro 91 (6,3) 21 (3,9) 70 (7,7)
Separado 134 (9,2) 37 (6,9) 97 (10,6)
Viúvo 459 (31,6) 70 (13,0) 389 (42,6)
Sem informação 4 (0,3) 1 (0,2) 3 (0,3)

Estado nutricional (IMC) b

Baixo peso 25 (1,7) 9 (1,7) 16 (1,8)
Eutrófico 360 (24,8) 140 (26,1) 220 (24,1)
Sobrepeso 571 (39,4) 232 (43,2) 339 (37,0)
Obesidade 408 (28,1) 120 (22,4) 288 (31,5)
Sem informação 87 (6,0) 36 (6,7) 51 (5,6)

Consumo de álcool

Não 1.138 (78,4) 374 (69,6) 764 (83,6)
Sim 307 (21,2) 161 (30,0) 146 (16,0)
Sem informação 6 (0,4) 2 (0,4) 4 (0,4)

Tabagismo

Não 1.264 (87,1) 460 (85,7) 804 (88,0)
Sim 182 (12,5) 76 (14,2) 106 (11,6)
Sem informação 5 (0,4) 1 (0,2) 4 (0,4)

Número de doenças

0-4 473 (32,6) 238 (44,3) 235 (25,7)
≥5 866 (60,0) 255 (47,5) 611 (66,9)
Sem informação 112 (7,7) 44 (8,2) 68 (7,4)

IQD-I c (Média e DP) d 24,2 (3,8) 23,5 (3,8) 24,6 (3,7)

Sem informação 25 7 18

a) Critério utilizado baseado na Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). (19)

b) IMC: índice de massa corporal.

c) IQD-I: índice de qualidade da dieta de idosos.

d) DP: desvio-padrão.

Nota: Estimativas corrigidas para o efeito de delineamento amostral.

Na Tabela 2 , é apresentada a descrição do consumo alimentar dos participantes, segundo sexo. O consumo diário da maioria dos alimentos referentes ao grupo dos alimentos saudáveis mostrou-se diferente entre homens e mulheres, exceto para o consumo de carnes. Apenas a frequência diária de consumo de arroz com feijão foi maior nos homens, em relação às mulheres (49,5% e 37,6%, respectivamente; p<0,001); os demais alimentos foram mais consumidos diariamente pelas mulheres. Em relação ao grupo dos alimentos considerados não saudáveis, houve maior consumo pelos homens de alimentos fritos (2,8%) e conservas/embutidos/enlatados (4,5%).

Tabela 2 – Frequência do consumo alimentar nos sete dias anteriores à entrevista com idosos comunitários participantes do estudo ‘COMO VAI?’ (n=1.451), Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Consumo alimentar Total N (%) Homens N (%) Mulheres N (%) p-valor a
Alimentos saudáveis

Arroz com feijão       <0,001

Não comeu 141 (9,7) 40 (7,5) 101 (11,0)  
1-3 dias 269 (18,5) 67 (12,5) 202 (22,1)
4-6 dias 418 (28,8) 160 (29,8) 258 (28,2)
Todos os dias 610(42,0) 266 (49,5) 344 (37,6)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Legumes e verduras       <0,001

Não comeu 132 (9,1) 71 (13,2) 61 (6,7)  
1-3 dias 491 (33,8) 179 (33,3) 312 (34,1)
4-6 dias 326 (22,5) 120 (22,4) 206 (22,5)
Todos os dias 489 (33,7) 163 (30,4) 326 (35,6)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Frutas       0,001

Não comeu 97 (6,7) 44 (8,2) 53 (5,8)  
1-3 dias 322 (22,2) 145 (27,0) 177 (19,4)
4-6 dias 315 (21,7) 112 (20,9) 203 (22,2)
Todos os dias 704 (48,5) 232 (43,2) 472 (51,6)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Leite e derivados       <0,001

Não comeu 233 (16,1) 116 (21,6) 117 (12,8)  
1-3 dias 237 (16,3) 93 (17,3) 144 (15,8)
4-6 dias 189 (13,0) 62 (11,6) 127 (13,9)
Todos os dias 779 (53,7) 262 (48,8) 517 (56,6)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Integrais b       <0,001

Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Carnes       0,302

Não comeu 14 (1,0) 6 (1,1) 8 (0,9)  
Comeu 1424 (98,1) 527 (98,1) 897 (98,1)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Alimentos não saudáveis

Doces, refrigerantes e sucos industrializados   0,349

Não comeu 438 (30,2) 149 (27,8) 289 (31,6)  
1-3 dias 422 (29,1) 163 (30,4) 259 (28,3)
4-6 dias 161 (11,1) 57 (10,6) 104 (11,4)
Todos os dias 417 (28,7) 164 (30,5) 253 (27,7)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Frituras       <0,001

Não comeu 827 (57,0) 260 (48,4) 567 (62,0)  
1-3 dias 545 (37,6) 231 (43,0) 314 (34,4)
4-6 dias 45 (3,1) 27 (5,0) 18 (2,0)
Todos os dias 21 (1,5) 15 (2,8) 6 (0,7)
Sem informação 13 (0,9) 4 (0,7) 9 (1,0)  

Conservas, embutidos e enlatados     <0,001

Não comeu 915 (63,1) 300 (55,9) 615 (67,2)  
1-3 dias 392 (27,0) 172 (32,0) 220 (24,1)
4-6 dias 64 (4,4) 34 (6,3) 30 (3,3)
Todos os dias 55 (3,8) 24 (4,5) 31 (3,4)
Sem informação 25 (1,7) 7 (1,3) 18 (2,0)  

Congelados       0,318

Não comeu 1.323 (91,2) 487 (90,7) 836 (91,5)  
Comeu 103 (7,1) 43 (8,0) 60 (6,6)
Sem informação 25 (1,7) 7 (1,3) 18 (2,0)  

Lanches ( fast-food )       0,287

Não comeu 1.344 (92,6) 495 (92,2) 849 (94,7)  
Comeu 82 (5,7) 35 (6,5) 47 (5,3)
Sem informação 25 (1,7) 7 (1,3) 18 (2,0)  

a) Teste do qui-quadrado de Pearson, para verificar comparação do consumo alimentar ente homens e mulheres.

b) Foram considerados como alimentos integrais: pão integral, bolacha integral, arroz integral ou aveia.

Nota: N = 1.451; homens = 357 e mulheres = 914.

O IQD-I apresentou média de 24,2 pontos, com desvio-padrão (DP) = 3,8 pontos, na amostra em estudo ( Tabela 1 ). Não houve associação estatisticamente significativa entre os tercis do IQD-I e o número de doenças, tanto em homens (p=0,513) quanto em mulheres (p=0,674) ( Figura 1 ).

Figura 1 – Número de doenças crônicas de acordo com o índice da qualidade da dieta para idosos (IQD-I), entre homens e mulheres idosos comunitários pertencentes ao estudo ‘COMO VAI?’, Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014a) Teste do qui-quadrado de Pearson, para verificar se o número de doenças entre os tercis do IQD-I foi diferente. 

Na Tabela 3 , apenas entre os idosos homens, aqueles que relataram ter consumido na última semana alimentos integrais (pão integral, bolacha integral, arroz integral ou aveia), na frequência de 1 a 3 (RP=1,67 IC 95% 1,31;2,14) e de 4 a 6 dias (RP=1,64 IC 95% 1,21;2,23), apresentaram maior razão de prevalência para multimorbidade. Por sua vez, os idosos que consumiram carnes pelo menos um dia na semana anterior à entrevista apresentaram menor probabilidade de ter multimorbidade, fossem homens (RP=0,68 IC 95% 0,51;0,92) ou mulheres (RP=0,70 IC 95% 0,61;0,81).

Tabela 3 – Associação ajustada entre presença de multimorbidade (cinco doenças ou mais) e consumo de alimentos saudáveis, entre idosos comunitários pertencentes ao estudo ‘COMO VAI?’ (n=865), Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Consumo alimentar Homens Mulheres

N (%) p-valor a RP Ajustada b (IC 95% ) p-valor a N (%) p-valor a RP Ajustada b (IC 95% ) p-valor a
Arroz com feijão

Não comeu 16 (47,1) 0,881 1,00 0,829 66 (71,7) 0,848 1,00 0,995
1-3 dias 29 (48,3) 1,08(0,70;1,68) 140 (72,5) 1,01(0,86;1,19)
4-6 dias 80 (53,0) 1,16(0,80;1,69) 170 (70,5) 1,00(0,85;1,17)
Todos os dias 129 (52,2) 1,17(0,81;1,67) 235 (73,9) 1,01(0,87;1,17)

Legumes e verduras
Não comeu 35 (55,6) 0,809 1,00 0,744 44 (73,3) 0,483 1,00 0,620
1-3 dias 85 (51,5) 0,95(0,73;1,23) 211 (74,0) 1,04(0,87;1,22)
4-6 dias 55 (48,3) 0,88(0,53;1,17) 145 (74,7) 1,05(0,89;1,25)
Todos os dias 79 (52,7) 0,99(0,65;1,17) 211 (69,2) 0,98(0,83;1,17)

Frutas

Não comeu 22 (56,4) 0,625 1,00 0,390 40 (81,6) 0,318 1,00 0,428
1-3 dias 72 (52,6) 0,85(0,92;1,15) 116 (71,2) 0,89(0,76;1,11)
4-6 dias 47 (46,1) 0,75(0,53;1,06) 142 (75,1) 0,95(0,82;1,11)
Todos os dias 113 (52,8) 0,88(0,65;1,19) 313 (70,7) 0,91(0,79;1,05)

Leite e derivados

Não comeu 58 (52,7) 0,847 1,00 0,850 83 (75,5) 0,357 1,00 0,487
1-3 dias 41 (47,7) 1,03(0,77;1,39) 103 (74,6) 1,05(0,89;1,20)
1-6 dias 29 (50,0) 0,99(0,70;1,38) 92 (76,7) 1,03(0,89;1,20)
Todos os dias 126 (52,9) 1,09(0,87;1,36) 333 (70,0) 0,97(0,85;1,10)

Integrais c

Não comeu 166 (47,8) 0,10 1,00 <0,001 360 (72,6) 0,525 1,00 0,205
1-3 dias 29 (70,7) 1,67(1,31;2,14) 76 (77,6) 1,11(0,98;1,25)
4-6 dias 18 (69,2) 1,64(1,21;2,23) 38 (67,9) 0,97(0,81;1,16)
Todos os dias 41 (52,6) 1,25(0,98;1,59) 137 (70,6) 1,02(0,92;1,14)

Carnes

Não comeu 4 (100,0) 0,070 1,00 0,013 7 (100,0) 0,103 1,00 <0,001
Comeu 250 (51,2) 0,68(0,51;0,92) 604 (99,2) 0,70(0,61;0,81)

a) Teste do qui-quadrado de Pearson, para verificar se foi diferente o consumo de alimentos saudáveis entre os idosos portadores de cinco doenças ou mais (multimorbidade).

b) Regressão de Poisson, ajustada por idade, raça/cor da pele, escolaridade, classificação econômica, situação conjugal, estado nutricional, tabagismo e consumo de álcool. As análises estatísticas consideraram o efeito de delineamento amostral.

c) Foram considerados como alimentos integrais: pão integral, bolacha integral, arroz integral ou aveia.

Notas: N = 865; homens = 254 e mulheres = 611.

RP: razão de prevalência.

IC 95%: intervalo de confiança de 95%.

Não houve associação entre o consumo dos alimentos considerados não saudáveis e a ocorrência de multimorbidade ( Tabela 4 ).

Tabela 4 – Associação ajustada da presença de multimorbidade (cinco doenças ou mais) e consumo de alimentos não saudáveis, entre idosos comunitários pertencentes ao estudo ‘COMO VAI?’ (n=865), Pelotas, Rio Grande do Sul, 2014 

Consumo alimentar Homens Mulheres

N (%) p-valor a RP ajustada b (IC 95% ) p-valor a N (%) p-valor a RP ajustada b (IC 95% ) p-valor a
Doces, refrigerantes e sucos industrializados

Não comeu 68 (50,0) 0,053 1,00 0,240 193 (73,1) 0,937 1,00 0,921
1-3 dias 89 (58,6) 1,12 (0,90;1,40) 174 (71,9) 0,98(0,88;1,09)
4-6 dias 20 (37,0) 0,81 (0,55;1,18) 68 (70,1) 0,96(0,83;1,11)
Todos os dias 77 (51,3) 0,69 (0,76;1,21) 176 (73,0) 1,01(0,90;1,12)

Frituras
Não comeu 126 (53,9) 0,443 1,00 0,204 383 (72,8) 0,945 1,00 0,997
1-3 dias 105 (48,6) 0,86 (0,71;1,03) 211 (71,8) 0,99(0,91;1,09)
4-6 dias 13 (48,2) 0,81 (0,55;1,20) 13 (72,2) 0,98(0,74;1,30)
Todos os dias 10 (66,7) 1,17 (0,81;1,69) 4 (66,7) 1,04(0,62;1,74)

Conservas, embutidos e enlatados

Não comeu 140 (51,1) 0,994 1,00 0,866 410 (71,4) 0,492   0,209
1-3 dias 81 (51,3) 0,99 (0,82;1,21) 158 (76,3) 1,00
4-6 dias 17 (51,5) 0,98 (0,70;1,36) 18 (66,7) 1,10(1,00;1,21)
Todos os dias 13 (54,2) 1,16 (0,70;1,36) 21 (72,4) 1,01(0,79;1,30)

Congelados

Não comeu 232 (51,8) 0,307 1,00 0,975 563 (72,2) 0,257 1,00 0,329
Comeu 19 (46,3) 1,01 (0,71;1,43) 44 (77,2) 1,08(0,92;1,27)

Lanches ( fast-food )

Não comeu 235 (51,4) 0,510 1,00 0,708 580 (73,2) 0,060 1,00 0,221
Comeu 16 (50,0) 1,07 (0,76;1,51) 27 (60,0) 0,86(0,67;1,09)

a) Teste do qui-quadrado de Pearson, para verificar se foi diferente o consumo de alimentos não saudáveis naqueles portadores de cinco doenças ou mais (multimorbidade).

b) Regressão de Poisson com ajuste para variância robusta, ajustada por idade, raça/cor da pele, escolaridade, classificação econômica, situação conjugal, estado nutricional, tabagismo e consumo de álcool.

Notas: N = 865; homens = 254 e mulheres = 611.

RP: razão de prevalência.

IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Discussão

O estudo investigou a associação entre o consumo alimentar e a ocorrência de multimorbidade entre idosos da zona urbana de Pelotas, RS. Nos alimentos reconhecidos como saudáveis, encontrou-se menor probabilidade de ocorrência de multimorbidade apenas com relação ao maior consumo de carnes, não sendo observada associação significativa com os demais alimentos ou grupos de alimentos; a exceção quanto aos alimentos considerados saudáveis coube à ingestão de alimentos integrais, cujos homens dos grupos intermediários de consumo apresentaram maior probabilidade de terem relatado a presença, alguma vez na vida, de pelo menos cinco morbidades concomitantes.

Apesar de, neste estudo, não se ter observado diferença significativa na associação do IQD-I com a presença de multimorbidade, uma pesquisa de base populacional realizada com idosos de Campinas, SP, em 2008, encontrou melhor qualidade da dieta entre aqueles que possuíam três ou mais doenças crônicas, sem diferença entre homens e mulheres. 3 Na China, entre 2002 e 2007, um estudo cujo objetivo foi relacionar nutrição e DCNT em adultos e idosos observou a evolução da multimorbidade longitudinalmente, e concluiu que os indivíduos acometidos por apenas uma doença tiveram maior consumo de frutas, vegetais e grãos (sem considerar arroz e trigo) quando comparados aos grupos acometidos por mais doenças. 8

A despeito de ter-se encontrado relação de proteção ao consumir carnes e possuir cinco ou mais doenças crônicas, estudos comprovam a importância de incluí-las na alimentação. Está demonstrado que o consumo de carne, rica em proteínas, ferro e zinco, contribui significativamente para o desenvolvimento e funcionamento do organismo. 22 Entretanto, é necessário ter cautela acerca da quantidade e qualidade das carnes, principalmente quando consumidas sem remoção da gordura aparente, 24 possivelmente prejudicial à saúde por se tratar de alimento rico em colesterol e ácidos graxos saturados, características relacionadas ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares. 24

Ainda que o presente estudo tenha encontrado associação entre o consumo de alimentos integrais e um maior risco para ocorrência de multimorbidade nos homens, seu consumo foi mais frequente entre as mulheres. Alimentos integrais possuem propriedades funcionais, vitaminas e minerais, e são ricos em fibras que auxiliam na prevenção de vários problemas de saúde. 25 Não foram encontradas informações na literatura a justificar que alimentos integrais aumentariam a probabilidade de ocorrência de multimorbidade, visto que suas propriedades são benéficas no tratamento e prevenção de diversas doenças. 26 Entretanto, indivíduos mais doentes poderiam decidir por consumir alimentos mais saudáveis, entre eles os alimentos integrais.

Embora em contexto cultural diferente, estudo realizado com adultos na população iraniana mostrou associação inversa do consumo de grãos integrais com ocorrência de DCNT. 27 Os autores relataram que alguns fatores de risco para a saúde, incluindo dislipidemia e hipertensão, podem ter levado à mudança na dieta dos participantes e, portanto, confundido a associação entre o consumo de grãos e riscos metabólicos. 27 O mesmo pode ter ocorrido neste estudo, de forma que a ingestão de alimentos integrais observada entre os homens poderia refletir não uma relação entre o consumo desse tipo de alimento e a ocorrência de DCNT, e sim uma mudança de comportamento como resposta à multiplicidade de diagnósticos.

Também é comum que os hábitos alimentares sejam mantidos após o diagnóstico de uma ou mais doenças. 28 Cembranel et al. evidenciaram que, mesmo após cinco anos de acompanhamento de idosos residentes no Rio de Janeiro, com diagnóstico de diabetes mellitus e hipertensão, esses pacientes não modificaram seu consumo alimentar, como medida de auxílio no tratamento dessas doenças. 28

A ausência de associação inversa do consumo de alguns alimentos reconhecidos como saudáveis (assim como o oposto, para alimentos não saudáveis) com o acometimento de multimorbidade seria explicada – ainda que parcialmente – pela ausência da informação temporal no estudo transversal, uma vez que pode ter ocorrido uma mudança do consumo alimentar a partir da identificação da ocorrência de DCNT. Esse comportamento também foi mencionado por Fortin et al. em 2010, quando esses autores não identificaram associação entre presença de três ou mais doenças crônicas em adultos canadenses (45 anos ou mais) e a não ingestão da quantidade diária recomendada de frutas e vegetais. 29

Como aspectos positivos deste trabalho, pode-se ressaltar o tamanho de amostra para responder aos objetivos propostos e sua representatividade, além da identificação detalhada de aspectos da vida do idoso, investigação de vários problemas de saúde, rigor metodológico e alta taxa de resposta.

Entre as limitações do estudo, pode-se destacar o viés de informação devido ao uso do Questionário de Frequência Alimentar. O uso do QFA pode implicar aspectos negativos, como dependência da memória dos participantes, já que o consumo se referiu aos sete dias anteriores à entrevista, além da não informação quanto ao tamanho das porções ingeridas. Trata-se de erro de recordatório, sendo possível que alguns alimentos ingeridos não fossem relatados, ocorrendo subestimativa dos resultados observados. Vale ressaltar que os últimos sete dias podem não refletir um hábito desenvolvido por um período de tempo maior; o período de recordatório, de sete dias, foi escolhido justamente pelo fato de os idosos apresentarem capacidade de memória reduzida sobre consumo de alimentos relativos a um período de tempo maior. Idosos com dificuldade em responder ao questionário puderam ter a ajuda de um cuidador nas respostas, visando também reduzir o efeito do tempo de recordatório.

Deve-se levar em consideração, também, a possibilidade de o QFA causar um erro de classificação, já que o consumo foi avaliado de forma categórica e não contínua, de acordo com os pressupostos do antigo Guia Alimentar (2006), o que pode não refletir o contexto atual da alimentação brasileira, atualmente avaliada com base no Novo Guia Alimentar (2014). Esta nova versão do Guia contextualiza a alimentação a partir do grau de processamento e não dos tipos de alimentos.

Cabe ainda destacar que, embora o conceito de multimorbidade consista na presença de duas ou mais doenças, optou-se por adotar diferente ponto de corte (cinco ou mais doenças), pelo maior poder de diferenciação da amostra. O mesmo ponto de corte foi proposto em estudo publicado recentemente. 15

Os problemas de saúde incluídos neste estudo foram citados por idosos, o que pode ocasionar viés de informação. Entretanto, isso pode ser minimizado pelo fato de as perguntas tratarem de diagnóstico médico 30 e aproximadamente 90% dos idosos terem visitado um médico no último ano, minimizando o possível viés de autorrelato.

A falta de um limite superior para a pontuação de alimentos considerados saudáveis também pode ser vista como uma limitação, desde que o consumo excessivo desses alimentos fosse inadequado. Não foram avaliados os tipos de carne consumidos, impossibilitando maior inferência sobre o consumo desse tipo de alimento. Ademais, o QFA não possibilita a avaliação de toda a dimensão da dieta (outros alimentos, porções, horários de consumo, tipo de preparação), e sim de alguns “marcadores” de consumo.

Destaca-se também a escassez de estudos nacionais e internacionais 7 que avaliem a relação de multimorbidade e consumo alimentar em idosos por meio do IQD, limitando comparações com os resultados deste trabalho. Deve-se também considerar o viés de sobrevivência: a amostra foi composta por pessoas que chegaram à terceira idade, de forma que aqueles com problemas graves de saúde ou maior número de doenças teriam ido a óbito e, por conseguinte, não estariam incluídos na amostra; indivíduos que, em consequência das doenças, teriam maior cuidado com a alimentação.

Por fim, alguns resultados apontam mais um possível viés, de causalidade reversa, que limita algumas associações por impossibilitar a observação da temporalidade na relação entre a exposição e o desfecho do estudo. Este viés pode dificultar o entendimento acerca da mudança no consumo de alimentos saudáveis e o acometimento pela multimorbidade, particularmente morbidades passíveis de evolução assintomática por um longo período, efeito mais bem compreendido em estudos com delineamento longitudinal. A utilização de categorias bastante amplas nas variáveis de escolaridade (<8 anos; ≥8 anos) e tabagismo (sim; não) pode ter gerado confundimento residual. Outrossim, a realização de múltiplos testes estatísticos poderia aumentar a chance de alguma associação ter sido observada ao acaso, o que explicaria a associação estatística observada apenas no consumo intermediário de alimentos integrais nos homens do estudo.

Estudos deste tipo são importantes, sinalizam reflexões acerca dos atuais hábitos alimentares e sua influência no desenvolvimento e manutenção de doenças crônicas não transmissíveis em idosos. Foi um estudo focado em um momento, e são escassos os estudos de corte transversal que analisem essa relação. A promoção de estudos longitudinais mostra-se como alternativa para melhor compreender a relação da ocorrência de multimorbidade e a ingestão alimentar habitual de idosos ao longo do tempo. A avaliação da capacidade funcional, do acesso a recursos financeiros, bem como o reconhecimento dos fatores de estilo de vida modificáveis, são informações pertinentes, a serem consideradas pelos setores de saúde ao encarar a multimorbidade nessa faixa etária. Apesar das limitações apresentadas, vale ressaltar que o consumo de carnes e alimentos integrais, ainda que encontrados como fator de proteção e de risco para multimorbidade, deve ocorrer em quantidade e qualidade avaliadas com cautela. Embora não se tenha encontrado associação entre IQD-I e multimorbidade, os resultados apontam a importância da adoção de políticas voltadas para a promoção da saúde e a possibilidade de tratamento, manutenção e prevenção de doenças na população idosa.

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Editoras associadas: Lúcia Rolim Santana de Freitas - orcid.org/0000-0003-0080-2858 Vivian Siqueira Santos Gonçalves - orcid.org/0000-0001-6893-8263

*Artigo resultante do trabalho de conclusão de curso de graduação em Nutrição de Bruna Padilha Pereira, realizado na Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. Os dados utilizados foram oriundos do Consórcio de Mestrado Orientado para a Valorização da Atenção ao Idoso (estudo ‘COMO VAI?’), realizado entre janeiro e agosto de 2014, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas. O estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação (MEC), por meio do Programa de Excelência Acadêmica (PROEX nº 1.107/2013)

Recebido: 04 de Abril de 2019; Aceito: 23 de Abril de 2020

Endereço para correspondência: Caroline Cardozo Bortolotto – Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Rua Marechal Deodoro, n o 1.160, 3º andar, Pelotas RS, Brasil. CEP: 96020-220 E-mail: kkbortolotto@hotmail.com

Contribuição das autoras

Bielemann RM, Tomasi E, Gonçalves H e Gonzalez MC contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Pereira BP, Bortolotto CC e Gomes AP contribuíram na análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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