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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.3 Brasília jun. 2020  Epub 02-Jun-2020

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000300011 

Nota de pesquisa

Buscas na internet sobre medidas de enfrentamento à COVID-19 no Brasil: descrição de pesquisas realizadas nos primeiros 100 dias de 2020

Búsquedas en Internet sobre medidas para combatir el COVID-19 en Brasil: descripción de las investigaciones realizadas en los primeros 100 días de 2020

Carlos Garcia Filho (orcid: 0000-0002-0345-6033)1  , Luiza Jane Eyre de Souza Vieira (orcid: 0000-0002-5220-027X)1  , Raimunda Magalhães da Silva (orcid: 0000-0001-5353-7520)1 

1Universidade de Fortaleza, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Fortaleza, CE, Brasil

Resumo

Objetivo

descrever os perfis de interesse de busca de informações na internet sobre termos relacionados à epidemia da Covid-19 no Brasil.

Métodos

realizou-se uma pesquisa quantitativa exploratória usando o Google Health Trends; foram analisados dados diários de interesse, definido como probabilidade de consulta (Pr), sobre 23 termos nas buscas realizadas por usuários conectados no Brasil no período de 1º de janeiro a 9 de abril de 2020.

Resultados

o pico de interesse (Pr=0,0651) pelo tema coronavirus ocorreu em 21 de março; o interesse pelos temas uso de máscaras (Pr=0,0041), distanciamento social (Pr=0,0043) e higienização das mãos com álcool em gel (Pr=0,0037) foi superior ao interesse pelos temas etiqueta respiratória (Pr=0,0010) e higienização das mãos com água e sabão (Pr=0,0005).

Conclusão

a diferença de interesse pelos temas relacionados ao combate à Covid-19 foi expressiva e pode orientar novas estratégias de divulgação de informações em saúde.

Palavras-Chave: Infecções por Coronavirus; Comunicação; Epidemiologia Descritiva

Resumen

Objetivos

describir los perfiles de las consultas de búsqueda basadas en la Internet sobre términos relacionados a la epidemia del Covid-19 en Brasil.

Métodos

Se realizó una investigación cuantitativa y exploratoria usando Google Health Trends. Analizamos datos diarios de interés, definidos como probabilidad de consulta (Pr), en 23 términos en búsquedas realizadas por usuarios conectados en Brasil del 1º de enero de 2020 al 9 de abril 2020.

Resultados

el mayor interés (Pr = 0,0651) en el coronavirus ocurrió el 21 de marzo. El interés en los temas uso de máscaras (Pr = 0,0041), distancia social (Pr = 0,0043) e higiene de las manos con alcohol gel (Pr = 0,0037) es superior al interés en etiqueta respiratoria (Pr = 0,0010) e higiene de las manos con agua y jabón (Pr = 0,0005).

Conclusión

la diferencia de interés en los temas relacionados con la lucha contra el Covid-19 es sustancial y puede orientar nuevas estrategias de divulgación de información en salud.

Palabras-clave: Infecciones por Coronavirus; Comunicación; Epidemiología Descriptiva

Introdução

A Covid-19 é uma doença infecciosa causada por um coronavírus (SARS-CoV-2) descoberto recentemente. O vírus e a doença eram desconhecidos até o surto em Wuhan, China, ocorrido em dezembro de 2019.1 O primeiro caso confirmado no Brasil foi detectado em São Paulo, em 26 de fevereiro,2 e, até 8 de abril de 2020, 15.927 casos foram confirmados no país, com 800 óbitos.3 Desde 30 de janeiro de 2020, a Covid-19 é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma emergência internacional de saúde pública.

Medicamentos para o tratamento efetivo da doença ou vacinas para impedir a infeção pelo SARS-CoV-2 não estão disponíveis até o momento. Dessa forma, recomenda-se distanciamento social, etiqueta respiratória e higienização das mãos como medidas de combate à pandemia.2 Entre essas medidas, o distanciamento social é a que trouxe maiores impactos ao cotidiano dos brasileiros. O Distrito Federal implementou essa estratégia em 11 de março,2 seguido por São Paulo, estado brasileiro com maior população, que adotou o distanciamento em 21 de março.4 Outros estados também aderiram ao distanciamento social, contudo, em 24 de março de 2020, o presidente da República conclamou, em cadeia nacional, a “volta à normalidade”, contrariando recomendações globais para o enfrentamento da epidemia.5

O perfil de consultas aos mecanismos de busca na internet é uma boa proxy do interesse, preocupações e intenções de uma população sobre determinado tema. Embora não represente a opinião de quem faz a busca, sinaliza a sua tendência, pois não é possível saber o motivo de uma dada busca, mas acessa-se o seu conteúdo.6 Essa é uma ferramenta crescente no monitoramento de agravos e condições de saúde7 e de comportamentos relacionados a eles.9

As estratégias para se conter a propagação da Covid-19 são, em grande parte, comportamentais, e impactam a sociabilidade e a subsistência da população. Acrescente-se que essas medidas atualizaram e recrudesceram a polarização política e social da população. Nesse contexto, conhecer as dúvidas da população brasileira sobre esse objeto pode oferecer aos formuladores de políticas públicas possibilidades de aprimorar a adesão das pessoas às medidas de contenção da pandemia.

O objetivo desta pesquisa foi descrever os perfis de interesse de busca de informações na internet sobre termos relacionados à epidemia da Covid-19 no Brasil.

Método

Trata-se de uma pesquisa quantitativa exploratória que descreveu as buscas realizadas no Google sobre termos relacionados à pandemia da Covid-19 e medidas de contenção estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Em 2018, a quantidade de brasileiros que acessavam a internet atingiu 70%, o que equivale a, aproximadamente, 127 milhões de pessoas. Na região Sudeste, 75% dos habitantes tinham acesso à internet e, na região Nordeste, 64%. Nas demais regiões, 70% dos habitantes tinham acesso à internet.10

Foram analisados 23 termos relacionados à COVID-19 usando o Google Health Trends (GHT), uma interface para acessar dados de buscas na internet. O GHT é gratuito e requer acesso por meio de interface de programação de aplicativo (API; disponível em: https://sites.google.com/a/google.com/health-trends-api-getting-started-guide/).

A API do GHT fornece dados de consultas na internet a partir de 2004, em vários níveis de agregação espacial e temporal. As consultas são extraídas do conjunto de dados geral do Google na forma de uma proporção, dividindo-se o número de pesquisas para um termo específico em um intervalo de tempo pelo número total de pesquisas de termos nesse mesmo período. O valor obtido é multiplicado por uma constante predefinida para facilitar sua visualização. Portanto, seus resultados expressam a probabilidade de busca (Pr) de um determinado termo, denominada interesse neste artigo, e padronizada para o intervalo entre 0 e 1.

Foram extraídos dados diários de buscas feitas por usuários conectados no Brasil no período de 1º de janeiro a 9 de abril de 2020. A Pr de cada termo foi agregada de acordo com categorias definidas. O interesse geral no tema foi representado pelos termos “coronavírus”, “corona”, “covid” e “sars”. Para a etiqueta respiratória: ‘tosse’, ‘tossir’, ‘espirro’, ‘espirrar’, ‘aperto de mão’, ‘apertar a mão’, ‘abraço’, ‘abraçar’. Para uso de máscaras: ‘máscara’, ‘N95’, ‘bico de pato’. Para distanciamento social: ‘quarentena’, ‘isolamento social’, ‘distanciamento social’. Para higienização das mãos com álcool em gel: ‘álcool gel’, ‘álcool em gel’. Para higienização das mãos com água e sabão: ‘sabão’, ‘sabonete’, ‘lavar as mãos’.

Na escolha dos termos, foram selecionados termos não técnicos, os quais, ainda que imprecisos, são provavelmente mais próximos da linguagem cotidiana da população brasileira em geral.

A API do GHT utiliza a linguagem Python, e a organização dos dados e elaboração dos gráficos foi realizada por meio da linguagem R.

Resultados

Entre 1º de janeiro e 9 de abril de 2020, verificou-se um aumento do interesse sobre o tema coronavírus e sobre temas associados às medidas comportamentais para sua contenção.

A Figura 1 mostra a tendência da Pr entre alguns marcos da epidemia no país. O pico de interesse (Pr=0,0651) pelo tema ocorreu em 21 de março, quando São Paulo divulgou o decreto sobre o distanciamento social.

Figura 1 – Tendência da probabilidade de interesse de busca sobre o tema COVID-19 no Brasil, segundo o Google Health Trends, de 1o de janeiro a 9 de abril de 2020Legenda:A: 11/01 – 1º óbito registrado na China.B: 27/01 – 1º caso suspeito no Brasil (em Minas Gerais).C: 30/01 – A organização Mundial da Saúde (OMS) declara emergência de saúde pública.D: 26/02 – 1º caso confirmado no Brasil.E: 11/03 – 1º decreto sobre distanciamento social no Brasil (Distrito Federal).F: 17/03 – 1º óbito registrado no Brasil (em São Paulo).G: 21/03 – O estado de São Paulo anuncia decreto sobre distanciamento social. 

Destaca-se o pequeno interesse (menor Pr=0,0008) sobre o tema no período entre a pandemia ser considerada emergência de saúde pública e o primeiro caso confirmado no Brasil. É apenas com o início de aplicação de medidas de distanciamento social (Pr=0,0273) e com o primeiro óbito no Brasil (Pr= 0,0577) que se observa crescimento consistente e sustentado de interesse sobre o tema.

Observa-se, na Figura 2 , que o interesse da população em buscar informações sobre as medidas de contenção da pandemia apresentou crescimento expressivo a partir das primeiras medidas de distanciamento social. O interesse pelos temas uso de máscaras (Pr=0,0041), distanciamento social (Pr=0,0043) foi higienização das mãos com álcool em gel (Pr=0,0037) é superior ao interesse pelos temas etiqueta respiratória (Pr=0,0010) e higienização das mãos com água e sabão (Pr=0,0005).

Figura 2 – Tendência da probabilidade de interesse de busca sobre os temas relacionados à prevenção da Covid-19 no Brasil, segundo o Google Health Trends, de 1o de janeiro de 2020 a 9 de abril de 2020Legenda:A: 11/03 – 1º decreto sobre distanciamento social no Brasil (Distrito Federal). 

Discussão

Os períodos de aumento do interesse sobre a Covid-19 ocorreram após a divulgação dos principais marcos epidemiológicos da doença no Brasil pelos meios de comunicação. Além disso, os resultados sugerem possíveis lacunas de informação sobre algumas das principais formas de prevenção.

O perfil das buscas encontrado durante a atual epidemia de Covid-19 foi semelhante ao observado durante a epidemia de Zika, ocorrida em 2015, quando predominaram as buscas reativas e não as proativas, direcionadas para estratégias de prevenção.11

As notícias falsas, os ruídos de comunicação e as divergências entre o presidente da República e os governadores e ministro da Saúde sobre como lidar com a epidemia5 podem ter contribuído para reduzir o interesse da população pela doença até o final de março, bem como para o crescimento repentino e heterogêneo do interesse pelos temas relacionados a sua prevenção após a adoção das medidas de distanciamento social.

Além disso, a falta de clareza nas informações fornecidas pelas autoridades sanitárias sobre o distanciamento social, incluindo ausência de uniformidade sobre quais cuidados devem ser tomados, pode contribuir para agravar os impactos psicológicos de uma quarentena.12

O crescimento substancial e sustentado do interesse pela pandemia no Brasil ocorreu a partir das primeiras medidas de distanciamento social. Portanto, não é surpreendente que o tema de maior interesse seja distanciamento social, dadas suas implicações para além do campo da saúde, incluindo os impactos na renda de trabalhadores informais e precários e a necessidade de programas estatais emergenciais destinados a esses segmentos.13

O tema máscaras foi o segundo mais procurado, principalmente após a recomendação do Ministério da Saúde quanto ao uso de máscaras faciais para a população em geral, inclusive sugerindo a fabricação artesanal e estimulando a população a compartilhar os resultados dessa experiência nas redes sociais.14

O grande interesse pelo tema higienização das mãos com álcool gel e o pequeno interesse pelo tema higienização das mãos com água e sabão são relevantes para se questionar se a comunicação entre as autoridades sanitárias e a população foi efetiva. É possível que exista uma lacuna de informação sobre um comportamento efetivo e de baixo custo para a contenção da pandemia.

A principal limitação deste trabalho é fundamentar-se na probabilidade de busca pelos termos, não sendo possível estabelecer os motivos que levaram às buscas. O distanciamento social, por exemplo, foi o tema de maior destaque entre as medidas de contenção, mas este estudo não é capaz de definir se existe, ou não, apoio e adesão da população a essa medida. Para tal, são necessárias investigações adicionais – por exemplo, sobre o conteúdo de postagens em redes sociais.

Conclui-se, então, que houve diferença de interesse pelos temas relacionados ao combate à Covid-19, o que pode orientar novas estratégias de divulgação de informações em saúde. As autoridades de saúde pública podem utilizar o monitoramento de buscas de internet como proxy da difusão de informação em saúde.9

Referências

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Editora associada: Bárbara Reis Santos – orcid.org/0000-0001-6952-0352

Recebido: 16 de Abril de 2020; Aceito: 12 de Maio de 2020

Endereço para correspondência: Carlos Garcia Filho - Av. Washington Soares, no 1321, Edson Queiroz, Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP 60811-905 E-mail: cgarciafilho@gmail.com

Contribuição dos autores

Garcia-Filho C contribuiu na concepção e delineamento do estudo, coleta dos dados e análise dos dados. Garcia-Filho C, Vieira LJES e Silva RM contribuíram na análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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