Introdução
A cessação do tabagismo traz grandes e imediatos benefícios e, quando há suporte adequado, cresce a chance de sucesso em uma tentativa de cessação.1 Para que as metas globais de redução do uso de tabaco e mortes relacionadas sejam alcançadas, faz-se urgente ampliar a oferta de apoio aos tabagistas que desejam abandonar o hábito.1
No Brasil, ações voltadas para a cessação do tabagismo são promovidas no Sistema Único de Saúde (SUS),2 cujo protocolo terapêutico recomenda o aconselhamento de pacientes por profissionais de saúde, associado ou não à terapia farmacológica,3 esta considerada uma estratégia custo-efetiva.3 Além da área médica, é recomendável que profissionais da área odontológica atuem na promoção da cessação do tabagismo, na rotina do atendimento aos pacientes.5
Considerando-se que a iniciação do tabagismo ocorre, geralmente, na adolescência,8 ofertar aconselhamento para os fumantes nessa etapa da vida é altamente recomendado. Apesar da não tão evidente a oferta de tratamento medicamentoso para adolescentes que desejam parar de fumar, ela constitui uma opção a considerar.3
Os protocolos terapêuticos apontam estratégias de ação para o aconselhamento e tratamento do tabagismo de eficácia reconhecida. Contudo, essas estratégias podem encontrar barreiras à abordagem de adolescentes fumantes.3 Conhecer sua opinião sobre a oferta desse apoio pode contribuir para o delineamento de uma política de controle do tabagismo entre esses jovens. Na literatura, todavia, não há evidência de pesquisas com essa finalidade.
O principal objetivo deste estudo foi conhecer a opinião de adolescentes fumantes sobre oferta de aconselhamento e tratamento para cessação do tabagismo em serviços médicos e odontológicos. Adicionalmente, visou-se investigar se a opinião negativa está associada à falta de motivação para deixar de fumar.
Métodos
A presente investigação é parte de um estudo transversal mais amplo acerca do tabagismo, conduzido pelos autores em todas as escolas do Instituto Federal de Goiás (IFG), localizadas em 13 municípios do estado, no ano de 2018.
Os municípios-sede das escolas e as respectivas regiões do estado onde se localizam foram: (i) Goiânia (capital do estado), Inhumas, Aparecida de Goiânia e Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia; (ii) Anápolis, na região Centro Goiano (Eixo BR-153); (iii) Uruaçu, na região Norte Goiano; (iv) Formosa, Luziânia, Águas Lindas de Goiás e Valparaíso de Goiás, na região do Entorno do Distrito Federal; (v) Goiás, na região Noroeste Goiano; (vi) Jataí, na região Sudoeste Goiano; e (vii) Itumbiara, na região Sul Goiano.
O tamanho amostral foi calculado utilizando-se a ferramenta on-line OpenEpi e os seguintes parâmetros para cálculo de proporções: população estimada de estudantes do ensino médio do IFG em 2018, na idade de até 19 anos (n=3.694); frequências esperadas de 5,9% de consumo atual de cigarros (nos últimos 30 dias) e de 19,4% de experimentação de cigarros, com base na prevalência entre estudantes brasileiros de escolas públicas com 16 a 17 anos de idade, encontrada na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2015);12 erro amostral de 2%; e nível de confiança de 95%. O número mínimo estimado para a amostra foi de 467 estudantes para o desfecho ‘tabagismo atual’ e de 1.068 para o desfecho ‘experimentação do tabagismo’. Buscando garantir a obtenção dessa amostra, todos os estudantes da faixa etária até 19 anos foram convidados a participar, caracterizando um censo escolar na instituição. O poder estatístico da amostra para as comparações entre grupos, com relação às variáveis analisadas no presente estudo, foi testado a posteriori.
Na presente análise, foram selecionados apenas os estudantes que se autodeclararam fumantes. Os critérios de inclusão foram: ter fumado nos últimos 30 dias; e ter respondido, integral ou parcialmente, às questões destinadas a fumantes.
Os dados foram coletados mediante um questionário anônimo, em formato impresso autoaplicável, contendo questões fechadas direcionadas a fumantes e não fumantes. Esse instrumento foi elaborado com base em revisão da literatura e, posteriormente, avaliado por um grupo de seis pesquisadoras doutoras com experiência em pesquisas baseadas na aplicação de questionários sobre saúde. Ademais, o instrumento foi pré-testado em uma amostra de 14 adolescentes que não faziam parte da população-alvo do estudo.
O preenchimento do questionário durava cerca de 20 minutos. A coleta foi feita no início ou final da aula do estudante, com anuência prévia do professor em sala de aula naquele momento. Para evitar vieses de resposta, o pesquisador responsável pela coleta dos dados utilizou dois banners para apresentar aos adolescentes a pesquisa e os instruir quanto ao preenchimento correto do questionário. O primeiro banner serviu para informações gerais e éticas da pesquisa, enquanto o segundo banner foi utilizado para explicações aos estudantes sobre o questionário: por exemplo, as questões exclusivas para fumantes deveriam ser deixadas em branco caso o respondente não se considerasse fumante.
As variáveis dependentes consistiram da opinião dos adolescentes sobre três intervenções: receber aconselhamento para deixar de fumar durante consulta médica (desfecho 1); receber aconselhamento para deixar de fumar durante consulta odontológica (desfecho 2); receber tratamento para deixar de fumar (desfecho 3). Estas variáveis foram avaliadas pela seguinte questão:
Você acha que as situações abaixo te ajudariam a deixar de fumar?
Receber aconselhamento para deixar de fumar durante uma consulta médica.
Receber aconselhamento para deixar de fumar durante uma consulta odontológica.
Receber um tratamento para deixar de fumar.
As categorias de resposta para cada questão eram ‘Sim’, ‘Talvez’ ou ‘Não’.
As respostas ‘Sim’ e ‘Talvez’ foram classificadas como ‘Opinião positiva’, enquanto a resposta ‘Não’, classificada como ‘Opinião negativa’.
A principal variável independente, ‘motivação para deixar de fumar’, foi mensurada pela Escala de Motivação para Parar de Fumar (Motivation To Stop Scale [MTSS]).13 Este instrumento foi o escolhido porque o referencial teórico do estudo foi a teoria de mudança de comportamento, originalmente intitulada ‘PRIME theory of human motivation’.15 De acordo com essa teoria, os principais elementos da motivação para mudança de um determinado comportamento incluem, além das crenças sobre o que se deve fazer, o desejo e a intenção de agir de uma maneira específica.15
A escala MTSS, de um único item, mede os três principais constructos da teoria relativos à motivação para parar de fumar13 e consiste da seguinte questão:
Qual das seguintes afirmativas melhor descreve sua motivação para parar de fumar?
Eu não quero parar de fumar.
Acho que eu deveria parar de fumar mas no fundo eu não quero.
Eu quero parar de fumar mas ainda não pensei quando.
Eu quero MUITO parar de fumar mas ainda não sei quando.
Eu quero parar de fumar e espero que seja em breve.
Eu quero MUITO parar de fumar e pretendo fazer isso nos próximos três meses.
Eu quero MUITO parar de fumar e pretendo fazer isso no próximo mês.
A ordem destas categorias indica crescimento na motivação para abandonar o tabagismo, assim traduzidas:13
ausência de qualquer crença, desejo ou intenção;
somente crença;
desejo moderado mas sem intenção;
forte desejo mas sem intenção;
desejo e intenção moderados;
forte desejo e intenção de médio prazo; e
forte desejo e intenção de curto prazo.
A escala original em inglês foi validada13 e, posteriormente, sua versão em holandês.14 Para ser utilizada no presente estudo, a versão original foi traduzida para a língua portuguesa pelos autores, com a colaboração de uma docente mestre em linguística que ministrava a disciplina de ‘Língua Inglesa’ em uma das escolas da instituição pesquisada.
Com base na distribuição de frequência dos dados, adolescentes com desejo moderado ou forte de parar de fumar (com ou sem intenção) foram agrupados como ‘motivados’, ao passo que aqueles sem essa motivação ou apenas conscientes da necessidade de parar, sem desejo ou intenção, foram agrupados como ‘desmotivados’.
As variáveis independentes relacionadas ao tabagismo foram:
Idade quando experimentou fumar pela primeira vez, em anos: 15 ou 14.
Frequência relatada de consumo de cigarros: ‘Não fumavam diariamente’ ou ‘Fumavam diariamente’.
Nível de conhecimento relatado pelo adolescente sobre efeitos do tabagismo na saúde geral e na saúde bucal do fumante, bem como sobre tratamentos disponíveis para auxiliar a cessação do tabagismo, por meio de três questões a respeito de Como você avalia o seu conhecimento sobre: (i) efeitos provocados pelo cigarro na saúde geral das pessoas fumantes; (ii) efeitos provocados pelo cigarro na saúde bucal das pessoas fumantes;
(iii) tratamentos disponíveis para ajudar as pessoas a pararem de fumar.
As categorias de respostas para cada questão eram ‘Ótimo’, ‘Bom’, ‘Médio’, ‘Pouco’ ou ‘Nenhum’ conhecimento, dicotomizadas em ‘alto conhecimento’ (ótimo e bom) e ‘baixo conhecimento’ (médio, pouco e nenhum).
O nível de dependência de nicotina foi medido pelo índice de severidade do tabagismo.16 Com base nos escores desse índice, que podem variar de 0 a 6, os adolescentes foram classificados como de ‘dependência baixa’ (escores 0 a 2) ou de ‘dependência moderada ou alta’ (escores 3 a 6).
As variáveis independentes sociodemográficas foram:
Sexo (feminino; masculino)
Faixa etária (em anos: 14-16; 17-19)
Raça/cor da pele autorrelatada (branca, parda, preta, amarela ou indígena)
Utilizou-se o programa estatístico IBM SPSS (V.24). Inicialmente, realizou-se análise descritiva das variáveis investigadas, pelo cálculo de frequências absolutas. Em seguida, foram aplicados o teste do qui-quadrado e relativas de Pearson e a regressão de Poisson com estimação robusta, para analisar a associação entre a opinião dos adolescentes sobre as intervenções de cessação do tabagismo e sua motivação para parar de fumar. Essas análises restringiram-se aos que responderam integralmente às questões para fumantes (n=86).
No modelo de regressão ajustado, foram mantidas apenas variáveis independentes estatisticamente associadas ao desfecho (p<0,05). Razões de prevalência (RP) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estimados. A variável ‘conhecimento relatado’ foi utilizada do seguinte modo: para o desfecho 1, ajustou-se o modelo pelo conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde geral; para o desfecho 2, pelo conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde bucal; e para o desfecho 3, pelo conhecimento sobre tratamentos para auxiliar a cessação do tabagismo.
O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, a Universidade Federal de Goiás (CEP/UFG), em 27 de junho de 2017: Parecer nº 2.142.027. Posteriormente, o protocolo foi aprovado pelo CEP da instituição coparticipante, o Instituto Federal de Goiás (CEP/IFG), em 22 de março de 2018: Protocolo n° 2.556.510. Foram garantidos aos participantes o anonimato, o sigilo e o direito a desistir de participar, a qualquer momento, sem prejuízo de qualquer natureza. Todos os que concordaram livremente em participar assinaram (i) Termo de Consentimento ou Termo de Assentimento (neste segundo caso, quando menores de 18 anos) Livre e Esclarecido. Por se tratar de pesquisa envolvendo apenas aplicação de um questionário, o parecer do CEP/UFG foi favorável à dispensa da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos pais/responsáveis pelos adolescentes menores de 18 anos. Permissões formais foram obtidas junto às autoridades escolares.
Resultados
Dos 3.043 estudantes convidados a participar da pesquisa, 3.034 (99,7%) aceitaram, e destes, 824 (27,2%) reportaram ter experimentado cigarro pelo menos uma vez na vida, tendo 241 (7,9%) declarado haver fumado nos últimos 30 dias e 50 (1,7%) fumarem diariamente. Foram incluídos nesta análise os estudantes que haviam fumado nos últimos 30 dias e responderam às questões destinadas a fumantes, propostas no instrumento da pesquisa (n=130).
A maior parte dos participantes era do sexo masculino (52,3%), de raça/cor da pele parda (41,5%) ou preta (23,8%), nas idades de 14 a 16 anos (54,6%). Ter experimentado cigarro até os 14 anos foi relatado por metade dos adolescentes, e o consumo diário de cigarros, por 37,7%. A maioria dos escolares fumantes (65,4%) apresentava baixo nível de dependência de nicotina e 49,2% dos respondentes não estavam motivados a parar de fumar (Tabela 1).
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 62 | 47,7 |
Masculino | 68 | 52,3 |
Raça/cor da pele | ||
Branca | 32 | 24,6 |
Preta | 31 | 23,8 |
Amarela | 8 | 6,2 |
Parda | 54 | 41,5 |
Indígena | 4 | 3,1 |
Não informada | 1 | 0,8 |
Idade (anos) | ||
16 | 71 | 54,6 |
17 | 59 | 45,4 |
Idade (anos) quando experimentou fumar | ||
15 | 65 | 50,0 |
14 | 65 | 50,0 |
Frequência de consumo de cigarros | ||
Não fumam diariamente | 81 | 62,3 |
Fumam diariamente | 49 | 37,7 |
Nível de dependência de nicotina | ||
Baixo | 85 | 65,4 |
Moderado ou alto | 5 | 3,8 |
Não informado | 40 | 30,8 |
Motivação para parar de fumar | ||
Motivados | 46 | 35,4 |
Desmotivados | 64 | 49,2 |
Não informada | 20 | 15,4 |
Conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde geral | ||
Alto | 87 | 66,9 |
Baixo | 43 | 33,1 |
Conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde bucal | ||
Alto | 64 | 49,2 |
Baixo | 66 | 50,8 |
Conhecimento sobre tratamentos disponíveis para auxiliar a cessação do tabagismo | ||
Alto | 36 | 27,7 |
Baixo | 94 | 72,3 |
O conhecimento relatado pelos estudantes sobre efeitos do tabagismo à saúde geral e à saúde bucal de pessoas fumantes foi baixo, em 33,1% e 50,8% dos casos, respectivamente. Com relação a tratamentos disponíveis para auxiliar a cessação do tabagismo, 72,3% dos adolescentes relataram baixo conhecimento (Tabela 1).
Opinião positiva sobre a oferta de aconselhamento para cessação do tabagismo durante consulta médica e consulta odontológica foi observada em 76,2% e 70,0% dos casos, respectivamente. Com relação à oferta de tratamento para cessação, a prevalência de opinião positiva foi de 66,2% (Tabela 2).
Intervenções | Opinião (n; %) | ||
---|---|---|---|
Ajudaria a parar de fumar | Talvez | Não ajudaria | |
Aconselhamento durante consulta médica | 45; 34,6 | 54; 41,5 | 31; 23,8 |
Aconselhamento durante consulta odontológica | 39; 30,0 | 52; 40,0 | 39; 30,0 |
Tratamento para parar de fumar | 44; 33,8 | 42; 32,3 | 44; 33,8 |
Positiva (ajudaria/talvez) | Negativa | ||
Aconselhamento durante consulta médica | 99; 76,2 | 31; 23,8 | |
Aconselhamento durante consulta odontológica | 91; 70,0 | 39; 30,0 | |
Tratamento para parar de fumar | 86; 66,2 | 44; 33,8 |
A opinião dos adolescentes sobre cada uma das três intervenções pesquisadas mostrou-se significativamente associada à motivação para deixar de fumar. Assim, maiores proporções de opinião negativa foram encontradas em adolescentes desmotivados (p<0,05) (Figura 1).
A regressão bruta de Poisson apontou associação significativa entre opinião negativa sobre cada um dos três tipos de intervenção investigados e a falta de motivação para deixar de fumar, e também com o conhecimento relatado. Igualmente, houve associação significativa entre opinião negativa sobre aconselhamento médico e odontológico e frequência diária de consumo de cigarros (Tabela 3).
Fatores associados | Intervenções | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Aconselhamento durante consulta médica | Aconselhamento durante consulta odontológica | Tratamento para parar de fumar | ||||
RPa bruta (IC95%b) | p-valorc | RPa bruta (IC95%b) | p-valorc | RPa bruta (IC95%b) | p-valorc | |
Motivação para parar de fumar | ||||||
Desmotivados | 3,88 (1,23;12,27) | 0,021 | 2,29 (1,02;5,11) | 0,044 | 2,25 (1,09;4,67) | 0,029 |
Motivados | 1,0 | 1,0 | 1,0 | |||
Idade (anos) | ||||||
16 | 1,70 (0,87;0,33) | 0,206 | 1,72 (0,86;3,42) | 0,122 | ||
17 | 1,0 | 1,0 | ||||
Idade (anos) quando experimentou fumar | ||||||
15 | 0,60 (0,24;1,33) | 0,195 | 0,59 (0,29;1,20) | 0,146 | ||
14 | 1,0 | 1,0 | ||||
Conhecimento relatado | ||||||
Alto | 2,52 (1,19;5,37)d | 0,016 | 1,89 (1,01;3,54)e | 0,048 | 2,20 (1,29;3,77)f | 0,004 |
Baixo | 1,0 | 1,0 | 1,0 | |||
Frequência de consumo de cigarros | ||||||
Não fumava diariamente | 0,42 (0,17; 1,05) | 0,065 | 0,38 (0,17; 0,85) | 0,018 | ||
Fumava diariamente | 1,0 | 1,0 |
a) RP: razão de prevalência.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
c) Valor p: teste de Wald.
d) Conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde geral.
e) Conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde bucal.
f) Conhecimento sobre tratamentos disponíveis para auxiliar a cessação do tabagismo.
No modelo ajustado, opinião negativa sobre receber aconselhamento durante consulta médica foi mais frequente entre os adolescentes desmotivados a deixar de fumar (RP=6,49 – IC95% 1,50;28,26). Da mesma forma, opinião negativa sobre aconselhamento na consulta odontológica foi associada à desmotivação (RP=2,35 – IC95% 1,10;5,04). Em ambos os desfechos, os modelos foram ajustados pelo conhecimento e pela frequência de consumo do cigarro (Tabela 4).
Fatores associados | Intervenções | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Aconselhamento durante consulta médica | Aconselhamento durante consulta odontológica | Tratamento para parar de fumar | ||||
RPa ajustada (IC95%b) | p-valorc | RPa ajustada (IC95%b) | p-valorc | RPa ajustada (IC95%b) | p-valorc | |
Motivação para parar de fumar | ||||||
Desmotivados | 6,49 (1,50;28,26) | 0,013 | 2,35 (1,10;5,04) | 0,028 | 1,69 (0,81;3,53) | 0,163 |
Motivados | 1,0 | 1,0 | 1,0 | |||
Conhecimento relatado | ||||||
Alto | 3,20 (1,73;5,90)d | <0,001 | 2,11 (1,21;3,67)e | 0,009 | 2,18 (1,32;3,58)f | 0,006 |
Baixo | 1,0 | 1,0 | 1,0 | |||
Frequência de consumo de cigarros | ||||||
Não fumava diariamente | 0,45 (0,21;0,98) | 0,046 | 0,41 (0,19;0,87) | 0,021 | ||
Fumava diariamente | 1,0 | 1,0 |
a) RP: razão de prevalência.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
c) Valor p: teste de Wald.
d) Conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde geral.
e) Conhecimento sobre efeitos do tabagismo na saúde bucal.
f) Conhecimento sobre tratamentos disponíveis para auxiliar a cessação do tabagismo.
A associação entre a opinião dos participantes sobre receber tratamento para cessação e sua motivação para deixar de fumar perdeu significância estatística no modelo ajustado pelo conhecimento sobre tratamentos disponíveis para auxiliar a cessação. O baixo conhecimento manteve-se associado à opinião negativa (RP=2,18 – IC95% 1,32;3,58) (Tabela 4).
O cálculo post hoc do poder amostral revelou que o estudo teve 78,5% de poder para detectar diferenças na opinião dos estudantes sobre aconselhamento em consultas médicas, e 59,2% de poder em consultas odontológicas, relativamente à variável explanatória ‘nível de motivação para parar de fumar’. Quanto à opinião sobre tratamento de cessação do tabagismo, o poder amostral foi de 67,2%.
Discussão
Este estudo representa a primeira aproximação empírica da opinião de adolescentes brasileiros fumantes sobre cessação do tabagismo, na prestação de serviços de saúde. Os resultados apontam que os participantes, especialmente aqueles motivados a parar de fumar, tendem a considerar positiva a oferta de tratamento, assim como de aconselhamento para cessação do tabagismo durante consultas médicas e odontológicas.
Entretanto, boa parte dos participantes relatou que a oferta de intervenções nos serviços não os ajudaria a parar de fumar. O desinteresse por serviços de cessação do tabagismo foi observado entre adolescentes chineses,17 galeses18 e estadunidenses.19 As barreiras apontadas incluem o desconhecimento da existência de tais serviços e a incerteza do que é ofertado,17 e se o serviço é disponível para jovens.19
Estudos anteriores enfatizam a necessidade de adequação dos serviços de cessação do tabagismo aos usuários adolescentes.17 A falta de empatia de profissionais de saúde tem sido associada a uma opinião negativa sobre esses serviços, entre jovens fumantes, enquanto opiniões positivas foram observadas quando o profissional era amigável e solidário.18 Adolescentes estadunidenses que participaram de um estudo qualitativo com grupos focais sobre cessação do tabagismo acharam importante que os profissionais de saúde se interessassem por eles como pessoas, e não apenas como fumantes.20
A confidencialidade também representa uma barreira real para muitos jovens quando estes percebem que, ao fumar, estão fazendo algo que seus pais e professores provavelmente condenariam.17 Os serviços de cessação do tabagismo devem ser sensíveis a essas preocupações,17 e suas intervenções devem respeitar os desafios que os adolescentes enfrentam ao desistir de fumar, reconhecer sua escolha em tomar a decisão de parar, e fornecer apoio confidencial sem emitir qualquer julgamento.20
Um importante diferencial neste estudo foi o fato de abordar a visão dos adolescentes fumantes sobre a oferta de serviço odontológico para cessação do tabagismo. De forma semelhante, um estudo realizado na Malásia observou atitude positiva sobre a prestação de aconselhamento para parar de fumar por dentistas, entre adolescentes e adultos.22
Com relação à motivação dos adolescentes para deixar de fumar, os resultados apresentados neste relato corroboram o panorama do estudo ‘global youth tobacco survey’, segundo o qual o percentual de fumantes adolescentes que desejavam parar com o hábito foi acima de 32,1% em todos os países pesquisados, no período entre 2012 e 2015.23 O percentual de adolescentes da amostra de escolares goianos investigada e que não desejava parar de fumar também foi semelhante aos percentuais encontrados em estudos que utilizaram a escala de motivação para parar de fumar entre adultos ingleses13 e holandeses.14
Os achados deste trabalho devem ser interpretados considerando-se a amostra ser constituída de estudantes de nível médio, matriculados em escolas públicas de apenas uma Unidade da Federação. Levantamentos nacionais, com amostras mais amplas, incluindo estudantes de escolas públicas e privadas, podem gerar resultados mais representativos da população de adolescentes brasileiros.
A baixa proporção de resposta às questões para fumantes entre os adolescentes que reportaram uso de cigarro nos últimos 30 dias poderia ser considerada uma limitação do estudo. Todavia, apenas aqueles que fumaram nos últimos 30 dias e se consideravam fumantes deveriam responder às questões para fumantes; ou seja, a não resposta era deliberada pelo respondente. Apesar de não ter sido um objetivo do estudo investigar a identidade fumante dos adolescentes,24 os resultados parecem refletir um fenômeno descrito na literatura como phantom smoking, observado quando uma pessoa usa cigarros, embora – ainda – não se identifique como fumante.25
A variável com menor percentual de resposta foi o ‘nível de dependência de nicotina’, obtido pelo índice de severidade do tabagismo, o qual contém perguntas sobre o tempo decorrido até o primeiro cigarro do dia e a quantidade de cigarros fumados diariamente. Ou seja, são perguntas que não se aplicam ao adolescente que fumou poucas vezes na vida e sim àqueles que já fazem uso de cigarros com certa regularidade. Incluir apenas adolescentes que responderam a todas as questões para fumantes foi importante para investigar, com a devida propriedade, a associação entre a opinião sobre as intervenções e a motivação para parar de fumar. Destaca-se que, dos 50 estudantes que reportaram fumar diariamente, 48 responderam integralmente às questões para fumantes.
Outra crítica possível de ser feita ao estudo diz respeito à relação entre as variáveis investigadas. Pode parecer óbvio que adolescentes desmotivados a parar de fumar tenham uma opinião negativa sobre oferta de aconselhamento e tratamento para parar de fumar, nos serviços de saúde. Entretanto, o objetivo principal do estudo foi conhecer a opinião dos participantes, enquanto a utilização da escala de motivação representou um incremento à análise.
Como este foi o primeiro estudo a utilizar a escala MTSS no Brasil, além de ter como alvo uma população adolescente, recomenda-se que a validade preditiva da escala em português com relação ao desfecho ‘cessação do tabagismo’ seja investigada. Convém destacar que não foi objetivo deste trabalho realizar a validação do instrumento.
Conclui-se que a maior parte dos adolescentes fumantes tende a considerar que a oferta de aconselhamento durante consultas médicas ou odontológicas, bem como de tratamento para cessação do tabagismo, são ações potencialmente adjuvantes de suas tentativas de cessação. A opinião sobre oferta de aconselhamento em serviços médicos e odontológicos foi associada à motivação para deixar de fumar, ao conhecimento sobre efeitos nocivos do tabagismo e à frequência de consumo de cigarros. Houve ainda associação entre a opinião sobre oferta de tratamentos para cessação, e a motivação para deixar de fumar e o conhecimento sobre tratamentos para cessação disponíveis.
A partir da ótica dos próprios adolescentes fumantes, recomenda-se ampliar a oferta de ações de cessação do tabagismo nos serviços médicos e odontológicos do SUS, a fim de impulsionar tentativas de cessação nesse grupo populacional, além de investir em estratégias para aumentar a motivação de adolescentes a abandonar o tabagismo e buscar ajuda qualificada nos serviços de saúde.