Introdução
A consulta médica é um momento de interação entre profissionais de saúde e pacientes, pautada pelo relacionamento interpessoal.1 A comunicação adequada é essencial para o diagnóstico e tratamento de alta qualidade, e afeta os desfechos de saúde.2 A assistência médica, o conhecimento técnico, a empatia com o paciente, a facilidade de acesso à assistência médica e a duração adequada da consulta estão associados a maior qualidade da consulta médica.3 Para a melhoria contínua dos serviços de saúde, faz-se necessária a avaliação periódica de todo o processo, como da satisfação do paciente com a consulta médica fornecida.4
As filas de espera indicam desproporção entre a demanda e a capacidade de prestação de serviços de saúde.5 As restrições organizacionais e estruturais são os principais fatores contribuintes desse desequilíbrio,5 e um deles, o tempo de espera para atendimento, afeta a satisfação dos pacientes e a resolutividade do sistema de saúde.6 Em ambientes de alta complexidade, atraso no agendamento da consulta e serviços operando acima da capacidade aumentam, desnecessariamente, o tempo de internação.8 A dificuldade de agendar consultas é um dos principais fatores de insatisfação, uma vez que esperar por longos períodos de tempo, geralmente, resulta em consultas mais curtas.8
Enquanto o tempo de espera é atribuído aos processos organizacionais, o tempo de consulta é caracterizado por demandas de saúde e anseios, que contrastam entre os indivíduos e, por isso, exige interações empáticas.9 Maior duração das consultas médicas não necessariamente melhora os resultados de desempenho da Atenção Primária à Saúde, incluindo prescrições emitidas, solicitações de exames laboratoriais e encaminhamentos, e satisfação do paciente com o atendimento.10 O conteúdo da consulta parece desempenhar papel importante na satisfação tanto do paciente como do médico.11
Estudos de base populacional que avaliem o tempo de espera e o tempo de consulta médica no Brasil são escassos, especialmente na região Norte do país. O objetivo deste trabalho foi analisar o tempo de espera e a duração da consulta médica e fatores associados, na região metropolitana de Manaus, no ano de 2015.
Métodos
Foi conduzido um estudo transversal de base populacional com adultos residentes na região metropolitana de Manaus, no estado do Amazonas. A região metropolitana reúne mais sete municípios, além da capital, Manaus: Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Novo Airão, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva. Foram utilizados dados de pesquisa realizada no segundo semestre de 2015, sobre uso de insumos e situação de saúde da população da região.12
Indivíduos com 18 anos ou mais de idade foram elegíveis para a pesquisa. O processo de amostragem constou de três etapas: (i) sorteio do setor censitário; (ii) seleção sistemática do domicílio; e (iii) sorteio de um adulto presente no domicílio, a partir de cotas predefinidas de sexo e idade, com base nas estimativas nacionais oficiais, conforme processo previamente detalhado.12
O tamanho da amostra foi calculado em 4.000 pessoas, estimando-se um uso de serviços de saúde de 50%, com nível de confiança de 95%, precisão de 2% e efeito de delineamento de 1,5.12
Os desfechos primários foram o tempo de espera e a duração da consulta médica. As variáveis independentes foram:
idade (em anos: 18-24; 25-34; 35-44; 45-59; 60 ou mais);
sexo (masculino; feminino);
classe socioeconômica (A/B, C ou D/E, em que A representa as pessoas mais ricas e D/E os mais pobres, de acordo com o relato de itens de conforto e escolaridade do chefe do domicílio, seguindo o Critério Brasil de Classificação Econômica de 2015);13
escolaridade (ensino superior; ensino médio; ensino fundamental; menos do que o ensino fundamental);
raça/cor da pele (branca; preta; amarela; parda; indígena);
estado de saúde (muito bom/bom; regular; ruim/muito ruim);
cidade de residência (capital; interior);
seguro de saúde (sim; não); e
especialidade médica da última consulta (médico de família/clínico geral; ginecologista; especialista).
Os desfechos primários foram: o tempo de espera para consulta médica, definido a partir do momento em que o paciente chegou à instituição de saúde até sua entrada no consultório; e o tempo de consulta médica, definido a partir do momento em que o paciente entrou no consultório até sua saída. Ambos os desfechos foram definidos em minutos.
Os desfechos primários foram mensurados pelas seguintes perguntas:
Na última vez em que você foi ao médico, quanto tempo você ficou na fila para a consulta (desde o momento em que chegou ao serviço de saúde até o início da consulta)?
Quanto tempo durou a consulta médica?
A classificação econômica foi estimada de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil 2015, com base no relato de itens de conforto no domicílio, educação do chefe da família e acesso a água encanada e asfaltamento na imediação da residência.13
Entrevistadores experientes realizaram entrevistas presenciais e os questionários preenchidos foram armazenados em tablets (Tab3 SM-T110 Samsung® Galaxy), pelo software Survey To Go (Dooblo Ltd, Israel). Os dados foram transmitidos ao servidor de pesquisa via internet. Um pré-teste foi realizado para verificar a compreensão do questionário. O local da entrevista foi georreferenciado, e parte da entrevista foi gravada em áudio; 20% das entrevistas foram auditadas por telefone, para controle de qualidade.12
A análise bivariada, por regressão Tobit, permitiu identificar os fatores associados ao tempo de espera (removidos os valores iguais a 0 e maiores que 180 minutos) e duração da consulta (removidos os valores iguais a 0 e maiores que 120 minutos). O ponto de corte foi definido em valores mínimos e máximos plausíveis para os resultados. Os coeficientes ajustados (β) também foram calculados pela regressão Tobit, com todas as variáveis cujo fator de inflação de variância (FIV) fosse menor que 10, para evitar multicolinearidade. Foi realizada análise de sensibilidade com backward stepwise, para investigar a robustez do modelo. Do modelo completo, a variável com o maior valor p foi removida. Esse processo foi repetido até que o valor mais alto de p fosse menor que 0,20 para todas as variáveis. Gráficos preditivos foram desenvolvidos com variáveis estatisticamente significativas (p<0,05), para melhor ilustrar as diferenças entre as principais categorias das variáveis. Todas as análises foram realizadas com o uso do software Stata (v.14.2), com correção para o desenho complexo da amostra (comando svy) e cálculo dos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (CEP/UFAM): Parecer nº 974.428/2015 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] no 42203615.4.0000.5020, em 3 de março de 2015. Todos os participantes confirmaram sua concordância em participar do estudo, ao assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Foram convidadas a participar da pesquisa 5.410 pessoas; 1.314 recusaram e 95 não eram elegíveis, das quais 946 mulheres e 368 homens, resultando em proporção de recusas e perdas de 26%. Foram entrevistados 4.001 indivíduos. Houve maior concentração de entrevistados na idade entre 25 e 44 anos (49,9%), 84,2% pertenciam à classificação socioeconômica mais baixa (C/D/E) e 4,0% tinham ensino superior. A maioria dos entrevistados se autodeclarou parda (72,2%), reportou bom estado de saúde (66,1%), morava na capital (86,9%) e não dispunha de plano de saúde (87,0%). A maior parte das pessoas consultou um clínico geral ou médico de família em sua última consulta médica (77,1%) (Tabela 1).
Variáveis | n (%)a | Mediana (intervalo interquartil) | |
---|---|---|---|
Tempo de espera (minutos) | Duração da consulta (minutos) | ||
Faixa etária (anos) | |||
18-24 | 838 (20,9) | 80 (30;180) | 15 (10;40) |
25-34 | 1.152 (28,8) | 90 (40;180) | 15 (10;30) |
35-44 | 843 (21,1) | 90 (30;180) | 15 (10;20) |
45-59 | 772 (19,3) | 90 (30;180) | 15 (10;25) |
≥60 | 396 (9,9) | 60 (28;130) | 15 (10;30) |
Sexo | |||
Masculino | 1.888 (47,2) | 65 (30;130) | 15 (10;25) |
Feminino | 2.113 (52,8) | 90 (30;180) | 15 (10;30) |
Classificação econômica | |||
A/B | 629 (15,7) | 60 (30;120) | 15 (10;20) |
C | 2.285 (57,1) | 82 (30;180) | 15 (10;30) |
D/E | 1.087 (27,1) | 120 (30;180) | 15 (10;30) |
Nível educacional | |||
Ensino superior | 158 (4,0) | 90 (30;180) | 15 (5;25) |
Ensino médio | 1.903 (47,5) | 65 (30;120) | 15 (10;30) |
Ensino fundamental | 649 (16,2) | 90 (40;150) | 15 (10;20) |
Menos que o ensino fundamental | 1.291 (32,3) | 80 (30;180) | 15 (10;30) |
Raça/cor da pele | |||
Branca | 636 (15,9) | 90 (30;180) | 15 (10;61) |
Preta | 300 (7,5) | 65 (30;120) | 15 (10;20) |
Amarela | 138 (3,5) | 90 (40;150) | 15 (10;20) |
Parda | 2.886 (72,2) | 80 (30;180) | 15 (10;30) |
Indígena | 41 (1,0) | 120 (60;180) | 10 (5;20) |
Estado de saúde | |||
Muito bom/bom | 2.646 (66,1) | 80 (30;180) | 15 (10;30) |
Regular | 1.108 (27,7) | 90 (30;180) | 15 (10;25) |
Ruim/muito ruim | 247 (6,2) | 100 (30;180) | 15 (10;20) |
Cidade de residência | |||
Capital (Manaus) | 3.479 (86,9) | 80 (30;180) | 15 (10;30) |
Interior | 522 (13,2) | 120 (30;180) | 10 (10;30) |
Plano de saúde | |||
Não | 3.478 (87,0) | 90 (40;180) | 15 (10;30) |
Sim | 523 (13,0) | 40 (20;120) | 15 (10;25) |
Especialidade médica da última consulta | |||
Médico de família/clínico geral | 2.995 (77,1) | 80 (30;180) | 15 (10;25) |
Ginecologista | 402 (10,3) | 120 (45;180) | 15 (10;30) |
Especialista | 489 (12,6) | 60 (30;150) | 15 (10;30) |
a) Porcentagens corrigidas pelo desenho da amostra.
O tempo médio de espera para consulta médica foi 125,4 minutos (IC95% 120,2;130,5), e o tempo médio de consulta, 52,5 minutos (IC95% 48,0;57,0). A mediana mais alta do tempo de espera em minutos foi observada entre pessoas pertencentes à classificação socioeconômica D/E (mediana=120 – intervalo interquartil: 30;180), indígenas (mediana=120 – intervalo interquartil: 60;180), residentes no interior do estado (mediana=120 – intervalo interquartil: 30;180) e atendidas por ginecologista na última consulta (mediana=120 – intervalo interquartil: 45;180). As medianas mais baixas do tempo de espera corresponderam, principalmente, às pessoas atendidas por plano de saúde (mediana=40 – intervalo interquartil: 20;120) e àquelas classificadas na classificação econômica A/B (mediana=60 – intervalo interquartil: 30;120). A mediana mais frequente da duração da consulta médica foi 15 minutos. A menor mediana de duração da consulta foi verificada entre indígenas (mediana=10 – intervalo interquartil: 5;20) e residentes no interior (mediana=10 – intervalo interquartil: 10;30) (Tabela 1).
Pessoas na idade de 60 anos ou mais (β=-21,8 – IC95% -32,1;-11,6), de raça/cor da pele preta (β=-19,8 – IC95% -29,9; -9,8) e parda (β=-10,7 – IC95% -17,7;-3,7) e beneficiários de plano de saúde (β=-32,5 – IC95% -39,1;-25,9) aguardaram mais tempo por consulta médica (Tabela 2). Mulheres (β=9,3 – IC95% 4,2;14,4), pessoas pertencentes às classificações econômicas C (β=11,3 – IC95% 4,7;17,9) e D/E (β=17,3 – IC95% 9,0;25,6), que não haviam completado o ensino fundamental (β=13,0 – IC95% 0,1;25,9), residentes no interior (β=10,6 – IC95% 2,8;18,4) e consultadas por ginecologista (β=12,0 – IC95% 3,2;20,8) aguardaram mais tempo pela consulta (Tabela 2).
Variáveis | Tempo de esperaa | Duração da consultaa | ||
---|---|---|---|---|
(IC95%c) | Valor pa | (IC95%c) | Valor pa | |
Faixa etária (anos) | <0,001 | <0,001 | ||
18-24 | Referência | Referência | ||
25-34 | -1,7 (-8,7;5,2) | -8,5 (-12,5;-4,5) | b | |
35-44 | -0,3 (-7,9;7,2) | -9,2 (-13,4;-5,0) | b | |
45-59 | -0,2 (-8,1;7,7) | -7,6 (-11,9;-3,2) | b | |
≥60 | -21,8 (-32,1;-11,6) | b | -0,8 (-6,6;5,0) | |
Sexo | 0,093 | |||
Masculino | Referência | Referência | ||
Feminino | 9,3 (4,2;14,4) | b | 2,4 (-0,4;5,1) | |
Classificação econômica | <0,001 | <0,001 | ||
A/B | Referência | Referência | ||
C | 11,3 (4,7;17,9) | b | 6,5 (3,3;9,8) | b |
D/E | 17,3 (9,0;25,6) | b | 12,5 (8,2;16,7) | b |
Nível educacional | 0,244 | 0,064 | ||
Ensino superior | Referência | Referência | ||
Ensino médio | 10,1 (-1,9;22,1) | 1,9 (-4,2;8,0) | ||
Ensino fundamental | 9,0 (-4,4;22,3) | -3,2 (-10,0;3,6) | ||
Menos que o ensino fundamental | 13,0 (0,1;25,9) | b | -0,5 (-7,0;6,0) | |
Raça/cor da pele | 0,001 | <0,001 | ||
Branca | Referência | Referência | ||
Preta | -19,8 (-29,9;-9,8) | b | -20,7 (-26,0;-15,5) | b |
Amarela | -12,9 (25,9;0,1) | -23,2 (-28,2;-18,2) | b | |
Parda | -10,7 (-17,7;-3,7) | b | -12,0 (-16,2;-7,7) | b |
Indígena | 7,7 (-15,5;30,9) | -21,3 (-33,5;-9,0) | b | |
Estado de saúde | 0,255 | <0,001 | ||
Muito bom/bom | Referência | Referência | ||
Regular | 1,5 (-4,0;7,1) | -6,3 (-9,1;-3,4) | b | |
Ruim/muito ruim | 9,1 (-1,8;20,0) | -15,0 (-18,8;-11,1) | b | |
Cidade de residência | 0,008 | 0,379 | ||
Capital (Manaus) | Referência | Referência | ||
Interior | 10,6 (2,8;18,4) | b | 2,0 (-2,5;6,5) | |
Plano de saúde | <0,001 | <0,001 | ||
Não | Referência | Referência | ||
Sim | -32,5 (-39,1;-25,9) | b | -8,8 (-11,9;-5,7) | b |
Especialidade médica da última consulta | 0,027 | 0,297 | ||
Médico de família/clínico geral | Referência | Referência | ||
Ginecologista | 12,0 (3,2;20,8) | b | 3,6 (-1,0;8,2) | |
Especialista | 0,3 (-7,0;7,5) | 1,0 (-2,7;4,7) |
a) Modelo Tobit com todas as variáveis.
b) Variável permaneceu significante na análise de sensibilidade.
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Indivíduos com idade de 25-34 anos (β=-8,5 – IC95% -12,5;-4,5), 35-44 (β=-9,2 – IC95% -13,4;-5,0) e 45-59 anos (β=-7,6 – IC95% -11,9;-3,2), pessoas autodeclaradas pretas (β=-20,7 – IC95% -26,0;-15,5), amarelas (β=-23,2 – IC95% -28,2;-18,2), pardas (β=-12,0 – IC95% -16,2;-7,7) e indígenas (β=-21,3 – IC95% -33,5;-9,0), indivíduos com estado de saúde regular (β=-6,3 – IC95% -9,1;-3,4) ou ruim (β=-15,0 – IC95% -18,8;-11,1) e pessoas com plano de saúde (β=-8,8 – IC95% -11,9;-5,7) tiveram um tempo de consulta mais curto. As consultas médicas foram mais longas em indivíduos das classificações econômicas C (β=6,5 – IC95% 3,3;9,8) e D/E (β=12,5 – IC95% 8,2;16,7) (Tabela 2).
As mulheres esperaram mais tempo que os homens para consulta, independentemente da faixa etária (Figura 1). O tempo previsto de espera e o tempo de duração da consulta, estratificados por plano de saúde, classificação econômica e raça/cor da pele, mostraram que indivíduos com plano de saúde, classificação econômica mais baixa, negros e pardos tiveram menor tempo de espera e de consulta (Figura 2).
Discussão
A população adulta da região metropolitana de Manaus espera, em média, mais de duas horas por uma consulta médica. Maior tempo de espera foi observado para mulheres, pessoas com menor escolaridade e renda e para aqueles sem plano de saúde. A consulta médica durou, em média, menos de uma hora, e foi significativamente mais curta entre pessoas não brancas, com pior estado de saúde e com plano de saúde privado.
Os resultados apresentados estão sujeitos a viés de seleção, devido à inclusão de pessoas presentes no domicílio no momento da entrevista e que concordaram em participar da pesquisa, o que pode ter impactado no perfil e nas respostas dos participantes do estudo. Os resultados foram autorrelatados e, por este motivo, podem estar sujeitos a viés de informação, incluído o viés recordatório; como o tempo decorrido entre a entrevista e a última consulta médica não foi coletado, inviabilizou-se a análise detalhada do efeito desse possível viés nos resultados. Análises prévias da acurácia entre autorrelato do tempo e dados administrativos não foram identificadas; mas observa-se elevada concordância entre o relato do uso de serviço e o registro administrativo.14 As análises não consideraram a gravidade e resolutividade do caso, tampouco o percurso administrativo e logístico enfrentado pelo paciente para acessar os serviços de saúde. A análise multivariável baseou-se puramente em critérios estatísticos para inclusão das variáveis, o que pode fragilizar os achados analíticos. Para obter representatividade populacional foi empregada amostragem probabilística, com cotas de sexo e idade prédefinidas, e o delineamento complexo foi considerado nas análises, procedimentos que aumentam a confiança nos resultados encontrados.
Os tempos de espera observados na região metropolitana de Manaus são mais longos do que os reportados em outros contextos nacionais. Em uma unidade de saúde de Porto Alegre, região Sul do Brasil, estudo realizado no ano 2000 encontrou que os usuários de uma unidade de saúde esperaram de 5 a 85 minutos para serem consultados pelo médico.15 Entre os indivíduos que vivem em municípios brasileiros com índice de pobreza acima de 20% e assistidos pelo Programa Mais Médicos – um programa para inserir médicos em áreas remotas do país, carentes de atendimento à saúde –, 76% dos usuários esperaram menos de uma hora no dia de suas consultas, e 98% tiveram duração da consulta inferior a 30 minutos.16
Intervenções para reduzir as filas de espera incluem agendamento de acesso aberto, consulta de acompanhamento por telefone, triagem por enfermeiros e clínicos gerais e consultas por correio eletrônico.17 Questões administrativas, como a carga horária de médicos gerais, por exemplo, podem influenciar no quanto o paciente espera.18 Ferramentas de apoio à tomada de decisão compartilhada mostraram-se efetivas no sentido de melhorar o conteúdo da consulta médica e a satisfação dos médicos, sem aumentar a duração do atendimento.11
Neste estudo, os pacientes com plano de saúde passaram menos tempo aguardando pela consulta, achado semelhante ao de um estudo transversal que analisou 21 milhões de consultas ambulatoriais de pacientes do sistema Medicaid, dos Estados Unidos, em 2013, quando também se encontrou períodos de espera mais longos entre pacientes sem plano de saúde privado, comparados aos pacientes com cobertura de seguro de saúde.3 Uma explicação possível para esse fato seria a maior disponibilidade de profissionais e/ou menor densidade de demanda, levando a um menor tempo de espera pelos serviços de saúde.3
Baixa escolaridade foi associada a um maior tempo de espera e menor tempo de consulta. Em um estudo de base populacional conduzido na Argentina, 61% das pessoas que não concluíram o ensino fundamental aguardaram uma hora ou mais pela consulta, em comparação com 32% daquelas com nível superior.19 Análise de registros administrativos realizada na Austrália em 2004 e 2005 também revelou a influência da classificação socioeconômica no tempo de espera e a estreita relação entre o nível socioeconômico, a escolaridade e o acesso aos serviços de saúde.20 A baixa escolaridade pode implicar barreiras de comunicação no momento da consulta e menor acesso aos serviços de saúde, possíveis fatores relacionados à menor duração da consulta médica.21 Nesse cenário, a empatia dos profissionais de saúde envolvidos e sua capacidade de superar limitações como essas também merecem ser avaliados.
A pesquisa nacional de saúde realizada em Portugal, entre 2005 e 2006, concluiu que as variáveis socioeconômicas e a região de residência influenciaram no tempo de espera pela consulta.22 Isso parece ser uma característica primordial em países com sistemas de saúde universais, com influência direta no princípio da equidade. O mesmo foi observado na Itália, Canadá e Espanha.23 No presente estudo, indivíduos com menor classificação econômica aguardaram mais por uma consulta médica.
As mulheres esperaram mais do que os homens pelas consultas, que, para elas, também duraram mais tempo. A ginecologia foi a especialidade com maior tempo de espera. Um estudo de coorte sueco, conduzido entre 2009 e 2012, avaliou 159.352 consultas médicas e concluiu que as mulheres, mesmo tendo níveis idênticos de prioridade nos protocolos de classificação, esperaram mais que os homens por atendimento.27 Pode-se considerar a hipótese de maior tendência ao autocuidado nas mulheres, com possível maior tempo relatando problemas de saúde e interagindo com o profissional durante a consulta.28 Particularidades do exame físico e procedimentos assistenciais específicos do público feminino, igualmente, podem explicar essa diferença observada entre sexos.
Indivíduos pretos e pardos tiveram menor tempo de espera e de consulta do que brancos, inclusive após estratificar por plano de saúde. A utilização menos frequente dos serviços de saúde pode explicar o menor tempo de espera observado em minorias étnicas.29 Análises anteriores dessa população mostraram que os pardos têm menor cobertura por plano de saúde e menos doenças crônicas autorrelatadas – possivelmente, devido à falta de diagnóstico –, enquanto os indígenas apresentam maior prevalência de doenças crônicas.29Discriminação e racismo estruturais também podem explicar o menor tempo de consulta observado.
A demanda por melhorias nos serviços de saúde é contínua. É necessário avançar nos modelos de gestão e aumentar os recursos humanos e estruturais para que o Sistema Único de Saúde garanta acesso integral, universal e igualitário a toda a população.30Restrições a investimentos, como o adotado pelo teto de gastos sociais, potencialmente prejudicarão o cenário observado.
O tempo gasto pela população da região metropolitana de Manaus para consultas médicas é longo; e as consultas duram metade do tempo de espera, em média. O tempo de espera e a duração da consulta são impactados negativamente pelas desigualdades sociais. Pesquisas futuras devem considerar a qualidade dos serviços prestados.