Introdução
O suicídio representa o autoextermínio intencional da pessoa. O comportamento suicida manifesta-se sob a ideação suicida, quando existem (i) pensamentos que fortalecem a vontade de se matar, (ii) um planejamento sobre a elaboração de um meio específico de morte; e (iii) a tentativa de ações que desencadeiam uma agressão cuja intenção final é a morte. Caso a tentativa tenha como consequência o óbito, caracteriza-se, por fim, o suicídio.1 Estima-se que as tentativas superem o número de suicídios em pelo menos dez vezes, sendo este um dos principais fatores de risco para sua futura concretização.2
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, mais de 800 mil pessoas cometem suicídio, o que representa uma morte a cada 40 segundos.3 Embora, nas últimas décadas (1990-2015), tenha sido evidenciada redução da mortalidade por suicídio em alguns países da Europa Ocidental, outros países, a exemplo do México, Estados Unidos, Austrália e Brasil, apresentaram aumento no mesmo período.4
No Brasil, nos anos de 1996 a 2015, observou-se que a mortalidade por suicídio na população geral foi crescente nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, decrescente na região Sul e estável na região Centro-Oeste. Nesse período, foram registrados 172.051 óbitos por suicídio, dos quais 8,54% corresponderam à faixa etária de 10 a 19 anos.5
O suicídio é considerado a segunda principal causa de morte entre indivíduos de 15 a 29 anos de idade,3 faixa etária que se destaca pelo aumento acelerado desse tipo de óbito quando comparada à população geral.6 Estudo brasileiro apontou um aumento de 21,8% na mortalidade por suicídio em indivíduos de 10 a 24 anos, entre 2000 e 2012, sendo o enforcamento, as lesões por armas de fogo e a ingestão de pesticidas os meios mais frequentes para a efetivação do suicídio.6 Quanto ao local de ocorrência do óbito, tanto estudos internacionais como nacionais apontam a residência como a principal escolha, seguida de hospital e via pública.7
Pesquisa desenvolvida em 29 países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que as taxas de suicídio em adolescentes, entre meados da década de 1990 e o início da década de 2010, foram maiores na faixa de 15 a 19 anos de idade, e cerca de duas a três vezes maiores no sexo masculino, comparado ao feminino.9 O suicídio é um fenômeno multifatorial e, na população adolescente, pode estar relacionado a estados afetivos (como rompimento de relacionamento), problemas financeiros, a dificuldades para se estabelecer profissionalmente ou pressões acadêmicas,6 entre outros.
Estudo realizado nos Estados Unidos com 6.483 adolescentes de 13 a 18 anos e seus pais constatou a presença de pelo menos um transtorno mental preexistente na maioria dos adolescentes com comportamento suicida, como: transtorno depressivo maior e/ou distimia, fobia específica, transtornos alimentares, transtorno desafiador opositivo, transtorno explosivo intermitente, abuso de substâncias psicoativas e distúrbios de conduta.10
Nesse cenário, justifica-se a realização de estudos de séries temporais sobre a mortalidade por suicídio entre adolescentes. Tais estudos permitem a análise do comportamento do suicídio ao longo do tempo, delineando as características e as tendências locais de um agravo à saúde de tamanha relevância.11
O objetivo deste estudo foi analisar a tendência de suicídio em adolescentes brasileiros no período de 1997 a 2016.
Métodos
Trata-se de estudo ecológico de séries temporais com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM).
Foram incluídos todos os óbitos de indivíduos de 10 a 19 anos de idade (adolescentes) ocorridos no período de 1997 a 2019, que tiveram como causa básica de óbito o suicídio, conforme codificado na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10): X60-X69 (autointoxicação) e X70-84 (lesões autoprovocadas intencionalmente).
Os dados foram extraídos do SIM, na página do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) – http://datasus.saude.gov.br/ –, em março de 2019. Foram utilizadas estimativas populacionais, por sexo e faixa etária, produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também disponibilizadas no sítio eletrônico do Datasus.
As variáveis de interesse do estudo foram:
sexo (feminino; masculino);
grupo de causas (autointoxicação [X60-69]);
lesões autoprovocadas intencionalmente [X70-84];
local de residência (Brasil; macrorregiões brasileiras; Unidades da Federação [UFs]);
local de ocorrência do óbito (domicílio; hospital; outro estabelecimento de saúde; via pública; outros); e
ano da ocorrência (no período de 1997 a 2016).
Entre os locais de ocorrência identificados como ‘outro estabelecimento de saúde’, consideram-se os que não compreendem o serviço hospitalar, e entre os locais de ocorrência classificados como ‘outros’, aqueles que não se enquadram em qualquer tipo de estabelecimento de saúde, domicílio ou via pública.
A estruturação do banco de dados foi realizada utilizando-se o editor de planilha Microsoft Office Excel®, com dupla digitação independente, a partir da coleta de dados no Datasus. Os dados de ambos os bancos foram comparados utilizando-se a ferramenta Data Compare, para identificar possíveis incoerências na digitação e cálculo dos indicadores, e posteriormente corrigidos pela consulta à base de dados.
Para se calcular a taxa de mortalidade específica por suicídio em adolescentes, o número de óbitos por suicídio de residentes em um determinado local foi considerado numerador, e a população total residente, denominador, multiplicado por 100 mil.13 Também se calculou a taxa de mortalidade ajustada por idade pelo método direto, considerando-se a população-padrão mundial da OMS,14 baseada em projeções da população mundial para o período 2000-2025. Taxas brutas também foram calculadas segundo sexo, faixa etária, macrorregião brasileira e Unidades da Federação (UFs), apresentadas por 100 mil habitantes. Para o local de ocorrência e o grupo de causas, foi calculada a mortalidade proporcional.
Para a análise de tendência das taxas, utilizou-se a regressão de Prais-Winsten, conforme descrita pelos pesquisadores Antunes e Cardoso,12 que prevê a correção da autocorrelação de primeira ordem. A variável dependente foi o logaritmo das taxas, e a variável independente, os anos da série histórica. A variação percentual anual (VPA) foi calculada pela seguinte expressão:
Para o cálculo dos intervalos de confiança (IC), utilizou-se:
Onde:
b corresponde à taxa de crescimento anual e se ao erro-padrão, ambos extraídos da análise de regressão.
O valor de t é fornecido pela tabela da distribuição de t de Student.
Considerou-se aumento na série temporal quando a taxa foi positiva; diminuição, quando negativa; e estabilidade, quando não houve diferença significativa entre seu valor e zero (p>0,05).12 Esta análise foi realizada com auxílio do software Stata 11.1.
O presente estudo faz parte da pesquisa matricial denominada ‘Tendência do suicídio em adolescentes e adultos jovens (1997-2016)’, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso (CEP-Saúde/UFMT): Parecer no 2.840.432, emitido em 23 de agosto de 2018.
Resultados
No Brasil, os óbitos por suicídio entre adolescentes, no período de 1997 a 2016, corresponderam a um total de 14.852, o equivalente à taxa média bruta de 2,14 óbitos por 100 mil hab., e 2,13 óbitos por 100 mil hab. quando ajustada por idade, ao passo que, em 1997, a taxa foi de 1,95, e em 2016, de 2,65 por 100 mil hab.
Na Tabela 1, verifica-se que a taxa média foi maior entre adolescentes do sexo masculino (2,85/100 mil hab.), com idades entre 15 e 19 anos (3,65/100 mil hab.). Houve aumento na mortalidade bruta e na mortalidade ajustada por idade (VPA=1,35 – IC95% 0,56;2,15), no sexo masculino (VPA=1,63 – IC95% 0,56;2,29) e nas duas faixas etárias estudadas, 10 a 14 (VPA=2,17 – IC95% 1,05;3,30) e 15 a 19 anos (VPA=1,12 – IC95% 0,46;1,79).
Mortalidade | Óbito (N) | Taxa 1997 | Taxa 2016 | Taxa média | VPAa | IC95%b | Interpretação |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Bruta | 14.852 | 1,96 | 2,65 | 2,14 | 1,35 | 0,56;2,15 | Aumento |
Ajustada | 14.852 | 1,98 | 2,61 | 2,13 | 1,35 | 0,56;2,15 | Aumento |
Sexo | |||||||
Feminino | 4.813 | 1,35 | 1,58 | 1,41 | 2,29 | -0,54;1,89 | Estabilidade |
Masculino | 10.039 | 2,55 | 3,68 | 2,85 | 1,63 | 0,56;2,29 | Aumento |
Faixa etária (anos) | |||||||
10-14 | 2.180 | 0,6 | 0,86 | 0,63 | 2,17 | 1,05;3,30 | Aumento |
15-19 | 12.672 | 3,39 | 4,39 | 3,65 | 1,12 | 0,46;1,79 | Aumento |
a) VPA: variação percentual anual.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Entre os óbitos por suicídio, houve maior proporção de lesões autoprovocadas intencionalmente (X70-84) (n=12.505; 84,19%), quando comparada à proporção dos casos de autointoxicação (X60-69) (n=2.347; 15,81%), sendo que ambas as categorias apresentaram estabilidade no período, com VPA de 0,24 (IC95% -0,35;0,84) e VPA de -1,75 (IC95% -5,37;2,02), respectivamente.
Ao se compararem as macrorregiões brasileiras, foi possível identificar a região Centro-Oeste com a maior taxa média (3,71/100 mil hab.), e as duas regiões que exibiram aumento na mortalidade por suicídio, o Nordeste (VPA=4,19 – IC95% 2,58;5,84) e o Norte (VPA=3,11 – IC95% 2,25;3,98), conforme apresentado na Tabela 2.
Regiões e UFsa | Óbito (N) | Taxa 1997 | Taxa 2016 | Taxa média | VPAb | IC95%c | Interpretação |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Norte | 1.956 | 2,14 | 4,10 | 2,95 | 3,11 | 2,25;3,98 | Aumento |
Acre | 101 | 2,34 | 7,47 | 3,31 | 1,44 | -3,03;6,12 | Estabilidade |
Amapá | 134 | 1,95 | 2,32 | 4,76 | 1,86 | -5,08;9,30 | Estabilidade |
Amazonas | 626 | 3,22 | 4,58 | 4,10 | 4,50 | 1,72;7,35 | Aumento |
Pará | 618 | 1,71 | 2,99 | 1,98 | 1,69 | 0,18;3,23 | Aumento |
Rondônia | 179 | 1,99 | 3,12 | 2,78 | 0,71 | -2,16;3,67 | Estabilidade |
Roraima | 146 | 6,50 | 17,29 | 7,99 | 1,70 | -3,13;6,79 | Estabilidade |
Tocantins | 152 | 1,11 | 4,14 | 2,69 | 4,37 | 1,53;7,28 | Aumento |
Nordeste | 3.624 | 0,98 | 2,28 | 1,72 | 4,19 | 2,58;5,84 | Aumento |
Alagoas | 242 | 1,08 | 2,16 | 1,86 | 2,79 | 0,60;5,03 | Aumento |
Bahia | 493 | 0,44 | 1,65 | 0,88 | 5,39 | 3,99;6,81 | Aumento |
Ceará | 893 | 1,07 | 2,73 | 2,67 | 3,67 | 1,67;5,70 | Aumento |
Maranhão | 390 | 0,65 | 2,29 | 1,41 | 5,78 | 3,52;8,10 | Aumento |
Paraíba | 206 | 1,15 | 1,91 | 1,45 | 8,30 | 4,44;12,30 | Aumento |
Pernambuco | 672 | 2,09 | 2,18 | 1,99 | -0,40 | -2,07;1,31 | Estabilidade |
Piauí | 350 | 1,31 | 3,71 | 2,84 | 7,02 | 1,63;2,69 | Aumento |
Rio Grande do Norte | 193 | 1,01 | 3,02 | 1,59 | 2,15 | -0,27;4,62 | Estabilidade |
Sergipe | 185 | 0,25 | 2,62 | 2,25 | 6,08 | 2,58;9,70 | Aumento |
Centro-Oeste | 1.860 | 3,48 | 4,41 | 3,71 | 0,57 | -0,94;2,10 | Estabilidade |
Distrito Federal | 236 | 5,93 | 2,58 | 2,69 | -1,95 | -3,99;0,13 | Estabilidade |
Goiás | 565 | 2,67 | 3,50 | 2,64 | 0,54 | -1,91;3,05 | Estabilidade |
Mato Grosso | 317 | 2,68 | 3,05 | 2,86 | -0,82 | -2,52;0,91 | Estabilidade |
Mato Grosso do Sul | 742 | 3,97 | 10,34 | 8,34 | 3,33 | 0,39;6,35 | Aumento |
Sul | 3.016 | 3,60 | 3,06 | 3,19 | -0,97 | -2,20;0,26 | Estabilidade |
Paraná | 1154 | 3,96 | 2,68 | 3,10 | -1,43 | -2,73;-0,12 | Diminuição |
Rio Grande do Sul | 1282 | 3,75 | 3,05 | 3,57 | -1,41 | -2,40;-0,40 | Diminuição |
Santa Catarina | 580 | 2,66 | 3,73 | 2,71 | 0,84 | -1,46;3,19 | Estabilidade |
Sudeste | 4.396 | 1,87 | 2,06 | 1,62 | 0,40 | -1,13;1,96 | Estabilidade |
Espírito Santo | 190 | 2,05 | 0,48 | 1,48 | -3,35 | -7,42;0,89 | Estabilidade |
Minas Gerais | 1.325 | 1,70 | 2,56 | 1,91 | 2,00 | 0,42;3,62 | Aumento |
Rio de Janeiro | 485 | 1,19 | 1,45 | 0,96 | 0,11 | -4,66;5,12 | Estabilidade |
São Paulo | 2.396 | 2,18 | 2,19 | 1,74 | -0,05 | -1,47;1,39 | Estabilidade |
a) UFs: Unidades da Federação.
b) VPA: variação percentual anual.
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
As três UFs brasileiras com maiores taxas médias brutas de mortalidade foram Mato Grosso do Sul (8,3/100 mil hab.), Roraima (8,0/100 mil hab.) e Amapá (4,8/100 mil hab.). Houve tendência de aumento nas taxas de mortalidade por suicídio em 12 UFs: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Sergipe e Tocantins (Tabela 2).
Na Tabela 3, constata-se que o local de ocorrência com maior proporção de óbitos foi o domicílio (n=7.729; 52,69%), seguido de hospital (n=3.713; 25,32%). Houve aumento na proporção dos óbitos ocorridos nos domicílios (VPA=1,6 – IC95% 1,2;2,0) e em outros estabelecimentos de saúde (VPA=5,3 – IC95% 2,9;7,8).
Local de ocorrência | Óbitos | 1997 | 2016 | VPAa | IC95%b | Interpretação | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | % | % | ||||
Hospital | 3.713 | 25,32 | 34,27 | 16,01 | -3,40 | -4,1;-2,60 | Diminuição |
Outros estabelecimentos de saúde | 190 | 1,29 | 0,00 | 2,69 | 5,30 | 2,90;7,80 | Aumento |
Domicílio | 7.729 | 52,69 | 46,44 | 60,92 | 1,60 | 1,20;2,00 | Aumento |
Via pública | 933 | 6,36 | 5,79 | 4,37 | -0,64 | -1,86;0,59 | Estabilidade |
Outros | 2.102 | 14,34 | 13,50 | 16,01 | 0,52 | -0,14;1,18 | Estabilidade |
a) VPA: variação percentual anual.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Nota: Os ignorados corresponderam a 1,3% (n=185) dos registros (VPA=10,0% – IC95% -13,51;-6,41).
Discussão
A tendência temporal da taxa de mortalidade por suicídio em adolescentes brasileiros, no período de 1997 a 2016, foi crescente, tanto a bruta quanto a ajustada por idade. Foram observados diferentes padrões, de acordo com sexo, macrorregiões brasileiras, UFs e locais de ocorrência do evento.
A mortalidade de adolescentes por suicídio foi crescente no sexo masculino, nas faixas etárias de 10 a 14 e 15 a 19 anos, nas regiões Norte e Nordeste do país e nas UFs de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Sergipe e Tocantins. Houve aumento das proporções de óbitos ocorridos no domicílio e em outros estabelecimentos de saúde que não os hospitais.
O aumento na tendência da mortalidade por suicídio em adolescentes também foi observado em outros países, como Estados Unidos (1999-2016),15 Argentina, Chile, Equador, México e Suriname (2001-2008).16 É válido ressaltar que o aumento na mortalidade por suicídio tem-se evidenciado em toda a população brasileira, não somente no público estudado.4 Pesquisadores sugerem17 que esse achado pode estar relacionado, entre outros aspectos, à melhoria do registro de mortalidade no país.
Nota-se que os problemas de saúde mental se tornam mais prevalentes durante a adolescência e, em combinação com fatores de risco psicossociais, exacerbam a vulnerabilidade ao suicídio.8 Esse crescimento pode estar relacionado ao estresse acadêmico, a relações negativas com os pares e pais,18 a eventos de vida individuais e familiares negativos – como separação dos genitores, ao abuso de substâncias psicoativas, ao isolamento social –, a transtornos mentais, a abusos infantis, à baixa autoestima, ao baixo nível socioeconômico, e à educação restrita.19
A elevação na tendência geral de suicídio em adolescentes ocorreu, sobretudo, em função do aumento do evento entre adolescentes do sexo masculino, o que também foi evidenciado em outro estudo brasileiro.20 O Brasil e outros países sul-americanos apresentam tendência inversa à mundial, conforme mostrou pesquisa que analisou o suicídio entre adolescentes em 81 países, no período de 1990 a 2009. Essa mesma pesquisa observou a diminuição das taxas no sexo masculino entre os continentes, com exceção da América do Sul, que exibiu aumento significativo de suicídio em adolescentes.17
A discrepância nas taxas de suicídio entre os sexos foi encontrada tanto em investigações internacionais como nacionais.20 Embora os estudos mostrem que a ocorrência de tentativas é maior entre meninas,19 os meninos executam o ato 2,06 vezes mais.20 A taxa mais elevada de suicídio em indivíduos do sexo masculino pode ser decorrente da maior propensão ao abuso de álcool, da escolha de métodos mais letais na tentativa, da maior inclinação para violência e de comportamentos externalizantes.21
Outro estudo, desenvolvido com dados de meados da década de 1990 e início da década de 2010 de 29 países, também identificou maiores taxas de mortalidade por suicídio em adolescentes entre 15 e 19 anos.9 Este grupo etário pode sofrer mais estresse acadêmico, experimentar eventos negativos na vida pessoal e familiar e abusar mais de substâncias psicoativas.18 No entanto, a tendência de aumento da mortalidade entre os adolescentes de 10 a 14 anos demonstra a exposição cada vez mais precoce a esses fatores de risco.
No presente estudo, predominaram lesões autoprovocadas intencionalmente, ratificando os achados de estudo brasileiro relativo aos anos de 2004 a 2014.22 As lesões autoprovocadas constituem um método mais violento, praticado principalmente por indivíduos do sexo masculino. Consequentemente, sobressaem-se aos registros de suicídio por autointoxicação, caracterizados como método mais reversível ao suicídio e que, por sua vez, se verifica com maior frequência na população feminina.23
O aumento na mortalidade por suicídio nas regiões Norte e Nordeste do Brasil foi verificado em outros estudos, tanto na população adolescente20 como na população geral.5 Além disso, outra pesquisa reafirmou maior proporção de óbitos por suicídio em adolescentes na região Centro-Oeste.20
As UFs de Mato Grosso do Sul, Roraima e Amapá apresentaram maiores taxas de mortalidade por suicídio entre os adolescentes, conforme evidencia outra investigação.8 Uma possibilidade para esse achado se encontra no fato de o Mato Grosso do Sul ser o segundo estado brasileiro com maior proporção de população indígena. Entre os anos de 2000 e 2011, foram registrados 555 suicídios nesse grupo, 70% deles na faixa etária dos 15 aos 29 anos.24
O estado de Roraima também apresentou correlação entre o suicídio e a população indígena. De acordo com pesquisa desenvolvida entre os anos de 2009 e 2013,25 ocorreram 170 suicídios entre indígenas, número superior ao observado entre os não indígenas (n=141), e, entre os que concretizaram o suicídio, também se destacam os indígenas de 15 a 24 anos. Entretanto, a presente pesquisa não investigou a variável raça/cor da pele e outros elementos que poderiam influenciar nos achados; sendo assim, novos estudos sobre esse tema precisam ser realizados.
A tendência de aumento de suicídio na adolescência foi identificada em 12 UFs brasileiras, o que se contrapõe à pesquisa que analisou os óbitos por suicídio no período de 1990 a 2015,26 a qual revelou crescimento do agravo em apenas sete UFs, a saber: Bahia, Paraíba, Ceará, Amapá, Amazonas, Tocantins e Piauí. Porém, ressalta-se que aquele estudo foi desenvolvido com a população geral e não, especificamente, com adolescentes. Vale enfatizar que as tendências observadas regionalmente podem ser influenciadas pela desigualdade de renda, região geográfica, grau de escolaridade, taxa de desemprego, situação econômica e condições de saúde mental, em nível regional e municipal.27
Quanto ao local dos suicídios, houve predomínio do domicílio. Esse dado corrobora estudos no âmbito internacional7 e nacional,8 que referem a residência como ambiente predominante para concretização do suicídio, pelo livre acesso.
Frente à complexidade do suicídio entre adolescentes, torna-se imprescindível a implementação de ações que possam reduzir a tendência desse evento.28 Nessa perspectiva, uma revisão que analisou os anos de (2005-2015) da literatura produzida sobre a prevenção ao suicídio constatou que limitar o acesso a meios letais possui relevante impacto preventivo, principalmente na restrição de analgésicos e locais de risco crítico para suicídio, tais como lugares que possibilitam a precipitação de altura.29 O mesmo estudo também evidenciou a relevância de programas de conscientização no âmbito escolar para a redução do comportamento suicida, e atribuiu aos tratamentos farmacológicos e não farmacológicos de combate à depressão um importante fator de prevenção.29 A conscientização sobre o suicídio também é fundamental para a desmistificação dos tabus e mitos relacionados ao ato, que perpetuam o estigma social em torno do agravo.2
Para prevenir o suicídio em adolescentes e promover o comportamento de busca de saúde nessa população, são necessários (i) investimentos na prestação de cuidados de qualidade em saúde mental, (ii) a elaboração de estratégias de rastreio e prevenção de suicídio nas escolas, (iii) o desenvolvimento de ações on-line de prevenção, monitoramento e apoio, e (iv) programas de treinamento em habilidades de vida. Esses programas devem abordar as habilidades de resiliência, resistência a drogas, autogerenciamento e aptidão social.19
Em relação à tendência decrescente de registro dos locais de ocorrência de suicídio como ignorados, vale ressaltar que o suicídio é um agravo de notificação compulsória desde a publicação da Portaria do Ministério da Saúde GM/MS no 1.271, em 6 de junho de 2014, quando a tentativa de suicídio foi incluída na lista de notificação imediata em até 24 horas, pelo município.30 Tal ocorrência pode ter se refletido na melhoria dos registros de suicídios.
Outro aspecto refere-se ao fato de, nos últimos anos, ter-se implementado, em nível mundial, políticas preventivas com o objetivo de desmistificar o comportamento suicida. No Brasil, entretanto, elas ainda são incipientes. Por um lado, observam-se esforços quanto aos registros/notificações e incentivo à prevenção e, por outro, tal comportamento ainda é cercado de estigma e preconceito, o que contribui substancialmente para sua subnotificação. Tudo isso reforça a importância de medidas que visem à melhoria das informações de mortalidade, bem como o uso de estimativas seguras de correção dos dados.
Assim, apresenta-se como limitação desta pesquisa a não realização de procedimentos para a correção de subnotificação de óbitos. Porém, trata-se do primeiro estudo a analisar a tendência da mortalidade por suicídio bruta e ajustada por idade, em adolescentes, considerando-se todas as cinco grandes regiões e as Unidades da Federação brasileiras. São escassos os estudos que abordam essa faixa etária; portanto, fazem-se necessárias novas produções de pesquisas com essa temática e população.
Conclui-se que a tendência das taxas de mortalidade geral por suicídio em adolescentes brasileiros, entre 1997 e 2016, foi crescente, assim como para o sexo masculino, as faixas etárias de 10 a 14 e 15 a 19 anos, e para os suicídios no ambiente domiciliar. As regiões Norte e Nordeste do país, embora não tenham apresentado os maiores coeficientes, destacam-se pelo aumento na tendência do evento no período considerado.
Desse modo, os achados do estudo demonstram a relevância da temática enquanto problema de Saúde Pública e permitem uma melhor compreensão epidemiológica do suicídio em adolescentes. Esse entendimento é necessário para a elaboração de estratégias de intervenção que visem à divulgação dos riscos, a criação de programas de prevenção e impacto relacionados ao suicídio e o tratamento oportuno de transtornos mentais e/ou incapacidades decorrentes de tentativas anteriores.