Introdução
A menor probabilidade de doenças e a boa capacidade funcional são componentes fundamentais para um envelhecimento bem-sucedido.(1) Dieta e estilo de vida, juntamente com a manutenção de um peso corporal saudável, também são cruciais para o envelhecimento saudável(2)
Idosos são mais suscetíveis ao aparecimento de doenças crônicas, devido principalmente a alterações fisiológicas características dessa fase da vida, como aumento da rigidez arterial, redução dos níveis de estrogênio e declínio de massa muscular.(3) Essas condições podem ainda afetar o apetite, a capacidade funcional ou a deglutição, levando a ingestão alimentar alterada e comprometimento do estado nutricional.(2)
A substituição do modo de vida tradicional pelo industrializado também tem impulsionado, mesmo entre idosos, o aumento de peso e da prevalência de doenças crônicas.(4) Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares revelam, por exemplo, que, entre 2002/2003 e 2008/2009, a prevalência de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) aumentou de 45,1% para 53,9% entre as pessoas de 60 a 74 anos e de 32,5% para 43,6% entre aquelas com idade igual ou superior a 75 anos.(5)
Estudos internacionais apontam para maior fragilidade e mortalidade entre idosos que mudaram o peso corporal.(6) Pouco se sabe, porém, do perfil de saúde dos idosos residentes em países em desenvolvimento que tiveram alteração no seu peso corporal. O conhecimento desse panorama poderá auxiliar decisores em saúde na implementação de medidas protetivas. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi analisar a relação das condições de saúde com a mudança de peso entre idosos, em um período de dez anos, em São Paulo/SP.
Métodos
Este é um estudo longitudinal de base populacional. Os dados originaram-se do Estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento),(8) iniciado em 2000, com seguimento e coletas nos anos de 2006, 2010 e 2015 (não avaliados neste trabalho).
Indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, de uma amostra probabilística, em múltiplos estágios, representativa da cidade de São Paulo, foram visitados e avaliados em 2000 (n=2.143), revisitados e reavaliados em 2006 (n=1.115) e em 2010 (n=748). (Ver detalhes no fluxograma do Suplemento 1). Além disso, novos participantes, com idade entre 60 e 64 anos, foram incluídos em 2006 e 2010 (n=298) e em 2010 (n=355), a fim de manter a faixa etária original e representativa da amostra, pois em 2006 não havia idosos na faixa etária de 60 a 64 anos. Esses novos participantes não foram incluídos neste trabalho. Detalhes sobre a metodologia estão descritos em outro trabalho.(9)
Suplemento 1– Fluxograma da população total e perdas durante o período de seguimento do Estudo SABE, São Paulo, 2000 a 2010a) 347 dados antropométricos incompletos em 2000.b) 79 dados antropométricos incompletos em 2006.b) 90 dados antropométricos incompletos em 2010.d) 63 indivíduos que participaram somente em 2000 e 2010.
As perdas no decorrer da pesquisa se deram devido a mortes, recusas, institucionalizações, não localização ou mudança de endereço de indivíduos (fluxograma do Suplemento 1). Todos os participantes que tiveram os dados coletados nas três ondas do estudo (2000, 2006 e 2010) foram incluídos, sendo excluídos aqueles que não possuíam dados de altura e/ou peso (n=114), como indivíduos acamados.
As estimativas para análises de associação calculadas a posteriori indicam que o poder do estudo é de 90,7%, considerando-se uma prevalência de 30% de ganho de peso e 10% de perda de peso, com os 571 indivíduos avaliados e um nível de confiança de 95%.
Avaliadores treinados coletaram dados em entrevistas domiciliares, utilizando um questionário estruturado que abordava variáveis socioeconômicas, estado geral de saúde, condições de vida e medidas antropométricas.(9) Quando não era possível que o entrevistado respondesse, solicitava-se o auxílio de um respondente (geralmente um familiar).
Variáveis
A mudança de peso foi avaliada segundo variações do Índice de Massa Corporal (IMC) nos períodos de 2000 a 2006 e de 2006 a 2010. Para verificação dos fatores associados a essas mudanças, foi utilizado o bloco de variáveis de condições de saúde. Características sociodemográficas descreveram a amostra e, devido a potenciais fatores confundidores, foram empregadas como ajuste nos modelos de regressão.
Variável dependente
A variável dependente foi a mudança de peso. Considerou-se que o indivíduo mudou de peso quando a diferença do IMC mais atual em relação ao IMC do baseline foi superior a 5%. Assim, foram classificados na categoria “ganhou peso” aqueles com diferença de IMC maior ou igual a +5% em relação à avaliação anterior, e na categoria “perdeu peso” aqueles com diferença menor ou igual a -5% em relação à avaliação anterior. Os demais participantes foram classificados como “peso estável” (categoria de referência). O IMC (kg/m2) foi calculado dividindo-se a massa corporal (em quilogramas) pelo quadrado da altura (em metros). O peso corporal foi medido por um entrevistador treinado, usando uma balança calibrada (marca SECA®), e a altura foi aferida usando-se um estadiômetro fixo em uma parede, com o indivíduo descalço, vestindo roupas leves, segundo a padronização de Frisancho.(10)
Variáveis independentes
O estado nutricional foi classificado com base nos pontos de corte do IMC adotados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para o Estudo SABE: ≤23kg/m2 = baixo peso; >23,0; <28,0kg/m2 = eutrófico; ≥28,0 e <30,0kg/m2 = sobrepeso; ≥30,0kg/m2 = obesidade. Devido à baixa frequência de participantes com excesso de peso, as duas categorias finais foram agrupadas, ou seja: aqueles com valores de IMC ≥28,0kg/m2 foram considerados com sobrepeso/obesidade.
As características sociodemográficas foram: sexo; idade (em anos); escolaridade (analfabetos, 1 a 3 anos, ≥4 anos); e estado civil (casados ou não casados, divorciados, separados ou viúvos).
Como condições de saúde autorreferidas, têm-se: internação (sim ou não); autoavaliação de saúde (muito boa e boa; regular; ou ruim e muito ruim); doenças crônicas diagnosticadas pelo médico (sim ou não): hipertensão, diabetes, câncer, doenças pulmonares, acidente vascular cerebral, doença cardiovascular e osteoartrite; número de doenças crônicas (nenhuma ou uma; duas ou mais).
Análise estatística
Como os dados são provenientes de uma amostragem por conglomerados em múltiplos estágios, os pesos amostrais de cada participante foram utilizados em todas as análises. Utilizou-se o teste Rao-Scott-χ2 (qui-quadrado para amostras complexas) para descrição da amostra e comparação das proporções de variáveis sociodemográficas e de saúde segundo a mudança de peso e os anos avaliados (2000-2006 e 2006-2010). Categorias do estado nutricional (baixo peso, eutrofia e obesidade) foram utilizadas apenas para descrição dos dados. A comparação da média da idade e IMC entre avaliados e perdas foi realizada por meio do teste t-student. Para verificar a relação das condições de saúde com a mudança de peso, utilizou-se análise de regressão logística multinomial no modo survey nos anos de 2000-2006 e 2006-2010, estimada pela razão de risco relativo (RR) e seus intervalos de confiança (IC) de 95%; as diferenças entre valores de β foram estimadas pelo teste de Wald. Nos modelos multinominais, o peso estável foi a categoria de referência da variável dependente, e as doenças crônicas foram agrupadas na variável “número de doenças”. Todos os modelos foram ajustados por sexo, idade, escolaridade e estado civil. Ao fim das análises, foi realizado o teste de Hosmer-Lemeshow para verificar a qualidade do ajuste dos modelos. Adotou-se nível de confiança de 5%. Os dados foram analisados utilizando-se o STATA 13.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sob os números de controle 315 (aprovado em 24 de maio de 1999), 83 (aprovado em 14 de março de 2006) e 2.044 (aprovado em 5 de março de 2010). Os participantes foram convidados a ler, aprovar e assinar uma carta de consentimento antes do início das avaliações e entrevistas.
Resultados
A amostra final deste estudo é composta por 571 participantes, todos avaliados em 2000, 2006 e 2010. Entre 2000 e 2006, perderam-se 48,0% da amostra, e entre 2006 e 2010, 32,9% da amostra. Em ambos os períodos, as perdas ocorreram principalmente devido a mortes (63,1% e 72,8%, respectivamente). Dados de participantes devidos a outras perdas (institucionalização, recusas, mudança de endereço e não localizados) foram semelhantes aos daqueles avaliados. No entanto, os que morreram possuíam maior idade e menor IMC.
A média de idade dos idosos avaliados foi de 73 anos em 2000 (DP: 8,25), 75 anos em 2006 (DP: 6,65) e 79 anos em 2010 (DP: 6,61). Dados dos participantes perdidos (mortes e outras perdas), em 2006 e 2010, referem-se à última avaliação realizada, ou seja, 2000 e 2006, respectivamente. Os participantes que morreram possuíam média de idade de 78 anos (DP:8,02) em 2000 e de 82 anos (DP:7,38) em 2006; para outras perdas, de 71 anos (DP:7,51) em 2000 e 76 anos (DP:7,01) em 2006. O IMC médio dos avaliados foi de 27,16kg/m2 em 2000 (DP:4,73), 26,57kg/m2 em 2006 (DP:4,85) e de 27,35kg/m2 em 2010 (DP:5,24). O IMC médio daqueles que morreram foi de 25,13kg/m2 (DP:4,95) em 2000 e de 24,41kg/m2 (DP:4,49) em 2006; para outras perdas, foi de 26,63kg/m2 (DP:4,96) em 2000 e de 26,19kg/m2 (DP:4,67) em 2006.
A Figura 1 apresenta o estado nutricional e a mudança de peso corporal dos participantes. Embora a proporção daqueles que mantiveram o peso corporal praticamente não tenha se alterado entre os anos avaliados (48,1% em 2000, 45,4% em 2006 e 42,7% em 2010), destaca-se o aumento da proporção daqueles que ganharam peso (18,2% em 2006 e 39,9% em 2010) e daqueles que atingiram a obesidade (35,9% em 2000, 33,7% em 2006 e 40,7% em 2010).
Observou-se maior proporção de peso estável entre os idosos que avaliaram sua saúde como muito boa, boa ou regular, ao contrário daqueles que tiveram pelo menos uma internação no último ano, cuja perda de peso corporal foi mais frequente (Tabela 1).
2000-2006b | 2006-2010c | |||||||
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||||||||
Todos 2006 | Peso estável | Perdeu peso | Ganhou peso | Todos 2010 | Peso estável | Perdeu peso | Ganhou peso | |
|
||||||||
n=571 | n=271 | n=204 | n=96 | n=571 | n=274 | n=83 | n=214 | |
Sexo | ||||||||
Feminino | 63,5 | 46,4 | 35,2 | 18,4 | 63,2 | 43,4 | 14,0 | 42,5 |
Masculino | 36,5 | 50,2 | 32,0 | 17,9 | 36,8 | 54,8 | 9,8 | 35,4 |
Escolaridade (anos) | ||||||||
Nunca estudou | 15,7 | 44,9 | 36,3 | 18,8 | 17,2 | 54,3 | 14,9 | 30,8 |
1 a 3 anos | 29,9 | 48,3 | 32,2 | 19,5 | 31,2 | 40,6 | 8,3 | 51,1* |
≥4anos | 54,4 | 48,4 | 34,3 | 17,4 | 51,1 | 49,7 | 14,2 | 36,2 |
Estado civil | ||||||||
Casado | 51,9 | 49,7 | 33,0 | 17,3 | 49,3 | 51,3 | 11,2 | 37,5 |
Não casado | 48,6 | 44,3 | 37,4 | 18,4 | 50,7 | 45,7 | 13,2 | 41,1 |
Número de doençasd | ||||||||
Nenhuma ou 1 | 46,9 | 47,3 | 48,3 | 43,1 | 40,2 | 42,3 | 23,2 | 42,9 |
≥2 doenças | 53,1 | 52,7 | 51,7 | 56,9 | 59,8 | 57,7 | 76,8* | 57,1 |
Internação | ||||||||
Não | 90,9 | 91,9 | 89,0 | 92,1 | 85,3 | 89,5 | 69,9 | 85,0 |
Sim | 9,1 | 8,1 | 11,0 | 7,9 | 14,7 | 10,5 | 30,1** | 15,0 |
Autoavaliação de saúde | ||||||||
Muito boa, boa | 47,0 | 49,7 | 47,8 | 38,3 | 43,8 | 47,2 | 38,9 | 41,3 |
Regular | 45,5 | 44,2 | 46,3 | 47,4 | 46,6 | 46,9 | 39,0 | 48,8 |
Ruim, muito ruim | 7,5 | 6,1 | 5,8 | 14,3 | 9,5 | 5,9 | 22,1 | 9,9** |
Hipertensão | ||||||||
Não | 33,5 | 33,9 | 35,1 | 27,7 | 27,8 | 27,6 | 15,3 | 31,9 |
Sim | 66,5 | 66,1 | 64,9 | 70,3 | 72,2 | 72,4 | 84,7 | 68,1 |
Diabetes | ||||||||
Não | 78,0 | 78,9 | 74,8 | 81,9 | 73,0 | 72,7 | 57,1 | 78,3 |
Sim | 22,0 | 21,1 | 25,2 | 18,1 | 27,0 | 27,3 | 42,9** | 21,7 |
Câncer | ||||||||
Não | 96,2 | 95,4 | 96,8 | 97,1 | 91,4 | 92,7 | 87,7 | 90,9 |
Sim | 3,8 | 4,6 | 3,2 | 2,9 | 8,6 | 7,3 | 12,3 | 9,1 |
Doenças pulmonares | ||||||||
Não | 90,0 | 91,5 | 91,9 | 82,5 | 89,0 | 87,9 | 94,6 | 88,6 |
Sim | 10,0 | 8,5 | 8,1 | 17,5* | 11,0 | 12,1 | 5,4 | 11,4 |
Doenças cardíacas | ||||||||
Não | 78,0 | 78,6 | 76,2 | 79,5 | 73,2 | 76,7 | 66,1 | 71,3 |
Sim | 22,1 | 21,4 | 23,8 | 20,5 | 26,8 | 23,3 | 33,9 | 28,7 |
Derrame/embolia | ||||||||
Não | 92,3 | 93,8 | 91,5 | 90,0 | 89,6 | 90,9 | 85,5 | 89,1 |
Sim | 7,7 | 6,2 | 8,5 | 10,0 | 10,5 | 9,1 | 14,5 | 10,9 |
Artropatias | ||||||||
Não | 62,5 | 61,7 | 65,6 | 58,6 | 63,2 | 61,6 | 63,1 | 65,1 |
Sim | 37,5 | 38,3 | 34,4 | 41,4 | 36,8 | 38,4 | 36,9 | 34,9 |
a) Teste Rao-Scott-χ2 para comparações entre grupos. Em todas as análises, foi utilizado o método survey.
b) 2000-2006: mudança de IMC avaliada em 2006 segundo IMC de 2000. Peso estável: mudança de IMC entre <-5%.
c) 2006-2010: mudança de IMC avaliada em 2010 segundo IMC de 2006. Peso estável: mudança de IMC entre <-5%.
d) Doenças crônicas: hipertensão, diabetes, câncer, doenças cardíacas, doenças pulmonares, embolia/derrame ou artropatias. Os percentuais foram calculados em relação à coluna.
e) Perdeu peso: mudança de IMC ≤-5%. Ganhou peso: mudança de IMC ≥+5%.
*p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001.
A prevalência das doenças crônicas não transmissíveis também aumentou durante o período avaliado. De acordo com a Figura 2, nota-se aumento proporcional em todos os anos, principalmente para doenças como hipertensão (50,9% em 2000, 65,7% em 2006 e e 72,6% em 2010) e artropatias (23,4% em 2000, 36,5% em 2006 e 36,7% em 2010) – as mais frequentes no período avaliado.
Nos modelos múltiplos, ter tido uma ou mais internações no último ano (RR:3,50; IC95% 1,40;8,72) ou uma ou mais doenças crônicas (RR:2,12; IC95% 1,00;4,46) contribuíram para que idosos perdessem peso em 2010 (Tabela 2). Por outro lado, a autopercepção ruim ou muito ruim da própria saúde foi um preditor para o aumento de peso na segunda onda do estudo, em 2006 (RR: 3,15; IC95% 1,21;8,17), e na terceira onda, em 2010 (RR: 2,46; IC95% 1,02;5,94), independentemente de sexo, idade, escolaridade ou estado civil (Tabela 3).
2000-2006c | 2006-2010d | |||
---|---|---|---|---|
|
|
|||
RR (IC95%) | p-valorb | RR (IC95%) | p-valorb | |
Idade (contínua) | 1.00 (0.97;1.04) | 0.773 | 1.04 (0.99;1.10) | 0.153 |
Sexo | ||||
Feminino | 1 | 1 | ||
Masculino | 1.04 (0.63;1.73) | 0.871 | 0.53 (0.24;1.16) | 0.110 |
Escolaridade | ||||
Analfabeto | 1 | 1 | ||
1 a 3 anos | 0.93 (0.48;1.81) | 0.840 | 0.60 (0.22;1.64) | 0.318 |
≥ 4 anos | 1.04 (0.56;1.91) | 0.907 | 1.14 (0.48;2.71) | 0.758 |
Estado civil | ||||
Casado | 1 | 1 | ||
Não casado | 1.24 (0.77;2.00) | 0.382 | 0.99 (0.47;2.12) | 0.988 |
Número de doenças | ||||
Nenhuma ou 1 | 1 | 1 | ||
≥ 2 doenças | 0.95 (0.61;1.48) | 0.828 | 2.12 (1.00;4.46) | 0.048* |
Internações | ||||
Não | 1 | 1 | ||
Sim | 1.41 (0.69;2.90) | 0.348 | 3.50 (1.40;8.72) | 0.007** |
Autoavaliação de saúde | ||||
Muito boa, boa | 1 | 1 | ||
Regular | 1.07 (0.68;1.68) | 0.779 | 0.86 (0.42;1.75) | 0.674 |
Ruim, muito ruim | 0.95 (0.38;2.36) | 0.905 | 2.54 (0.95;6.80) | 0.064 |
a) Regressão logística multinomial.
b) Teste de Wald.
c) 2000-2006: diminuição ≤-5% do IMC de 2006 em relação ao IMC de 2000.
d) 2006-2010: diminuição ≤-5% do IMC de 2010 em relação ao IMC de 2006.
*p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001
RR = risco relativo.
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
2000-2006c | 2006-2010d | |||
---|---|---|---|---|
|
|
|||
RR (IC95%) | p-valorb | RR (IC95%) | p-valorb | |
Idade (contínua) | 0.98 (0.94;1.03) | 0.483 | 0.95 (0.91;0.99) | 0.014* |
Sexo | ||||
Feminino | 1 | 1 | ||
Masculino | 0.98 (0.51;191) | 0.954 | 0.72 (0.41;1.26) | 0.248 |
Escolaridade | ||||
Analfabeto | 1 | 1 | ||
1 a 3 anos | 1.38 (0.58;3.30) | 0.467 | 2.18 (1.08;4.41) | 0.031* |
≥ 4 years | 1.25 (0.55;2.84) | 0.593 | 1.19 (0.61;2.35) | 0.606 |
Estado civil | ||||
Casado | 1 | 1 | ||
Não casado | 1.15 (0.61;2.16) | 0.663 | 1.29 (0.75;2.22) | 0.349 |
Número de doenças | ||||
Nenhuma ou 1 | 1 | 1 | ||
≥ 2 doenças | 1.31 (0-73;2.33) | 0.368 | 0.84 (0.52;1.36) | 0.475 |
Internações | ||||
Não | 1 | 1 | ||
Sim | 0,72 (0,26;2,01) | 0.536 | 1.68 (0.82;3.43) | 0.155 |
Autoavaliação de saúde | ||||
Muito boa, boa | 1 | 1 | ||
Regular | 1.40 (0.77;2.54) | 0.271 | 1.29 (0.79;2.11) | 0.315 |
Ruim, muito ruim | 3,15 (1,21;8,17) | 0,018* | 2,46 (1,05;5,94) | 0,046* |
a) Regressão logística multinomial.
b) Teste de Wald.
c) 2000-2006: diminuição ≤-5% do IMC de 2006 em relação ao IMC de 2000.
d) 2006-2010: diminuição ≤-5% do IMC de 2010 em relação ao IMC de 2006.
*p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001
RR = risco relativo.
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Discussão
Ao longo dos dez anos avaliados, ocorreu aumento na proporção de doenças crônicas, ganho de peso e obesidade, ainda que, no primeiro período avaliado (2000 a 2006), a perda de peso tenha sido mais prevalente entre os idosos. A percepção ruim ou muito ruim da própria saúde associou-se ao aumento do peso corporal em ambos os períodos avaliados (2006, RR:3,15; p:0,018), (2010, RR:2,46; p:0,046). Por sua vez, as internações (2010, RR:3,50; p:0,007) e o maior número de doenças crônicas associaram-se à diminuição do peso corporal.
A diminuição da atividade física por limitações físicas ou aspectos psicossociais(11) está associada a menor gasto energético na velhice. Viver em uma grande metrópole,(12) como São Paulo, também é um importante fator para a menor circulação dos mais idosos. Além disso, trata-se de uma amostra essencialmente feminina (63,5% de mulheres) e, por questões geracionais e estruturais, mais sujeita à restrição ao lar.(13) Postula-se que pessoas suscetíveis aos efeitos negativos da obesidade morrem precocemente,(14) e como esta é uma amostra de sobreviventes, isso também explicaria o maior peso corporal dos avaliados.
Além disso, ambientes obesogênicos, que vêm influenciando o ganho de peso em todas as faixas etárias, podem ter contribuído para o aumento de peso e obesidade(5) como verificado na segunda onda, contrapondo estudos que demonstram a diminuição de peso entre idosos(15) e os resultados encontrados na primeira onda do estudo.
Reduções na mobilidade e a prevalência de comorbidades geralmente associadas ao aumento do peso,(17) como doenças cardiovasculares, além de fatores estigmatizantes da obesidade, podem favorecer uma percepção negativa do indivíduo sobre a própria saúde. Ademais, dado que a autoavaliação de saúde é um importante preditor de morbidade e mortalidade,(18) é possível que aqueles que relataram pior estado de saúde estejam percebendo e antecipando alguns diagnósticos.
A relação da hipertensão com desfechos desfavoráveis já foi relatada em outros trabalhos do Estudo SABE.(19) Para diminuir os riscos associados às doenças crônicas, mudanças na dieta, como redução de gorduras e carboidratos simples, são incentivadas e podem acarretar perda de peso.(20) Nas artropatias, por exemplo, a perda de peso intencional de >10% apresenta benefícios clínicos importantes.(21)
Por outro lado, alterações fisiológicas que promovem estresse catabólico ou inflamatório e maior gasto energético,(22) como nas doenças pulmonares, podem acarretar perda de peso não intencional e piorar ainda mais o quadro de saúde dos mais velhos. A agudização dessas doenças e a demanda por cuidados hospitalares são importantes preditores da anorexia no envelhecimento.(23)
A deterioração do estado nutricional durante a hospitalização geralmente está relacionada ao estresse metabólico, jejum, menor aceitação e ingestão alimentar.(23) Fragilidade, aumento da carga de doença e mortalidade(15) são algumas das muitas consequências da perda de peso significativa entre idosos.
Há muito tempo, a prevenção da diminuição do peso e anorexia é a principal meta no cuidado nutricional de idosos.(24) Estudos mais atuais (realizados entre 2017 e 2019), no entanto, têm apontado aumento de peso, obesidade e consequências relacionadas nessa população.(16) Em estudo que avaliou idosos do Reino Unido no período de 1998-2015, à semelhança dos dados encontrados neste trabalho, aqueles que ganharam peso também sentiram uma piora na saúde geral,(16) contrapondo trabalho brasileiro que não encontrou associação entre excesso de peso e pior autoavaliação de saúde ao analisar adultos de capitais da região Centro-Oeste e o Distrito Federal, entre os anos de 2008 a 2014.(26) De acordo com Hulman et al.,(16) o estágio de vida interfere na autopercepção de saúde, pois as condições que contribuem para a autoavaliação da saúde mudam de importância ao longo da vida. Entre os mais jovens, por exemplo, a maior disposição para atividades diárias e a menor prevalência de doenças contribuiriam para melhores resultados na autoavaliação de saúde.
Dados da literatura também apontam que o número de doenças crônicas geralmente está associado ao ganho de peso.(27) No presente trabalho, porém, esse foi um fator de risco para a perda, possivelmente devido ao estágio avançado das doenças. Em estudo realizado com adultos de meia idade e idosos da Costa Rica e da Inglaterra, no ano de 2015, doenças pulmonares e diabetes também estiveram associadas a diminuição de peso.(28) De outro modo, a relação da perda de peso em hospitalizações, embora grave, é uma ocorrência comum,(21) como também verificado neste trabalho e em estudo realizado entre os anos de 2011 e 2012 com idosos internados em hospitais do Sudeste brasileiro (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo).(29)
Os resultados de trabalho que avaliou tendências de morbimortalidade em todo o mundo, no ano de 2015, também demonstraram uma alta carga de doenças crônicas em idosos de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.(30) Ademais, apesar da existência de poucos estudos longitudinais, t diversos indícios sugerem que, nesses países, o cuidado à saúde não tem acompanhado o prolongamento da vida.
Os pontos fortes deste estudo incluem a amostra representativa de idosos da comunidade no início do período avaliado, e, apesar das perdas, os dez anos de acompanhamento permitem um maior conhecimento das mudanças de peso e fatores associados entre idosos. Além disso, peso e altura foram medidos (em vez de referidos) por profissionais treinados em todos os períodos. Dado que, em estudos que relacionam nutrição em geriatria em geral, avalia-se apenas o estado nutricional, este trabalho avança ao considerar a mudança de peso corporal – um método fácil de se utilizar na prática clínica e que ainda pode melhor predizer a saúde de idosos.
As limitações deste trabalho incluem o fato de serem autorreferidas as avaliações de saúde, o número de internações e o diagnóstico de doenças, pois, embora muito utilizadas, essas medidas podem ser passiveis de viés de recordatório, principalmente entre idosos. Para diminuir essas fontes de erros, foram tomados alguns cuidados, como revisão e crítica da entrevista realizada e auxílio de respondentes. Perdas são comuns em estudos longitudinais com idosos, e também constituem uma limitação desta pesquisa. No entanto, como os dados dos participantes perdidos não foram tão diferentes dos avaliados (exceto para óbitos), os resultados deste trabalho não foram influenciados por essas perdas. Tais dados referem-se a uma população de idosos sobreviventes e devem ser interpretados com essa cautela. Análises futuras poderão indicar a associação entre as mudanças no estado nutricional e a sobrevida, além de outros desfechos entre esses idosos.
Embora o progressivo aumento na prevalência das doenças crônicas com o avançar da idade não seja exatamente um evento inesperado, o aumento na proporção de indivíduos mais velhos que ganharam peso e daqueles que se tornaram obesos remete a novos desafios na gestão do cuidado de pessoas envelhecidas. As consequências desse novo perfil nutricional ainda não estão claras, mas este estudo demonstrou que ouvir e acompanhar a autoavaliação da saúde desses idosos pode contribuir para a antecipação de diagnósticos. Ademais, para garantir um envelhecimento saudável, é preciso agir rápido, prevenindo a obesidade e fatores de risco relacionados ao surgimento de doenças e implementando ações para tratamento e redução de danos, como a manutenção de peso.