Introdução
Anomalias congênitas (ACs), defeitos congênitos ou malformações congênitas são alterações estruturais ou funcionais que ocorrem durante a vida intrauterina, detectadas durante a gestação, no parto ou em algum momento posterior da vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente, cerca de 300 mil recém-nascidos morrem a causa das ACs em todo o mundo. Além da morte prematura, as ACs podem ocasionar incapacidades graves, de grande impacto nos afetados, suas famílias, sistemas da saúde e sociedade.1
Alguns defeitos congênitos podem ser evitados com medidas de prevenção, tais como vacinação, suplementação alimentar e cuidados pré-natais; ademais, a carga associada a muitas dessas anomalias pode ser diminuída, sobretudo quando o diagnóstico ocorre precocemente. Também existem variações geográficas e temporais, importantes na frequência de determinados defeitos congênitos, tornando o conhecimento sobre o cenário epidemiológico das ACs uma informação valiosa para o planejamento estratégico de ações pela Saúde Pública.1
Desde a tragédia da talidomida na década de 1960, governos e instituições têm investido esforços e recursos na elaboração de programas de vigilância de ACs com o objetivo primário de monitorar e investigar essas alterações, de maneira a preveni-las, assim como reduzir o impacto de suas consequências.3 Atualmente, os modelos de vigilância de ACs podem ser classificados em dois tipos principais: de base populacional, que investigam nascimentos com ACs na população residente em uma área geográfica delimitada; ou de base hospitalar, que investigam nascimentos com ACs dentro de hospitais, maternidades ou facilities selecionados e cuja cobertura corresponde aos nascimentos ocorridos nesses locais. Dentro da vigilância de base hospitalar, há ainda a vigilância sentinela, geralmente implantada em lugares específicos com o objetivo de obter estimativas rápidas da ocorrência de um desfecho gestacional. Quanto à cobertura, programas específicos podem promover a vigilância de ACs em uma área restrita, dentro de um país (cobertura subnacional), de uma nação inteira (nacional) ou mesmo englobar diferentes países (multinacional).2
Ainda nos anos 1960, percebeu-se que a organização dos programas de vigilância de ACs em redes internacionais de colaboração poderia ajudar na superação de algumas questões comuns: reduzida frequência de casos para determinadas ACs; expansão de achados epidemiológicos para áreas mais amplas; comunicação entre os programas; e padronização de definições e métodos para captação das ACs, tornando possível a comparação de estimativa de magnitude e avaliação de medidas de prevenção em diferentes lugares.3
Atualmente, existem redes consolidadas e outras recém-criadas, com diferentes características, propósitos e localização em regiões diversas, havendo, portanto, a necessidade de sistematizar tais informações.
Os principais objetivos deste trabalho foram identificar as redes de colaboração internacional para vigilância das anomalias congênitas ao redor do mundo, elencar os programas que as compõem e comparar suas principais características.
Métodos
Trata-se de uma revisão narrativa de literatura, constituída de duas etapas principais: (i) a revisão da literatura científica especializada, mediante busca na base MEDLINE (via PubMed); e (ii) a revisão de endereços on-line, relatórios e documentos oficiais sobre a temática das ACs.
A busca na base MEDLINE foi realizada em 10 de janeiro de 2020, a partir da seguinte estratégia de busca eletrônica:
((((((congenital abnormalities[MeSH Major Topic]) OR congenital abnormalities[MeSH Subheading]) OR birth defect[Title/Abstract])) OR microcephaly)) AND ((((Population Surveillance[MeSH Major Topic]) OR Public Health Surveillance[MeSH Major Topic]) OR Surveillance[Title/Abstract]) OR Epidemiological Monitoring[MeSH Major Topic])
Foram incluídos trabalhos com relato de pelo menos uma rede de colaboração internacional para a vigilância de ACs. Não houve restrição quanto ao idioma, ano de publicação ou desenho de estudo. Foram excluídos trabalhos que (i) não mencionavam programas de vigilância de ACs, (ii) não forneciam resumo/abstract, (iii) que abordavam a vigilância de algum defeito ou desfecho específico ou, ainda, (iv) que tratassem, individualmente, de programas de vigilância com cobertura nacional ou subnacional.
A busca eletrônica resultou em 3.024 registros. Após rastreamento de título e resumo, e aplicação dos critérios de elegibilidade, foram selecionados 113 artigos para leitura do texto completo (Figura 1). Os artigos finais e redes de vigilância selecionados a partir deles foram analisados por dois autores, de maneira independente e aleatorizada.
Um mapa temático ilustrativo, com a distribuição geográfica dos programas de monitoramento dos defeitos congênitos cobertos pelas redes internacionais encontradas nesta revisão, foi gerado com uso do software Quantum GIS (QGIS) versão 3.4.14. O software Cytoscape versão 3.7.2 foi utilizado para gerar uma rede de interações entre esses programas.
Resultados
A partir dos artigos considerados elegíveis e das informações provenientes de outras fontes, foram identificadas seis redes de colaboração internacional para a vigilância de ACs: ECLAMC, ICBDSR, EUROCAT, BINOCAR, SEAR-NBBD e ReLAMC. Os significados das siglas estão apresentados na Tabela 1, bem como as principais características de cada rede.
Tabela 1 – Principais características das redes internacionais de colaboração para vigilância de anomalias congênitas
Rede | Descrição | Ano de criação | Número de programas | Cobertura dos programas | Número de países | Localização |
---|---|---|---|---|---|---|
Estudio Colaborativo Latino Americano de Malformaciones Congénitas (ECLAMC) | Programa de investigação epidemiológica e clínica de anomalias congênitas em hospitais latino-americanos | 1967 | – | – | 12 | América Latina |
International Clearinghouse for Birth Defects Surveillance and Research (ICBDSR) | Organização voluntária, sem fins lucrativos, com o objetivo de prevenir defeitos congênitos ao redor do mundo e diminuir suas consequências | 1974 | 45 | Nacional: 18 Subnacional: 26 Multinacional: 1a | 30 (mais a América Latina, por meio do ECLAMC) | Todos os continentes, exceto a África |
European Surveillance of Congenital Anomalies (EUROCAT) | Rede europeia de registros com base populacional para a vigilância epidemiológica das anomalias congênitas | 1979 | 42b | Nacional: 9 Subnacional: 33 | 23 | Europa |
British and Irish Network of Congenital Anomaly Researchers (BINOCAR) | Grupo de pesquisadores que trabalham com registros de anomalias congênitas para a população das Ilhas Britânicas | 1985 | 13 | Nacional: 2 Subnacional: 11c | 4 | Europa (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda) |
Red Latinoamericana de Malformaciones Congénitas (ReLAMC) | Rede de registros nacionais e subnacionais (além do ECLAMC) que faz, de modo voluntário, vigilâncias de anomalias congênitas na América Latina | 2016 | 10 | Nacional: 5 Subnacional: 4 Multinacional: 1a | 8 | América Latina |
South-East Asia Region’s Newborn and Birth Defects Database (SEAR-NBBD) | Sistema on-line para coletar dados de vigilância perinatal com o objetivo de prevenir e melhorar a saúde de crianças com anomalias congênitas | 2014 | – | – | 9 | Ásia (região do Sudeste Asiático) |
a) Inclui o ECLAMC.
b) Esta contagem engloba 36 membros completos e 6 membros associados que fazem parte da EUROCAT.
c) Desde 2015, os registros de anomalias congênitas na Inglaterra vêm sendo incorporados ao Registro Nacional de Anomalias Congênitas e Doenças Raras daquela país (NCARDRS).
A Tabela 2 mostra, em detalhes, os programas de vigilância de ACs cobertos pelas redes. Foram identificados 98 programas, presentes em 58 diferentes países, que fazem parte de alguma das redes identificadas nesta revisão. Vinte e dois programas (22,4%) apresentaram cobertura nacional, e apenas um (1,0%) cobertura multinacional (ECLAMC); os demais 75 foram programas com cobertura subnacional. Entre aqueles com cobertura nacional, a maior parte localizou-se no continente europeu (n=11, 50,0%), seguido da América Central (n=4, 18,2%), Ásia, Américas do Sul e do Norte (n=2, 9,1% cada) e Oceania (n=1, 4,5%). O continente africano não apresentou nenhum registro em quaisquer das redes identificadas (Figura 2).
Tabela 2 – Programas de monitoramento das anomalias congênitas cobertos pelas redes internacionais
Local | Rede Internacional | Programa | Cobertura | Tipo de vigilância |
---|---|---|---|---|
Alemanha | EUROCAT | Birth Registry Mainz Model | Subnacional (Mainz) | Populacional |
ICBDSR e EUROCAT | Malformation Monitoring Saxony-Anhalt | Subnacional (Sax-Anh) | Populacional | |
América Latina | ICBDSR e ReLAMC | Estudio Colaborativo Latino Americano de Malformaciones Congénitas | Multinacional | Hospitalar |
Arábia Saudita | ICBDSR | Medical Service Department- Birth Defect Registry (MSD-BDR) | Nacional | Hospitalar |
Argentina | ICBDSR e ReLAMC | National Network of Congenital Anomalies of Argentina (RENAC) | Nacional | Hospitalar |
ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar | |
Austrália | ICBDSR | Western Australian Register of Developmental Anomalies (WARDA) | Subnacional (Austrália Ocidental) | Populacional |
Áustria | EUROCAT | Styrian Malformation Registry | Subnacional (Styria) | Populacional |
Bangladesh | SEAR-NBBD | – | Subnacional (20 hospitais) | Hospitalar |
Bélgica | EUROCAT | – | Subnacional (Antuérpia) | Populacional |
EUROCAT | – | Subnacional (Hainaut-Namur) | Populacional | |
Butão | SEAR-NBBD | – | Subnacional (7 hospitais) | Hospitalar |
Bolívia | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
Brasil | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
Bulgária | EUROCAT | – | Subnacional (Pleven) | Hospitalar |
Canadá | ICBDSR | Alberta Congenital Anomalies Surveillance System (ACASS) | Subnacional (Alberta) | Populacional |
ICBDSR | Canadian Congenital Anomalies Surveillance Network (CCASS) | Nacional | Populacional | |
Chile | ICBDSR e ReLAMC | Regional Register Congenital Malformational Maule Health Service (RRMC-SSM) | Subnacional (Maule) | Hospitalar |
ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar | |
Colômbia | ICBDSR e ReLAMC | Congenital Malformations Surveillance Programme (CMSP) | Subnacional (Bogotá) | Hospitalar |
ICBDSR e ReLAMC | Congenital Birth Defects Surveillance Programme (CBDSP) | Subnacional (Cali) | Hospitalar | |
ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar | |
Costa Rica | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
ICBDSR e ReLAMC | Costa Rican Birth Defects Register Center (CREC) | Nacional | Populacional | |
Croácia | EUROCAT | – | Subnacional (Zagreb) | Populacional |
Cuba | ICBDSR | Cuban Register of Congenital Malformation (RECUMAC) | Nacional | Hospitalar |
Dinamarca | EUROCAT | – | Subnacional (Odense) | Populacional |
Equador | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
Eslováquia | ICBDSR | Programme of Slovak Teratological Information Center (STIC) | Nacional | Populacional |
Espanha | ICBDSR e EUROCAT | Spanish Collaborative Study of Congenital Malformations (ECEMC) | Nacional | Hospitalar |
EUROCAT | Registro Anomalías Congénitas CAPV (RACAV) | Subnacional (País Basco) | Populacional | |
EUROCAT | Congenital Anomalies Registry of Navarra (RACEHNA) | Subnacional (Navarra) | Populacional | |
EUROCAT | Congenital Anomalies Registry of Comunitat Valenciana | Subnacional (Região de Valência) | Populacional | |
Escócia | BINOCAR | Glasgow Register of Congenital Anomalies (Glasgow) | Subnacional (Glasgow) | Populacional |
Estados Unidos | ICBDSR | Arkansas Reproductive Health Monitoring System (ARHMS) | Subnacional (Arkansas) | Populacional |
ICBDSR | Metropolitan Atlanta Congenital Defects Program (MACDP) | Subnacional (Atlanta) | Populacional | |
ICBDSR | Iowa Registry for Congenital and Inherited Disorders (IRCID) | Subnacional (Iowa) | Populacional | |
ICBDSR | Texas Birth Defects Epidemiology and Surveillance Branch (BDES) | Subnacional (Texas) | Populacional | |
ICBDSR | Utah Birth Defects Network (UBDN) | Subnacional (Utah) | Populacional | |
Finlândia | ICBDSR e EUROCAT | Finnish Register of Congenital Malformations | Nacional | Populacional |
França | EUROCAT | Centre d’Etude des Malformations Congénitales en Auvergne | Subnacional (Auvergne) | Populacional |
ICBDSR e EUROCAT | Registre des Malformations Congénitales de Bretagne | Subnacional (Região da Bretanha) | Populacional | |
EUROCAT | Registre des Malformations des Antilles | Subnacional (Antilhas Francesas) | – | |
EUROCAT | Registre des Malformations Congenitales de la Reunion | Subnacional (Isle de Réunion) | Populacional | |
ICBDSR e EUROCAT | Paris Registry of Congenital Malformations | Subnacional (Paris) | Populacional | |
ICBDSR e EUROCAT | REMERA | Subnacional (Rhône-Alpes) | Populacional | |
Holanda | ICBDSR e EUROCAT | EUROCAT Registration Northern Netherlands | Subnacional (Holanda do Norte) | Populacional |
Hungria | ICBDSR e EUROCAT | Hungarian Congenital Abnormality Registry (HCAR) | Nacional | Populacional |
Índia | SEAR-NBBD | – | Subnacional (76 hospitais) | Hospitalar |
ICBDSR | Birth Defects Registry of India (BDRI) | Subnacional (Chennai) | Hospitalar | |
Indonésia | SEAR-NBBD | – | Subnacional (34 hospitais) | Hospitalar |
Inglaterra | ICBDSR e BINOCAR | National Congenital Anomaly and Rare Disease Registration Service (NCARDRS) | Nacional | – |
EUROCAT e BINOCAR | East Midlands and South Yorkshire Congenital Anomalies Register (EM&SY CAR) | Subnacional (East Midlands & South Yorkshire) | Populacional | |
EUROCAT e BINOCAR | Northern Congenital Abnormality Survey (NorCAS) | Subnacional (Norte da Inglaterra) | Populacional | |
EUROCAT e BINOCAR | South West Congenital Anomaly Register (SWCAR) | Subnacional (Sudoeste da Inglaterra) | Populacional | |
EUROCAT e BINOCAR | The Congenital Anomaly Register of Oxfordshire, Berkshire and Buckinghamshire (CAROBB) | Subnacional (Vale do Tâmisa) | Populacional | |
EUROCAT e BINOCAR | The Wessex Antenatally Detected Anomalies Register (WANDA) | Subnacional (Wessex) | Populacional | |
BINOCAR | West Midlands Congenital Anomaly Register (WMCAR) | Subnacional (Midlands Ocidentais) | Populacional | |
BINOCAR | Yorkshire and the Humber Congenital Anomalies Register (YHCAR) | Subnacional (Yorkshire e Humber) | Populacional | |
Irã | ICBDSR | Tabriz Registry of Congenital Anomalies (TROCA) | Subnacional (Tabriz) | Hospitalar |
Irlanda | EUROCAT e BINOCAR | Cork and Kerry Congenital Anomaly Register | Subnacional (Cork and Kerry) | Populacional |
EUROCAT e BINOCAR | South East Congenital Anomaly Register | Subnacional (Sudeste da Irlanda) | Populacional | |
EUROCAT e BINOCAR | Dublin Congenital Anomaly Register | Subnacional (Dublin) | Populacional | |
Israel | ICBDSR | Israel Birth Defects Surveillance Program (IBDSP) | Subnacional (Região Central de Israel) | Hospitalar |
Itália | EUROCAT | Congenital Anomalies Registry for the Metropolitan Area of Milan | Subnacional (Região Metropolitana de Milão) | Populacional |
ICBDSR | Birth Defects Registry of Campania (BDRCam) | Subnacional (Campânia) | Populacional | |
ICBDSR e EUROCAT | Emilia-Romagna Registry of Congenital Malformations (IMER) | Subnacional (Emilia-Romagna) | Populacional | |
ICBDSR | Register of Congenital Anomalies of Veneto Region | Subnacional (Vêneto) | – | |
ICBDSR e EUROCAT | Tuscany Registry of Congenital Defects (RTDC) | Subnacional (Toscana) | Populacional | |
ICBDSR | Congenital Malformation Registry of Northern Lombardy (RMCL) | Subnacional (Lombardia) | Populacional | |
Japão | ICBDSR | Japan Association of Obstetricians and Gynaecologists (JAOG) | Nacional | Hospitalar |
Maldivas | SEAR-NBBD | – | Subnacional (12 hospitais) | Hospitalar |
Malta | ICBDSR e EUROCAT | Malta Congenital Anomalies Registry (MCAR) | Nacional | Populacional |
México | ICBDSR | Mexican Registry and Epidemiological Surveillance of External Congenital Malformations (RYVEMCE) | Nacional | Hospitalar |
ICBDSR | Birth Defects Prevention and Surveillance Programme (BDPSP) | Subnacional (Nuevo León) | Populacional | |
ICBDSR e ReLAMC | Registro de Defectos Congénitos Hospital Universitario UANL (ReDeCon HU) | Subnacional (Nuevo León) | – | |
Myanmar | SEAR-NBBD | – | Subnacional (14 hospitais) | Hospitalar |
Nepal | SEAR-NBBD | – | Subnacional (5 hospitais) | Hospitalar |
Nova Zelândia | ICBDSR | New Zealand Birth Defects Monitoring Programme | Nacional | Populacional |
Nicarágua | ReLAMC | Sistema de Vigilancia de Defectos Congénitos (SVDC UNAN) | Nacional | – |
Noruega | ICBDSR e EUROCAT | Medical Birth Registry of Norway (MBRN) | Nacional | Populacional |
País de Gales | ICBDSR, EUROCAT e BINOCAR | Congenital Anomaly Register and Information Service (CARIS) | Nacional | Populacional |
Panamá | ReLAMC | Programa Nacional de Malformaciones Congénitas de Panama (PNMC) | Nacional | – |
Paraguai | ReLAMC | Programa Nacional de Prevención de Defectos Congénitos del Ministerio de Salud Pública del Paraguay (PNPDC) | Nacional | – |
ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar | |
Peru | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
Polônia | EUROCAT | – | Subnacional (Wielkopolska) | Populacional |
EUROCAT | Polish Registry of Congenital Malformations (PRCM) | Nacional | Populacional | |
Portugal | EUROCAT | – | Subnacional (Sul de Portugal) | Populacional |
República Dominicana | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
República Tcheca | ICBDSR e EUROCAT | Czech Republic National Registry of Congenital Anomalies | Nacional | Populacional |
Suécia | ICBDSR e EUROCAT | Swedish Register of Congenital Malformations | Nacional | Populacional |
EUROCAT | Registry of Vaud (Switzerland) | Subnacional (Vaud) | Populacional | |
Sri Lanka | SEAR-NBBD | – | Subnacional (81 hospitais) | Hospitalar |
Tailândia | SEAR-NBBD | – | Subnacional (929 hospitais) | Hospitalar |
Ucrânia | ICBDSR e EUROCAT | OMNI-Net Ukraine Birth Defects Program (OMNI-Net) | Subnacional (Noroeste da Ucrânia) | Populacional |
Uruguai | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
Venezuela | ECLAMC | – | Subnacional | Hospitalar |
Legenda:
BINOCAR: British and Irish Network of Congenital Anomaly Researchers.
ECLAMC: Estudio Colaborativo Latino Americano de Malformaciones Congénitas.
EUROCAT: European Surveillance of Congenital Anomalies.
ICBDSR: International Clearinghouse for Birth Defects Surveillance and Research.
ReLAMC: Red Latinoamericana de Malformaciones Congénitas.
SEAR-NBBD: South-East Asia Region’s - Newborn and Birth Defects Database.
Notas:
Para as redes hospitalares ECLAMC e SEAR-NBBD, cada país participante foi contabilizado como um programa de vigilância.
O ECLAMC é uma rede internacional por si só, e também faz parte da ICBDSR e da ReLAMC.

Figura 2 – Países que fazem parte das redes internacionais por meio de programas com cobertura nacional, subnacional ou ambos
A Figura 3 mostra um diagrama de interação entre os programas que fazem parte das redes internacionais de colaboração para a vigilância das ACs. Todas as redes, exceto a rede de colaboração entre os países do Sudeste Asiático (SEAR-NBBD), apresentaram programas que fazem parte de outras redes. Uma delas, o ECLAMC, além de ser uma rede de colaboração internacional por si só, colabora com outros dois sistemas internacionais de vigilância, ReLAMC e ICBDSR. Informações detalhadas sobre cada uma delas são apresentadas a seguir.

Figura 3 – Rede das redes: quantidade e distribuição dos programas que fazem parte das redes internacionais de vigilância de anomalias congênitasNotas:Cada esfera representa um programa de monitoramento de anomalias congênitas contida em alguma rede internacional, representadas pelas elipses sombreadas.Para ECLAMC e SEAR-NBBD, cada esfera representa um país participante da rede hospitalar.
Estudio Colaborativo Latino Americano de Malformaciones Congénitas (ECLAMC)
Criada em 1967 como um programa de investigação das ACs limitado à cidade argentina de Buenos Aires, o ECLAMC expandiu suas atividades para outros países do continente sul-americano em 1969. Trata-se de um programa para a investigação clínica e epidemiológica dos fatores de risco para as ACs em hospitais latino-americanos, utilizando-se de uma metodologia de caso-controle, isto é: cada recém-nascido com ACs (caso) é pareado ao próximo nascido sem malformações, do mesmo sexo e no mesmo hospital (controle). Este programa tem como objetivo principal prevenir ACs por meio da pesquisa.4 O ECLAMC possui caráter voluntário e colaborativo entre profissionais de hospitais latino-americanos que desejam participar do estudo e, em mais de 50 anos de existência, conta com centenas de hospitais participantes em 12 países da América Latina.8 Além de dezenas de trabalhos acadêmicos, publicados nas mais diferentes áreas de investigação relacionadas aos defeitos congênitos, a estratégia latino-americana disponibiliza manuais de prevenção primária e terciária. Para os profissionais que trabalham com descrição, codificação e/ou análise de ACs, o programa também criou o Congenital Malformations Browser, ferramenta on-line que relaciona o nome da alteração ou o código da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) com imagens das malformações mais comuns.9
International Clearinghouse for Birth Defects Surveillance and Research (ICBDSR)
O ICBDSR (ou somente Clearinghouse) é uma rede internacional voluntária, sem fins lucrativos, vinculada à OMS. Criado em 1974, o Clearinghouse conta atualmente com 45 programas de vigilância de ACs com diferentes características e presentes em quase todos os continentes (exceto a África), sendo 18 programas com cobertura nacional, 26 programas com cobertura subnacional e um com cobertura multinacional – o ECLAMC. Em conjunto, o ICBDSR monitora aproximadamente 4 milhões de nascimentos por ano. A principal missão desta organização é promover e conduzir a vigilância de ACs ao redor do mundo, bem como pesquisas científicas sobre suas causas e determinantes, com o objetivo de prevenir os defeitos congênitos.3 A rede ainda disponibiliza recursos educacionais voltados para a prevenção, vigilância e pesquisa de ACs.2
European Surveillance of Congenital Anomalies (EUROCAT)
O EUROCAT é uma rede de registros de base de dados populacional, criada em 1979 com os propósitos principais de coletar dados populacionais e realizar vigilância epidemiológica de ACs no continente europeu. O acrônimo EUROCAT decorre de seu nome original: European Concerted Action on Congenital Anomalies and Twins. Em janeiro de 2020, esta rede contava com 42 registros, entre membros completos e associados, cobrindo mais de 1,7 milhão de nascimentos em 23 países diferentes (para os fins deste trabalho, as nações integrantes do Reino Unido foram contabilizadas como países diferentes), o que implica, aproximadamente, 29% da população anual de nascimentos na Europa.10 Além de fornecer informação epidemiológica sobre ACs, o EUROCAT pretende atuar como um centro de informação e pesquisa para a população, profissionais de saúde e administradores que lidam com o tema das malformações congênitas, agentes teratogênicos e outros fatores de risco. Outro objetivo da rede é avaliar a efetividade de medidas de prevenção primária e o impacto dos programas de screening pré-natal na população europeia.10
British and Irish Network of Congenital Anomaly Researchers (BINOCAR)
O BINOCAR compreende uma rede de registros de ACs espalhados pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda. Com o início de suas atividades datando de 1985, não obstante ter passado por uma série de modificações no decorrer de sua história, a rede mantém seu objetivo principal: dispor de recursos e informações robustas sobre a epidemiologia, causas e desfechos dos defeitos congênitos nas populações assistidas.12 A BINOCAR conta com três programas subnacionais para a vigilância de ACs na Irlanda, um outro subnacional na Escócia, o registro nacional do País de Gales e mais sete registros subnacionais na Inglaterra – os quais, desde 2015, foram incorporados ao novo Registro Nacional de Anomalias Congênitas e Doenças Raras da Inglaterra (NCARDRS).13 Além dos registros supracitados, a rede conta com dois registros focados em desfechos específicos: o National Down Syndrome Cytogenetic Register, na Inglaterra e País de Gales; e o Cleft Registry and Audit Network, na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte.
South-East Asia Region’s Newborn and Birth Defects Database (SEAR-NBBD)
Esta rede foi criada em 2014, fruto do esforço conjunto entre o Escritório da Região do Sudeste Asiático ligado à OMS (em inglês, South-East Asia Region Office, significado da sigla SEARO/WHO) e o Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC/USA). Trata-se de um sistema de vigilância com o propósito de coletar dados de vigilância perinatal para estabelecer uma avaliação robusta da saúde neonatal e monitorar a ocorrência de ACs no Sudeste Asiático. O objetivo principal da rede é promover a prevenção primária e melhorar a saúde de crianças com ACs.14 Atualmente, o SEAR-NBBD promove uma vigilância de tipo hospitalar em nove países asiáticos, responsáveis pela alimentação de dados, com a participação de uma quantidade variável de hospitais participantes.16
Red Latinoamericana de Malformaciones Congénitas (ReLAMC)
Criada em 2016, em um contexto pós-epidemia de microcefalia ligada à infecção congênita pelo vírus Zika no Nordeste brasileiro,17 a ReLAMC tem por objetivo dispor de dados epidemiológicos atualizados sobre as ACs provenientes dos registros latino-americanos hospitalares e populacionais dos países participantes. Os dados gerados por esta rede podem apoiar estudos de pesquisa sobre causas e prevenção de ACs, além de auxiliar na tomada de decisões pela Saúde Pública.18 Atualmente, a rede conta com dez fontes de registros, das quais cinco com cobertura nacional, quatro subnacionais e uma multinacional – o ECLAMC. Ressalta-se que a ReLAMC extrapola os propósitos do ECLAMC, ao incluir registros de base de dados populacionais.
Discussão
As seis redes de colaboração internacional, abordadas nesta revisão narrativa de literatura, possuem diferentes características, buscando atender a diferentes propósitos, embora todas tenham como objetivo comum promover a vigilância dos defeitos congênitos. O ECLAMC foi a primeira rede a ser criada nesse sentido; sua origem data de 1967. A metodologia de determinação dos casos (desenho de caso-controle), bem como a longevidade do registro, permite que o ECLAMC formule tendências temporais para a frequência de ACs, o que vem contribuindo, progressivamente, para o enriquecimento da literatura especializada. Outra característica importante do registro hospitalar latino-americano é seu modelo igualitário e voluntário de organização: os hospitais não são obrigados a relatar os dados periodicamente, e os profissionais de saúde envolvidos são considerados investigadores e codiretores do programa, com igual acesso aos dados coletados.4
Além do ECLAMC, outra rede com foco em vigilância hospitalar, o SEAR-NBBD, foi criado em 2014 e possui como área de cobertura algumas regiões do Sudeste Asiático. A região é especialmente relevante para o tema, pois apresenta a segunda mais alta prevalência mundial de defeitos congênitos entre crianças abaixo de 5 anos.20 A vigilância de ACs de base hospitalar pode ser mais factível com a realidade de países de baixa e média renda que desejam iniciar um programa de monitoramento, visto que uma vigilância de base populacional pode envolver altos custos financeiros.2 De fato, as duas redes internacionais de base hospitalar identificadas nesta revisão localizam-se na América Latina e no Sudeste Asiático, onde se concentram países com importantes desafios políticos, sociais e financeiros a enfrentar.22
Ressalta-se que os dados obtidos a partir de uma vigilância de base hospitalar devem ser interpretados com cautela, sobretudo no que diz respeito à extrapolação dos resultados para populações inteiras, haja vista a cobertura limitar-se às clínicas ou hospitais participantes situados dentro de uma área restrita, não abrangendo a totalidade de nascimentos de mães residentes em uma determinada área geográfica. Além disso, é possível que haja a transferência preferencial de casos suspeitos de ACs para hospitais especializados, com mais probabilidade de participar das redes de colaboração.2 Em conjunto, esses fatores podem levar a incongruências nas estatísticas obtidas, e inclusive resultar em falsos alarmes.4
Diferentemente, o BINOCAR e o EUROCAT reúnem registros europeus de base populacional (para o EUROCAT, a única exceção é o Estudo Espanhol Colaborativo de Malformações Congênitas, ECEMC, de base hospitalar).11 Por sua vez, o ICBDSR e o ReLAMC possuem um caráter mais híbrido, acolhendo registros populacionais e hospitalares. Entretanto, é importante ressaltar que a maior parte dos programas cobertos pelas redes exibiu cobertura subnacional, o que também pode levar a interpretações enviesadas se os resultados dos registros que vigiam ACs em uma área geográfica delimitada forem, isoladamente, extrapolados para regiões maiores.
As redes de vigilância das ACs constituem verdadeira referência para grupos de pesquisa e programas de prevenção e vigilância no mundo. Seus dados vêm sendo utilizados para relatar a frequência de desfechos raros, o que seria dificilmente obtido considerando-se registros individuais. A experiência agregada de diferentes programas também tem servido de suporte para países, sobretudo de baixa e média renda que planejam desenvolver seus próprios sistemas de vigilância.3 O EUROCAT, por exemplo, fornece padronização das definições, métodos de diagnóstico e terminologia entre seus membros, possibilitando que dados coletados de programas heterogêneos sejam comparáveis.24 O ICBDSR, em conjunto com a OMS e o CDC/USA, oferece cursos de treinamento e material informativo para profissionais envolvidos com a vigilância de ACs.2 O ECLAMC, por sua vez, contribuiu com o desenvolvimento de um atlas fotográfico que auxilia na identificação das ACs mais comuns.3
Alguns programas fazem parte de mais de uma rede de vigilância, como o Registro de Anomalias Congênitas e Serviço de Informações (CARIS), que faz parte do ICBDSR, EUROCAT e BINOCAR. Trata-se de um registro de base populacional, criado em 1998 e que, atualmente, cobre todo o País de Gales (aproximadamente 35 mil nascimentos por ano). Clearinghouse e EUROCAT, redes com o maior número de programas, também compartilham o maior número de registros individuais. Entretanto, a recém-criada SEAR-NBBD apresenta-se isolada, em comparação às demais redes internacionais. O ECLAMC, além de ser, por si só, uma rede internacional, compartilha as informações obtidas com outras redes, como o ICBDSR e a ReLAMC. O Brasil, por meio de alguns hospitais associados, é um membro histórico do ECLAMC. Na ReLAMC, a participação do país, por meio do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (Sinasc), encontra-se com o status de ‘convidado’.
Dentro das redes identificadas, não foi encontrado nenhum programa de vigilância para algum território do continente africano. Esta situação é especialmente sensível porque na África são registradas as maiores taxas mundiais de mortalidade por ACs: naquele continente, a prevalência pode variar de 5,2 a 75,4 casos em cada 10 mil nascidos vivos.20 Dada a importância do tema e a necessidade de compreender a situação para propor intervenções factíveis, algumas iniciativas de vigilância de ACs vêm sendo estabelecidas em países africanos, como um programa de vigilância hospitalar em Kampala, Uganda, além de ações educacionais e instrutivas sobre o tema.6 Futuramente, o desenvolvimento de uma rede continental de integração dos programas existentes, bem como de fortalecimento de novas estratégias de vigilância, pode impulsionar o entendimento e as ações no tocante aos ACs na África.
Para os propósitos deste trabalho, não foram consideradas redes internacionais para a vigilância de um desfecho específico, como a iniciativa da OMS para vigilância da rubéola e síndrome da rubéola congênita,27 tampouco redes cuja cobertura não transpõe os limites de um país, a exemplo da Rede Nacional para Prevenção dos Defeitos Congênitos (ou NBDPN) dos Estados Unidos.28 Outra iniciativa que não foi utilizada para as análises, à qual se deve menção, é o Grupo de Trabalhos em Defeitos Congênitos da União Internacional da Saúde Circumpolar (IUCH-BDWG), que catalogou sistemas de vigilância existentes e em desenvolvimento nas regiões mais ao Norte do globo.30 Todavia, para o melhor do nosso conhecimento, a referida iniciativa ainda não disponibilizou informações sistemáticas sobre os programas que efetivamente fariam parte dela, tampouco estatísticas e informações relacionadas.
Os resultados aqui discutidos devem ser interpretados à luz de algumas limitações. É possível que existam redes internacionais para a vigilância de ACs que não tenham produzido registro possível de ser captado por esta abordagem metodológica. Apesar de algumas redes não disponibilizarem todas as informações necessárias em seus endereços eletrônicos ou nos artigos científicos, a busca na literatura e em documentos especializados ajudou a preencher algumas lacunas nas variáveis de interesse desta revisão. A paisagem das redes não é estática: EUROCAT e ReLAMC, por exemplo, possuem alguns registros de “candidatos” e “convidados”, respectivamente, não considerados neste trabalho, que podem se filiar às redes em um futuro próximo.
A presente revisão elencou as principais redes internacionais de colaboração para a vigilância de ACs no mundo. Para as seis redes identificadas, foram revisados aspectos históricos e características individuais, além das principais semelhanças e diferenças entre elas. Importantes aspectos sobre a vigilância de ACs também foram discutidos. Foi possível perceber que, para a investigação e prevenção dos ACs (as quais podem ser, individualmente, muito raros em frequência), a colaboração é uma palavra-chave, tanto para o fortalecimento dos programas já existentes quanto para a criação de iniciativas de vigilância em regiões desassistidas. Ademais, as redes se revelam como importantes produtoras e difusoras de conhecimento entre os profissionais envolvidos com a prevenção e vigilância de ACs, além do público geral.