Introdução
A infecção causada, responsável por cerca de 390 milhões de infecções a cada ano, é considerada um dos maiores problemas de Saúde Pública no mundo.1 A mesma avaliação serve para o Brasil, onde novos desafios são impostos pela introdução do vírus chikungunya em 2014 e do vírus Zika em 2015,3e pela persistência e crescente número de casos graves e óbitos causados pela dengue a partir de 2010.4
Santa Catarina foi o último estado do Brasil a registrar casos autóctones de dengue, em 2011.5 Em 2015, houve o registro da primeira epidemia de dengue no estado, no município de Itajaí. A identificação e a avaliação das epidemias de dengue são importantes para subsidiar a adoção de estratégias mais eficientes de controle da doença e prevenção de novas epidemias.
A partir dessa compreensão, o estudo teve o objetivo de descrever as características da epidemia da dengue no município catarinense de Pinhalzinho, ocorrida entre 2015 e 2016, e investigar os efeitos das variáveis climáticas sobre o número de focos do mosquito Aedes aegypti naquela localidade, no período de 2015 a 2018.
Métodos
Foi realizado estudo ecológico no município de Pinhalzinho, situado na região oeste do estado de Santa Catarina (26°50’53”S; 52°59’31”W), Brasil. Em 2015, a população local era de 18.700 habitantes, dos quais 84% residentes na área urbana. Pinhalzinho apresenta um clima subtropical, índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,783 e 94,9% de seus domicílios contam com esgotamento sanitário adequado, de acordo com último Censo Demográfico, realizado em 2010.6
Os dados das notificações dos casos de dengue no período de 2015 a 2016 e hospitalizações relacionadas foram obtidos junto à Secretaria de Saúde do município, por meio do Sistema de Informação de Agravo de Notificação (Sinan) e do sistema TABNET do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). As taxas de incidência foram calculadas segundo faixas etárias e sexo, para grupos de 100 mil habitantes. Para verificação de possíveis associações entre as variáveis nominais, utilizou-se o teste2 (qui-quadrado), com nível de significância de 5%.
Os dados meteorológicos, referentes ao período de julho de 2015 a dezembro de 2018, foram obtidos junto ao Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina. Os dados referentes à evolução da infestação do mosquito Ae. aegypti foram obtidos junto à Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina. O período do estudo foi definido para se conhecer o comportamento do vetor diante das variáveis climáticas, durante e após a epidemia. Foram utilizadas análises descritivas de frequências, análise bruta e de regressão linear múltipla (nível de significância: p<0,05).
Os dados foram tabulados com uso do software Excel, versão 2016. Para as análises estatísticas, utilizou-se o software SPSS, versão 20.0.
O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, sob Parecer nº 2.633.107, em 3 de maio de 2018.
Resultados
Entre 2015 e 2016, o município de Pinhalzinho enfrentou uma epidemia de dengue, com 2.374 casos notificados (DENV-1) e taxa de incidência de 12.695,2 casos por 100 mil habitantes. Houve um óbito associado à doença, no período.
A maioria dos casos notificados (54,3%) foi do sexo feminino, com taxa de incidência de 13.926,4/100 mil habitantes. A média da idade dos casos foi de 38 anos (DP±20) – idade mínima de zero e máxima de 103 anos –, sendo a faixa etária mais acometida a dos 20 aos 29 anos. Observou-se maior incidência de casos nas faixas etárias mais elevadas (Figura 1).
Em 2015, foram confirmados quatro casos de dengue, um em novembro (importado) e três no mês de dezembro (autóctones).
Em 2016, foram confirmados 2.370 casos autóctones (Figura 2). Nesse período foram registradas 130 hospitalizações por dengue no município. O maior número de casos foi registrado em março de 2016, com 53 internações (41% das internações no ano), seguido por fevereiro (34 internações, ou 26% das internações no ano) e abril (22 internações; 17%) do mesmo ano.
Em relação às variáveis climáticas, durante o período estudado, a temperatura mensal mínima variou de -3,58 a 16,04ºC (DP±5,48), e a temperatura mensal máxima, de 26,65 a 36,48ºC (DP±2,52); a temperatura média mensal variou entre 10,88 e 25,17ºC (DP±3,67). A precipitação mensal variou de 9,6 a 428mm (DP±107,18), e a umidade relativa do ar, entre 70,22 e 90,52% (DP±4,84). A umidade relativa e a temperatura média do ar apresentaram associação positiva – e significativa – com a infestação mensal pelo mosquito Ae. aegypti: F (2,39) = 28,481; valor p<0,001; R2 = 59,4% (Figura 3).
Discussão
Pinhalzinho enfrentou a maior epidemia de dengue já registrada no país, com taxa de incidência de 12.695,2 casos por 100 mil hab., causada pelo sorotipo DENV-1. Maiores taxas de incidência foram observadas em mulheres, entre pessoas com 50 anos de idade ou mais e no período de verão. A distribuição dos focos do mosquito revelou-se associada ao aumento da temperatura média e à umidade relativa do ar no município.
Essa epidemia demonstrou o aumento da expansão geográfica da doença e o processo de interiorização de sua transmissão, com registros de casos cada vez mais frequentes em pequenas cidades e no interior do país.4 Considerando-se que, a cada caso de dengue aparente, ocorrem outras quatro infecções inaparentes ou assintomáticas,1 estima-se que possivelmente cerca de 50% da população de Pinhalzinho tenha se infectado e sensibilizado pelo DENV-1. Uma alta incidência de dengue, como se observou em Pinhalzinho, geralmente ocorre quando as ações de vigilância e controle empregadas para prevenir a doença não são plenamente efetivas.7 Uma incidência tão alta, ademais, pode-se atribuir à elevada infestação pelo vetor Ae. aegypti e à introdução ou reintrodução de sorotipos do vírus em áreas onde há grande proporção de indivíduos susceptíveis.
Quanto ao sexo, o maior registro de casos em mulheres também foi observado em outros estudos.9 Este padrão pode estar relacionado à distribuição do Ae. aegypti, principalmente no intra no peridomicílio,13 ambientes mais frequentados por elas; ou também, ao fato de as mulheres procurarem mais pelos serviços de saúde e atendimento médico.9
Observou-se, outrossim, maior coeficiente de incidência nas idades mais avançadas, de 50 anos ou mais. Este achado diverge dos padrões relatados por outros estudos realizados no país, em que esse coeficiente é maior entre adultos jovens, particularmente na faixa etária entre 20 e 49 anos.9 Cumpre destacar que, embora todas as faixas etárias sejam igualmente suscetíveis, pessoas idosas têm maior risco de desenvolver dengue com sinais de alarme e dengue grave, possíveis de evoluir a óbito.4
A análise temporal apontou que os casos de dengue apresentaram um padrão sazonal de ocorrência: tiveram início nos meses de dezembro e janeiro, alcançando maior incidência em fevereiro e março, coincidindo com o período de temperaturas mais elevadas, e decréscimo no mês de maio. Padrões sazonais como este, de aumento na ocorrência de casos de dengue nos primeiros meses do ano, foram constatados em municípios dos estados de São Paulo,9 Piauí,16 Rio de Janeiro17 e Santa Catarina.18
Elevação da temperatura média e a umidade relativa do ar, juntas, foram capazes de prever 59,4% da infestação pelo vetor. Verifica-se que, nos dois anos após a epidemia, os focos de Aedes se mantiveram em níveis similares aos do período epidêmico, embora a transmissão do vírus tenha sido praticamente zerada.
A relação entre a precipitação pluviométrica e os focos de Ae. aegypti ou casos de dengue ocorre pela associação de diferentes mecanismos,19 podendo variar de acordo com a região estudada. A falta de associação significativa entre pluviosidade e número de focos de Ae. aegypti, observada neste estudo, pode ser explicada pela constância das chuvas ao longo do ano, na região.
Diante do exposto, cabe reforçar que o aumento da incidência e disseminação da dengue é um processo complexo, influenciado por múltiplos fatores sociais, ambientais e climáticos, os quais, de forma sinérgica, podem gerar um cenário epidêmico.17 Entre esses fatores, ressalta-se a urbanização desordenada, condições sanitárias precárias, falta de controle efetivo do mosquito, globalização da economia, propagação e infestação do vetor no ambiente urbano, mobilidade humana e mudanças climáticas.12
As principais limitações do presente estudo estão relacionadas às fontes de informações secundárias. A possibilidade de subnotificação e a existência de registros incompletos de casos de dengue podem comprometer a análise de algumas variáveis.
Cabe mencionar que informações climáticas podem ser usadas para prever o aumento da população de mosquitos e, consequentemente, situar áreas de risco para surtos de arboviroses. Este alerta precoce pode ser usado pelas autoridades em Saúde Pública municipais, especialmente nos primeiros meses do ano, para planejar e direcionar medidas de maior eficácia no controle do mosquito Aedes e, assim, reduzir o risco de dengue e de outras arboviroses transmitidas por esse vetor.
O conhecimento do processo epidêmico e o uso da informação podem auxiliar na avaliação da situação de saúde para a tomada de decisão, com vistas a direcionar ações intersetoriais, educativas e de conscientização social. Para reduzir o ônus da dengue, as políticas de Saúde Pública devem ser contínuas, e considerar necessidades locais específicas, no sentido do controle do vetor e da vigilância da doença. Finalmente, cumpre destacar a prioridade das ações de prevenção, com a participação ativa da população, articuladas com políticas públicas intersetoriais.