O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, fez com que o Brasil se tornasse o maior país do mundo a possuir um sistema público universal de saúde, pautado nos princípios da equidade e da integralidade, e com destacada participação do controle social.1 Em pouco mais de três décadas de existência, o SUS se tornou o principal provedor de atenção à saúde da população brasileira, presente em todos os entes federados do Brasil, nas três esferas da gestão pública, e em parceria com o setor privado da saúde.
No contexto da pandemia da COVID-19, que representa um desafio global extremamente complexo, a relevância do SUS no Brasil torna-se ainda mais evidente.2 A elevada transmissibilidade da doença, inclusive a partir de casos leves ou assintomáticos, aliada à capacidade de causar quadros graves e óbitos, faz com que atinja não somente indivíduos, mas também famílias, comunidades e países. Seu enfrentamento requer responsabilidade individual, solidariedade coletiva, além de medidas articuladas e baseadas nas melhores evidências disponíveis no nível governamental, bem como cooperação no âmbito internacional.
A Vigilância em Saúde é a área de atuação do SUS na qual o princípio da universalidade é mais explícito. Suas ações na resposta imediata à COVID-19 foram abrangentes3 e continuam imprescindíveis com o avanço da epidemia no Brasil. Entre as ações da Vigilância na epidemia em curso, destacam-se o diagnóstico laboratorial e a investigação de casos e contatos,4 a gestão dos sistemas de informação e a divulgação de informações epidemiológicas, a capacitação dos profissionais de saúde, além das ações de preparação para imunização, no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A importância da articulação entre Vigilância e Atenção Primária à Saúde tem sido destacada no contexto da pandemia.5
Ademais, o SUS é responsável pela maior parte das internações no Brasil. Em resposta à emergência da COVID-19, cuja gravidade requer hospitalização que necessita de oxigenoterapia em aproximadamente 15% dos casos e suporte em unidades de terapia intensiva (UTIs) em 5%,7 houve ampliação da rede hospitalar, inclusive dos leitos de UTI, e a instalação de hospitais de campanha.8 Os serviços de atenção hospitalar do SUS têm sido responsáveis pela preservação da vida de milhares de pessoas acometidas pela COVID-19 no Brasil.
Além de uma imensa estrutura física, o SUS conta com uma grandiosa força de trabalho. São mais de 3,5 milhões de trabalhadores da saúde, que atuam em equipes multiprofissionais, qualificadas e especializadas.9 Além dos enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, odontólogos, técnicos e auxiliares em diversas áreas, e demais profissionais da saúde, também devem ser destacados outros componentes da força de trabalho que, todavia, não têm formação específica nas profissões da área de saúde, como maqueiros, motoristas de ambulância, trabalhadores dos serviços de limpeza, de alimentação e manutenção de equipamentos, assim como os envolvidos nos serviços de sepultamento e cremação. Este gigantesco conjunto de trabalhadores tem desempenhado papel de protagonismo no enfrentamento à COVID-19, não obstante a sobrecarga de trabalho e o risco de contágio e de desenvolvimento de problemas de saúde mental.10
Por todo o Brasil, têm sido registradas manifestações de reconhecimento a esses trabalhadores e ao SUS. Aplausos, flores, música, e, sobretudo, gratidão verdadeira pela atuação incansável na defesa da saúde e da vida. Contudo, em nosso país, não foi construído um movimento organizado, como se observou, por exemplo, no Reino Unido. Naquele País, a frase “ Thank You NHS [National Health Service]” (“Obrigado, Serviço Nacional de Saúde”) tornou-se um fenômeno social em 2020, por meio do qual pessoas e organizações divulgam mensagens de apoio ao NHS e aos trabalhadores envolvidos, por seus esforços durante a pandemia da COVID-19.11
O principal reconhecimento dessas pessoas comprometidas com a saúde passa fundamentalmente pela valorização de seu trabalho e do próprio SUS. O ano de 2020 tem sido desafiador para toda a sociedade brasileira. No final de novembro, o Brasil já registra mais de 6 milhões de casos confirmados de COVID-19 e 170 mil óbitos pela doença, além de quase 500 mil internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) com confirmação para COVID-19, e há cenários epidemiológicos distintos nas diferentes regiões do País.12 É evidente que o fortalecimento e a valorização do SUS e de seus trabalhadores são necessários não somente para que o Brasil possa superar a pandemia da COVID-19, mas também para que continuem a ser desenvolvidas ações de vigilância, promoção e assistência à saúde da população, visando ao enfrentamento dos demais agravos à saúde que coexistem e à redução das desigualdades.