Introdução
A cárie dentária ainda é o principal problema de saúde bucal no Brasil, além de ser a doença bucal mais estudada em todo o mundo. Ela apresenta uma etiologia multifatorial e foi descrita como uma doença social. Sua prevalência tem como determinantes fatores biológicos, alimentares, comportamentais e socioeconômicos, bem como fatores de acesso a bens de consumo e a serviços de saúde.1 Os inquéritos nacionais têm apresentado um cenário de declínio da cárie dentária, principalmente entre os escolares.2,3 Estudos também apontam para a polarização da cárie dentária, quando em um polo há ausência de doença, e no outro, grande número de casos concentrados em um pequeno grupo de indivíduos. Cada vez mais, a presença da cárie vai se afastando de uma distribuição uniforme, refletindo níveis crescentes de desigualdade social.4
A redução das iniquidades em saúde bucal é um dos principais desafios impostos aos formuladores de políticas públicas em saúde,5 sendo a identificação dos determinantes sociais da saúde bucal um dos caminhos possíveis para superar tal dificuldade.6 Com base nas informações obtidas nos estudos epidemiológicos das doenças bucais, pode-se avaliar se o declínio da prevalência continua ou se estabilizou, e se a desigualdade socioeconômica na distribuição dos agravos se manteve no período mais recente.
A adolescência constitui uma importante passagem na evolução do ser humano, de mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais, marcada pelo aumento da autonomia, independência em relação à família e experimentação de novos comportamentos e vivências.7 Nessa fase da vida, de rápido crescimento, há uma grande necessidade calórica, simultaneamente a uma maior liberdade de escolha de cardápios, surgindo assim a oportunidade do alto consumo de alimentos que contêm açúcar, um fator de risco para a cárie e que, somado a outros fatores, como nível socioeconômico, comportamento e cuidado com a higiene bucal, contribui para a instalação e progressão da doença.8
Existem evidências de que estabelecer medidas de promoção da saúde antecipadamente, como na vida intrauterina, na infância e adolescência, melhora a qualidade de vida na fase adulta.9 Estudos epidemiológicos na idade adolescente, por exemplo, permitem avaliar os impactos da cárie dentária e, assim, promover o melhor controle da doença mediante estratégias direcionadas a essa população.
O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre prevalência e severidade da cárie e fatores demográficos e socioeconômicos, comportamental e de condições de saúde bucal em adolescentes, no estado de São Paulo, em 2015.
Métodos
O delineamento do estudo foi do tipo transversal. Ele se baseou em dados secundários, resultantes do levantamento epidemiológico em saúde bucal intitulado ‘Pesquisa Estadual de Saúde Bucal de São Paulo - SB’, realizado no estado, em 2015.10 No presente estudo, foram analisados dados de 5.558 adolescentes entre 15 e 19 anos de idade, residentes no estado de São Paulo, coletados no ano de 2015.
A amostragem do levantamento epidemiológico estadual foi probabilística, por conglomerados, em dois estágios, levando em consideração o peso amostral e o efeito de desenhos nas respectivas etapas de sorteio. A definição do tamanho da amostra para a cárie dentária utilizou a fórmula de cálculo amostral proposta por Silva,11 que considera os valores de média e desvio-padrão da variável em estudo. O cálculo detalhado encontra-se no relatório final do levantamento epidemiológico estadual.10
Os exames foram realizados por 250 equipes de trabalho, constituídas de cirurgiões-dentistas e auxiliares em saúde bucal, totalizando 550 profissionais envolvidos. As equipes foram treinadas e calibradas em oficinas de 16 horas de duração, com o objetivo de discutir a operacionalização das etapas do trabalho, as atribuições de cada participante, e assegurar um grau aceitável de uniformidade nos procedimentos. Aferiu-se a porcentagem de concordância intra e interexaminadores, para verificar a reprodutibilidade do estudo. Utilizou-se a técnica de consenso calculando-se, na rodada final, o coeficiente Kappa, ponderado para cada examinador, grupo etário e agravo estudado, tendo o valor de 0,65 como limite mínimo aceitável. Examinadores que apresentaram valores de Kappa inferiores a 0,65 não foram incluídos no estudo. Os valores médios de Kappa interexaminadores foram de 0,82 para cárie dentária.10
O índice CPOD, considerado o desfecho deste estudo, representa a média do número total de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados em um grupo populacional. Para um único indivíduo, o CPOD será a soma das condições encontradas em todos os seus dentes. Por meio desse índice, obteve-se a prevalência (CPOD=0, ausência de cárie; e CPOD>0, presença de cárie) e severidade (escores do CPOD variando de 0 a 32) da cárie dentária no grupo estudado.
As variáveis independentes, consideradas para avaliar fatores associados, foram classificadas em cinco blocos, conceitualmente organizados da seguinte forma:
Características demográficas (idade; gênero; raça/cor da pele, autodeclarada);
Condições socioeconômicas (aglomeração domiciliar; renda familiar; número de bens no domicílio);
Condição comportamental (atraso escolar);
Condições de saúde bucal (sangramento gengival à sondagem; cálculo dentário); e
Acesso à água fluoretada.
A aglomeração domiciliar foi medida como o número de moradores por cômodo nos domicílios, categorizada em menos de dois (domicílios menos aglomerados) e dois ou mais (domicílios mais aglomerados). A renda familiar foi avaliada em categorias de valor, expressas em reais (no período de referência para a coleta de dados, cada dolar americano correspondia a R$ 3,10). Com relação ao número de bens no domicílio, este foi informado por questionário-padrão, incluindo itens como geladeira, rádio, televisão e outros.
A variável ‘atraso escolar’ foi construída de modo dicotômico, diferenciando os adolescentes com pelo menos um ano de atraso em relação ao número esperado para a idade correspondente (11 anos de estudo para adolescentes de 18 e 19 anos; 10 anos de estudo para 17 anos de idade; 9 anos de estudo para 16 anos de idade; 8 anos de estudo para 15 anos de idade). Adolescentes com atraso escolar incluíram, ainda, os adolescentes que, por qualquer motivo, interromperam o ensino escolar formal antes de concluir o ensino médio. Esta variável também foi incorporada na avaliação geral do índice de desenvolvimento humano (IDH) no Brasil.12
As medidas de prevalência de cárie não tratada, sangramento gengival à sondagem e cálculo dentário foram obtidas mediante exame bucal. O acesso à água fluoretada foi construído de modo dicotômico, baseado em municípios que possuíam ou não fluoretação das águas de abastecimento público.13 A distribuição do CPOD marcadamente não normal, enviesada para a esquerda, demandou o uso de modelos de regressão inflados de zero. Tendo em vista essa apresentação dos dados implicar grande concentração de indivíduos com valor zero de CPOD (livres de cárie), justificou-se a escolha do modelo de regressão binomial negativa inflado de zeros, para maior precisão na análise estatística e exatidão do conhecimento gerado.
Foi realizada estatística descritiva. Foram estimadas razões de prevalências (RP) e razões de médias (RM), com seus valores brutos e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
O estudo de associação entre a distribuição de cárie dentária e as variáveis de exposição de interesse utilizou modelo de regressão binomial negativa inflado de zeros. Por esse modelo, foram calculadas as RPs para identificar as variáveis associadas à prevalência da doença, e as RMs, para indicar os fatores associados com o número de dentes afetados por cárie (severidade). No modelo de regressão múltipla, foram incluídas todas as variáveis de interesse, independentemente da qualidade de ajuste.
As análises estatísticas foram realizadas com o uso do software Stata versão 15.0 (College Station, Texas, USA, 2017), no modo survey, considerando-se a estrutura complexa do levantamento (amostra por conglomerados) e respectivos pesos de amostragem.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (CEP/FSP/USP) em 23 de maio de 2017: Parecer no 2.078.896; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) no 66076517.6.0000.5421.
Resultados
O índice CPOD encontrado nos adolescentes de 15 a 19 anos de idade foi de 3,76; e a prevalência da cárie, de 71,7%. Na Figura 1, apresenta-se a distribuição do índice CPOD, a concentração elevada de indivíduos com o valor zero, ou seja, livres de cárie. Na Tabela 1, caracteriza-se a amostra.

Figura 1 - Distribuição percentual do número de dentes cariados, perdidos e obturados (índice CPOD) em adolescentes (15 a 19 anos), estado de São Paulo, 2015
Tabela 1 - Características demográficas, socioeconômicas, comportamental e de qualidade de escovação dentária em adolescentes (15 a 19 anos), estado de São Paulo, 2015
Variáveis | n | Percentual na amostra ponderada | Prevalência de cárie (%) | CPODa (IC95%)b |
---|---|---|---|---|
Características demográficas | ||||
Gênero | ||||
Masculino | 2.405 | 43,27 | 67,43 | 3,22 (2,91;3,52) |
Feminino | 3.153 | 56,73 | 73,79 | 3,84 (3,45;4,23) |
Idade (anos) | ||||
15 | 1.546 | 27,81 | 62,03 | 2,76 (2,47;3,05) |
16 | 1.081 | 19,45 | 67,41 | 2,99 (2,59;3,40) |
17 | 908 | 16,34 | 76,07 | 4,21 (3,64;4,78) |
18 | 918 | 16,52 | 73,28 | 3,73 (3,14;4,31) |
19 | 1.105 | 19,88 | 76,99 | 4,61 (4,03;5,10) |
Raça/cor da pele | ||||
Branca | 3.357 | 60,41 | 69,09 | 3,38 (3,09;3,67) |
Negra | 412 | 7,42 | 72,63 | 3,65 (3,08;4,22) |
Amarela | 57 | 1,02 | 80,95 | 6,46 (2,41;10,52) |
Parda | 1.722 | 30,98 | 74,20 | 3,83 (3,39;4,27) |
Indígena | 10 | 0,17 | 55,59 | 2,55 (0,30;4,80) |
Condições socioeconômicas | ||||
Aglomeração domiciliar | ||||
Até 2 pessoas | 3.891 | 70,00 | 69,15 | 3,48 (3,17;3,79) |
2 ou mais | 1.667 | 30,00 | 75,45 | 3,78 (3,32;4,24) |
Renda familiar | ||||
Até R$ 1.500 | 1.964 | 35,34 | 72,47 | 3,90 (3,54;4,26) |
R$ 1.501 a R$ 2.500 | 1.484 | 26,71 | 69,03 | 3,34 (2,90;3,78) |
R$ 2.501 ou mais | 2.110 | 37,95 | 71,12 | 3,43 (2,94;3,91) |
Número de bens no domicílio | ||||
Até 8 bens | 3.157 | 56,81 | 73,97 | 3,92 (3,57;4,28) |
9 ou mais | 2.401 | 43,19 | 67,19 | 3,11 (2,75;3,47) |
Condição comportamental | ||||
Atraso escolar | ||||
Não | 4.300 | 77,38 | 68,45 | 3,28 (2,96;3,59) |
Sim | 1.258 | 22,62 | 79,90 | 4,58 (3,88;5,28) |
Condições de saúde bucal | ||||
Sangramento gengival à sondagem | ||||
Não | 3.696 | 66,51 | 69,25 | 3,25 (2,97;3,52) |
Sim | 1.862 | 33,49 | 74,59 | 4,21 (3,70;4,72) |
Cálculo dentário | ||||
Não | 3.810 | 68,55 | 68,16 | 3,25 (2,94;3,56) |
Sim | 1.748 | 31,45 | 77,31 | 4,27 (3,87;4,67) |
Acesso à água fluoretada | ||||
Sim | 5.478 | 99,40 | 70,95 | 3,55 (3,24;3,86) |
Não | 80 | 0,60 | 85,12 | 7,10 (4,41;9,78) |
Total | 5.558 | 100,00 | 71,04 | 3,57 (3,26;3,88) |
a) CPOD: número de dentes cariados, perdidos e obturados.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
A análise de associações não ajustadas da prevalência e severidade da cárie dentária é apresentada na Tabela 2. Verificou-se que o sexo feminino teve maior prevalência de cárie (RP=1,09 - IC95% 1,04;1,16) e maior severidade (RM=1,11 - IC95% 1,01;1,22 [Tabela 3]) de cárie dentária, comparado ao sexo masculino. Observou-se aumento na prevalência e severidade da cárie dentária, à medida que aumentou a idade. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nas categorias da variável ‘raça/cor da pele’. Sobre as condições socioeconômicas, os adolescentes que viviam em um ambiente com maior aglomeração domiciliar tiveram prevalência de cárie dentária mais elevada (RP=1,09 - IC95% 1,03;1,15), embora não fosse encontrada diferença na severidade da doença nesses indivíduos. Os adolescentes com renda familiar menor que R$ 1.500,00 tiveram maior severidade da doença, enquanto a menor quantidade de bens no domicílio foi associada com maior prevalência e severidade da cárie dentária.
Tabela 2 - Estimativas dos valores da razão de prevalências e intervalo de confiança para cárie dentária, na análise bruta e no modelo ajustado de regressão binomial negativa inflada de zeros, em adolescentes (15 a 19 anos), estado de São Paulo, 2015
Variáveis | RPa | IC95% b | p-valorc | RPad | IC95% b | p-valorc |
---|---|---|---|---|---|---|
Características demográficas | ||||||
Gênero | ||||||
Masculino | 1,00 | 1,00 | ||||
Feminino | 1,09 | 1,04;1,16 | <0,001 | 1,09 | 1,04;1,15 | 0,001 |
Idade (anos) | ||||||
15 | 1,00 | 1,00 | ||||
16 | 1,04 | 0,92;1,16 | 0,546 | 1,04 | 0,93;1,16 | 0,457 |
17 | 1,17 | 1,06;1,29 | 0,001 | 1,13 | 1,03;1,24 | 0,006 |
18 | 1,13 | 1,02;1,24 | 0,014 | 1,09 | 0,99;1,19 | 0,076 |
19 | 1,18 | 1,09;1,28 | <0,001 | 1,13 | 1,04;1,22 | 0,003 |
Raça/cor da pele | ||||||
Branca | 1,00 | 1,00 | ||||
Negra | 1,05 | 0,95;1,16 | 0,341 | 1,03 | 0,93;1,14 | 0,611 |
Amarela | 1,17 | 0,88;1,55 | 0,271 | 1,05 | 0,88;1,25 | 0,488 |
Parda | 1,07 | 0,99;1,16 | 0,082 | 1,05 | 0,98;1,14 | 0,205 |
Indígena | 0,80 | 0,39;1,65 | 0,550 | 0,83 | 0,41;1,66 | 0,596 |
Condições socioeconômicas | ||||||
Aglomeração domiciliar | ||||||
Até 2 | 1,00 | 1,00 | ||||
2 ou mais | 1,11 | 1,00;1,23 | 0,002 | 1,07 | 1,00;1,14 | 0,041 |
Renda familiar | ||||||
Até R$ 1.500 | 1,00 | 1,00 | ||||
R$ 1.501 a R$ 2.500 | 0,95 | 0,88;1,03 | 0,236 | 0,97 | 0,90;1,05 | 0,551 |
R$ 2.501 ou mais | 0,98 | 0,87;1,11 | 0,760 | 1,00 | 0,90;1,12 | 0,963 |
Número de bens no domicílio | ||||||
Até 8 | 1,00 | 1,00 | ||||
9 ou mais | 0,91 | 0,85; 0,97 | 0,005 | 0,94 | 0,88;0,99 | 0,058 |
Condição comportamental | ||||||
Atraso escolar | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||||
Sim | 1,17 | 1,09;1,25 | <0,001 | 1,11 | 1,03;1,18 | 0,004 |
Condições de saúde bucal | ||||||
Sangramento gengival à sondagem | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||||
Sim | 1,08 | 1,00;1,16 | 0,04 | 1,00 | 0,92;1,09 | 0,939 |
Cálculo dentário | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||||
Sim | 1,13 | 1,06;1,21 | <0,001 | 1,10 | 1,01;1,20 | 0,025 |
Acesso à água fluoretada | ||||||
Sim | 1,00 | 1,00 | ||||
Não | 1,20 | 0,96;1,49 | <0,001 | 1,21 | 1,01;1,45 | <0,001 |
a) RP: razão de prevalências.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
c) Teste t do coeficiente de regressão.
d) Razão ajustada de prevalências.
Nota: Valores ajustados por todas as variáveis incluídas no modelo.
A condição comportamental de atraso escolar associou-se com maior prevalência (RP=1,17 - IC95% 1,09;1,25) e severidade da cárie dentária (RM=1,23 - IC95% 1,03;1,47).
Em relação às condições de saúde bucal, observou-se que o sangramento gengival foi associado com a severidade da doença (RM=1,24 - IC95% 1,11;1,39), enquanto o cálculo dentário associou-se com a prevalência (RP=1,13 - IC95% 1,06;1,21) e severidade (RM=1,19 - IC95% 1,06;1,33). Sobre acesso à água fluoretada, verificou-se maior prevalência e severidade da cárie dentária entre aqueles não atendidos pelo benefício: RP=1,20 - IC95% 0,96;1,49 (para prevalência) e RM=1,77 - IC95% 1,51;2,08 (para severidade).
Após o ajuste do modelo (Tabela 3), observou-se que a prevalência de cárie dentária foi maior no sexo feminino, embora a maior severidade nesse grupo não fosse significativa. Em relação à idade, houve diferença estatisticamente significativa para os 17 e os 18 anos. Quanto às condições socioeconômicas, a aglomeração domiciliar não se mostrou associada à prevalência e severidade da doença. No entanto, a renda familiar inferior a R$ 1.500,00 foi associada com maior severidade, e a posse de menos que 8 bens no domicílio, associada com maior prevalência.
Tabela 3 - Estimativas dos valores da razão de médias e intervalo de confiança para cárie dentária, na análise bruta e no modelo ajustado de regressão binomial negativa inflada de zeros, em adolescentes (15 a 19 anos), estado de São Paulo, 2015
Variáveis | RMa | IC95% b | p-valorc | RMad | IC95% b | p-valorc |
---|---|---|---|---|---|---|
Características demográficas | ||||||
Gênero | ||||||
Masculino | 1,00 | 1,00 | ||||
Feminino | 1,11 | 1,01;1,22 | 0,037 | 1,07 | 0,98;1,18 | 0,138 |
Idade (anos) | ||||||
15 | 1,00 | 1,00 | ||||
16 | 1,06 | 0,94;1,18 | 0,34 | 1,07 | 0,95;1,20 | 0,288 |
17 | 1,37 | 1,20;1,55 | <0,001 | 1,29 | 1,16;1,43 | <0,001 |
18 | 1,24 | 1,07;1,43 | 0,004 | 1,20 | 1,04;1,39 | 0,012 |
19 | 1,49 | 1,34;1,66 | <0,001 | 1,40 | 1,23;1,59 | <0,001 |
Raça/cor da pele | ||||||
Branca | 1,00 | 1,00 | ||||
Negra | 1,03 | 0,89;1,19 | 0,667 | 1,00 | 0,86;1,15 | 0,939 |
Amarela | 1,74 | 1,19;2,54 | 0,005 | 1,35 | 1,01;1,83 | 0,054 |
Parda | 1,06 | 0,98;1,16 | 0,139 | 1,04 | 0,95;1,13 | 0,288 |
Indígena | 0,92 | 0,64;1,33 | 0,673 | 1,02 | 0,65;1,60 | 0,981 |
Condições socioeconômicas | ||||||
Aglomeração domiciliar | ||||||
Até 2 | 1,00 | 1,00 | ||||
2 ou mais | 1,08 | 0,90;1,09 | 0,896 | 1,07 | 0,98;1,17 | 0,765 |
Renda familiar | ||||||
Até R$ 1.500 | 1,00 | 1,00 | ||||
R$ 1.501 a R$ 2.500 | 0,88 | 0,80;0,98 | 0,016 | 0,91 | 0,82;0,99 | 0,049 |
R$ 2.501 ou mais | 0,88 | 0,80;0,97 | 0,008 | 0,89 | 0,78;0,99 | 0,054 |
Número de bens no domicílio | ||||||
Até 8 | 1,00 | 1,00 | ||||
9 ou mais | 0,85 | 0,77;0,94 | 0,001 | 0,91 | 0,81;1,02 | 0,136 |
Condição comportamental | ||||||
Atraso escolar | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||||
Sim | 1,23 | 1,03;1,47 | 0,020 | 1,07 | 0,92;1,24 | 0,298 |
Condições de saúde bucal | ||||||
Sangramento gengival à sondagem | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||||
Sim | 1,24 | 1,11;1,39 | <0,001 | 1,15 | 1,02;1,30 | 0,018 |
Cálculo dentário | ||||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||||
Sim | 1,19 | 1,06;1,33 | 0,004 | 1,04 | 0,91;1,19 | 0,549 |
Acesso à água fluoretada | ||||||
Sim | 1,00 | 1,00 | ||||
Não | 1,77 | 1,51;2,08 | <0,001 | 1,81 | 1,56;2,09 | <0,001 |
a) RM: razão de médias.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
c) Teste t do coeficiente de regressão.
d) Razão ajustada de médias.
Nota: Valores ajustados por todas as variáveis incluídas no modelo.
O atraso escolar permaneceu associado apenas com maior prevalência da doença (RP=1,11 - IC95% 1,03;1,18). Sobre as condições de saúde bucal, verificou-se que o sangramento gengival permaneceu associado à severidade da doença, enquanto o cálculo dentário permaneceu associado apenas com a prevalência. O acesso à água fluoretada foi associado tanto à prevalência quanto à severidade da cárie dentária.
Discussão
Os resultados do presente estudo apontaram que o sexo feminino, idade mais elevada, menor renda familiar, número menos elevado de bens no domicílio, atraso escolar, condições de saúde bucal (sangramento gengival e cálculo dentário) e falta de acesso à água fluoretada foram associados à maior prevalência e/ou à severidade da cárie dentária.
As desigualdades da cárie dentária entre os adolescentes permanecem uma realidade. Os resultados mostraram que possuir menor renda familiar e menor número de bens no domicílio foram associados à maior prevalência e severidade da cárie dentária. Uma revisão sistemática, publicada em 2018,14 buscou evidências consistentes da associação entre desigualdades sociais contextuais e a ocorrência de cárie dentária em adolescentes, e encontrou artigos reveladores de associação significativa entre fatores socioeconômicos contextuais e cárie, demonstrando a importância dessas variáveis no desenvolvimento da doença.
Estudo realizado na Suécia, em 2009,15 concluiu que os fatores socioeconômicos se associaram à experiência de cárie dentária em crianças e adolescentes, quando utilizados como fatores únicos ou combinados em um índice. Outro estudo de coorte, publicado em 2020, realizado com 1.134 adolescentes de 12 anos de idade no Sul do Brasil,16 verificou que adolescentes com menor nível socioeconômico e contexto escolar ruim apresentaram maiores índices de cárie dentária; e que adolescentes não brancos, com menor frequência de atendimento odontológico, pouca percepção dos pais sobre a saúde bucal da criança e presença de placa bacteriana, também foram associados a maior incidência de cárie dentária.
Apesar desse contexto de desigualdades na distribuição da doença, comparando-se os resultados deste estudo com outro, também realizado em adolescentes no estado de São Paulo, em 2002, pode-se perceber uma tendência de declínio da cárie dentária entre os adolescentes nessa faixa etária.17
Entretanto, a carga da doença permanece em todas as faixas etárias. A cárie dentária pode começar em idade precoce, atravessar a infância e adolescência e adquirir sua maior gravidade na fase adulta, resultando em perdas dentárias e consequente deterioração na qualidade de vida.18 No presente estudo, foi encontrada diferença estatística entre as idades analisadas, relativamente à prevalência e severidade da doença, mostrando seu efeito cumulativo. Assim, a abordagem da doença na adolescência é importante, porque pode apontar fatores preditores do edentulismo na vida adulta.
Um estudo transversal, ao analisar os dados de adolescentes examinados no levantamento epidemiológico nacional em saúde bucal realizado na China, em 2016,19 verificou um incremento anual de 3% na prevalência de cárie e 0,15 no CPOD dos 12 aos 14 anos de idade, sugerindo, portanto, aumento da carga da doença conforme os indivíduos se tornam mais velhos.
O sexo feminino apresentou maior prevalência de cárie dentária. Este achado poderia ser explicado pela erupção precoce dos dentes permanentes nas meninas e, consequentemente, seu maior tempo de exposição ao ambiente cariogênico.20 Segundo uma revisão sistemática dos determinantes sociais da saúde e cárie dentária no Brasil, focada no período de 1999 a 2010,21 os estudos consultados apontaram maior ocorrência de cárie no sexo feminino; porém, somente 25% dessas associações foram estatisticamente significativas.
Não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre raça/cor da pele e prevalência/severidade da cárie dentária, resultado possivelmente explicado pelo fato de as variáveis socioeconômicas estarem fortemente associadas à cárie dentária e assim, quando ajustadas, o peso das condições sociais e econômicas mostrar-se maior que o das condições étnico-raciais. Já outros estudos encontraram diferenças entre raça/cor, sendo que os brancos possuíam menores índices de cárie dentária que outros grupos raciais.22,23
A escolaridade pode afetar a saúde, por meio do favorecimento ao acúmulo de conhecimentos, e influenciar a tomada de hábitos saudáveis. Portanto, a escolha da variável ‘atraso escolar’ justifica-se, neste estudo. Ademais, já foi demonstrada associação estatisticamente significativamente entre nível de estudo e maior prevalência de cárie dentária.24
Os resultados mostraram maior prevalência e severidade da cárie dentária nos adolescentes sem acesso à água fluoretada. A despeito do contexto de declínio da cárie dentária e da vulgarização dos dentifrícios fluoretados, os benefícios atribuídos à adição de fluor não justificam a descontinuidade ou mesmo a não ampliação desse método de tratamento da água. Pesquisa populacional realizada entre 2012 e 2014, em crianças e adolescentes australianos,25 encontrou associações consistentes entre exposição à água fluoretada e cárie dentária, que persistiu mesmo quando as diferenças socioeconômicas foram ajustadas entre os grupos de exposição, apoiando a eficácia da continuidade do procedimento. Narvai26 também encontrou valores médios menores dos índices de cárie em adolescentes de 11-12 anos de idade, quando comparou dois municípios paulistas com e sem exposição à água fluoretada, ainda que em presença de exposição concomitante a dentifrício fluoretado, em cenário de baixa prevalência da doença. Portanto, a fluoretação das águas de abastecimento público foi identificada como uma variável ambiental com potencial para explicar a menor magnitude do índice CPOD entre a população com acesso ao benefício.
Os resultados deste estudo apontaram para a associação entre sangramento gengival e severidade da cárie dentária, enquanto o cálculo dentário foi associado à maior prevalência da doença. Esta associação positiva poderia ser explicada pela presença de fatores de risco comuns, incluindo má higiene bucal, determinantes sociais e comportamentais.27 Um estudo longitudinal de três anos, realizado com adolescentes, revelou que cáries tiveram um efeito negativo na saúde do periodonto.28 Embora, em termos de etiologia, cárie e gengivite sejam consideradas mutuamente independentes, a presença da sacarose poderia associar ambas as doenças. A sacarose aumenta a formação da placa supragengival, pré-requisito para o desenvolvimento da subgengival, que induziria à doença periodontal.29 Como há poucos trabalhos na literatura sobre a associação entre sacarose, cárie e doença periodontal, sugere-se que mais estudos sejam realizados para elucidar a questão.
Entre as limitações deste estudo, está sua natureza transversal: as informações se referem a um único recorte no tempo, e não permitem considerações sobre causalidade ou o quanto de doença se desenvolveu ao longo de um período determinado.
O estudo considerou o acesso ao flúor como uma variável individual, estimando que todas as crianças nos municípios com serviço de água fluoretada tivessem acesso ao benefício. A avaliação dicotômica da fluoretação nos municípios (com fluor; sem flúor), sem o devido controle sobre os teores recomendados, informação que não estava disponível para análise, foi outra limitação desta pesquisa. Antes mesmo de se comprovar a etiologia microbiana da cárie dentária e sua forte associação com o consumo frequente de açúcar, o flúor foi o primeiro fator exógeno reconhecido como importante para modificar o risco da doença30 e nesse sentido, haja vista o reconhecido impacto da medida na prevenção da cárie dentária, é importante a inclusão dessa variável no modelo estatístico. Outrossim, cumpre ressaltar: trata-se de uma amostra representativa da faixa etária estudada, o que permite a extrapolação dos dados do estudo e garante sua validação externa.
Conclui-se que as iniquidades em relação a distribuição da cárie dentária entre os adolescentes no estado de São Paulo persistem, todavia, e constituem um desafio à adoção de medidas de proteção e prevenção com o objetivo de melhorar as condições de sua saúde bucal. Também foram identificados os fatores mais relevantes associados à prevalência e severidade do ataque de cárie dentária nesses jovens. As informações relatadas podem tanto orientar o planejamento de programas de ação em saúde voltados ao controle das doenças e à melhoria da saúde bucal, como abordagens direcionadas a fatores de risco comuns, no sentido de evitar as doenças bucais.