Introdução
A Atenção Primária brasileira tem alcançado êxito na melhoria de acesso aos serviços de saúde, além do incentivo à implantação municipal de programas cujo foco é a prevenção de doenças e a promoção da saúde.1 Uma dessas iniciativas é o Programa Academia da Saúde (PAS), instituído em 2011 para atuar no enfrentamento da alta prevalência das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs).
As DCNTs são responsáveis por aproximadamente 70% das mortes no mundo, com impacto direto sobre a população economicamente ativa,2 e consistem em um desafio emergente para os sistemas de saúde.3 O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNTs no Brasil, 2011-2022,4 tem o PAS como uma de suas iniciativas. O governo federal induz e fomenta a implementação do programa em nível local, por meio da transferência de recursos para a construção e o funcionamento de polos,5 realização de atividades e atendimentos individualizados e em grupos, educação em saúde, promoção de alimentação saudável, modos de vida ativos e práticas corporais, entre outras ações. Essas características podem contribuir para uma perspectiva de sucesso do PAS, haja vista programas de base populacional serem mais propensos a atingir melhores resultados quando diversas atividades são ofertadas e direcionadas em nível individual e coletivo.6
Um dos aspectos críticos do PAS encontra-se no financiamento da adesão por obra pública. Neste caso, a adesão está condicionada à transferência de recursos financeiros do governo federal ao municipal, as chamadas transferências voluntárias. Essas transferências de recursos conferem poder e favorecimento a atores e grupos políticos, no âmbito da União, e beneficiam, preferencialmente, os municípios com maior capacidade técnica de negociação, ocupados por bases eleitorais e partidárias, em detrimento dos municípios economicamente mais vulneráveis. Nesse sentido, tem-se observado que fatores político-partidários e capacidades técnicas se sobrepõem à redistribuição dos recursos que deveriam beneficiar localidades mais necessitadas.7,8
No que tange à escolha de municípios para adesão ao PAS, inexiste definição formal e oficial de critérios que considerem a situação socioeconômica e o quadro epidemiológico das localidades como prioridades no processo de implantação, o que seria ideal, garantindo-se uma coerência com a finalidade social do programa. Soma-se a essa condição o fato de o PAS constituir uma política pública do Sistema Único de Saúde (SUS), ancorada no princípio da equidade do sistema e, ao mesmo tempo, depender do financiamento de emendas parlamentares para a construção de infraestrutura e manutenção de atividades cuja proposta original é destinar recursos públicos e atender a populações e territórios socioeconomicamente mais vulneráveis. Todavia, a precariedade dos critérios de necessidade e viabilidade técnica e política adotados interfere no cumprimento desse compromisso.8
A questão processual da adesão, ou seja, a alocação, está vinculada ao financiamento das obras, classificado em duas fases. Na primeira fase, de 2011 a 2012, as obras foram financiadas na forma de recursos do Ministério da Saúde, aqui denominada ‘programa’; na segunda fase, a partir de 2013, as obras receberam financiamento por meio de emendas parlamentares individuais. A única justificativa documentada para essa mudança foi a de que o PAS, como iniciativa de promoção da saúde (e portanto, intersetorial), não seria considerado como gasto em saúde.9 A participação do Poder Legislativo na destinação dos recursos de investimento até 2017 foi expressiva, equivalente a 205,6 milhões de reais – versus mais de R$ 300 milhões para adesões mediante transferência pelo programa, conforme dados do Ministério da Saúde.10
Entre os estudos sobre o PAS disponíveis na literatura científica, nenhum analisou a relação entre a distribuição dos recursos do programa e indicadores de saúde e socioeconômicos.11–14 Este estudo teve como objetivo justamente analisar a correlação entre as adesões dos municípios ao PAS, as internações por DCNT e os níveis socioeconômicos locais, entre 2011 e 2017.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico, cuja unidade agregada de análise corresponde aos municípios brasileiros. Foram utilizados dados secundários de 2.837 municípios que tiveram aprovada sua adesão ao PAS, por obra pública, no período de 2011 a 2017.
A extração dos dados aconteceu nos anos de 2018 e 2019. Para compor os indicadores utilizados, foram acessados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados técnicos do PAS foram obtidos do Ministério da Saúde. Foram utilizadas as seguintes categorias de variáveis: indicador epidemiológico de DCNT (baixo; moderado; alto); Índice Firjan de Desenvolvimento Socioeconômico (IFDM) (baixo a regular; moderado a alto); e tipos de financiamento do PAS (emenda parlamentar; programa; ambos).
O indicador de adesão municipal (IND-ADE) foi calculado como a razão entre o total de adesões e a média da população municipal entre 2011 e 2017, vezes 10 mil (para ajuste populacional). Para a composição do indicador de DCNT (IND-DCNT), foram utilizadas as internações por DCNT, previstas na lista de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP). As DCNTs utilizadas na análise foram aquelas de relevância epidemiológica,15 constantes da lista do Ministério da Saúde para morbidades, segundo a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10): hipertensão essencial (CID-10: I10); outras doenças hipertensivas (CID-10: I11-I15); diabetes mellitus (CID-10: E10-E14); insuficiência cardíaca (CID-10: I50); hemorragia intracraniana (CID-10: I60-I62); infarto cerebral (CID-10: I63); acidente vascular cerebral não específico, hemorrágico ou isquêmico (CID-10: I64); e outras doenças cerebrovasculares (CID-10: I65-I69).16
O IND-DCNT refere-se à razão entre o número total das internações por DCNT inscritas na lista de ICSAP e a média da população municipal entre 2011 e 2017, vezes 10 mil, correspondendo à taxa de internações. Os dados das internações foram extraídos do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) por meio do instrumento Tabnet (Departamento de Informática do SUS [Datasus]/Ministério da Saúde), no campo ‘Informações de Saúde – Epidemiológicas e Morbidade’, por local de residência, a partir de 2008. Para esse indicador, adotou-se uma variável dummy com base na divisão dos dados em tercis: 1° tercil, até 189,798 (baixo); 2° tercil, 189,799 a 335,066 (moderado); 3° tercil, acima de 335,068 (alto).
Para o critério socioeconômico, foi utilizado o IFDM. O IFDM é elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro com base em estatísticas públicas oficiais, e reflete o desenvolvimento socioeconômico municipal, utilizando dados de emprego, renda, educação e saúde.17 Os dados do IFDM de 2011 a 2016 (último ano disponível) foram extraídos da plataforma Firjan. Nos casos de índices faltantes para determinados municípios, utilizou-se a média anual estadual respectiva do IFDM. Foram imputados os dados de 2016 para o ano de 2017. Na sequência, foi calculada a média municipal do IFDM no período estudado e realizou-se a classificação de acordo com as categorias estipuladas pelos desenvolvedores do índice: baixo desenvolvimento (0 a 0,4); desenvolvimento regular (0,4 a 0,6); desenvolvimento moderado (0,6 a 0,8); e alto desenvolvimento (0,8 a 1).
Para o financiamento, foram adotadas as categorias de acordo com os tipos de recurso existentes para a adesão por obra: (i) somente por emenda (parlamentar); (ii) somente por programa (recursos oriundos do orçamento do Ministério da Saúde); (iii) ambos os tipos de financiamento. Considerando-se a distribuição dos dados entre as faixas de IFDM, optou-se por analisar de forma dicotômica os dados do IFDM, mediante a definição das categorias ‘baixo a regular ‘(0 a 0,6) e ‘moderado a alto’ (0,6 a 0,8).
Para a condução das análises, os tipos de financiamento e os indicadores socioeconômico e epidemiológico foram utilizados na classificação dos municípios. Usou-se o software R para tabulação e análise dos dados. Os resultados são apresentados em valores absolutos, relativos, medidas e quartis (primeiro e terceiro). Para a comparação do indicador de adesão entre as categorias de financiamento, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, e, entre as categorias de IFDM e do IND-DCNT, foi utilizado o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. Para verificar a relação entre os indicadores de adesão e de DCNT, de acordo com as categorias de financiamento e IFDM, foram realizados testes de correlação de Spearman (two-sided). Para todos os testes, o nível de significância foi estabelecido em 5%. Dispensou-se a apreciação do projeto do estudo por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), por se tratar de dados secundários, de domínio público, sem identificação nominal.
Resultados
Houve adesão de 2.837 municípios ao Programa Academia de Saúde por obra pública nos anos de 2011 a 2017. As macrorregiões Norte e Sudeste apresentaram, respectivamente, a maior (58%) e a menor (44%) proporção de municípios com adesão ao PAS. O número absoluto de adesões foi superior no Nordeste (1.338), em comparação às demais macrorregiões, enquanto para o IND-ADE os valores foram mais elevados nas regiões Centro-Oeste e Sul (ambas com 1,36 e desvio-padrão [DP]=1,2), e na região Norte (1,33; DP=1,3) (Tabela 1). Entre os municípios analisados, 349 (12%) possuíam mais de uma adesão por programa para cada 9 mil habitantes.
Macrorregião | Municípios n |
Municípios com adesão n (%) |
Adesões n |
Indicador de adesão Média (desvio-padrão) |
---|---|---|---|---|
Nordeste | 1.794 | 979 (55) | 1.338 | 1,07 (0,9) |
Norte | 450 | 261 (58) | 383 | 1,33 (1,3) |
Centro-Oeste | 467 | 255 (55) | 343 | 1,36 (1,2) |
Sudeste | 1.668 | 736 (44) | 1.102 | 1,18 (1,3) |
Sul | 1.191 | 606 (51) | 775 | 1,36 (1,2) |
De acordo com as categorias de financiamento, os municípios com financiamento de tipo ‘programa’ foram a maioria (57%) e aqueles com ambos os tipos – programa e emenda – corresponderam a apenas 11% do total. Municípios com IFDM moderado a alto responderam pela maior proporção de adesão, de 72%. Quanto ao IND-DCNT, os percentuais de municípios se assemelharam entre as três categorias de adesão (Tabela 2).
Variáveis | Municípios | ||
---|---|---|---|
n | % | ||
Financiamento | |||
Emenda parlamentar | 927 | 33 | |
Programa (recursos do orçamento do Ministério da Saúde) | 1.605 | 57 | |
Ambos | 305 | 11 | |
Índice Firjan de Desenvolvimento Socioeconômico – IFDM | |||
Baixo a regular | 802 | 28 | |
Moderado a alto | 2.035 | 72 | |
Indicador de doenças crônicas não transmissíveis – IND-DCNT | |||
Baixo | 951 | 34 | |
Moderado | 942 | 33 | |
Alto | 944 | 33 |
O indicador de adesão apresentou valores superiores em municípios com financiamento por emendas parlamentares (1,18), IFDM moderado a alto (0,94) e IND-DCNT alto (1,03) (p<0,001) (Tabela 3). As correlações entres os indicadores de adesão e de DCNT, de acordo com as categorias de financiamento, são representadas na Figura 1. As correlações foram significativas para as formas de financiamento ‘programa’ (r = 0,14; p<0,001) e ambas, emenda e programa (r=0,12; p=0,043) (Figura 1).
Variáveis | Indicador de adesões | ||
---|---|---|---|
Mediana (Quartil 1 e Quartil 3) | p-valora | ||
Financiamento | |||
Emenda parlamentar | 1,18 (0,60;2,05) | ||
Programa (recursos do orçamento do Ministério da Saúde) | 0,81 (0,34;1,70)b | <0,001 | |
Ambos | 0,82 (0,38;1,43)b | ||
Índice Firjan de Desenvolvimento Socioeconômico – IFDM | |||
Baixo a regular | 0,87 (0,60;2,05) | <0,001 | |
Moderado a alto | 0,94 (0,38;1,95) | ||
Indicador de doenças crônicas não transmissíveis – IND-DCNT | |||
Baixo | 0,90 (0,36;1,72)c | <0,001 | |
Moderado | 0,87 (0,36;1,75)c | ||
Alto | 1,03 (0,52;1,94) |
a)O teste de Wilcoxon-Mann-Whitney foi usado para categorias de IFDM e do IND-DCNT e o teste Kruskal-Wallis foi usado para categorias de financiamento.
b)Diferença para emenda parlamentar (valor p<0,001).
c)Diferença para o IND-DCNT na categoria ‘alto’ (valor p<0,001).
Na Figura 2, são apresentadas as relações entre os indicadores de adesão e de DCNT segundo a situação de desenvolvimento socioeconômico. Para os municípios de baixo a regular IFDM, o coeficiente de correlação foi negativo (r=-0,09; p=0,013), demonstrando relação inversa entre o IND-ADE e o IND-DCNT, enquanto para os municípios com IFDM moderado a alto a correlação foi positiva (r=0,13; p<0,001).
Discussão
Os resultados deste estudo evidenciaram superioridade do indicador de adesões ao PAS por emenda parlamentar, quando associado a municípios de moderado a alto IFDM e indicador de DCNT alto. Além disso, para os municípios contemplados com recursos oriundos de programa ou de ambos os tipos (emenda parlamentar e programa ministerial), a correlação entre os indicadores de adesão e DCNT foi positiva, enquanto nos municípios de baixo a regular IFDM o indicador de adesão reduziu-se proporcionalmente ao aumento do indicador de DCNT.
O indicador de adesão mais elevado no grupo de municípios com adesão por emenda parlamentar – a despeito do predomínio, em número absoluto e proporcional, de adesões por programa – significa que as emendas tiveram um poder concentrador de mais de uma adesão por município. Na literatura científica, não foram encontradas iniciativas com financiamento misto semelhante ao caso do PAS, para comparação. Porém, estudos indicam que emendas parlamentares tendem a ser direcionadas para municípios com convergência partidária entre prefeito e governo federal,18 e entre prefeito e deputado autor da emenda.19
Quanto à distribuição das adesões, sob a perspectiva do desenvolvimento socioeconômico municipal, destaca-se um achado: de maneira geral, municípios com maiores indicadores de adesão estão no grupo de moderado a alto IFDM, enquanto municípios com baixo a regular IFDM apresentaram relação negativa entre os indicadores de adesão e de DCNT. Estes achados contrapõem-se aos de outro estudo recente, no qual se demonstrou que quase metade dos municípios participantes do PAS se enquadram entre os mais baixos índices de desenvolvimento humano municipal (IDHM).20 Embora o estudo não tenha utilizado os mesmos índices, as características do IDHM e do IFDM são semelhantes, e, portanto, passíveis de comparação.
As desigualdades socioeconômicas acentuam e influenciam diretamente o processo de adoecimento da população.21–23 Há evidências científicas de que baixa escolaridade23 e baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico21 estão relacionados a alta prevalência de DCNT. Ademais, pessoas de baixa renda apresentam mais fatores de risco e enfrentam mais barreiras para o acesso aos serviços de saúde.22 A dimensão do desenvolvimento socioeconômico, representada pelo IDHM ou IFDM, também foi utilizada em estudo para analisar as transferências voluntárias da União24 e, na conclusão de seus autores, o volume de recursos transferidos aos municípios não mostrou relação com o IDHM, e sim com a existência de alinhamento político-partidário.
Particularmente neste estudo, como as transferências do PAS se encaixam na modalidade de investimento em saúde, sua destinação aos municípios teria de atender a critérios equitativos, para se reduzirem desigualdades na oferta de serviços e se garantir a integralidade na atenção à saúde.25 Não obstante, sabe-se que o mecanismo do aumento das transferências voluntárias do SUS decorre da adesão dos municípios a programas do Ministério da Saúde.26
No presente estudo, o indicador de adesão foi superior para municípios com alto IND-DCNT. Municípios com financiamento por programa e financiamento misto apresentaram relação direta entre os indicadores estudados, os quais apontam ampliação na alocação de recursos para municípios com IND-DCNT mais crítico.
Os resultados desta pesquisa vão ao encontro dos objetivos do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNTs no Brasil, 2011-2022,4 no que corroboram as observações de outros autores ao discorrer sobre a carga das DCNTs no país.27 As DCNTs atingiram um patamar elevado de prioridade na agenda governamental da Saúde Pública no Brasil, integradas a diversas iniciativas em curso. Portanto, é fundamental que a gestão da alocação dos recursos seja qualificada. Considerando-se o propósito de atender à equidade na formalização das adesões ao PAS, evitando-se disparidades e injustiças com as populações beneficiárias,28 faz-se mister promover e estender o programa aos municípios mais críticos, seja no aspecto epidemiológico das DCNTs, seja na situação socioeconômica, independentemente do tipo de financiamento executado.
Durante o período selecionado, o número de adesões máximas nos municípios era pautado pelo critério administrativo do Ministério da Saúde de uma adesão para cada 9 mil habitantes, fato de conhecimento dos técnicos e gestores envolvidos com o PAS, embora não normatizado. Com a ciência de que esse critério poderia enviesar o indicador adotado neste estudo, solicitou-se ao Ministério da Saúde esclarecimentos adicionais. Em resposta, a instituição informou que a regra teve validade apenas para as adesões até 2012. Por esse motivo, realizou-se a análise do cumprimento da regra por meio do número total de adesões e a média populacional de 2011 a 2017, com a finalidade de identificar essa situação e melhor discutir seus resultados.
Os resultados relacionados a esse critério contestam as informações obtidas do Ministério da Saúde e minimizam o viés interpretativo. Outrossim, o conjunto dos achados deste estudo permite afirmar que tal critério, independentemente de ter-se utilizado somente até 2012 ou em qualquer ano do período de análise, foi empregado de maneira equivocada, do ponto de vista epidemiológico e socioeconômico. Ainda que o escopo deste trabalho não fosse apontar os motivadores da distribuição das adesões do PAS no território nacional, o confronto entre os resultados encontrados e as evidências permite questionamentos acerca da vinculação da alocação do PAS e a lógica do fluxo das transferências voluntárias do governo federal. Uma lógica que remete à destinação dos recursos, prioritariamente, para localidades onde os ganhos políticos são maiores,7,24,29,30 sem adotar um modelo redistributivo com o propósito de equalizar as desigualdades fiscais30 que implicam a geração de inequidades sociais.
Entre as limitações da pesquisa, ressalta-se, primeiramente, a cautela a se ter na interpretação de seus resultados. Trata-se de um estudo ecológico, com delineamento transversal, não sendo possível estabelecer uma relação causal entre as adesões ao PAS e as internações por DCNT, bem como quaisquer inferências acerca das relações observadas, de caráter especulativo, apoiadas na literatura disponível. Uma segunda limitação do estudo reside nos dados observados, analisados em nível coletivo; quando considerados em nível individual, podem apresentar diferenças devido ao viés causal e à falácia ecológica.
Conclui-se que a principal forma de adesão ao PAS, no período estudado, ocorreu por autorização de emenda parlamentar, referenciada pelo tamanho da população atendida, e a menor adesão ao programa correspondeu aos municípios com piores indicadores socioeconômicos e de DCNT. A criação do PAS surgiu como uma intervenção alternativa na prevenção e/ou tratamento de fatores de risco para DCNTs, no bojo da Atenção Primária à Saúde. Contudo, os achados do estudo demonstram haver um contrassenso no processo de adesão quando se observam, conjuntamente, a perspectiva socioeconômica e a epidemiológica, a depender da fonte dos recursos utilizados para a implementação municipal do programa. Portanto, o desafio para a gestão do PAS consiste na definição e implementação de critérios alocativos equitativos, em consonância com a capacidade orçamentária do setor da Saúde, a fim serem contemplados municípios mais vulneráveis e, por conseguinte, pessoas mais expostas aos fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis.