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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.29 no.5 Brasília  2020  Epub 02-Nov-2020

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742020000500021 

Nota de Pesquisa

Síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 em crianças e adolescentes no Brasil: perfil dos óbitos e letalidade hospitalar até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020

Síndrome Respiratorio Agudo Severo por COVID-19 en niños y adolescentes en Brasil: perfil de muertes y letalidad hospitalaria hasta la 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020

Danúbia Hillesheim (orcid: 0000-0003-0600-4072)1  , Yaná Tamara Tomasi (orcid: 0000-0001-6034-1497)1  , Thamara Hübler Figueiró (orcid: 0000-0001-6502-1396)1  , Karina Mary de Paiva (orcid: 0000-0001-7086-534X)2 

1Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Florianópolis, SC, Brasil

2Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Fonoaudiologia, Florianópolis, SC, Brasil

Resumo

Objetivo:

Descrever o perfil dos óbitos e a letalidade de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por COVID-19 em crianças e adolescentes hospitalizados no Brasil.

Métodos:

Estudo transversal, realizado com dados das fichas de notificação de SRAG de crianças e adolescentes (0 a 19 anos) com confirmação laboratorial para COVID-19. Foram incluídas as notificações com evolução completa de SRAG por COVID-19 até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020.

Resultados:

Foram investigadas 6.989 hospitalizações, das quais 661 evoluíram a óbito, perfazendo uma letalidade hospitalar de 9,5%. Observou-se maior letalidade entre menores de 1 ano de idade (14,2%), crianças e adolescentes do sexo feminino (9,7%), indígenas (23,0%) e residentes em zonas rurais (18,1%), como também nas regiões Nordeste (15,4%) e Norte (9,7%) do país.

Conclusão:

Foram observadas diferenças na letalidade hospitalar, conforme as características sociodemográficas e marcantes desigualdades regionais.

Palavras-chave: Síndrome Respiratória Aguda Grave; Infecções por Coronavirus; Criança; Adolescente; Mortalidade; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo:

Describir el perfil de muertes y letalidad del Síndrome Respiratorio Agudo Severo (SRAS) por COVID-19 en niños y adolescentes hospitalizados en Brasil.

Métodos:

Estudio transversal realizado con datos de los formularios de notificación de SRAS de niños y adolescentes (0 a 19 años) confirmados en laboratorio para COVID-19. Se incluyeron notificaciones con evolución completa del SRAS por COVID-19, hasta la 38ª Semana Epidemiológica de 2020.

Resultados:

Se incluyeron 6.989 hospitalizaciones, 661 fallecidas, resultando en letalidad hospitalaria del 9,5%. Se observaron mayores tasas de letalidad entre los niños menores de un año (14,2%), niñas y adolescentes (9,7%), indígenas (23,0%) y residentes en zonas rurales (18,1%), así como en las regiones Nordeste (15,4%) y Norte (9,7%).

Conclusión:

Se observaron diferencias en la mortalidad hospitalaria según las características sociodemográficas y marcadas desigualdades regionales.

Palabras clave: Síndrome Respiratorio Agudo Grave; Infecciones por Coronavirus; Niño; Adolescente; Mortalidad; Estudios Transversales

Introdução

A COVID-19 é uma doença infecciosa, causada pelo vírus SARS-CoV-2, um novo tipo de coronavírus que se relaciona a quadros de síndrome respiratória aguda grave (SRAG).1 A doença espalhou-se rapidamente, configurando-se uma pandemia, com implicações sociais, sanitárias e econômicas. Até 28 de setembro de 2020, já se haviam confirmado 33.034.598 casos da doença e 996.342 óbitos em todo o mundo.2

No Brasil, foram notificados 388.901 casos de SRAG devidos à COVID-19 entre a 1ᵃ e a 38ª Semanas Epidemiológicas de 2020. As hospitalizações por esse agravo entre crianças e adolescentes (0 a 19 anos) totalizaram 9.483 casos no mesmo período, correspondendo a 2,4% de todas as hospitalizações de SRAG devida à COVID-19. Além disso, do total de óbitos por SRAG entre as Semanas Epidemiológicas 1 e 38 de 2020, 69,9% foram confirmados para COVID-19, sendo que os óbitos entre crianças e adolescentes por essa causa representaram 0,68% em relação a todas as idades.3

As hospitalizações por esse agravo entre crianças e adolescentes (0 a 19 anos) totalizaram 9.483 casos no mesmo período, correspondendo a 2,4% de todas as hospitalizações de SRAG devida à COVID-19.

A quarta fase do maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, ‘Evolução da Prevalência de Infecção por COVID-19 no Brasil – Epicovid19-BR’, demostrou uma mudança no padrão etário dos infectados no país, entre junho e agosto de 2020, com crescimento proporcional da infecção em crianças e idosos e queda entre o público adulto, este que, inicialmente, apresentava as maiores taxas.4 Soma-se a isso a escassez de medidas especiais de prevenção e controle voltadas a crianças e adolescentes, para além da suspensão das aulas e uso de máscaras por crianças maiores de 5 anos e adolescentes.5

Há estudos que descrevem as características da COVID-19 em adultos e idosos na Índia6 e na China.7 Entretanto, os dados agregados em populações pediátricas ainda são limitados, especialmente sobre a letalidade.8 Em uma revisão sistemática sobre a COVID-19 em crianças, observou-se que estas representavam entre 1 e 5% dos casos confirmados, e, geralmente, manifestavam um curso clínico mais leve que os adultos.8 Contudo, pesquisa realizada com menores de 18 anos na China, entre 16 de janeiro e 8 de fevereiro de 2020, indicou que até 2,9% dos casos confirmados podem ser severos ou críticos, um percentual que sobe para 5,8% se considerados os casos suspeitos, sendo os casos de maior gravidade mais prevalentes em menores de 1 ano de idade.9

No contexto brasileiro, observam-se ações distintas de enfrentamento da doença pelos estados, fato a que se somam as desigualdades regionais no acesso aos serviços de saúde.

Visando contribuir para uma compreensão mais ampla de determinadas características epidemiológicas da doença, de forma a subsidiar a construção de medidas preventivas e de enfrentamento, o objetivo do estudo foi descrever o perfil dos óbitos e a letalidade da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada por COVID-19 em crianças e adolescentes hospitalizados no Brasil.

Métodos

Estudo transversal, realizado com dados secundários das fichas de notificação de SRAG de casos hospitalizados, disponibilizadas pelo Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).

Em 2020, a vigilância da COVID-19 foi incorporada à rede de vigilância da influenza e outros vírus respiratórios. Os casos de SRAG são definidos pelos indivíduos que atendam aos seguintes critérios: (i) indivíduo hospitalizado com febre, mesmo que referida; (ii) tosse ou dor de garganta; (iii) dispneia ou saturação de O2 <95% ou desconforto respiratório; e (iv) necessidade de hospitalização ou evolução a óbito tendo apresentado os sintomas referidos, independentemente de hospitalização.10

Como critérios de inclusão no estudo, foram consideradas crianças e adolescentes (0 a 19 anos) hospitalizados por SRAG com diagnóstico laboratorial de COVID-19 no Brasil. Foram excluídos os indivíduos cuja ficha de notificação não apresentava a evolução completa do caso na variável ‘evolução’ (cura/óbito). O período de análise estendeu-se até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020 (19/09/2020).11

As variáveis investigadas foram:

  1. Faixa etária (em anos: menor de 1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19);

  2. Sexo (feminino; masculino);

  3. Raça/cor da pele (branca; preta; parda; amarela; indígena; ignorada);

  4. Zona de residência (urbana; rural; periurbana) e

  5. Macrorregião brasileira de hospitalização por local de residência (Sul; Sudeste; Centro-Oeste; Nordeste; Norte).

Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis de interesse, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), também estratificadas pela variável ‘óbito’.

As proporções de letalidade hospitalar entre crianças e adolescentes foram calculadas pelo número de óbitos por SRAG com confirmação de COVID-19 na faixa etária de 0 a 19 anos até a Semana Epidemiológica 38, dividido pelo total de casos hospitalizados por SRAG com confirmação de COVID-19 na respectiva faixa etária até a mesma Semana Epidemiológica 38, multiplicado por 100. Os dados foram armazenados em planilhas da plataforma Microsoft Excel e posteriormente, exportados e analisados com o uso do software Stata versão 14.0.

O estudo foi realizado com dados secundários de domínio público,12 disponíveis em um sítio eletrônico de responsabilidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS) – opendatasus.saude.gov.br – e acessados pelas autoras em 28 de setembro de 2020.

Resultados

No Brasil, foram registradas 6.989 hospitalizações de SRAG por COVID-19 entre crianças e adolescentes até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020. Essas hospitalizações concentraram-se, em sua maioria, na região Sudeste (35,2% – IC95% 34,1;36,4), seguida pelo Nordeste (27,5% – IC95% 26,4;28,5). As idades de 1 a 4 e 15 a 19 anos somaram a maior parte das hospitalizações, com 27,5% (IC95% 26,4;28,4) e 24,4% (IC95% 23,3;25,4), respectivamente. Também ocorreram mais hospitalizações de crianças e adolescentes do sexo feminino (51,6% – IC95% 50,4;52,7) e de raça/cor da pele parda (50,8% – IC95% 49,6;52,0) (Tabela 1).

Tabela 1 Percentual de hospitalizações, óbitos e taxa de letalidade em crianças e adolescentes hospitalizados com diagnóstico de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por COVID-19 (N=6.989) até a 38ª Semana Epidemiológica, Brasil, 2020 

Variáveis Hospitalizações (N=6.989) Óbitos (N=661) Letalidade
N % IC95%a N % IC95%a %
Faixa etária (em anos)
<1 1.341 19,2 18,2;20,1 191 28,9 25,5;32,4 14,2
1-4 1.918 27,5 26,4;28,4 129 19,5 16,6;22,7 6,7
5-9 1.073 15,3 14,5;16,2 68 10,3 8,1;12,8 6,3
10-14 954 13,6 12,8;14,4 85 12,9 10,5;15,6 8,9
15-19 1.703 24,4 23,3;25,4 188 28,4 25,1;32,0 11,0
Sexo
Feminino 3.604 51,6 50,4;52,7 350 52,9 49,1;56,7 9,7
Masculino 3.383 48,4 47,2;49,6 311 47,1 43,2;50,8 9,2
Raça/cor da pele
Branca 1.819 27,7 26,6;28,8 138 22,6 19,4;26,1 7,6
Preta 191 2,9 2,5;3,3 18 2,9 1,8;4,6 9,4
Parda 3.335 50,8 49,6;52,0 330 54,1 50,1;58,0 9,9
Amarela 48 0,8 0,5;0,9 4 0,7 0,2;1,7 8,3
Indígena 113 1,7 1,4;2,0 26 4,3 2,9;6,1 23,0
Ignorada 1.058 16,1 15,2;17,0 94 15,4 12,7;18,5 8,9
Zona de residência
Urbana 5.832 91,8 91,0;92,3 492 84,6 81,3;87,2 8,4
Rural 485 7,6 7,0;8,3 88 15,1 12,4;18,3 18,1
Periurbana 40 0,6 0,4;0,8 2 0,3 0,1;1,3 5,0
Macrorregião do país
Sul 429 6,1 5,5;6,7 32 4,8 3,4;6,7 7,5
Sudeste 2.462 35,2 34,1;36,4 173 26,2 22,9;29,6 7,0
Centro-Oeste 881 12,6 11,8;13,4 34 5,1 3,6;7,1 3,9
Nordeste 1.918 27,5 26,4;28,5 296 44,8 41,0;48,6 15,4
Norte 1.299 18,6 17,6;19,5 126 19,1 16,2;22,2 9,7

a)IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Sobre a distribuição proporcional dos óbitos, foram identificadas proporções semelhantes entre crianças menores de 1 ano (28,9% – IC95% 25,5;32,4) e adolescentes de 15 a 19 anos (28,4% – IC95% 25,1;32,0), destacando-se maior proporção do sexo feminino (52,9% – IC95% 49,1;56,7), de raça/cor da pele parda (54,1% – IC95% 50,1;58,0) e de residentes em zonas urbanas (84,6% – IC95% 81,3;87,2) (Tabela 1).

Do número total de hospitalizações, n=6.989, 661 (9,5% – IC95% 8,9;13,7) evoluíram a óbito, perfazendo uma letalidade hospitalar de 9,5%. Observou-se maior letalidade hospitalar nos menores de 1 ano de idade (14,2%), no sexo feminino (9,7%) e entre moradores das zonas rurais (18,1%). Chama a atenção a alta letalidade encontrada em indígenas (23,0%), a maior entre as categorias analisadas. Ainda, o Nordeste (15,4%) e o Norte (9,7%) registraram as maiores letalidades hospitalares entre as macrorregiões brasileiras (Tabela 1).

Discussão

Entre crianças e adolescentes hospitalizadas devido a SRAG por COVID-19, houve maior letalidade hospitalar nos menores de 1 ano de idade, no sexo feminino, em residentes da zona rural, na região Nordeste do país e, principalmente, entre os indígenas.

Dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde (2020)3 indicaram que as hospitalizações de crianças e adolescente por SRAG com confirmação de COVID-19 representaram, até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020, 2,4% de todas as hospitalizações por essa causa.3 Embora esse percentual não represente a maior parte das internações de SRAG por COVID-19, estudo realizado no Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos,13 sugere que crianças podem portar alta carga viral, apesar de não desenvolverem, com frequência, sintomas graves da COVID-19, pelo que representam uma potencial fonte de contágio e grande motivo de preocupação para os serviços públicos de saúde, principalmente entre as famílias multigeracionais.3

O número de óbitos entre crianças e adolescentes de outros países divergem do contexto brasileiro.14,15 Dados do projeto ‘Coronavirus in Kids (COVKID) Tracking and Education’,15 dos Estados Unidos, indicaram que, até 19 de julho de 2020, foram detectados 75 óbitos por COVID-19 entre crianças e adolescentes de 0 a 19 anos naquele país. Apesar de os Estados Unidos – no que concerne ao número de casos – haverem sido reconhecidos como o epicentro da pandemia em julho de 2020,2 suas estatísticas entre crianças e adolescentes são menores, indicando que o Brasil precisa fortalecer suas medidas de prevenção nessa faixa etária.

O presente estudo corrobora a gravidade da doença em menores de 1 ano, apontada por estudo prévio. Na China, entre 2.143 pacientes pediátricos com COVID-19, pesquisadores observaram que neonatos eram mais vulneráveis ao tipo grave de infecção.9 Estudo recente destacou que a principal forma da infecção por COVID-19 em crianças (4 dias a 14 anos) foi por agrupamento familiar, e como principais características clínicas ressaltou-se os longos períodos de incubação, febre e tosse.16 No mesmo estudo chinês, entre as crianças assintomáticas, 30% apresentaram lesões pulmonares pós-infecção.16

Embora as crianças menores de 1 ano tenham apresentado maior letalidade hospitalar, os adolescentes de 15 a 19 anos seguem imediatamente atrás desse grupo. É possível que, entre adolescentes, com COVID-19 hospitalizados, condições crônicas preexistentes possam estar associadas à piora do quadro e às elevadas frequências de óbitos e letalidade no grupo estudado. Dados indicam que a ocorrência de doenças crônicas, como obesidade, diabetes mellitus e asma, vem crescendo entre adolescentes, o que pode explicar os achados.17 É importante salientar que, no presente estudo, não foi investigada a preexistência de doenças crônicas.

As maiores letalidades hospitalares foram observadas no sexo feminino, embora não haja evidências da suscetibilidade à infecção e letalidade por COVID-19 entre os sexos, especialmente em populações pediátricas.18 Com relação à zona de residência, a maior frequência de óbitos em zonas urbanas pode ser justificada, uma vez que a maior parcela da população vive nessas áreas. Contudo, a maior letalidade entre residentes nas zonas rurais pode representar um alerta para a progressão da COVID-19 nesse meio,19 tendo em vista as vulnerabilidades dos grupos populacionais presentes em comunidades rurais, a exemplo do menor acesso a serviços de saúde.20

Maiores letalidades hospitalares ocorreram nas regiões Nordeste e Norte, igualmente responsáveis pelas maiores taxas gerais de mortalidade por COVID-19.21 Em setembro de 2020, o Nordeste e o Norte registraram taxas de 68,1 e 80,5 óbitos a cada 100 mil habitantes, respectivamente.21 Estes dados confirmam as desigualdades sociais existentes entre as regiões brasileiras, pois, a despeito do índice de isolamento social de alguns de seus estados terem se mantido os mais elevados no Brasil, durante a pandemia por COVID-19,22 as duas regiões continuam a apresentar maior letalidade pela doença. Logo, o enfrentamento da pandemia necessita considerar as vulnerabilidades sociais, não apenas referentes a condições sanitárias, mas também estruturais, de organização e qualidade dos serviços de saúde em cada território.23

Os resultados revelam que crianças e adolescentes de raça/cor da pele parda são a maioria entre os óbitos, apontando para as disparidades raciais e étnicas na pandemia de COVID-19, independentemente da idade. Dados específicos de crianças da cidade de Nova York, Estados Unidos, demonstraram que, do total de óbitos de 0 a 17 anos de idade, aproximadamente 15% foram de pessoas de raça/cor da pele preta, comparadas a 4,4% brancas.15

Entre crianças e adolescentes, os indígenas apresentaram maior letalidade hospitalar. Ainda nos Estados Unidos, indígenas americanos não hispânicos ou nativos do Alasca, negros não hispânicos e pessoas hispânicas ou latinas têm uma taxa de hospitalização por COVID-19 4 a 5 vezes maior que a de brancos não hispânicos.24

A maior letalidade na população indígena pode ser reflexo da histórica barreira aos serviços de saúde, condições sanitárias, prevalência de desnutrição, doenças infecciosas e crônicas, além de inúmeros problemas associados à invasão e contaminação ambiental de suas terras por atividades garimpeiras e agropecuárias, fatores determinantes do perfil de desigualdade apresentado pela população indígena no Brasil.25,26 O acesso limitado a água – como medida de prevenção, na lavagem de mãos –, a comunicação deficiente e a falta de uma resposta da Saúde com uma perspectiva intercultural, somados à migração em grande número, a partir das principais cidades e locais turísticos, de volta às comunidades de origem, representam um alto risco de contágio para as comunidades indígenas. Estes elementos podem contribuir para que casos graves de COVID-19 “varram” principalmente as comunidades sob precárias condições de saúde e vida.25

Da mesma forma, as macrorregiões onde se observaram maiores letalidades hospitalares, assim como as características demográficas das crianças mais afetadas, remetem às desigualdades em saúde existentes no Brasil.

A letalidade é influenciada tanto por características intrínsecas ao indivíduo quanto pela disponibilidade, distribuição e qualidade dos recursos da Saúde.27,28 Nesse sentido, os dados apresentados alertam para o impacto dessas desigualdades na letalidade da população. Por se tratar de uma infecção nova e com potencial para gerar casos graves, pesquisadores recomendam que os cuidados em saúde sejam redobrados, principalmente para proteger crianças com doenças subjacentes.29

Como ponto positivo do estudo, encontra-se que a análise de bancos de dados secundários é uma boa forma de avaliar a situação epidemiológica de determinada população, sobretudo os bancos de abrangência nacional, além de investigar um grupo etário todavia com pouco destaque no cenário da COVID-19.

Entre as limitações do trabalho, reforça-se o viés de casos graves serem mais hospitalizados (viés de hospitalização), e por conseguinte, as taxas de letalidade não representarem as taxas da população geral de crianças e adolescentes. Além disso, cumpre lembrar a influência direta da qualidade heterogênea no preenchimento das fichas de notificação, segundo cada região brasileira. Ademais, não foi possível controlar os casos duplicados nesses registros, uma vez que não há qualquer variável de identificação do caso. Entretanto, se um indivíduo pode ser acometido mais de uma vez, por SRAG com diagnóstico de COVID-19, poucos estudos têm demonstrado casos de reinfecção.30 Por fim, este estudo não investigou a presença de doenças preexistentes.

A análise das hospitalizações, perfil dos óbitos e letalidade é imprescindível para a construção de medidas preventivas e de enfrentamento da COVID-19 no Brasil, especialmente entre crianças e adolescentes hospitalizados. Embora esta não seja a população mais afetada, trata-se de um grupo que atua como veículo de transmissão da infecção e vem apresentando aumento na letalidade pela doença. Os resultados apresentados evidenciam a necessidade de atender às demandas de toda a população pediátrica brasileira, especialmente de indivíduos vivendo em zonas rurais, menores de 1 ano de idade, indígenas e residentes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Não há uma medida única de abordagem da doença para um país da escala do Brasil, com tamanha diversidade estrutural, cultural e geográfica. Não obstante, os gestores devem adotar as medidas mais adequadas às particularidades de cada região e aos segmentos populacionais mais vulneráveis.

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Recebido: 21 de Agosto de 2020; Aceito: 05 de Outubro de 2020

Endereço para correspondência: Danúbia Hillesheim – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Campus Reitor João David Ferreira Lima, Rua Delfino Conti, s/n, Bloco H, Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88040-900. E-mail: nubiah12@yahoo.com.br

Editora associada: Maryane Oliveira Campos – orcid.org/0000-0002-7481-7465

Contribuição das autoras

Hillesheim D participou da concepção e delineamento do artigo, análise e interpretação dos dados, elaboração do manuscrito e revisão crítica de seu conteúdo. Tomasi YT e Figueiró TH participaram da concepção do estudo, redação, revisão de literatura e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Paiva KM participou da concepção do estudo, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito e assumem responsabilidade por todos os seus aspectos, garantindo a precisão e integridade da obra.

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