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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.30 no.2 Brasília  2021  Epub 28-Abr-2021

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000200017 

ARTIGO ORIGINAL

Profilaxia pós-exposição ao HIV em populações vulneráveis: estudo longitudinal retrospectivo em um ambulatório da rede pública do Rio Grande do Sul, 2015-2018

Profilaxis post exposición al VIH en poblaciones vulnerables: estudio longitudinal retrospectivo en un ambulatorio de salud pública en Rio Grande do Sul, Brasil, 2015-2018

Luciana Castoldi (orcid: 0000-0002-4635-0749)1  , Marina Marques Berengan (orcid: 0000-0003-4597-5824)2  , Nalu Silvana Both (orcid: 0000-0003-3576-1013)3  , Vanessa Schmidt Fortes (orcid: 0000-0003-2709-3756)2  , Tanara Vogel Pinheiro (orcid: 0000-0002-8857-9971)1 

1Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Ambulatório de Dermatologia Sanitária, Porto Alegre, RS, Brasil

2Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, Residência Integrada em Saúde, Porto Alegre, RS, Brasil

3Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Hospital Sanatório Partenon, Porto Alegre, RS, Brasil

Resumo

Objetivo:

Descrever o perfil de usuários que iniciaram a profilaxia pós-exposição ao HIV (PEP) em um serviço público, avaliando o uso dessa tecnologia pelas populações-chave recomendadas pelo Ministério da Saúde do Brasil.

Métodos:

Estudo longitudinal retrospectivo, com uso de dados secundários de usuários atendidos entre 2015 e 2018. Foram calculadas frequências absolutas e relativas e o teste do qui-quadrado de Pearson foi utilizado para comparar características comportamentais.

Resultados:

Dos 270 usuários, foram mais frequentes adultos jovens (45,4%), homens (74,7%), raça/cor da pele branca (76,3%), alta escolaridade (65,7%) e múltiplas parcerias sexuais (40,7%). Entre as populações-chave, observou-se maior frequência de usuários de álcool e/ou outras drogas (49,6%) e homens que fazem sexo com homens (38,1%), enquanto pessoas transgênero (2,2%) e profissionais do sexo (4,8%) fizeram menor uso da PEP.

Conclusão:

O uso de PEP não foi homogêneo entre os grupos vulneráveis avaliados, com baixa frequência de pessoas transgênero e profissionais do sexo.

Palavras-chave: Profilaxia Pós-Exposição; HIV; Populações Vulneráveis; Epidemiologia Descritiva

Resumen

Objetivos:

Describir el perfil de los usuarios que comenzaron la profilaxis post exposición al VIH (PEP) en un servicio público, evaluando el uso de esta tecnología por las poblaciones clave recomendadas por el Ministerio de Salud de Brasil.

Métodos:

estudio longitudinal retrospectivo, con datos secundarios de usuarios atendidos entre 2015-2018. Se calcularon frecuencias absolutas y relativa y se utilizó chi-cuadrado de Pearson para comparar características de comportamiento.

Resultados:

De los 270 usuarios estudiados, hubo mayor frecuencia de adultos jóvenes (45,4%), blancos (76,3%), hombres (74,7%), con educación superior (65,7%) y múltiples parejas sexuales (40,7%). Entre las poblaciones clave, hubo mayor frecuencia de usuarios de alcohol y/u otras drogas (49,6%) y hombres que tienen sexo con hombres (38,1%), mientras que personas transgénero (2,2%) y trabajadoras sexuales (4,8%) hizo menos uso de PEP.

Conclusión:

El uso de PEP no fue homogéneo entre los grupos vulnerables evaluados, con baja frecuencia de personas transgénero y trabajadoras sexuales.

Palabras-clave: Profilaxis Post-Exposición; VIH; Poblaciones Vulnerables; Epidemiología Descriptiva

Introdução

A profilaxia pós-exposição (PEP) consiste em uma medida de prevenção da infecção pelo HIV por meio do uso de medicamentos antirretrovirais combinados, de forma ininterrupta, por 28 dias, com início até 72 horas após uma situação de exposição ao vírus. Estas situações de risco podem ser uma violência sexual, uma relação sexual desprotegida ou um acidente ocupacional. A PEP é uma das estratégias ofertadas pelo Ministério da Saúde, definida sob a perspectiva de uma prevenção combinada1 como modelo de enfrentamento da epidemia do HIV (sigla, em inglês, para human immunodeficiency virus, ou vírus da imunodeficiência humana) e da aids (acquired immunodeficiency syndrome, ou síndrome da imunodeficiência adquirida). Essa forma de profilaxia busca prevenir a infecção a partir de um conjunto de tecnologias, classificadas em intervenções: biomédicas - entre as quais se inclui a PEP -, comportamentais e estruturais.2

As ações de cuidado em saúde na rede pública devem sempre contemplar as premissas da universalidade e da equidade, princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Para atender a esses princípios, é necessário dedicar especial esforço a alguns segmentos mais vulneráveis da sociedade.3 O termo ‘vulnerabilidade’ amplia a noção de risco comportamental à identificação de fatores sociais e de acesso a serviços públicos por populações específicas, incluindo a análise das dimensões individual, social e programática.4-6

Tais dimensões são necessárias para se repensar determinadas ações e políticas de prevenção do HIV e levantar questões intrínsecas à epidemia, como o fato de a infecção projetar-se mais além de aspectos inerentes ao indivíduo e ao seu comportamento.7,8 A dinâmica de saúde-adoecimento, por exemplo, contempla expressões de desigualdade, preconceito, debilidade das relações pessoais e da situação socioeconômica, dilemas da Justiça, condições de estrutura e funcionamento do sistema de saúde, mais além das questões de sexualidade.9

No Brasil, desde 2014, a epidemia de HIV/aids vem apresentando diminuição nas taxas de detecção e de mortalidade. No entanto, o caráter concentrado da infecção e da doença decorrente atinge, mais fortemente, alguns segmentos da população.10 O Ministério da Saúde propõe enfatizar a atenção em grupos denominados ‘populações-chave’ e ‘populações prioritárias’. Entre essas populações-chave, encontram-se gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), profissionais do sexo, indivíduos transgênero, usuários de álcool e/ou outras drogas e cidadãos privados de liberdade. As populações prioritárias, por sua vez, incluem os jovens, a população negra, os indígenas e as pessoas em situação de rua.11

A oferta de novas formas de prevenção do HIV tem-se mostrado necessária, principalmente para essas populações. Nesse contexto, a PEP se apresenta como último recurso para evitar a infecção pelo HIV, após as demais medidas conhecidas terem falhado. Evidências sobre a eficácia da PEP na redução do risco da transmissão do HIV já foram e continuam sendo demonstradas; entretanto, estudos revelam que o desconhecimento da população sobre a possibilidade da estratégia ainda representa uma grande barreira ao acesso e consecução dessa forma de profilaxia, oferecida pelo SUS.3,12 Autores apontam a necessidade de incorporação da nova tecnologia na rotina dos serviços como importante estratégia para o atendimento humanizado, integral e efetivo prestado ao usuário do sistema de saúde.13,14

Conforme as diretrizes atuais do Ministério da Saúde, compete aos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) a oferta de ações de prevenção combinada do HIV, demais infecções sexualmente transmissíveis (IST) e hepatites virais, dando preferência às populações-chave e populações prioritárias.2

Esta investigação sobre o acesso de populações vulneráveis à PEP justifica-se na elevada incidência de HIV no estado do Rio Grande do Sul, na concentração da epidemia em populações-chave e na efetividade da PEP como profilaxia de prevenção à infecção. O objetivo deste estudo foi descrever o perfil de usuários que iniciaram a profilaxia pós-exposição ao HIV (PEP) em um serviço público, avaliando o uso dessa tecnologia nas populações-chave, assim definidas pelo Ministério da Saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo sobre dados secundários, provenientes do CTA do Ambulatório de Dermatologia Sanitária (ADS) de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul.

O ADS é um serviço do SUS, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, e abriga o primeiro CTA implantado no Brasil, em atividade ininterrupta desde 1988.15 O CTA/ADS de Porto Alegre constitui unidade de referência no atendimento em dermatologia, hanseníase, HIV/aids e IST.11 A oferta de PEP no ADS teve início em abril de 2015, após atualização do protocolo, com recomendações de profilaxia pela avaliação do risco da situação de exposição e não mais por categoria de exposição (acidente com material biológico, violência sexual e exposição sexual consentida).11

Foram incluídos no estudo todos os usuários do ADS que iniciaram PEP no período de abril de 2015 a abril de 2018, após exposição sexual consentida (relação sexual desprotegida, total ou parcialmente, por rompimento, escape ou não uso de preservativo), à exceção dos usuários com dados incompletos e/ou que não aceitaram responder aos formulários de atendimento. Durante o período selecionado, dois esquemas de medicação foram utilizados: de 2015 a 2016, o esquema composto pelos antirretrovirais zidovudina, lamivudina e tenofovir; e a partir de 2017, sua substituição por um novo esquema antirretroviral, com lamivudina, tenofovir e dolutegravir.11

Foram analisadas as seguintes variáveis:

  • a) Sociodemográficas

  • - Identidade de gênero (mulher cisgênero; mulher transgênero; homem cisgênero; homem transgênero);

  • - Idade (em anos: até 29; 30 a 39; 40 a 59; 60 ou mais);

  • - Raça/cor da pele (autodeclarada: branca; preta; parda; amarela; indígena);

  • - Escolaridade (anos de estudo completos: 1 a 3; 4 a 7; 8 a 11; 12 ou mais).

  • b) Comportamentais - relativas aos 12 meses anteriores à PEP

  • - Parceria sexual (parceria fixa, parceria eventual ou múltiplas parcerias [com três ou mais pessoas diferentes] no último ano);

  • - Uso do preservativo (uso consistente [em todas as relações sexuais] ou uso inconsistente [eventual ou não uso]);

  • - Presença de IST.

  • c) Relacionadas ao uso da PEP

  • - Tipo de exposição sexual (sexo anal; sexo vaginal; sexo oral; outros contatos com secreções);

  • - Número de vezes em que usou a PEP (primeira; segunda; terceira);

  • - Retorno ao ADS em 30 a 90 dias após a prescrição, para encerrar o atendimento;

  • - Relato de tratamento completo;

  • - Ocorrência de efeitos colaterais;

  • - Resultado dos testes anti-HIV antes e após o uso da PEP.

  • d) Populações-chave - indivíduos que pertencem aos segmentos populacionais com maior vulnerabilidade ao HIV, conforme as descrições propostas pelo Ministério da Saúde11

  • - Gays e HSH;

  • - Pessoas de identidade de gênero masculina que vivenciam suas sexualidades com outros homens;

  • - Usuários de álcool e/ou outras drogas (pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas por qualquer via de administração, podendo ser de uso, abuso ou dependência);

  • - Profissionais do sexo (adultos que exercem a troca consensual de serviços, atividades ou favores sexuais por dinheiro, bens, objetos ou serviços que tenham valor);

  • - Pessoas transgênero (cuja identidade e expressão de gênero não está em conformidade com as normas e expectativas impostas pela sociedade, de acordo com o gênero designado ao nascer, com base em sua genitália).

Foram coletados dados dos Formulários de Testagem e Aconselhamento e dos Formulários de Encaminhamento à PEP, ambos preenchidos pelos aconselhadores do CTA: profissionais da equipe multidisciplinar, que passam por capacitação e treinamento antes de desempenhar essa função. Como o ADS é um centro de ensino e pesquisa, considera-se que as informações registradas na rotina do serviço são precisas, mesmo quando utilizadas para estudos retrospectivos. Os dados foram coletados dos formulários durante o ano de 2019, por uma das pesquisadoras, e contemplaram todos os casos de PEP sexual consentida, iniciados entre abril de 2015 e abril de 2018.

Na análise das variáveis, foram calculadas as frequências absolutas e relativas. A comparação de variáveis comportamentais entre as populações-chave e a população em geral foi realizada pelo teste do qui-quadrado de Pearson, considerando-se os valores de p menores que 0,05 estatisticamente significativos. A tabulação dos dados e as análises foram realizadas com auxílio do programa estatístico SPSS 23.0.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa em Saúde, da Escola de Saúde Pública da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul (CEP/ESP/SES/RS), na data de 1o de junho de 2017: Parecer no 055273/2018 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) no90278918.3.0000.5312. A pesquisa foi realizada em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Foram utilizados exclusivamente dados secundários, registrados em formulários padronizados de atendimentos já realizados, de modo que houve dispensa da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Outrossim, a base de dados foi digitada sem identificação nominal, para se reduzir o risco de quebra de sigilo de informações do participante.

Resultados

Todos os 270 usuários, que iniciaram o protocolo de PEP no CTA/ADS de Porto Alegre, entre abril de 2015 e abril de 2018, responderam aos formulários do serviço. Não houve perdas na população em estudo, a qual foi constituída, majoritariamente, de homens cisgênero (74,7%), idade até 29 anos (45,4%), raça/cor da pele autorreferida branca (76,3%), estado civil solteiro (68,4%) e 12 anos ou mais de estudos (65,7%). Apenas três jovens da amostra analisada tinham menos de 18 anos de idade (Tabela 1).

Tabela 1 - Características dos usuários que iniciaram a PEP ao HIVa no Ambulatório de Dermatologia Sanitária (n=270), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2015-2018 

Características n %
Identidade de gênero
Homem cisgênero 202 74,7
Mulher cisgênero 63 23,4
Homem transgênero - -
Mulher transgênero 5 1,9
Faixa etária (anos)
≤29 123 45,4
30-39 87 32,3
40-59 55 20,4
≥60 5 1,9
Raça/cor da pele (autodeclarada)
Branca 203 76,3
Preta 35 13,2
Parda 28 10,5
Não informadab 4 -
Estado civil
Solteiro 185 68,4
Casado 53 19,7
Separado 28 10,8
Viúvo 4 1,1
Escolaridade (anos de estudo)
1-3 - -
4-7 14 5,2
8-11 78 29,1
≥12 176 65,7
Não informadab 2 -
Tipo de exposição sexual para a PEPc
Sexo vaginal 137 50,7
Sexo anal 114 42,2
Sexo oral 12 4,5
Outros contatos com secreções 7 2,6
Número de vezes em que usou a PEPc
Primeiro uso 233 86,3
Segundo uso 34 12,6
Terceiro uso 3 1,1
Relato de efeitos colaterais
Sim 41 15,2
Não 229 84,8

a) HIV: human immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência humana; b) Dados não contabilizados no cálculo de frequência relativa; c) PEP: profilaxia pós-exposição ao HIV.

Tabela 2 - Características comportamentais nos 12 meses anteriores ao início da PEPa (n=270) no Ambulatório de Dermatologia Sanitária, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2015-2018 

Características comportamentais n %
Presença de ISTb 40 14,8
Teve parceria(s) fixa(s) 157 58,1
Teve parceria(s) eventual(is) 231 85,6
Múltiplas parcerias sexuais 110 40,7
Uso consistente do preservativo 107 39,7
Uso de álcool e/ou outras drogas 134 49,6

a) PEP: profilaxia pós-exposição ao HIV; d) IST: infecção sexualmente transmissível.

Tabela 3 - Características comportamentais dos 12 meses anteriores ao início da PEP,a conforme a definição de vulnerabilidade ao HIVb das população-chave, no Ambulatório de Dermatologia Sanitária, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2015-2018 

Características comportamentais População vulnerávelc p-valord
Não (n=86) Sim (n=184)
n (%) n (%)
Presença de ISTe 10 (11,6) 30 (16,3) 0,314
Múltiplas parcerias 47 (54,7) 138 (75,0) 0,001
Uso inconsistente do preservativo 52 (60,4) 110 (59,8) 0,868
Uso repetido da PEPa 9 (10,5) 28 (15,2) 0,290

a) PEP: profilaxia pós-exposição ao HIV; b) HIV: human immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência humana; c) População vulnerável: homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas transgênero, usuários de álcool e/ou outras drogas e/ou profissionais do sexo; d) Teste do qui-quadrado de Pearson; e) IST: infecção sexualmente transmissível.

Tabela 4 - Uso da PEPa pelas populações-chave no Ambulatório de Dermatologia Sanitária (n=270), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2015-2018 

Uso da PEPa HSHb Pessoas transgênero Usuários de álcool e/ou outras drogas Profissionais do sexo População geral Totalc
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Iniciaram PEPa 103 (38,1) 6 (2,2) 134 (49,6) 13 (4,8) 86 (31,9) 270 (100,0)
Retornaram ao ADSd em 30 a 90 diase 51 (49,5) 3 (50,0) 64 (47,8) 5 (38,5) 45 (52,3) 133 (49,3)
Relataram tratamento completof 50 (98,0) 3 (100) 61 (95,3) 5 (100,0) 42 (93,3) 127 (95,5)

a) PEP: profilaxia pós-exposição ao HIV (human immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência humana); b) HSH: homens que fazem sexo com homens; c) A soma das frequências é diferente do total devido à sobreposição de recortes populacionais para alguns usuários estudados; d) ADS: Ambulatório de Dermatologia Sanitária de Porto Alegre, RS; e) Frequência relativa calculada com base naqueles que iniciaram a PEP, dentro de cada recorte populacional; f) Frequência relativa calculada com base naqueles que retornaram ao ADS no período de 30 a 90 dias após introdução da PEP.

Os tipos de exposição sexual, declarados no início da profilaxia, foram sexo vaginal (50,7%), sexo anal (42,2%), sexo oral (4,5%) e outros contatos com secreções (2,6%). Verificou-se que 86,3% dos usuários realizavam o protocolo pela primeira vez, 12,6% pela segunda vez e apenas três pessoas (1,1%) realizavam a PEP pela terceira vez. Foram relatados efeitos colaterais por 15,2% dos participantes, sendo os mais comuns a fadiga, cefaleia, sonolência, náuseas e vômitos, dores abdominais e icterícia (Tabela 1). Cabe destacar que o estudo abarcou os dois esquemas de medicação adotados no período sob análise.

Referindo-se aos 12 meses anteriores ao início da PEP, observou-se que 14,8% dos usuários atendidos relataram presença de IST, 49,6% consumiram álcool e/ou outras drogas e 40,7% tiveram múltiplas parcerias sexuais. Durante esse mesmo período de um ano, apenas 39,7% relataram uso consistente de preservativo em suas relações sexuais (Tabela 2). Quanto aos comportamentos característicos das populações-chave, comparados aos da população geral, observou-se tão somente a maior multiplicidade de parceiros sexuais, sem diferença significativa para presença de IST, uso inconsistente do preservativo e repetição da PEP (Tabela 3).

Referiram ser HSH 38,1% dos usuários que iniciaram PEP, 49,6% afirmaram ser usuários de álcool e/ou outras drogas, 4,8% eram profissionais do sexo, 2,2% pessoas trangêneros e 31,9% identificavam-se como população geral. Apesar da recomendação de retornar ao CTA/ADS em 30 dias, para realizar novo teste e verificar a eficácia da profilaxia, apenas 49,3% dos iniciados na PEP voltaram ao serviço. Não se pôde verificar se os demais (50,7%) finalizaram o protocolo em outros locais/serviços, tampouco se cumpriram todo o tratamento prescrito. Entre os participantes que atenderam à recomendação de retorno, houve relato de boa adesão em todos os recortes populacionais, com menos de 5% de tratamentos não finalizados, enquanto, na população geral, o relato de tratamento incompleto foi de 6,7% (Tabela 4).

Discussão

Os usuários de PEP, objeto do estudo, foram predominantemente homens cisgênero, adultos jovens, brancos, de alta escolaridade, residentes em Porto Alegre e com múltiplas parcerias sexuais. Entre os segmentos populacionais mais vulneráveis ao HIV, os HSH jovens e os usuários de álcool e/ou outras drogas, especialmente os de maior escolaridade, foram os grupos que mais utilizaram a profilaxia. Cabe destacar que, nesta pesquisa, foram considerados apenas casos de PEP sexual consentida.

O estudo apresenta limitações: seu desenho retrospectivo, geralmente associado a uma menor precisão na coleta; e o registro dos dados, não obstante basear-se em formulários padronizados e os profissionais envolvidos terem sido treinados, de maneira a se reduzir o risco de vieses.

A idade dos participantes retrata um público jovem. Esse espectro etário é similar ao apresentado pelo Boletim Epidemiológico HIV/aids (2019) como usuários da PEP no Brasil no transcurso de 2018 até setembro de 2019.10 O presente trabalho revela que 78% do grupo tinham idade inferior a 40 anos: 27% com 15 a 24; e 51% com 25 a 39 anos.

Poucas mulheres solicitaram a profilaxia pós-exposição ao HIV, achado coincidente com o de estudo transversal de 365 mulheres atendidas em quatro serviços de saúde de diferentes regiões do país, entre 2012 e 2016.16 O mesmo artigo destaca aspectos socioculturais e de desigualdades de gênero, que dificultam a apropriação de medidas preventivas pelo segmento feminino. Embora verifique que as mulheres completam a PEP, os serviços de saúde não as retêm durante o período de seguimento clínico e sorológico, prejudicando a avaliação da efetividade da profilaxia. Segundo a autora do artigo, deve-se investir em estratégias que aumentem a autonomia das mulheres, para manter esse acompanhamento.16

A alta escolaridade dos usuários de PEP pode ser um indicativo de acesso a informação, sugerindo que pessoas com menos anos de escolaridade se encontram em situação de maior vulnerabilidade, inclusive para a prevenção da infecção pelo HIV. Um estudo qualitativo de caráter exploratório entrevistou 13 parcerias sorodiferentes, com idade média de 40 anos, e identificou que as informações sobre PEP estão disponíveis apenas para a população vinculada a serviços de saúde.17 Outro estudo, realizado em um serviço público de saúde no Rio de Janeiro, em 2018, evidenciou o desconhecimento desse método por boa parte da população, à exceção de HSH e mulheres heterossexuais após sexo anal receptivo desprotegido.3 Uma revisão narrativa da literatura, de 2015, revelou que as populações mais vulneráveis acabam sendo excluídas e, portanto, para a melhoria do acesso a esse método profilático, é preciso ampliar o alcance da PEP sexual pela rede de serviços.18

Neste estudo, as populações vulneráveis que recorreram à PEP em maior frequência foram os usuários de álcool e/ou outras drogas e os HSH. Dados similares publicados pelo Ministério da Saúde, sobre brasileiros usuários de PEP nos anos de 2018 e 2019, indicam que 69% deles faziam uso de álcool e/ou outras drogas e 27% se identificavam como HSH.10

O fato de jovens gays e outros HSH terem procurado mais a PEP parece traduzir um novo exercício da sexualidade e, por conseguinte, sugere redefinir as possibilidades de prevenção. Embora essas populações sejam descritas como mais vulneráveis ao HIV, tendo apresentado prevalência crescente - chegou a 9,4% em 2016 -,1 o atendimento prestado pelo ADS de Porto Alegre mostra que outras populações vulneráveis ainda fazem reduzido uso dessa profilaxia e, com base nessa constatação, é possível supor que estariam mais suscetíveis à infecção pelo HIV. O menor uso da PEP pode ser um indicativo de restrição de informação ou da existência de outras barreiras de acesso ao serviço, como localização, horário de funcionamento e o preconceito institucional, do qual seriam alvo especialmente pessoas transgênero e profissionais do sexo.19

Um estudo de caso, realizado com cinco profissionais de saúde e cinco usuários de PEP de um serviço público de Niterói, estado do Rio de Janeiro, observou que os espaços de intersubjetividade circunscritos pela busca/indicação da PEP sexual são atravessados por distintas lógicas de risco, padrões morais discriminatórios e um modelo de atenção médico-centrado e prescritivo.13 Mais um estudo acrescenta que “a concretização de práticas de saúde orientadas pela perspectiva do exercício da sexualidade como afirmação de um direito continua sendo um desafio”.3 Na mesma direção aponta o ensaio de Zucchi et al.,19 embora se refira ao protocolo da PreP (profilaxia pré-exposição) quando escreve que, por se tratar de um método serviço-dependente, a eficácia da intervenção (PreP) depende da capacidade de os serviços adotarem uma organização do trabalho que respeite e considere as necessidades dos usuários.19

Dos 270 atendidos no período avaliado, apenas um soroconverteu, após passar por novo risco sexual durante a profilaxia. Mais da metade dos usuários do serviço não retornaram ao Ambulatório de Dermatologia Sanitária de Porto Alegre após 30 dias, para finalizar o protocolo de PEP. Porém, entre os que retornaram, houve boa taxa de adesão à medicação, tendo a maior parte deles relatado tratamento completo. Poucos referiram efeitos colaterais, o que pode ter contribuído para a boa adesão encontrada. No estudo de Grangeiro et al.,18 os autores identificaram baixa adesão à PEP, atribuída principalmente a efeitos adversos da medicação. Um dos fatores capazes de explicar essa diferença estaria na mudança do protocolo-esquema de medicação em 2017, medida que minimizou os efeitos colaterais da medicação.18

Conclui-se que o uso de PEP ao HIV não foi homogêneo entre os grupos vulneráveis avaliados, sendo mais utilizado por adultos jovens, brancos, de alta escolaridade, residentes em Porto Alegre e com múltiplas parcerias sexuais, além de ser pouco utilizado por pessoas transgênero e por profissionais do sexo.

Referências

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2Editor associado: Bruno Pereira Nunes - orcid.org/0000-0002-4496-4122

3Editora científica: Taís Freire Galvão - orcid.org/0000-0003-2072-4834

4Editora geral: Leila Posenato Garcia - orcid.org/0000-0003-1146-2641

Recebido: 14 de Agosto de 2020; Aceito: 18 de Dezembro de 2020

Endereço para correspondência: Luciana Castoldi - Av. João Pessoa, no 1327, Bairro Farroupilha, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90040-001. E-mail:lucianacastoldi@hotmail.com

Contribuições das autoras

Castoldi L e Berengan MM contribuíram com a concepção e delineamento do artigo, análise e interpretação dos dados e redação. Fortes VS e Both NS contribuíram com a concepção e delineamento do artigo e sua redação. Pinheiro TV contribuiu com o delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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