Introdução
A internação psiquiátrica é tema de importante reflexão e debate no âmbito da saúde mental, uma vez que suscita discussões sobre as diferentes abordagens e entendimentos do cuidado com a saúde de pessoas em sofrimento mental e os custos implicados nesse cuidado.
Considerando-se o cenário da hospitalização no Brasil, as internações psiquiátricas relacionadas aos transtornos mentais e comportamentais consequentes do uso de álcool apresentaram gastos públicos de R$ 142 milhões no período de 2002 a 2004, 83% desse valor em internações psiquiátricas, enquanto os demais 17% se referiram a internações psiquiátricas relacionadas ao uso de outras drogas. Entre os anos de 2001 e 2009, observou-se diminuição de 40% nas internações psiquiátricas, ao passo que os gastos com serviços extra-hospitalares em saúde mental apresentaram aumento de 400%, evidenciando um investimento significativo nessas atividades.1
A substituição dos serviços hospitalares especializados por serviços de atenção extra-hospitalar é resultado da implementação de atos regulatórios que promovem a expansão da Rede de Atenção Psicossocial e a ampliação dos recursos destinados aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades básicas de saúde (UBS), Estratégia Saúde da Família (ESF), Centros de Convivência e outros serviços de base comunitária.2-5 Desta forma, a rede de atenção à saúde volta-se à oferta de vários tipos de serviços e sua estruturação em diferentes níveis de atenção, nos cuidados prestados às pessoas com sofrimento mental, de forma territorializada e articulada.6
A ampliação da cobertura desses serviços provocou a redução das taxas de internações psiquiátricas. Dessa relação observada, depreende-se que o vínculo dos usuários com os serviços extra-hospitalares possibilita a detecção precoce da necessidade de cuidados e a oferta de ações em saúde mental, reduzindo as possibilidades de evolução para condições que demandam internação psiquiátrica.6 Entretanto, a redução no número de internações não impediu que elas ainda fossem responsáveis por um terço dos gastos com saúde mental até 2008, o que demonstra o alto custo desse serviço.7
A partir de então, os investimentos em internações psiquiátricas têm-se reduzido, enquanto os gastos com serviços extra-hospitalares não crescem de maneira compensatória,8 no atual cenário de subfinanciamento do sistema de saúde e de necessidade, iminente, de ampliação de fontes de receitas permanentes para a sustentação do Sistema Único de Saúde (SUS).9
Frente à complexidade e ao impacto financeiro das internações hospitalares no SUS, a análise do comportamento das internações psiquiátricas e seus custos hospitalares permite o monitoramento da oferta de recursos a esse nível de atenção, e, assim, a possibilidade de adoção de medidas de reestruturação de serviços e realocação de recursos destinados à saúde mental. Em última instância, tal análise possibilita identificar como os recursos aplicados reforçam as políticas de saúde e o modelo de cuidado psicossocial.
Convém identificar e entender o comportamento dos gastos com internações psiquiátricas nas organizações hospitalares; inclusive de modo retrospectivo, pois o entendimento da tendência pregressa dos gastos hospitalares com internações psiquiátricas oferece informações relevantes para avaliar as probabilidades subsequentes, tendo em vista a necessidade de maior incentivo financeiro no atendimento hospitalar e extra-hospitalar.1
O presente estudo teve como objetivo analisar os gastos com internações psiquiátricas no estado de São Paulo, nos anos de 2014 e 2019.
Métodos
Estudo ecológico descritivo, com dados das internações hospitalares psiquiátricas ocorridas no estado de São Paulo, nos anos de 2014 e 2019.
Em 2019, o estado de São Paulo contava com 477 hospitais gerais e 92 hospitais especializados, e um total de 6.279 leitos/SUS destinados a psiquiatria e saúde mental.10
As internações financiadas pelo SUS são registradas em seu Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS),8 fonte dos dados do presente estudo.
Foram incluídas todas as internações ocorridas no estado, nos anos de 2014 e 2019, em instituições hospitalares gerais e especializadas vinculadas ao SUS, cujos diagnósticos principais, informados na Autorização de Internação Hospitalar (AIH/SUS) e identificados segundo os códigos da 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), compreenderam transtornos mentais devidos ao uso problemático de substância psicoativa (F10 a F19), esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (F20 a F29), além de transtornos do humor (F30 a 39).
Foram analisadas as variáveis descritas a seguir.
Sexo (masculino; feminino);
Faixa etária (categorizada em anos, segundo registro no SIH/SUS: menor que 1; 1 a 4; 5 a 14; 15 a 49; maior que 50);
Caráter da internação (eletiva; urgência);
Permanência em uma instituição hospitalar (em número de diárias: períodos indivisíveis de até 24 horas);
Valor gasto (valor total da AIH/SUS) - dados originários de arquivos reduzidos de microdados de internações, disponíveis para transferência no sítio eletrônico do Departamento de Informática do SUS (Datasus): http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901&item=1&acao=25.
A extração foi realizada no mês de junho de 2020, utilizando-se o tabulador de dados para Windows (Tabwin) em sua versão 4.1.5, desenvolvido e disponibilizado pelo Datasus (Figura 1). Os registros obtidos foram exportados para o software Microsoft Excel, compondo banco de dados em planilha eletrônica.
A apuração de custos baseia-se em método de macrocusteio, na perspectiva de um órgão público prestador de serviços de saúde, em horizonte temporal de curto prazo. Enfatiza-se que o macrocusteio se refere a dados dos componentes de custos em nível agregado, que oferecem um panorama do todo, dividindo-se o custo agregado pelo número de pacientes atendidos.11
Para mensuração dos custos, as medidas foram expressas em termos unitários, em reais (R$), considerando-se o valor total da AIH/SUS correspondente ao valor aprovado da produção no período.
Os custos decorrentes de internações no ano de 2014 foram ajustados pela inflação do período (2014 a 2019), segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA); o ano de 2014 foi adotado como referência e corrigido mediante multiplicação do valor de referência pelo fator acumulado do IPCA no período.
Utilizou-se o teste de Wilcoxon pareado, com nível de significância de 5%, para comparar os dados de 2014 com os de 2019 e empregou-se o software IBM SPSS Statistics, versão 19.
Resultados
As internações psiquiátricas representaram 4,63% da frequência e 3,04% dos gastos com internações hospitalares no ano de 2014 (total de 2.496.141 internações; custo total de R$ 4.282.978.913,12); e 3,02% da frequência e 2,07% dos gastos no ano de 2019 (total de 2.606.084 internações; custo total de R$ 3.567.275.379,00). Conforme apresentado na Tabela 1, no período em estudo, houve redução de 31,38% nas internações e de 42,94% no valor gasto com elas, sendo observada diferença estatisticamente significativa para esses gastos (p=0,014).
Entre as condições analisadas, as internações psiquiátricas mais frequentes ocorreram em razão de esquizofrenia (F20), transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool (F10) e transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas (F19). Estas três condições sofreram redução de valores gastos no período, da ordem de 59,20%, 32,10% e 9,39% respectivamente. Somadas, as três condições representaram 69,77% da frequência e 74,19% dos valores gastos nas internações psiquiátricas no ano de 2014; no ano de 2019, as três condições representaram 61,79% da frequência e 69,60% dos valores gastos. Confrontados os dados dos dois anos selecionados, observou-se uma variação de -39,24% na frequência e de -42,94% nos valores gastos no período.
Quanto ao caráter das internações psiquiátricas (Tabela 2), as eletivas sofreram redução estatisticamente significativa da frequência (-43,79%; p=0,003) e do valor gasto (-46,15%; p=0,005). As internações de urgências psiquiátricas evidenciaram diminuição estatisticamente significativa somente nos valores gastos (-40,21%; p=0,028), também acompanhada por redução da frequência (-22,90%), embora esta não fosse estatisticamente significativa. As internações de urgências psiquiátricas predominaram nos anos de 2014 e 2019, representando 59,40% e 66,74% das internações, respectivamente.

AIH: Autorização de Internação Hospitalar; CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.
Figura 1 - Procedimento adotado para identificação e inclusão de dados
Tabela 1 - Frequência e valores (em R$) de internações psiquiátricas, estado de São Paulo, 2014 e 2019
Grupo de diagnósticos | Internações em 2014 | Internações em 2019 | Variação percentual | p-valorb | Valor (R$) em 2014a | Valor (R$) em 2019 | Variação percentual | p-valorb |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa (F10 a F19) | 39.595 | 29.994 | -24,25 | 0,109 | 35.871.811,61 | 28.103.336,41 | -21,66 | 0,014 |
Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (F20 a F29) | 60.151 | 32.365 | -46,19 | 78.294.767,79 | 33.305.672,55 | -57,46 | ||
Transtornos do humor (F30 a 39) | 15.906 | 16.996 | 6,85 | 15.110.881,46 | 12.354.800,36 | -18,24 | ||
Total | 115.652 | 79.355 | -31,38 | 129.277.460,86 | 73.763.809,32 | -42,94 |
a) Valor de 2014 ajustado segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA); b) Teste pareado de Wilcoxon.
Tabela 2 - Frequência e valores (em R$) de internações psiquiátricas, segundo variáveis selecionadas, estado de São Paulo, 2014 (n=115.652) e 2019 (n=79.355)
Variáveis | Internações em 2014 | Internações em 2019 | Variação percentual | p-valorb | Valor (R$) em 2014a | Valor (R$) em 2019 | Variação percentual | p-valorb |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | ||||||||
Masculino | 73.220 | 49.713 | -32,10 | 0,221 | 81.432.256,64 | 48.148.283,49 | -40,87 | 0,069 |
Feminino | 42.432 | 29.642 | -30,14 | 0,065 | 47.845.204,22 | 25.615.525,83 | -46,46 | 0,002 |
Faixa etária (anos) | ||||||||
<1 | 6 | 2 | -66,67 | 0,157 | 1.974,71 | 321,90 | -83,70 | 0,116 |
1-4 | 24 | 21 | -12,50 | 0,776 | 7.104,63 | 4.672,99 | -34,23 | 0,875 |
5-14 | 447 | 596 | 33,33 | 0,872 | 362.437,48 | 313.356,53 | -13,54 | 0,378 |
15-49 | 73.318 | 54.373 | -25,84 | 0,259 | 74.698.372,69 | 47.173.882,52 | -36,85 | 0,030 |
>50 | 41.857 | 24.363 | -41,79 | 0,064 | 54.207.571,35 | 26.271.575,38 | -51,54 | 0,006 |
Caráter da internação | ||||||||
Eletiva | 46.954 | 26.391 | -43,79 | 0,003 | 59.441.996,67 | 32.010.495,90 | -46,15 | 0,005 |
Urgência | 68.698 | 52.964 | -22,90 | 0,554 | 69.835.464,19 | 41.753.313,42 | -40,21 | 0,028 |
a) Valor de 2014 ajustado segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA); b) Teste pareado de Wilcoxon.
O valor médio de internação psiquiátrica reduziu-se, de R$ 1.117,81, em 2014, para R$ 929,54 em 2019. No decorrer do mesmo período, a redução do valor médio de cada internação foi superior nas internações de caráter de urgência (de R$ 1.016,56 para R$ 788,33), quando comparada à redução do valor médio para as internações de caráter eletivo (de R$ 1.265,96 para R$ 1.212,93).
O tempo de permanência hospitalar apresentou redução de 43,88% no número absoluto de dias de internação, de um total de 2.316.145 dias, em 2014, para 1.299.912 dias em 2019, uma diferença estatisticamente significativa (p=0,007). O tempo médio de permanência hospitalar, em 2014, foi 20,03 dias, e em 2019, 16,38 dias. Verificou-se predomínio das internações do sexo masculino (63,31% das internações em 2014; 62,65% em 2019) e da faixa etária de 15 a 49 anos (63,40% das internações em 2014; 68,52% em 2019).
Houve diferença estatisticamente significativa nos valores gastos com internações do sexo feminino (-46,46%; p=0,002), da idade de 15 a 49 anos (-36,85%; p=0,030) e de maiores de 50 anos (-51,54%; p=0,006). A faixa etária de 5 a 14 anos foi a única com elevação de frequência de internação (33,33%), conquanto se tenha observado redução na média de valores gastos com internações nessa faixa (-13,54%).
Discussão
Os achados deste estudo sobre o estado de São Paulo revelam importante redução nos valores gastos e queda na frequência das internações psiquiátricas de caráter eletivo e de urgência, em todas as idades e sexos, e possibilitam inferir a resolução de problemas de saúde em nível extra-hospitalar.
São reconhecidas como limitações do estudo a utilização de dados do SIH/SUS, com base na codificação e preenchimento da AIH/SUS, a qual requer conhecimento clínico e processos adequados, a validade de até 30 dias por AIH/SUS e a categorização de faixas etárias definidas pelo SIH/SUS, ao agregar diferentes etapas do ciclo vital, a despeito da psicopatologia e possibilidades de tratamento. Não obstante essas limitações, os dados provenientes de bancos de dados governamentais são amplamente utilizados e possibilitam resultados confiáveis, aptos a subsidiar importantes intervenções locais.
A redução das internações psiquiátricas coaduna com os resultados de um estudo realizado entre os anos 2000 e 2004, no Rio Grande do Sul, sobre a atuação da Rede de Atenção Psicossocial, em que se evidenciou baixa frequência de internações de pacientes sob acompanhamento, em todos os CAPS investigados, possibilitando algumas inferências; entre elas, a de que a redução de internações está associada ao trabalho realizado por serviços comunitários.12
Na perspectiva de ampliação de serviços comunitários no estado de São Paulo, no período analisado, observou-se expansão de 4,24% de estabelecimentos voltados para a atenção básica, ESF e atenção domiciliar, vinculados ao SUS, e ampliação de 32,11% da oferta de CAPS: de 408 em 2014, passou-se a 539 CAPS em 2019. De forma paralela, houve redução de 43,66% nos leitos/SUS destinados a psiquiatria e saúde mental, posto que em 2014 eram 11.145, e em 2019, 6.279 leitos.10
Tal perfil corrobora os dados das regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, entre 2008 e 2015, período em que se observou associação entre a expansão da oferta de serviços dos CAPS e da Atenção Básica, e redução das taxas de internações psiquiátricas, realçando a importância de políticas públicas alinhadas com o ideário da reforma psiquiátrica e sanitária.6
Nesse contexto cabe apontar que, muito embora haja distribuição desigual dos recursos comunitários em saúde mental no país e diferentes formas de organização dos serviços e composição de equipes, o atendimento prestado resulta em redução na frequência e tempo de permanência em internação.12
Outro importante fator diz respeito à redução de leitos destinados à psiquiatria em hospitais especializados. A internação de pessoas com transtornos mentais em hospitais gerais é uma iniciativa importante para a continuidade do tratamento psicossocial, de acordo com o paradigma antimanicominal. Assim, amplia-se o acesso integral à atenção em saúde, reduz-se a estigmatização de transtornos mentais, melhoram-se os cuidados com a saúde física, e torna-se possível a integração e articulação entre diferentes serviços e especialidades.13
O comportamento de redução de valores despendidos em internações psiquiátricas assemelha-se à experiência de beneficiários do Medicare, nos Estados Unidos, onde a implementação de um modelo de assistência centrado no atendimento comunitário de saúde mental reduziu gastos, internações e visitas ao pronto atendimento.14
Faz-se imperativo propor reflexões acerca da redução dos gastos hospitalares e realocação de recursos em outras estruturas e serviços associados à saúde mental, possibilitando a ampliação de acesso, qualificação do atendimento e atenção integral à saúde. Tal redução de gastos deve-se atrelar à manutenção e ampliação de investimentos voltados aos serviços de atendimento comunitário, a exemplo dos CAPS e dos serviços da Atenção Básica e da ESF, responsáveis por ações de promoção e controle em saúde, sem prescindir do apoio adequado dos Serviços de Atendimento Móvel de Urgência e das unidades de pronto atendimento em situações de crise e urgência.15 Entretanto, o fenômeno do subfinanciamento está mais do que evidente na redução proporcional de recursos do orçamento destinados à saúde mental.
Na análise dos diagnósticos das internações psiquiátricas, destacam-se os casos relacionados à esquizofrenia (F20), em função do estabelecimento de quadro grave, crônico e debilitante,16 e sua incidência e prevalência na população;17 e os transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool (F10), de múltiplas drogas e de outras substâncias psicoativas (F19).
É plausível considerar que parte das pessoas com transtornos mentais não receba tratamento; ou seja, há um gap ou hiato terapêutico (mental health gap). Sobretudo no que concerne à esquizofrenia, é estimada uma média global de 32,20% de gap no tratamento dessa condição.18
A redução de gastos com internações relacionadas ao uso problemático de álcool e outras drogas pode estar relacionada ao aumento das ‘comunidades terapêuticas’, assim referidas pela Resolução do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas nº 1, de 19 de agosto de 2015. As comunidades terapêuticas, instituições de natureza não governamental, organizadas em residências coletivas e com tempo de permanência variável, voltam-se, majoritariamente, ao atendimento de pessoas com problemas relacionados ao uso de drogas. Apesar de representarem um tipo de estabelecimento em expansão, as comunidades terapêuticas têm sido objeto de crítica dos profissionais de saúde mental, em razão do modelo de cuidado adotado e possível estrutura desarticuladora das redes públicas de saúde e assistência social.19 É importante frisar que o maior investimento em comunidades terapêuticas e organizações não governamentais não garante a manutenção da qualidade da atenção à saúde mental das pessoas, conforme as diretrizes da reforma psiquiátrica e sanitária, uma vez que implementam a lógica mercadológica da saúde.20
Na análise das faixas etárias, frisa-se a elevação de internações dos 5 aos 14 anos. A interpretação do aumento de internações nessa faixa é dicotômica, dada a necessidade de entender o contexto em que tais internações aconteceram. De um lado, há que se reconhecer o valor positivo da identificação precoce de sintomas característicos de transtornos mentais, e de outro, a realidade negativa de frágeis vínculos familiares, o início precoce do uso de substâncias psicoativas, a marginalização e violência social, assim como a carência de serviços especializados de atenção a crianças e adolescentes.21
O aparecimento de sintomas psicóticos e modificações de comportamento na esquizofrenia e demais transtornos mentais pode ocorrer no início da adolescência, permitindo um melhor prognóstico para o indivíduo, mediante um diagnóstico precoce, ainda que se passe pelo trauma da internação psiquiátrica.22 Comparada à psicose de início na idade adulta, a psicose de início na infância/adolescência está associada a sintomas mais graves e piores resultados, e, se não tratada precocemente, pode levar a desfechos piores no adulto e morte prematura.23
Ademais, observa-se a ocorrência frequente de internações judiciais desses adolescentes, fato que leva ao questionamento sobre seu contexto social e familiar, e a possibilidade de promover as mudanças necessárias, em articulação com a rede de atenção psicossocial, visando preparar sua alta.24
Estudo realizado em São Paulo, em 2013, elencou como principais motivos de internações de adolescentes a auto e a heteroagressividade, sintomas psicóticos e agitação psicomotora, com tempo de permanência em internação de 14 a 77 dias.24
O tempo de internação varia de acordo com o tipo de transtorno e tempo de recrudescência de sintomas, embora possa se prolongar devido à natureza da internação, como é o caso das internações judiciais, cujo caráter induz à estigmatização desses adolescentes como “incapazes de conviver em sociedade”.25
Desse modo, reitera-se a necessidade da reflexão sobre a abordagem da saúde mental da criança e do adolescente; se o SUS dispõe de serviços em número suficiente para os assistir e acompanhar, de forma coordenada com os demais serviços sociais; e quais investimentos e para onde direcioná-los.21
No caso dos idosos, a redução do número de internações pode estar relacionada à utilização de comunidades terapêuticas como alternativa para quem, a princípio, haveria indicação de internação psiquiátrica. Nessa conjuntura, de acordo com o Relatório de Inspeção Nacional de Comunidades Terapêuticas, publicado em 2018, as comunidades terapêuticas estão sendo utilizadas como local de longa permanência para idosos, ou para internação de indivíduos com problemas não associados ao uso de drogas, sem as condições necessárias para o atendimento dessas pessoas.26
Outra justificativa para a redução do número de internações psiquiátricas de idosos diz respeito à atenção de comorbidades clínicas. Condições de saúde do idoso passíveis de internação em hospitais gerais fazem com que o diagnóstico psiquiátrico deixe de ser o motivo principal da internação.27
Fundamentando-se nos resultados apresentados, nas ponderações realizadas acerca da redução dos gastos hospitalares e da realocação de recursos em outras estruturas e serviços associados à saúde mental no estado de São Paulo, faz-se mister enfatizar a urgência em impulsionar ações que contribuam com a continuidade dos serviços vinculados ao modelo de atenção psicossocial, a ampliação do acesso e a qualificação do atendimento desse setor da Saúde Pública.
O estudo aborda elementos de extrema relevância, do ponto de vista da caracterização, análise da frequência e dos valores gastos com internações psiquiátricas. Fornece subsídios para a avaliação da efetividade dos recursos destinados a internações hospitalares em leitos psiquiátricos e sua relação com as políticas vinculadas à Reforma Psiquiátrica. Suas conclusões revelam circunstâncias que confrontam tais aspectos ao contexto atual da atenção à saúde mental no estado de São Paulo, e apontam para um desafio apresentado pela alocação dos recursos nos componentes hospitalar e extra-hospitalar: a implementação de pontos de atenção à saúde mental, nos níveis primário e secundário, não só em São Paulo, mas também em todo o país.
É necessário proporcionar assistência aos usuários do SUS em todos os níveis de atenção, definir intervenções efetivas e de baixo custo, - inclusive com a elaboração e implementação de políticas de saúde mental com orçamentos específicos -, ademais de melhorar os programas já implementados, fortalecer serviços de base comunitária e principalmente, desconstruir a concepção da unidade hospitalar como o único local apropriado para a resolução de problemas de saúde.
Diante da análise de gastos em internações psiquiátricas, mostra-se exequível a identificação de estratégias efetivas, seja na reestruturação dos serviços, seja na alocação dos recursos destinados à saúde mental. Os resultados obtidos pelo estudo em tela sugerem a realização de novas pesquisas, cuja finalidade seja investigar a hipótese da redução das internações psiquiátricas mediante a destinação de maiores investimentos aos serviços de base comunitária.