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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.30 no.2 Brasília  2021  Epub 14-Jun-2021

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000200014 

Artigo Original

Atenção à saúde no primeiro ano de vida de uma coorte prospectiva de lactentes prematuros tardios e a termo de Botucatu, São Paulo, 2015-20171

Atención a la salud en el primer año de vida de una cohorte prospectiva de bebés prematuros tardíos y a término, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2015-2017

Maria Cristina Heinzle da Silva Machado (orcid: 0000-0002-5195-1813)1  , Aline Fernanda Palombarini Santiloni (orcid: 0000-0001-7204-0667)1  , Anna Paula Ferrari (orcid: 0000-0002-5370-4349)1  , Cristina Maria Garcia de Lima Parada (orcid: 0000-0002-9597-3635)1  , Maria Antonieta de Barros Leite Carvalhaes (orcid: 0000-0002-6695-0792)1  , Vera Lúcia Pamplona Tonete (orcid: 0000-0002-3620-7519)1 

1Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil

Resumo

Objetivo:

Avaliar associação entre prematuridade tardia e utilização de serviços de referência no primeiro ano de vida.

Métodos:

Estudo de coorte prospectiva, com dados coletados no 1º, 3º, 6º, 9º e 12º meses dos lactentes. Características maternas e de nascimento foram comparadas entre nascidos a termo e prematuros tardios. Avaliou-se o efeito da prematuridade tardia sobre a utilização de ambulatório especializado e unidade de pronto-socorro/pronto atendimento, internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e hospitalização, calculando-se razões de chances ajustadas.

Resultados:

Os 41 prematuros tardios e 540 nascidos a termo diferiram nas frequências de baixo peso ao nascer e não permanência em alojamento conjunto, maiores nos prematuros tardios, estes também com mais chance de internação em UTI neonatal (OR=6,85 - IC95% 2,56;18,34), condição que não se associou à utilização dos demais serviços de referência.

Conclusão:

Prematuridade tardia não se associou à maior utilização de serviços de referência após alta da maternidade.

Palavras-chave: Atenção à Saúde; Nascimento Prematuro; Nascimento a Termo; Lactente; Estudos Longitudinais

Resumen

Objetivo:

Evaluar la asociación entre nacidos prematuros tardíos y nacidos a término y la utilización de servicios de derivación.

Métodos:

estudio de cohorte prospectivo, con datos recolectados desde el primero hasta el duodécimo mes de vida de los lactantes. Se evaluaron características maternas y de nacimiento que fueron comparadas entre nacidos a término y prematuros tardíos. Fue evaluado el efecto de la prematuridad tardía sobre el uso de los servicios de derivación especializado y las unidades de Atención Temprana, internación en centro de terapia intensiva (CTI) y hospitalización calculando las razones de probabilidades ajustadas.

Resultados:

Los 41 nacidos prematuros tardíos y los 540 nacidos a término difirieron en la frecuencia de bajo peso al nacer y en no permanecer en alojamiento conjunto, mayor en los nacidos prematuros tardíos. Hubo más posibilidades de ingreso a la unidad de cuidados intensivos neonatales en nacidos prematuros tardíos (OR=6,85 - IC95% 2,56;18,34), condición que no se asoció con el uso de otros servicios de referencia.

Conclusión:

La prematuridad tardía no se asoció a una mayor utilización de los servicios de derivación luego del alta de la maternidad.

Palabras clave: Atención a la Salud; Nacimiento Prematuro; Nacimiento a Término; Lactante; Estudios Longitudinales

Introdução

O nascimento prematuro revela-se como importante e crescente problema de Saúde Pública em nível mundial. Estima-se que, no ano de 2018, nasceram aproximadamente 15 milhões de crianças antes de completarem 37 semanas de idade gestacional.1 Entre os diversos países, a proporção de nascimentos prematuros oscila de 5 a 18% dos nascidos vivos, sendo essas diferenças decorrentes das condições socioeconômicas e demográficas, com valores maiores para as nações menos desenvolvidas.1

A prevalência de prematuridade no Brasil, em 2011 e 2012, foi de 11,5%, com 74% desses prematuros considerados tardios, ou seja, nascidos no período de 34 a 36 semanas e seis dias de gestação.2 A prevalência elevada da prematuridade tardia foi atribuída, principalmente, às consideráveis proporções de partos cirúrgicos eletivos, realizados antes do início do trabalho de parto, entre mulheres que se utilizam de serviços de saúde privados para o procedimento. Também contribuíram para o aumento dos casos de prematuros tardios no país complicações associadas à gravidez na adolescência, baixa escolaridade materna e número insuficiente de consultas de pré-natal, fatos comuns entre mulheres pertencentes a grupos desfavorecidos socialmente.2

Recém-nascidos prematuros tardios apresentam maior risco de morbimortalidade perinatal e neonatal, mortalidade infantil e na vida adulta, quando comparados aos nascidos a termo.3,4 Prematuros tardios podem, inclusive, demandar com mais frequência os serviços de saúde de referência no atendimento a suas especificidades clínicas.5

Entre as ações recomendadas para a atenção à saúde de prematuros tardios nos primeiros anos de vida, encontram-se o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento com maior assiduidade, a abordagem nutricional individualizada e a promoção do aleitamento materno, a suplementação alimentar com sulfato ferroso e o cumprimento do esquema vacinal de acordo com a idade cronológica pós-natal, pautado no Calendário Nacional de Imunizações.6,7 Três quartos das mortes de prematuros tardios seriam evitáveis se fossem objeto de intervenções adequadas, antes e após o nascimento.5

Os pesquisadores envolvidos com o presente trabalho identificaram apenas dois estudos brasileiros publicados a se ocupar da atenção à saúde de prematuros tardios.8,9 Frente à incipiência da produção científica sobre o tema no Brasil, o estudo teve como objetivo avaliar nascidos a termo e prematuros tardios e investigar a presença de associação entre prematuridade tardia e utilização de serviços de referência no primeiro ano de vida.

Métodos

Estudo de coorte prospectiva, com foco na atenção à saúde de lactentes nascidos prematuros tardios, ele se configura como um subprojeto da pesquisa de base populacional denominada ‘Saúde da criança no primeiro ano de vida: estudo de coorte prospectiva no interior paulista’ - coorte de lactentes de Botucatu (CLaB).10

O estudo da CLaB10 escolheu este município de médio porte do interior do estado de São Paulo, Brasil, cujos serviços de atenção primária à saúde infantil, em funcionamento durante o acompanhamento da coorte, totalizavam 21 unidades de saúde de caráter público: dois centros de Saúde Escola, seis unidades básicas de saúde e 12 unidades da Estratégia Saúde da Família, além de um serviço de saúde municipal de atenção e triagem neonatal. O município também conta com 37 clínicas/consultórios pediátricos privados.

Na época da coleta dos dados, os serviços de referência para atendimento pediátrico em Botucatu somavam: quatro ambulatórios públicos de especialidades, para seguimento de recém-nascidos e lactentes com problemas de saúde complexos; uma unidade privada de pronto atendimento de porte I; uma unidade de pronto-socorro público de porte II; duas unidades de internação hospitalar, com respectivas maternidades, uma pública e a outra privada; e duas unidades de terapia intensiva/cuidados intermediários pediátricos, uma pública e a outra privada. As duas maternidades da cidade ofereciam alojamento conjunto, unidade de internação (berçário) e unidade de terapia intensiva em neonatologia.

O recrutamento dos pares mães-lactentes para compor a coorte do estudo CLaB foi realizado na unidade municipal de atenção e triagem neonatal, escolhida por ser um serviço público de alta cobertura populacional, tanto entre os recém-nascidos na maternidade pública quanto na privada. Nessa unidade centralizada, são realizados os testes de triagem neonatal obrigatórios e a primeira consulta clínica do recém-nascido; a consulta na unidade neonatal é agendada quando mãe e recém-nascido ainda se encontram na maternidade. Preferencialmente, essa consulta deve ocorrer nas duas primeiras semanas de vida do neonato. Foi nesse local onde, no período de 29 de junho de 2015 a 11 de janeiro de 2016, nos dias de segunda a sexta-feira, entrevistadores treinados avaliaram a elegibilidade do lactente para ingresso no estudo CLaB e realizaram a primeira entrevista com sua mãe.

Os critérios de inclusão na coorte original foram: lactentes nascidos entre junho de 2015 e janeiro de 2016, com até 30 dias de vida no momento do recrutamento, cujas mães residiam em Botucatu, eram sua principal cuidadora e tinham condições de responder às entrevistas presenciais e telefônicas. As crianças que deixaram de comparecer à consulta agendada na unidade de atenção neonatal ou que o fizeram após terem completado 30 dias de vida não foram incluídas no estudo CLaB. O tamanho amostral do presente estudo foi definido a partir do tamanho da coorte do estudo original, cuja linha de base envolveu 656 lactentes. Para este trabalho, adotaram-se os mesmos critérios de inclusão do estudo original, excluindo-se os lactentes que não permaneceram na coorte até 12 meses de idade e os prematuros moderados ou precoces, uma vez que o interesse foi comparar prematuros tardios com nascidos a termo.

Foram coletadas variáveis demográficas, socioeconômicas e obstétricas maternas e dos lactentes ao nascer, logo relacionadas à atenção em saúde recebida pelas mães no pré-natal, no momento do parto e na maternidade, e pelos lactentes no primeiro ano de vida (Figura 1). As categorias dessas variáveis foram definidas com base em critérios de risco ou vulnerabilidade ao nascer estabelecidos pelo Ministério da Saúde do Brasil,6,7 segundo as recomendações clínicas de adequação da atenção à saúde no pré-natal, no parto, e para a faixa etária estudada.6,7,11

Figura 1 Variáveis e fontes dos dados estudados, Botucatu, 2015-2017 

Variáveis/mensurações Tratamento
Características demográficas, socioeconômicas e obstétricas maternas e dos lactentes ao nascer
Idade gestacional ao nascer (prematuro tardio; a termo) Prontuário da maternidade
Idade materna (em anos: <20; ≥20) Entrevista na captação
Mãe com companheiro (não; sim) Entrevista na captação
Raça/cor da pele materna (não branca; branca) Entrevista na captação
Anos de aprovação escolar materna (<8; ≥8) Entrevista na captação
Trabalho materno (não remunerado; remunerado) Entrevista na captação
Renda familiar per capita (em salários mínimos: <1; ≥1)a Entrevista na captação
Emprego do chefe de família (não; sim) Entrevista na captação
Mãe ou pai usuários de álcool ou droga (sim; não) Entrevista na captação
Gestação bem aceita (não; sim) Entrevista na captação
Gestação de alto risco (sim; não) Entrevista na captação
Sexo do recém-nascido (masculino; feminino) Entrevista na captação
Primeiro filho (sim; não) Prontuário da maternidade
Apgar no 5º minuto de vida (<7; ≥7) Prontuário da maternidade
Peso ao nascer (<2500g; ≥2500g) Prontuário da maternidade
Atenção à saúde recebida pelas mães no pré-natal, parto, maternidade e pelos lactentes no primeiro ano de vida
Acompanhamento pré-natal (público; privado) Entrevista na captação
Número de consultas de pré-natal (≥6; <6) Cartão da gestante
Grupo educativo no pré-natal (sim; não) Entrevista na captação
Serviço do parto (público; privado) Entrevista na captação
Tipo de parto (vaginal; cesariana) Prontuário da maternidade
Alojamento conjunto na maternidade (sim; não) Prontuário da maternidade
Controle de glicemia na maternidade (sim; não) Prontuário da maternidade
Controle de bilirrubina sérica na maternidade (sim; não) Prontuário da maternidade
Serviço de puericultura (público; privado) Entrevistas ao 3o, 6 o, 9o e 12o mês
Uso de sulfato ferroso no 1º ano (sim; não) Entrevistas ao 3o, 6 o, 9o e 12o mês
Número de consultas agendadas no 1º ano (≥6; < 6) Entrevistas ao 3o, 6 o, 9o e 12o mês
Vacinação completa no 1º ano (sim; não) Caderneta da criança
Acompanhamento do ganho de peso no 1º ano (sim; não) Entrevistas ao 3º, 6º, 9º e 12º mês
Acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor no 1º ano (sim; não) Entrevistas aos 3º, 6º, 9º e 12º mês
Utilização de serviços de saúde de referência
Unidade de terapia intensiva neonatal (sim; não) Prontuário da maternidade
Ambulatório de especialidades no 1º ano (sim; não) Entrevistas ao 3º, 6º, 9º e 12º mês
Unidade de pronto-socorro/pronto atendimento no 1º ano (sim; não) Entrevistas ao 3º, 6º, 9º e 12º mês
Internação hospitalar no 1º ano (sim; não) Entrevistas ao 3º, 6º, 9º e 12º mês
Unidade de terapia intensiva/unidade de cuidados intermediários até os 12 meses (sim; não) Entrevistas ao 3º, 6º, 9º e 12º mês

a) A renda familiar per capita foi obtida pela soma da renda individual de cada membro da família do lactente dividida pelo número de membros da família e expressa em salários mínimos. Valor do salário mínimo em 2016: R$ 880,00.

A prematuridade tardia foi definida como ‘nascimento com idade gestacional de 34 a 36 semanas e 6 dias’, categorizada em ‘nascido a termo’ ou ‘prematuro tardio’. Considerou-se como variável dependente, na investigação de sua associação com características sociodemográficas e obstétricas maternas e da atenção pré-natal, e posteriormente, como variável de exposição, na investigação de suas repercussões sobre a utilização de serviços de saúde de referência no primeiro ano de vida (Figura 1):

  1. Internação em unidade de terapia intensiva neonatal;

  2. Utilização de ambulatório de especialidades;

  3. Atendimento em unidade de pronto-socorro/pronto atendimento;

  4. Internação hospitalar;

  5. Internação em unidade de terapia intensiva/unidade de cuidados intermediários após alta da maternidade e até 12 meses de idade.

A coleta dos dados foi feita junto às mães, por sete ocasiões diferentes - antes de o lactente completar 30 dias de idade, a seus 3, 6, 9 e 12 meses -, em entrevistas presenciais no local de recrutamento e nos domicílios; e por chamadas telefônicas, aos 2 e aos 4 meses de vida da criança. Em todos esses momentos, as mães foram indagadas sobre a utilização de serviços de saúde na atenção a seus filhos. Como outras fontes de dados e mensuração, foram utilizados o cartão da gestante, a caderneta de saúde da criança e o prontuário infantil da maternidade (Figura 1).

Os instrumentos de coleta de dados, elaborados por pesquisadores com experiência em projetos epidemiológicos, foram pré-testados até se alcançar a versão considerada satisfatória pelos pesquisadores. Os dados coletados na fase de pré-teste dos instrumentos não foram incluídos no estudo.

A integridade das entrevistas foi verificada, também via telefone, em amostra aleatória de 5% dos participantes, quando nova segunda entrevista foi realizada por um responsável da supervisão de campo. Os bancos de dados, igualmente, passaram pelo cuidado de uma dupla digitação, quando as inconsistências nos questionários foram identificadas e, em seguida, devidamente eliminadas ou corrigidas.

Perdas de seguimento foram minimizadas com o registro de outros telefones/endereços de contato potencialmente úteis, como, por exemplo, dos avôs da criança, companheiro, parentes e amigos, entre outros sugeridos pela mãe. Por meio de carta ou ligações telefônicas, todas as mães participantes receberam o agradecimento dos pesquisadores pela sua participação no estudo, e lembretes da data de cada nova entrevista. As mães tiveram a possibilidade de realizar chamadas telefônicas para os entrevistadores, a cobrar, para informar eventuais mudanças de endereço e/ou agendamento/reagendamento das entrevistas, conforme sua conveniência.

As diferenças entre lactentes que permaneceram no estudo até 12 meses de idade e aqueles configurados como perdas foram avaliadas pela comparação de características maternas e dos lactentes: idade materna; anos de aprovação escolar materna; raça/cor da pele; renda familiar per capita; mãe com companheiro; peso ao nascer; e Apgar no 5º minuto de vida do lactente. Para tanto, foram utilizados testes não paramétricos qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, adotando-se p<0,05 como nível crítico.

A coorte foi analisada descritivamente, comparando-se as frequências de lactentes nascidos prematuros tardios com as de nascidos a termo, segundo variáveis socioeconômicas e demográficas maternas e de atenção à saúde pré e pós-natal, com significância avaliada pelos testes não paramétricos qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, considerando-se o valor crítico de p<0,05.

Em seguida, foi realizada análise de regressão logística bivariável, para estimar as razões de chances (em inglês, odds ratio [OR]) brutas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Nessa análise, a prematuridade tardia foi investigada como variável dependente ou de desfecho, e as características maternas de cunho demográfico, socioeconômico e obstétrico e de nascimento dos lactentes, como variáveis de exposição.

Em etapa posterior, a prematuridade tardia foi investigada como fator de risco (variável explicativa ou de exposição) para os seguintes desfechos: internação em unidade de terapia intensiva neonatal; utilização de ambulatório de especialidades; atendimento em unidade de pronto-socorro/pronto atendimento; internação hospitalar; e internação em unidade de terapia intensiva/unidade de cuidados intermediários após alta da maternidade e até 12 meses de idade.

Modelos de regressão logística brutos e múltiplos foram ajustados para cada desfecho separadamente, com as categorias ‘nascido a termo’ ou ‘prematuro tardio’ como variável de exposição. A seleção das covariáveis possíveis de atuar como confundidores das associações investigadas foi realizada por meio de análises bivariadas, adotando-se p<0,20 como nível crítico para sua inclusão. Nos modelos ajustados, a variável de exposição ‘prematuro tardio’ e covariáveis foram inseridas simultaneamente, e mantidas no modelo final. Calcularam-se as OR ajustadas e respectivos intervalos de confiança de 95%, sendo as associações consideradas significativas se p<0,05.

O modelo de regressão logística múltipla foi adotado por sua adequação a desfechos binários e com baixa frequência na população,12 quando há interesse de se avaliar a presença de associação e medir o efeito de uma variável de exposição ajustado por muitos potenciais confundidores.13,14

Os ajustes dos modelos finais foram avaliados pelo teste de Hosmer e Lemeshow. Todas as análises foram realizadas com o uso do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) em sua versão 21.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu (CEP/FMB/Unesp): Parecer nº 1.089.594, de 17 de outubro de 2013; Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 45017215.8.0000.5411. Todas as mães dos lactentes da coorte analisados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

No local e período do recrutamento para a coorte do estudo original, foram atendidos 923 recém-nascidos, dos quais 138 não corresponderam aos critérios de inclusão e foram considerados inelegíveis; 129 mães se recusaram a participar do estudo (16,4% entre os recém-nascidos elegíveis), configurando-se a amostra de 656 recém-nascidos na coorte original. Destes, 50 (7,6%) nasceram prematuramente, sendo 45 prematuros tardios e 5 prematuros moderados ou precoces. Ao longo do seguimento da coorte até o final do primeiro ano de vida, houve perdas: as mães de 51 (8,4%) lactentes nascidos a termo e de 3 (6,7%) prematuros tardios não foram localizados, 16 (2,6%) mães de nascidos a termo se recusaram a continuar participando do estudo e 1 (2,2%) prematuro tardio foi a óbito. Assim, a coorte analisada neste estudo resultou em 581 lactentes: 540 nascidos a termo e 41 prematuros tardios (Figura 2).

a) Denominador adotado para cálculo dos percentuais de entrevistas realizadas em cada etapa da coleta de dados; b) CLaB: coorte de lactentes de Botucatu.

Figura 2 Formação e acompanhamento da coorte de lactentes nascidos a termo e prematuros tardios, Botucatu, 2015-2017 

Na comparação do grupo de lactentes que completou o segmento da coorte (até 12 meses de idade) com o grupo das perdas, não foram verificadas diferenças significativas quanto às características demográficas, socioeconômicas e obstétricas maternas, e de nascimento dos lactentes analisados, com todos os valores de p>0,20; a exceção coube à variável ‘mãe com companheiro’, com p=0,141 (dados não apresentados em tabela).

Os prematuros tardios não se diferenciaram dos nascidos a termo quanto às características demográficas e socioeconômicas maternas, como renda familiar e situação de emprego do chefe da família. Tampouco houve diferença quanto à frequência de nascidos com Apgar <7 no 5º minuto de vida. A principal diferença a considerar foi observada no peso ao nascer: apresentaram baixo peso 39% dos prematuros tardios versus 2,2% dos nascidos a termo (Tabela 1).

Tabela 1 Características demográficas, socioeconômicas e obstétricas maternas e de nascimento dos prematuros tardios e nascidos a termo (n=581), Botucatu, 2015-2017 

Variáveis Total Prematuros tardios Nascidos a termo ORc (IC95%d) p-valora
(n=581) (n=41) (n=540)
n % n % n %
Idade materna (em anos) 0,947
<20 83 14,3 6 14,6 77 14,3 1,03 (0,42;2,53)
≥20 498 85,7 35 85,4 463 85,7 1,00
Mãe com companheiro 0,431
Não 76 13,1 7 17,1 69 13,0 1,41 (0,59;3,29)
Sim 505 86,9 34 82,9 471 87,0 1,00
Raça/cor da pele materna 0,594
Não branca 221 38,0 14 34,2 207 38,3 0,83 (0,43;1,63)
Branca 360 62,0 27 65,8 333 61,7 1,00
Anos de aprovação escolar materna 0,442b
<8 55 9,5 3 7,3 52 9,6 0,74 (0,22;2,48)
≥8 526 90,5 38 92,7 488 90,4 1,00
Trabalho materno 0,761
Não remunerado 242 41,7 18 43,9 224 41,5 1,10 (0,58;2,09)
Remunerado 339 58,3 23 56,1 316 58,5 1,00
Renda familiar per capita 0,092
<1 salário mínimo 457 78,7 28 68,3 429 79,4 0,56 (0,28;1,11)
≥1 salário mínimo 124 21,3 13 31,7 111 20,6 1,00
Emprego do chefe família 0,606b
Não 19 3,3 1 2,4 18 3,0 0,73 (0,09;5,57)
Sim 562 96,7 40 97,6 522 97,0 1,00
Mãe ou pai usuário de álcool ou droga 0,066
Sim 53 9,1 7 17,1 46 8,5 2,21 (0,93;5,27)
Não 528 90,9 34 82,9 494 91,5 1,00
Gestação bem aceita 0,411b
Não 46 7,9 4 9,7 42 7,8 1,28 (0,44;3,77)
Sim 535 92,1 37 90,3 498 92,2 1,00
Gestação de alto risco 0,418
Sim 63 10,8 6 14,6 57 10,5 1,45 (0,57;3,60)
Não 518 89,2 35 85,5 483 89,5 1,00
Primeiro filho 0,952
Sim 295 50,8 21 51,0 274 50,7 1,02(0,54;1,92)
Não 286 49,2 20 49,0 266 49,3 1,00
Sexo do recém-nascido 0,946
Masculino 323 55,6 23 56,0 300 55,6 1,02 (0,54;1,94)
Feminino 258 44,4 18 44,0 240 44,4 1,00
Apgar no 5º minuto de vida 0,307b
<7 5 0,9 1 2,5 4 0,7 3,35 (0,37;30,68)
≥7 576 99,1 40 97,5 536 99,3 1,00
Peso ao nascer
<2.500g 28 4,8 16 39,0 12 2,2 28,16 (12,04;65,83)
≥2.500g 553 95,2 25 61,0 528 97,8 1,00

a) Teste qui-quadrado de Pearson; b) Teste exato de Fisher; c) OR: odds ratio, obtida por regressão logística bivariável; d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Foi menor a proporção de mães de prematuros tardios que fizeram acompanhamento pré-natal em serviço público (OR=0,48 - IC95% 0,26;0,92) e com seis ou mais consultas de pré-natal (OR=0,17 - IC95% 0,08;0,34). Quanto ao tipo de parto, nasceram via cesariana 65,9% dos prematuros tardios versus 50,9% dos nascidos a termo, diferença que não alcançou a significância estatística estipulada (Tabela 2).

Tabela 2 Atenção à saúde recebida pelas mães de prematuros tardios e nascidos a termo no pré-natal, parto e maternidade e pelos lactentes do nascimento aos 12 meses de idade (n=581), Botucatu, 2015-2017 

Variáveis Total Prematuros tardios Nascidos a termo ORc (IC95%d) p-valora
(n=581) (n=41) (n=540)
n % n % n %
Acompanhamento pré-natal 0,023
Privado 202 34,8 20 48,8 182 33,7 0,48 (0,26;0,92)
Público 379 65,2 21 51,2 358 66,3 1,00
Número de consultas de pré-natale <0,001
<6 42 8,3 9 24,3 33 7,0 4,27 (1,86;9,79)
≥6 466 91,7 28 75,7 438 93,0 1,00
Grupo educativo no pré-natal 0,438b
Não 555 95,5 40 97,6 515 95,4 1,94 (0,26;14,70)
Sim 26 4,5 1 2,4 25 4,6 1,00
Serviço do parto 0,118
Privado 191 32,9 18 43,9 173 32,0 0,60 (0,32;1,15)
Público 390 67,1 23 56,1 367 68,0 1,00
Tipo de parto 0,065
Cesariana 302 52,0 27 65,9 275 50,9 1,86 (0,95;3,62)
Vaginal 279 48,0 14 34,1 265 49,1 1,00
Alojamento conjunto na maternidade <0,001
Não 57 9,8 14 34,2 43 8,0 5,99 (0,29;12,27)
Sim 524 90,2 27 65,8 497 92,0 1,00
Controle de glicemia na maternidade <0,001
Não 391 67,3 10 24,4 381 70,6 0,14 (0,06;0,28)
Sim 190 32,7 31 75,6 159 29,4 1,00
Controle de bilirrubina sérica na maternidade 0,844
Não 178 30,6 12 29,3 166 30,7 0,93 (0,46;1,87)
Sim 403 69,4 29 70,5 374 69,3 1,00
Serviço de puericultura 0,148
Privado 156 26,9 15 36,6 141 26,1 0,61 (0,32;1,19)
Público 425 73,1 26 63,4 399 73,9 1,00
Número de consultas agendadas no 1º ano 0,887
<6 306 52,6 22 53,7 284 52,6 1,05 (0,55;1,98)
≥6 275 47,4 19 46,3 256 47,4 1,00
Controle de glicemia no 1º anoe 0,983
Não 389 67,7 27 67,5 362 67,7 1,01 (0,51;2,00)
Sim 186 32,3 13 32,5 173 32,3 0,10
Acompanhamento do ganho de peso no 1º ano 0,770
Não 131 22,5 10 24,4 121 22,4 1,18 (0,53;12,34)
Sim 450 77,5 31 75,6 419 77,6 1,00
Acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor no 1º ano 0,635
Não 193 33,2 15 36,6 178 33,0 1,17 (0,61;2,27)
Sim 388 66.8 26 63,4 362 67,0 1,00
Vacinação completa no 1º ano 0,877
Não 122 21,0 9 21,0 113 20,9 0,06 (0,49;2,29)
Sim 459 79,0 32 79,0 427 79,1 1,00
Uso de sulfato ferroso no 1º ano 0,207b
Não 569 97.9 39 95,1 530 98,2 0,37 (0,08;1,74)
Sim 12 2,1 2 4,9 10 1,8 1,00

a) Teste qui-quadrado de Pearson; b) Teste exato de Fisher; c) OR: odds ratio, obtida por regressão logística bivariável; d) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Houve mais chance de recém-nascidos prematuros tardios não permanecerem em alojamento conjunto na maternidade (OR=5,99 - IC95% 0,29;12,27). Para esses lactentes, as ações de saúde mais frequentes após o nascimento foram o controle de glicemia na maternidade (75,6% versus 29,4%) e a prescrição de sulfato ferroso após a alta da maternidade (4,9% versus 1,8%), com significância estatística apenas para o controle da glicemia na maternidade (Tabela 2).

Pela análise bivariável, os lactentes prematuros tardios apresentaram mais chance de internação em unidade de terapia intensiva neonatal (OR=4,62 - IC95% 2,03;10,52) e menor chance de atendimento em unidade de pronto-socorro/pronto atendimento (OR=0,50 - IC95% 0,26;0,97), quando comparados aos lactentes nascidos a termo. Apesar da diferença entre lactentes prematuros tardios e nascidos a termo, quanto à frequência de internação em unidade de terapia intensiva/cuidados intermediários no primeiro ano de vida, essa associação não alcançou significância estatística pela análise bruta (OR=6,76 - IC95% 0,60;75,77). Não foram observadas associações entre prematuridade e utilização de ambulatório de especialidades, internação hospitalar ou internação em unidade de terapia intensiva/unidade de cuidados intermediários, no primeiro ano de vida (Tabela 3).

Tabela 3 Razão de chance de utilização de serviços de referência segundo prematuridade tardia (n=581), Botucatu, 2015-2017 

Variáveis Prematuros tardios Nascidos a termo ORa (IC95%b) p-valorc ORa (IC95%b) p-valorc
(n=41) (n=540)
n %d n %d
Unidade de terapia intensiva neonatal <0,001 <0,001
Sim 9 22,0 31 5,7 4,62 (2,03;10,52) 6,85e (2,56;18,34)
Não 32 78,0 509 94,3 1,00 1,00
Ambulatório de especialidades no 1º ano 0,948
Sim 5 12,2 64 11,8 1,03 (0,39;2,73)
Não 36 12,2 476 88,2 1,00
Unidade de pronto-socorro/pronto atendimento no 1º ano 0,039 0,445
Sim 24 58,5 398 73,7 0,50 (0,26;0,97) 0,73f (0,33;1,62)
Não 17 41,5 142 26,3 1,00 1,00
Hospitalização no 1º ano 0,519
Sim 6 14,6 58 10,7 1,43 (0,48;4,22)
Não 35 85,4 482 89,3 1,00
Unidade de terapia intensiva/unidade de cuidados intermediários no 1º ano 0,123 0,109
Sim 1 2,4 2 0,4 6,76(0,60;75,77) 9,00g (0,61;131,91)
Não 40 97,6 538 99,6 1,00 1,00

a) OR: odds ratio, obtida por regressão logística bivariável; b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Teste de Wald; d) Os percentuais foram apresentados nas colunas para facilitar a visualização das diferenças de ocorrência dos desfechos em expostos e não expostos; e) OR ajustada para renda familiar per capita, mãe/pai usuário de álcool/drogas, acompanhamento pré-natal, número de consultas de pré-natal, serviço do parto e tipo de parto; f) OR ajustada para renda familiar per capita, mãe/pai usuário de álcool/drogas, acompanhamento pré-natal, número de consultas de pré-natal, serviço de parto, tipo de parto, permanência em alojamento conjunto, controle de glicemia na maternidade, serviço de puericultura e acompanhamento do ganho de peso no 1º ano; g) OR ajustada para renda familiar per capita, mãe/pai usuário de álcool/drogas, acompanhamento pré-natal, serviço do parto e tipo de parto.

As análises ajustadas confirmaram maior chance de internação em unidade de terapia intensiva neonatal entre os prematuros tardios (OR=6,85 - IC95% 2,56;18,34), independentemente da renda familiar per capita, de os pais serem usuários de álcool/drogas, do caráter público ou privado do serviço de acompanhamento pré-natal e parto, do número de consultas de pré-natal e do tipo do parto (Tabela 3). O ajuste do modelo foi considerado adequado (p=0,471).

A associação entre prematuridade tardia e atendimento em unidade de pronto-socorro/pronto atendimento perdeu significância (OR=0,73 - IC95% 0,33;1,62), após os ajustes. Foi confirmada a ausência de associação entre prematuridade tardia e internação em unidade de terapia intensiva/unidade de cuidados intermediários após a alta da maternidade e até 12 meses de idade, pela análise ajustada (OR=9,00 - IC95% 0,61;131,91) (Tabela 3).

Discussão

A prematuridade tardia aumentou significativamente as chances de internação em unidade de terapia intensiva neonatal - mas não as chances de utilização de serviços de saúde de referência após a alta da maternidade. É possível que o achado se deva à falta de poder estatístico do estudo para identificar associações com desfechos de baixa frequência na população e, também, às características da coorte original. Como um dos critérios de inclusão foi o lactente contar menos de 30 dias de vida, a coorte pode ter deixado de incluir recém-nascidos com problemas de saúde que implicaram internação prolongada na maternidade, uma limitação para o presente estudo: os resultados têm validade para lactentes prematuros tardios que tiveram alta da maternidade antes de completarem 1 mês de vida. Outras limitações a serem consideradas são: a idade gestacional ao nascimento, obtida dos prontuários das maternidades onde os lactentes nasceram, com possíveis diferenças nos métodos de sua determinação; a falta de informações sobre a disponibilidade de redes de apoio ou de outros recursos sociais que pudessem influenciar nos desfechos estudados; e o percentual de 12,6% de ausência de informação sobre o número de consultas de pré-natal.

O desenho metodológico do estudo, uma coorte prospectiva, permitiu obter e analisar as variáveis de interesse ao longo do primeiro ano de vida de lactentes nascidos prematuros tardios e a termo, reduzindo o risco de viés de informação. O baixo percentual de perdas de seguimento, completude das informações, e a ausência de diferenças entre características dos lactentes que completaram o seguimento e os demais, também reforçam a validade da pesquisa.

A situação da atenção à saúde durante o pré-natal e na maternidade foi mais negativa para os prematuros tardios, comparados aos nascidos a termo, excetuando-se o controle de glicemia na maternidade, uma ação especialmente recomendada.7 Entre os prematuros tardios, houve menor demanda de consultas de pré-natal pelas mães, e menor permanência em alojamento conjunto, diferenças estas significância estatística. Entretanto, ambos os grupos apresentaram resultados insatisfatórios quanto à recomendação para participação das mães em grupos educativos, no período pré-natal.15

O número de consultas individuais clínicas de pré-natal recomendado pelo Ministério da Saúde, todavia realizado com menor frequência pelas mães dos prematuros tardios, comparadas às mães dos nascidos a termo, era um resultado esperado, já que as primeiras tiveram menos tempo para atender a essa recomendação.11,16

O período pré-natal é uma época de preparação física e psicológica para o parto e a maternidade e, como tal, um momento de profícuo e intenso aprendizado, tanto para a gestante como para o profissional de saúde. Para este, durante o acompanhamento pré-natal, traz a oportunidade da plena ciência do processo de gestação, e da educação em saúde como dimensão do processo de cuidar; e para a gestante, dá a possibilidade não apenas de receber o cuidado físico e educativo, mas, também, de conhecer todo o plano de ação para o nascimento saudável de sua criança, esclarecer dúvidas e manifestar suas opiniões,10 além de reduzir e até dirimir ansiedades e medos relacionados ao período gravídico e puerperal.15,17,18 Nesse sentido, a frequência às consultas clínicas individuais e a participação em grupos educativos são fundamentais para assegurar a qualidade da atenção pré-natal. Faltas e omissões nesses dois aspectos da atenção à saúde pré-natal revelaram-se, em outros estudos, fatores de risco de nascimento prematuro.17,18

A maior chance de prematuros tardios terem nascido com baixo peso confirma a vulnerabilidade biológica inerente a estes, de apresentarem complicações neonatais, como também de não usufruírem da permanência em alojamento conjunto com suas mães, haja vista sua necessidade de atenção diferenciada na maternidade.2,4 Estas condições adversas contribuem para a associação detectada entre prematuridade tardia e internação em unidade de terapia intensiva neonatal, e a elevada magnitude de seu efeito, não obstante o amplo intervalo de confiança verificado. Alinhado a esse resultado, estudo realizado na Turquia, ao comparar internações de 605 prematuros tardios e 1.477 nascidos a termo em unidade de terapia intensiva neonatal de um grande centro de atendimento perinatal, encontrou frequência três vezes maior de internações nos prematuros tardios.19

A ausência de associação entre prematuridade tardia e os desfechos relacionados à utilização de serviços de referência, após a alta da maternidade e até os primeiros 12 meses, contraria resultados da literatura. Uma pesquisa nos Estados Unidos identificou, em prematuros tardios, risco aumentado de intercorrências de saúde, seja durante o período na maternidade, seja após a alta, com aumento de internações hospitalares e mais gastos com saúde no primeiro ano de vida.20 O estudo norte-americano contou com amostra de aproximadamente, 20 mil lactentes, um quarto deles prematuros tardios e os demais nascidos a termo. O tamanho amostral do estudo citado explica as diferenças estatisticamente significativas encontradas, mesmo com proporções próximas, por exemplo, de 14,2% dos prematuros tardios versus 11,8% nos nascidos a termo que foram internados em hospital pelo menos uma vez, após a alta da maternidade.20 A frequência de internações hospitalares neste estudo de coorte de Botucatu foi semelhante: 14,6% dos prematuros tardios versus 10,7% dos nascidos a termo.

Uma revisão sistemática, incluindo 52 artigos publicados entre 1998 e 2016, sobre utilização de serviços de saúde por prematuros tardios e nascidos a termo, desde a alta da maternidade até a idade adulta, concluiu que prematuros tardios estão sob maior risco de internações hospitalares por todas as causas, durante o período neonatal e mais além, até a adolescência, além do risco de maior frequência na utilização de outros tipos de serviços de saúde.5 Especificamente sobre internação hospitalar após a alta da maternidade e até 1 ano de vida, foram analisados, conjuntamente, os resultados de quatro estudos: 2 realizados nos Estados Unidos, um no Brasil e outro na Austrália. As frequências de internações hospitalares foram 2 a 4 pontos percentuais mais altas nos prematuros tardios, segundo os resultados de ambos os estudos norte-americanos e do brasileiro, justamente próximas às frequências observadas em Botucatu; apenas no estudo australiano, a diferença percentual foi de 9 pontos para os prematuros tardios, sobre os nascidos a termo.5

Além do pequeno tamanho amostral do presente estudo, uma hipótese para a ausência de associação entre prematuridade tardia e utilização de serviços de referência no primeiro ano de vida seria a melhor qualidade dos serviços oferecidos pela Atenção Primária do Sistema Único de Saúde, frente à demanda diferenciada dos prematuros tardios. Contudo, essa hipótese não encontra apoio nos resultados, quando se sabe que os prematuros tardios não foram favorecidos em ações importantes, a exemplo do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança.6,7 Uma segunda hipótese estaria no fato de os prematuros tardios pesquisados e suas famílias terem contado com redes de apoio e/ou recursos sociais que os protegessem dos problemas de saúde pós-natais decorrentes da prematuridade.6,21 Não se pode explorar essa possibilidade, entretanto, divido à ausência desse dado na pesquisa.

Em síntese, o presente estudo identificou características e repercussões da prematuridade tardia, mostrando diferenças frente ao nascimento a termo, com potencial para servir de subsídio na qualificação da atenção à saúde sob esse agravo, no contexto estudado e noutros semelhantes. Os lactentes nascidos prematuros tardios diferenciaram-se dos nascidos a termo ao apresentarem maior frequência de baixo peso ao nascer e menor frequência de realização de pré-natal em serviço público de saúde, cumprimento do número mínimo preconizado de consultas de pré-natal e permanência em alojamento conjunto na maternidade, com maior chance de internação em unidade de terapia intensiva neonatal. Após a alta da maternidade e até completarem 12 meses de vida, não houve diferença quanto à utilização de serviços de referência por lactentes prematuros tardios e nascidos a termo, resultado contrário ao esperado após consulta à literatura. O baixo poder estatístico da amostra e a possibilidade de a coorte ter deixado de incluir recém-nascidos que permaneceram em hospitalização prolongada após o nascimento podem ter contribuído para esses resultados.

Estudos futuros com amostras maiores, contemplando todos os prematuros tardios, inclusive aqueles que permanecerem internados em maternidade por longo período, são recomendados, visando aprofundar o conhecimento sobre os efeitos desse agravo na utilização de serviços de saúde ao longo do primeiro ano de vida.

Referências

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1Artigo derivado de tese de doutorado intitulada ‘Atenção à saúde de coorte de recém-nascidos prematuros tardios durante o primeiro ano de vida’, defendida por Maria Cristina Heinzle da Silva Machado junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ (Unesp), em 2018. O estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp: Processo nº 2015/03256-1); e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Ministério da Educação (Capes/MEC), mediante concessão de bolsa de demanda social de doutorado para Anna Paula Ferrari.

Recebido: 04 de Setembro de 2020; Aceito: 04 de Dezembro de 2020

Endereço para correspondência: Aline Fernanda Palombarini Santiloni - Rua Dr. José Barbosa de Barros, nº 1540, Bloco 2, Apto. 204, Jardim Paraíso, Botucatu, SP, Brasil. CEP: 18610-307. E-mail:alinefernanda_pal@yahoo.com.br

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Contribuição das autoras

Machado MCHS e Tonete VLP contribuíram com a concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Carvalhaes MABL e Parada CMGL contribuíram com a análise e interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito. Santiloni AFP e Ferrari AP contribuíram com a interpretação dos dados, revisão crítica do conteúdo e redação do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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